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terça-feira, 7 de março de 2023

Simão e Pedro

 

«Simão Pedro oferece-nos a imagem do ministério desta tensão salutar. O Senhor educa-o e, gradualmente, forma-o e exercita-o para permanecer assim: Simão e Pedro. O homem comum, com as suas contradições e fraquezas, e o homem que é Pedra, o que tem as chaves, o que guia os outros. Quando André o leva a Cristo assim como está, vestido de pescador, o Senhor dá-lhe o nome de Pedra. Acabara apenas de elogiar a sua confissão de fé, que vem do Pai, e já o repreende duramente porque tentado a escutar a voz do espírito maligno quando diz a Jesus para pôr de lado a cruz. Convidá-lo-á a caminhar sobre as águas e deixá-lo-á começar a afundar no seu próprio medo, para de imediato lhe estender a mão; logo que se confessa pecador, dar-lhe-á a missão de ser pescador de homens; interrogá-lo-á repetidamente sobre o seu amor, fazendo-lhe sentir pesar e vergonha pela sua deslealdade e covardia, mas também três vezes lhe confiará o pastoreio das suas ovelhas. Sempre estes dois polos»…

Esta reflexão foi feita pelo Papa Francisco, em junho de 2016, no decorrer de uma meditação dum retiro para padres, na Basílica de São João de Latrão, Roma.
Decorridos quase sete anos, esta citação poderá servir-nos para enquadrar tantas das intervenções por ocasião das ‘leituras’ do relatório da ‘comissão independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja católica’, em Portugal, (13 de fevereiro) e ainda das ‘interpretações’ da conferência de imprensa da ‘conferência episcopal portuguesa’ (3 de março)...
De facto, de dentro e de fora do circuito da Igreja católica temos visto e ouvido posições que mais parecem posições de contra-ataque do que tomadas de posição sensatas e sérias, com conteúdo e sem alarde individualista; de quem se conhece e de quem reconhece nos outros os seus próprios erros; de quem defende a vida dos inocentes e não de quem prefere a morte dos pecadores; de quem quer aprender com a história e não de quem se entretém com estórias; de quem sabe que vive em condição terrena e não de quem tenta inventar ‘céus’ para si e ‘infernos’ para os outros; de quem tenta ler os sinais de Deus nas coisas simples e não de quem aligeira o fardo quando é posto em causa...

- Não está em causa ilibar ninguém, se cometeu erros. Não podemos tentar varrer para debaixo do tapete qualquer ato de ninguém que possa ter prevaricado. Não está posta, de forma alguma, a possibilidade de querer inocentar quem possa ser doente nem que tenha cometido qualquer crime.

- Precisamos, sim, de saber distinguir os atos da pessoa da função da mesma. Ora, isso necessitará de reflexão serena e não tão apaixonada como certas figuras tentam imiscuir-se nas coisas da Igreja, dando a entender que pretendem, sobretudo, destruir a função com a condenação de quem tais coisas praticou. Considero que parece haver um propósito - tácito ou consertado - de atingir os ‘ministros’ da Igreja e as funções espirituais que desempenham…senão todas, algumas. Desde logo tudo quanto possa estar ligado ao sacramento da penitência - acolhimento, confissão ou acompanhamento espiritual - bem como às intervenções de âmbito religioso nas missas, especialmente no que refere àquilo que se diz - a verdade, na pregação - e aquilo que se faz - a desconexão, na vida - dentro ou fora do âmbito clerical.

- Nitidamente todos estão sob suspeita, seja quem o for (alegado) prevaricador. Isto parece ser benéfico para forças com alto teor ético - políticos, jornalistas, pensadores - republicano, pois, embora reconhecendo a separação dos poderes comportam-se agora como os mentores de uma ‘nova’ moral, onde não tem lugar a compaixão, mas a justiça feita-a-ferro-e-fogo: já está condenado quem ainda não sabe se é ou de que é acusado. Em tudo isto aquela que costumava ser a ‘voz de Deus’, que a ‘vox populi’ (voz do povo) tornou-se o mais implacável dos juízes e a quem recorrem os que pretendem fazer crer que são todos iguais...

- Claramente: Simão é pecador e, potencialmente, prevaricador, mas Pedro está investido de funções divinas. Não se troquem os papéis para nivelar tudo pelos pés. Voltando a citar a reflexão do Papa Francisco no retiro de padres, deixamos a sua interpretação. «O sinal de Pedro crucificado de cabeça para baixo é talvez o mais eloquente deste recetáculo duma cabeça dura que, para ser «misericordiada», se vira para baixo mesmo quando está a dar o testemunho supremo de amor ao seu Senhor. Pedro não quer terminar a sua vida dizendo «eu já aprendi a lição», mas sim: «Dado que a minha cabeça nunca vai aprender, viro-a para baixo». E acima de tudo, os pés que lavou o Senhor. Estes pés são, para Pedro, o recetáculo através do qual recebe a misericórdia do seu Amigo e Senhor».



António Sílvio Couto

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