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terça-feira, 13 de abril de 2021

Das raízes aos frutos… da (nossa) pobreza


Foram recentemente divulgadas informações sobre a pobreza em Portugal. Segundo dados relativos a 2019 haveria no nosso país 1,6 milhões de pessoas em situação de risco de pobreza, isto é, 16,2%, o que traduzidos noutros números daria quase dois ‘pobres’ por cada dez portugueses…tudo isto sem ter acontecido a pandemia de 2020 e subsequentes.

Mais do que desfilar números sobre os pobres, importa, efetivamente, encontrar as causas da pobreza, embora combatendo tenazmente as consequências. Recordo as palavras de um reputado sociólogo católico e com grande intervenção nas questões sociais: mais do que lutar contra a pobreza e as suas manifestações é essencial ir à raiz dos problemas ou continuaremos a ter uma reprodução de mais pobres, pois estes reproduzem-se em larga escala não só na quantidade como na falta de qualidade.

1. Qual é a bitola, segundo a qual se considera alguém no limiar da pobreza? Desde quanto é que alguém pode usufruir de apoios na luta contra a pobreza, pessoal, familiar ou de grupo? Haverá alguma pobreza estrutural, mais do que meramente social? Para além dos ‘pobres profissionais’ como poderemos detetar os que vivem à custa do (pretenso) trabalho com os pobres? Numa palavra: não há tanta gente – na política, do sindicalismo, da comunicação social e até das coisas da religião – que sobrevive porque lhes interessa que haja pobres?

2. É considerado ‘pobre’ quem tenha um rendimento líquido inferior a 6.480 euros anuais (540 euros por mês). Segundo os dados publicados, tendo em conta os pobres acima dos dezoito anos, o leque dos atingidos abrange as seguintes situações: 32,9% são trabalhadores, 27,5% reformados, 26,6 % precários e 13 % desempregados... O maior problema são os baixos salários.

3. Se atendermos ao indicador que conjuga as condições de risco de pobreza, de privação material severa e de intensidade laboral per capita muito reduzida poderemos verificar que mais de dois milhões de pessoas se encontravam em risco de pobreza ou de exclusão social, em 2020, e, tendo em conta os rendimentos do ano anterior, numa percentagem próxima dos vinte por cento.

4. Outro dado que pode ser tido na abordagem ao tema da pobreza (ou da riqueza, segundo a perspetiva) é o da declaração do rendimento médio bruto deduzido pelo IRS. Assim em 2018 o valor médio, em Portugal, foi cerca de nove mil euros. Se tivermos em vista o conjunto dos concelhos veremos que um quinto apresentou valores medianos superiores àquele dado nacional, sendo dezoito da área metropolitana de Lisboa e outros tantos da região centro, treze no Alentejo, seis no norte… Por outro lado, em cinquenta e cinco municípios, sobretudo na região norte, o valor mediano do rendimento bruto declarado deduzido do IRS liquidado por sujeito passivo não atingiu sete mil e quinhentos euros.

5. Se tivermos ainda presente o adágio – diz-me onde moras (ou como moras) e direi quem tu és – poderemos conhecer um tanto melhor a nossa população, atendendo aos rendimentos e às condições de vida. Assim, segundo dados conhecidos, cerca de dez por cento dos inquiridos vivia em alojamento com sobrelotação, com particular incidência no Algarve e nos Açores. Ainda há cerca de cinco por cento da população que vive com problemas habitacionais, tais como a falta de água para a higiene, infiltrações ou humidades nos espaços e insuficiente luz natural na casa. As despesas familiares com a habitação era de mais de dez por cento, em 2019…

6. Numa palavra: a pobreza é caleidoscópica, pois nela se entrecruzam vários aspetos, incidências e necessidades: rendimentos resultantes do trabalho (emprego, precariedade, desemprego, reforma); da capacitação pessoal, familiar, profissional, social ou cultural; da habitação, meio ambiente, compromisso político; dimensão psicológica ou vertente espiritual. Com efeito, a pobreza não pode continuar a ser um quase-estado de vida de uns tantos expostos por outros, mesmo que tentando fazer dos desfavorecidos o alvo da sua promoção. A pobreza (material e/ou psicológica) é prima da indignidade e não se podem tornar ambas fatores de continuidade na exploração, hoje como ontem!

De pouco adiantará lançar dinheiro – em subsídios, promoções, campanhas ou reivindicações – sobre a pobreza se não formos capazes de cuidar dos pobres sem paternalismo, mas fazendo-os atores da sua própria dignificação. Precisamos de evangelizar os ricos, pois estes, tocados por Deus, farão diminuir os pobres… 

 

António Sílvio Couto

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