No evangelho de São João, capítulo 13, lemos que Jesus ‘levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura’ (vv. 4-5). O que está em causa, neste contexto, é saber como designar ‘isso’ que Jesus colocou à cintura e com ‘a qual’ enxugara os pés aos discípulos.
O termo
grego é ‘lention’ no v. 4 e ‘lentiu’ no v. 5. Que a Bíblia dos capuchinhos
traduz por ‘toalha’ e não por ‘avental’…embora na possibilidade de sinónimo
este possa ser uma alternativa. Também em latim, tradução da Vulgata, nos
aparece a referência a ‘linteum’ (v. 4) e ‘linteo’ (v. 5) para referir a peça
com que Jesus se cingiu e com que limpou os pés aos seus discípulos… No grego
clássico ‘avental’ diz-se ‘podia’ e em latim: ‘abante’.
Por que
poderá surgir, então, uma referência a ‘avental’ como hipótese de tradução?
Será um termo correto e recomendável, sabendo o possível impacto que tem
‘avental’ em certos círculos sociopolíticos?
Deixo a
transcrição de uma homilia proferida por um prelado na tarde/noite da passada
quinta-feira santa:
“Nesta noite, Ele [Jesus] manifesta dois gestos de amizade: o primeiro
é lavar os pés, algo reservado aos servos dos grandes senhores, um gesto de
carinho. Pedro tem reservas mas Jesus diz-lhe se não lhe lavar os pés não tem
lugar consigo.
“Tomou o avental do serviço, para servir, para lavar os pés, para que eles
entendessem o que significa ser mestre, o que significa ser Deus, que gosta
deles. Ele tem gosto de lavar os pés, não se humilha, não é uma obrigação ou um
ato de humildade: é um ato de carinho. É assim que têm de fazer uns aos outros.
Têm que aprender o que é ser mestre e senhor”... “Hoje em dia, o avental são as
máscaras que usamos. Faz parte do nosso serviço, no cuidado aos outros”.
O segundo gesto é o momento em que Jesus
apresenta o pão e o vinho: “Trouxe o pão e Deus graças a Deus. Mas juntou algo
de estranho, que não estava no ritual. Diz: ‘Este Pão, tomai e comei, este é o
meu corpo que será entregue por vós.’ Ele sabe o que está para vir, e entregou
este pão, que era ele mesmo”.
Não
seria mais advertível não usar termos que possam confundir, senão os incautos
ao menos os desconfiados? Numa época em que precisamos de saber distinguir as
águas e as correntes, não seria mais avisado evitar equívocos de linguagem e
talvez de comportamentos?
Atendendo
aos contextos algo controversos em que certas matérias de secretismo têm sido
discutidas, recentemente, na nossa praça – pública, política e de comunicação
social – não teria sido preferível não envolver este gesto de Jesus, na última
ceia, como uma acha escusada numa fogueira que sempre crepita, quando estão em
causa – e muitas vezes em luta – questões e temas fraturantes, mesmo no seio da
Igreja católica?
Como, em
tantos outros momentos de discussão, parece que será recomendável distinguir
entre a batina e o avental, não fazendo crer que incompatibilidades do passado
foram obnubiladas ou resolvidas de forma tácita. A todos é benéfico que haja
clareza de palavras, de intenções e de comportamentos, pois se deixarmos entrar
a traça da dúvida ou o vírus da harmonização do menor-denominador-comum bem
depressa seremos vítimas da nossa confusão, senão mesmo da apatia neste clima
de tanto-faz…
Só a
vacina da Verdade, da coerência e da humildade nos fará tomar a toalha do serviço,
como Jesus, sem trejeitos de mistura ou de qualquer outra coisa que não seja
viver na Luz…
Avental,
não, obrigado!
António Sílvio Couto
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