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terça-feira, 6 de abril de 2021

Avental ou toalha…no lava-pés?


 No evangelho de São João, capítulo 13, lemos que Jesus ‘levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura’ (vv. 4-5). O que está em causa, neste contexto, é saber como designar ‘isso’ que Jesus colocou à cintura e com ‘a qual’ enxugara os pés aos discípulos.

O termo grego é ‘lention’ no v. 4 e ‘lentiu’ no v. 5. Que a Bíblia dos capuchinhos traduz por ‘toalha’ e não por ‘avental’…embora na possibilidade de sinónimo este possa ser uma alternativa. Também em latim, tradução da Vulgata, nos aparece a referência a ‘linteum’ (v. 4) e ‘linteo’ (v. 5) para referir a peça com que Jesus se cingiu e com que limpou os pés aos seus discípulos… No grego clássico ‘avental’ diz-se ‘podia’ e em latim: ‘abante’.

Por que poderá surgir, então, uma referência a ‘avental’ como hipótese de tradução? Será um termo correto e recomendável, sabendo o possível impacto que tem ‘avental’ em certos círculos sociopolíticos?

Deixo a transcrição de uma homilia proferida por um prelado na tarde/noite da passada quinta-feira santa:

Nesta noite, Ele [Jesus] manifesta dois gestos de amizade: o primeiro é lavar os pés, algo reservado aos servos dos grandes senhores, um gesto de carinho. Pedro tem reservas mas Jesus diz-lhe se não lhe lavar os pés não tem lugar consigo.
“Tomou o avental do serviço, para servir, para lavar os pés, para que eles entendessem o que significa ser mestre, o que significa ser Deus, que gosta deles. Ele tem gosto de lavar os pés, não se humilha, não é uma obrigação ou um ato de humildade: é um ato de carinho. É assim que têm de fazer uns aos outros. Têm que aprender o que é ser mestre e senhor”... “Hoje em dia, o avental são as máscaras que usamos. Faz parte do nosso serviço, no cuidado aos outros”.

O segundo gesto é o momento em que Jesus apresenta o pão e o vinho: “Trouxe o pão e Deus graças a Deus. Mas juntou algo de estranho, que não estava no ritual. Diz: ‘Este Pão, tomai e comei, este é o meu corpo que será entregue por vós.’ Ele sabe o que está para vir, e entregou este pão, que era ele mesmo”.

 Lido e meditado o que este senhor Bispo nos quis dizer, fica-me – desculpando a atitude e talvez a ousadia – uma necessidade de discordar em que se prefira ‘avental’ a ‘toalha’, pois com aquele não será fácil, possível ou cómodo enxugar os pés, seja a quem for…

Não seria mais advertível não usar termos que possam confundir, senão os incautos ao menos os desconfiados? Numa época em que precisamos de saber distinguir as águas e as correntes, não seria mais avisado evitar equívocos de linguagem e talvez de comportamentos?

Atendendo aos contextos algo controversos em que certas matérias de secretismo têm sido discutidas, recentemente, na nossa praça – pública, política e de comunicação social – não teria sido preferível não envolver este gesto de Jesus, na última ceia, como uma acha escusada numa fogueira que sempre crepita, quando estão em causa – e muitas vezes em luta – questões e temas fraturantes, mesmo no seio da Igreja católica?

Como, em tantos outros momentos de discussão, parece que será recomendável distinguir entre a batina e o avental, não fazendo crer que incompatibilidades do passado foram obnubiladas ou resolvidas de forma tácita. A todos é benéfico que haja clareza de palavras, de intenções e de comportamentos, pois se deixarmos entrar a traça da dúvida ou o vírus da harmonização do menor-denominador-comum bem depressa seremos vítimas da nossa confusão, senão mesmo da apatia neste clima de tanto-faz…

Só a vacina da Verdade, da coerência e da humildade nos fará tomar a toalha do serviço, como Jesus, sem trejeitos de mistura ou de qualquer outra coisa que não seja viver na Luz…

Avental, não, obrigado!    

 

António Sílvio Couto

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