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quinta-feira, 15 de abril de 2021

Enjeitado ou coniventes?

 


As reações à pronúncia para com um ex-governante da mesma cor de quem agora exerce o poder tem tanto de questionável quanto de revelador das reais condutas de quem ocupa os lugares de comando, hoje como ontem. Sem qualquer juízo moral ou outra intenção sinto que este episódio nacional não pode passar na espuma do tempo nem tão pouco ser lido, visto ou interpretado de forma leve nem leviana.

 

1. Efetivamente como é possível alguém ser tão enjeitado pelos seus pares – se bem que se tenha desfiliado – quando foi a única personalidade que lhes deu maiores glórias eleitorais? Uma boa parte dos atuais dirigentes e governantes constituíram equipa, quando dirigida por quem agora foi formalmente acusado. Alguém acredita na possível não-contaminação com que agora é tão rejeitado? Será esta forma de proceder – fugir de quem os conduziu sob aplausos e encómios, estando agora na mó de baixo – digna, aceitável e correta para o comum dos mortais com sentimentos e com um mínimo de memória? Poderá ser considerado normal o ruidoso silêncio e a indisfarçável mudes cúmplice, senão traiçoeira, desonesta e conivente? Este ‘lixo tóxico’ novamente lançado ao vento não deixará consequências na volatilidade eleitoral? Não dá a impressão que alguns com mentalidade de avestruz – enfiar a cabeça e na areia, julgando que o perigo passa – irão colher os resultados de certas cobardias?  

 

2. Por outro lado, cheiram a desequilíbrio emocional e quase mental as reações desabridas do ‘acusado’. Decorridos que foram quase oito anos fervilham ainda à flor da pele atitudes de quem não aprendeu nada com o passado recente. Alguém normal apareceria – coisa que seria escusada até ao apuramento da verdade, se tal for possível – mais humilde e comedido, mais sensato e contido, mais sereno e apreensivo. O que vimos foi alguém altivo e provocador, impante e sobranceiro, irascível e rude… desde a imagem até às palavras, passando pela mensagem de quem não aprendeu que, na vida, se cresce descendo, senão na humildade ao menos pela humilhação.

 

3. Deixo algumas das lições que vou colhendo deste ‘espetáculo’ para o meu amadurecimento de vida:

a) De pouco adianta parecer, se não se for o que se pretende manifestar, isto é, o dinheiro, embora pague, não compra a dignidade de ninguém;

b) Na hora da verdade os que se diziam ‘amigos’ convertem-se facilmente em estranhos, mesmo que possam dever-nos favores;

c) Como diz o nosso povo: ‘o diabo tapa, mas Deus descobre’, isto é, nada há escondido, mesmo que bem encoberto, que não se venha a saber, mais tarde ou mais cedo;

d) Por muito esperto que se seja ou pretenda fazer passar, haverá sempre um momento de distração em que os outros, na sua inteligência, perceberão a nossa incoerência, falta de verdade ou mesmo a mentira, que só nós não tínhamos percebido;

e) Os erros dos outros são o nosso mais que exigente exame-de-consciência ou até o espelho mais nítido da nossa vida mais subtil;

f) A vida não decorre sempre em linha reta, os percalços (curvas, acidentes ou problemas), devidamente assumidos, contribuem para que não cometamos os mesmos erros nem nos sintamos tão importantes ou imprescindíveis como julgávamos;

g) Mais do que ficar azedo ou amargurado, precisamos de aprender – recebendo e dando – o perdão, pois esse é nitidamente dádiva divina…

 

4. Muito boa gente precisa de se questionar quanto ao sucesso das suas ações. Deixo uma alusão ao episódio da entrada de Jesus em Jerusalém, pois o jumento, que transportava Jesus, ao ouvir as palmas, em jeito de aplauso, julgou que eram para ele, quando se esqueceu que eram antes para Aquele que transportava… Assim na vida, muitas palmas que queríamos que fossem para nós, são, afinal, para quem as merece, não nós!

   

António Sílvio Couto

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