Foram recentemente divulgadas informações sobre a pobreza em Portugal. Segundo dados relativos a 2019 haveria no nosso país 1,6 milhões de pessoas em situação de risco de pobreza, isto é, 16,2%, o que traduzidos noutros números daria quase dois ‘pobres’ por cada dez portugueses…tudo isto sem ter acontecido a pandemia de 2020 e subsequentes.
Mais do
que desfilar números sobre os pobres, importa, efetivamente, encontrar as
causas da pobreza, embora combatendo tenazmente as consequências. Recordo as
palavras de um reputado sociólogo católico e com grande intervenção nas
questões sociais: mais do que lutar contra a pobreza e as suas manifestações é
essencial ir à raiz dos problemas ou continuaremos a ter uma reprodução de mais
pobres, pois estes reproduzem-se em larga escala não só na quantidade como na
falta de qualidade.
1. Qual é a bitola, segundo a qual
se considera alguém no limiar da pobreza? Desde quanto é que alguém pode
usufruir de apoios na luta contra a pobreza, pessoal, familiar ou de grupo?
Haverá alguma pobreza estrutural, mais do que meramente social? Para além dos
‘pobres profissionais’ como poderemos detetar os que vivem à custa do (pretenso)
trabalho com os pobres? Numa palavra: não há tanta gente – na política, do
sindicalismo, da comunicação social e até das coisas da religião – que
sobrevive porque lhes interessa que haja pobres?
2.
É considerado ‘pobre’ quem tenha um rendimento líquido inferior a 6.480 euros
anuais (540 euros por mês). Segundo os dados publicados, tendo em conta os
pobres acima dos dezoito anos, o leque dos atingidos abrange as seguintes
situações: 32,9% são trabalhadores, 27,5% reformados, 26,6 % precários e 13 %
desempregados... O maior problema são os baixos salários.
3. Se atendermos ao indicador que
conjuga as condições de risco de pobreza, de privação material severa e de
intensidade laboral per capita muito reduzida poderemos verificar que mais de
dois milhões de pessoas se encontravam em risco de pobreza ou de exclusão
social, em 2020, e, tendo em conta os rendimentos do ano anterior, numa
percentagem próxima dos vinte por cento.
4. Outro dado que pode ser tido na
abordagem ao tema da pobreza (ou da riqueza, segundo a perspetiva) é o da
declaração do rendimento médio bruto deduzido pelo IRS. Assim em 2018 o valor
médio, em Portugal, foi cerca de nove mil euros. Se tivermos em vista o
conjunto dos concelhos veremos que um quinto apresentou valores medianos
superiores àquele dado nacional, sendo dezoito da área metropolitana de Lisboa
e outros tantos da região centro, treze no Alentejo, seis no norte… Por outro
lado, em cinquenta e cinco municípios, sobretudo na região norte, o valor
mediano do rendimento bruto declarado deduzido do IRS liquidado por sujeito
passivo não atingiu sete mil e quinhentos euros.
5. Se tivermos ainda presente o
adágio – diz-me onde moras (ou como moras) e direi quem tu és – poderemos
conhecer um tanto melhor a nossa população, atendendo aos rendimentos e às
condições de vida. Assim, segundo dados conhecidos, cerca de dez por cento dos
inquiridos vivia em alojamento com sobrelotação, com particular incidência no
Algarve e nos Açores. Ainda há cerca de cinco por cento da população que vive
com problemas habitacionais, tais como a falta de água para a higiene,
infiltrações ou humidades nos espaços e insuficiente luz natural na casa. As
despesas familiares com a habitação era de mais de dez por cento, em 2019…
6. Numa palavra: a pobreza é
caleidoscópica, pois nela se entrecruzam vários aspetos, incidências e
necessidades: rendimentos resultantes do trabalho (emprego, precariedade,
desemprego, reforma); da capacitação pessoal, familiar, profissional, social ou
cultural; da habitação, meio ambiente, compromisso político; dimensão
psicológica ou vertente espiritual. Com efeito, a pobreza não pode continuar a
ser um quase-estado de vida de uns tantos expostos por outros, mesmo que
tentando fazer dos desfavorecidos o alvo da sua promoção. A pobreza (material e/ou
psicológica) é prima da indignidade e não se podem tornar ambas fatores de
continuidade na exploração, hoje como ontem!
De pouco
adiantará lançar dinheiro – em subsídios, promoções, campanhas ou
reivindicações – sobre a pobreza se não formos capazes de cuidar dos pobres sem
paternalismo, mas fazendo-os atores da sua própria dignificação. Precisamos de
evangelizar os ricos, pois estes, tocados por Deus, farão diminuir os pobres…
António Sílvio Couto
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