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quarta-feira, 15 de março de 2023

Dar silêncio às vozes

 

O ‘slogan’ da campanha para a denúncia de abusos sexuais na Igreja católica era: ‘dar voz ao silêncio’… e durante mais de um ano a comissão (independente) nomeada diz ter recebido múltiplas comunicações, na sua maioria anónimas.

Agora que foi conhecido – a 13 de fevereiro (efeméride do falecimento da Irmã Lúcia, pastorinha de Fátima) – dá a impressão que não se calaram as vozes, a propósito e a despropósito, com conhecimento ou em simples ignorância, de gente com critérios e outros quase-só-desbocados, alguns com propriedade naquilo que tentam dizer e outros mais parecendo baratas a fugir do combate em curso…

Porque o silêncio é de ouro, a palavra corre o risco de distorcer a mensagem e de trucidar o mensageiro.

1. Estamos num tempo de verborreia, onde quem fala, por vezes, não sabe o que diz nem diz o que sabe. O tempo da maior parte da comunicação social – tendencioso, superficial e o mais sanguinário possível – pontifica sobre o tempo da qualidade do silêncio. Este não é vazio de som, mas cheio de conteúdo, que só se comunica quando tem necessidade de se explicar e com o mínimo de palavras…

Na turbulência dos nossos dias vemos emergirem figuras que nada seriam senão fosse para dizer mal. Alguns entram em seara alheia, pois, embora dizendo que o ‘Estado é lacaio’, na teoria, nunca como agora os problemas de índole religiosa – diga-se católica – andam na boca dos que nada têm a ver com a realidade que criticam, em certos momentos deixando perceber a sua ignorância não só sobre os factos, mas também quanto a realidade humano-sociológica que depreciam.

2. Em francês há uma palavra que exemplifica esta sensação em que estamos: ‘bavarder’, para explicar o que é falar muito sem dizer nada…isto é, tagarelar. Ora é isso que vimos assistindo – e talvez participando – nesse excesso de barulho, de conversa, de falar sem dizer nada, ou pelo menos, que se possa aproveitar. Um lídimo exemplo de tagarelice é o mais alto dignitário da Nação; fala sobre tudo e o resto, desde o desporto à religião, da economia mundial à doméstica, do desemprego à taxa de juros, do ambiente à segurança social, num grande areópago ou esquina de uma qualquer aldeia… é vê-lo numa roda-viva a falar de tudo e, na maior parte das vezes, sem acrescentar nada…

3. Na milenar história da Igreja – antes de mil, depois quinhentos e na atualidade – podemos encontrar uma frase conclusiva quanto a alguma questão – sobretudo mais complexa e de aturado tempo de avaliação – onde se exprime o que há de mais fundamental: ‘Roma locuta est, causa finita est’ (Roma falou, a questão acabou). Podendo ser atribuída a Santo Agostinho, esta locução quer significar que, quando Roma (na sua autoridade, com o Papa e os seus serviços) dá a sua palavra (final) o problema acabou ou teve o seu termo…

Embora muitos não reconheçam a autoridade de Roma sobre o resto da civilização ocidental, a palavra definitiva procedente do Papa, na sua primazia em Igreja, não vive das meras premissas dos assuntos, mas das conclusões, segundo os valores do Evangelho traduzido em versão de vida.

4. Num tempo áspero de obediência como que se torna atroz ver a multiplicidade de posições de tantos dos cristãos, mais parecendo vivermos ao ritmo de interesses pessoais do que inseridos na procura do bem comum. Neste subtil aspeto como que temos a sensação de uma quase protestantização dos católicos, onde cada um busca e serve o seu particular, negligenciando a construção do comunitário, que é mais do que um coletivo aglutinado ou de um todo como soma das partes. Com efeito, as brechas abertas no tecido humano, cultural e espiritual da Igreja católica tem servido para que uns tantos brilhem na sua ignorância ou tentem disfarçar esta como a subida dos sound bites… até que se descubra o logro.

5. «Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu…tempo para calar e tempo para falar» (Ben Sira, 3,1.7b). Se soubéssemos e se vivêssemos este ritmo saberíamos falar e estar em silêncio uns com os outros… Silêncio, a quanto obrigas!


António Sílvio Couto

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