À
luz dos textos bíblicos das manifestações d’O Ressuscitado, que lemos e
meditamos nesta oitava da Páscoa, sinto, hoje, vergonha pela falta de ousadia e
não menor complexidade por fazer parte – mesmo como padre – de uma época onde
os cristãos quase-hibernaram e se esconderam na hora de darem testemunho.
Atendendo
à já décima-quarta declaração do ‘estado de emergência’ e ainda no rescaldo do
segundo momento geral de confinamento...mesmo que à espera de novos recaimentos,
sinto-me desafiado a colocar alguns pontos de reflexão a, nós claramente, menos
bons cristãos neste tempo de crise e de provocação. Por uma questão
metodológica vou seguir as palavras que nos aparecem nos relatos da
ressurreição...em ritmo litúrgico.
1. ‘Não tenhais medo’ (Mt 28,5), Ao vermos o
recurso, por antecipação algo esquisita, dos nossos responsáveis eclesiais a
fugirem da dificuldade da propagação do vírus, no contexto dos templos,
questiono: será que a prudência agora se tornou numa nova forma de submissa cobardia?
2. ‘Não Me detenhas, porque ainda não subi para
o Pai’ (Jo 20, 17). Ao sermos mais incentivados à resignação negativa do
que a estarmos preparados para alguma resistência às leis contra a fé (cf. artigo
21.º da Constituição da República Portuguesa, sobre o direito de resistência),
pergunto se a presunção do medo não tomou o lugar do ardor da evangelização e
do martírio cristão?
3. ‘Fica connosco, pois a noite vai caindo e o
dia já está no ocaso’ (Lc 24, 29). Ao vermos a deserção de tantos dos
cristãos antes ‘praticantes’, como que assumo a inquietação duma pergunta
atroz, neste momento de quase-colapo: por que fugiram os que antes ocupavam os
lugares na igreja, foi porque não tinham razões de celebrar ou porque eram
espetadores de cerimónias sem nexo?
4. ‘Abriu-lhes, então,o entendimento para
compreenderem as Escrituras’ (Lc 24, 45). Na constatação de tantos anos de
‘catequese’ – mais escolarizada do que querigmática – e ao vemos que, na hora
da dificuldade, uma boa parte desapareceu, questiono se não devemos mudar de
método e de sistema, dando mais lugar e significado à presença e à participação
da família? Depois dum certo ritualismo, seremos inovadores na aprendizagem da
Palavra de Deus?
5. ‘Lançai a rede para o lado direito do barco e
haveis de encontrar’ (Jo 21,6). Com alguma tristeza vemos crescer o
desânimo entre todos – hierarquia, religiosos e leigos – não se vislumbrando
résteas de esperança. Perpassa-me pela mente e, sobretudo, pelo coração alguma
inquietude sobre o futuro. Até onde irá a acomodação? Seremos capazes de
aprender com humildade nesta etapa de humilhação?
6. ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai o
Evangelho a toda a criatura’ (Mc 16,15). Perante as atitudes de
encolhimento de tantos/as, torna-se algo complicado destoar da normalidade
medíocre. Até onde irá a religião de sofá, aliada às pantufas de conveniência?
Teremos ainda quem olhe mais para os outros e menos para si? Haverá coragem de sair do ‘culto virtual’ para
enfrentar o incómodo da vivência comunitária?
7. ‘Tomé, um dos Doze, não estava com eles
quando veio Jesus’ (Jo 20,24). Não basta dizer, é preciso testemunhar. Com
tanta gente ausente, torna-se complicado reunir as condições mínimas e
suficientes para termos uma Igreja viva, atuante e interpelativa. Qual será o
testemunho de compromisso que vamos passar às gerações vindouras?
Não
quis dar lições. Somente exprimi inquietações... Será que ainda se lê e alguém escuta?
António Sílvio Couto
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