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quinta-feira, 2 de março de 2023

Desculpa: força ou fragilidade?

 


Embora o Papa Francisco tenha introduzido o significado da conjugação de três expressões – com licença, obrigado e desculpa – talvez possa haver algo de menos assertivo no uso, na abrangência e na conjugação, sobretudo, de ‘desculpa’... Deixamos as outras palavras para futuros momentos.

Vejamos o alcance (mais ou menos plausível) ou os sinónimos de ‘desculpa’: perdão de culpa ou ofensa; alegação atenuante ou justificativa de culpa, ofensa, descuido; escusa, pretexto. Perdoar uma falta cometida; explicar uma falta ou um erro. indulto, indulgência, perdão, absolvição, vênia, clemência. Arrependimento: contrição, arrependimento, lamentação, pesar.

1. A avaliar pelos efeitos, a desculpa não atinge o que é essencial, pois toca as franjas da pessoa e não a sua essência. Em muitos casos a desculpa olha para o que se vê e não para aquilo que se pode (e deve) considerar a ofensa dada e recebida. Num tempo algo marcado pela superficialidade, a desculpa não atinge totalmente o que, de facto, criou matéria de rutura e que precisa de ser recomposto. Na paleta das emoções, a desculpa não passará de um ténue pincel, que deve ser usado com a subtileza do mestre pintor, em ordem a tecer a recuperação dos desavindos e que é muito mais do que uma fraseologia rebuscada...

2. Na linguagem popular costuma ser referido: as desculpas não se pedem, evitam-se! Embora se ande por aí a lançar desculpas por tudo e quase nada, precisamos de ir mais fundo a este assunto, sobretudo, se nos inserirmos numa tonalidade cristã. Com efeito, para um cristão a desculpa poderá ser a antecâmara de algo bem mais sublime, que é o perdão. Este ultrapassa as fronteiras mais ou menos vulgares da dita desculpa: mexe com a profundidade e não se limita a ficar nas franjas das questões, dos problemas ou mesmo das pessoas. Embora quem recorra à desculpa já possa estar a ensaiar para a atenção para com o outro, no perdão isso acontece muito para além da dimensão meramente humanista ou em visão horizontalista.

3. Recorrendo às Sagradas Escrituras podemos encontrar a palavra ‘perdão’ quarenta e cinco vezes no Antigo Testamento. No Novo Testamento, tendo Jesus como critério e mestre, ‘perdoar’ aparece cento e quarenta e cinco vezes. Se tivermos em conta que o perdão envolve dois aspetos – o humano, pessoal e o divino, sobrenatural – poderemos considerar que, quando alguém perdoa a outrém, está a deixar funcionar a dimensão divina, sobrenaural, da sua condição humana.

Perdoar vem do latim ‘perdonar’ – dar/doar com.... Assim, ao perdoar estou a dar o meu esquecimento sobre aquilo que alguém me fez. Faço isso muito para além da minha capacidade humana, enquanto cristão como sinal e presença de Cristo, que sempre perdoou, até ao momento extremo da sua vida em condição terrena: Pai, perdoai-lhes!

4. São muitos e variados os casos de pessoas doentes – de forma circunstancial ou de modo mais prolongado – que o são devido a não viverem (ou não conseguirem) o perdão. Com efeito, o perdão dado e recebido e vice-versa poderia resolver muitos dos conflitos humanos – pessoais, familiares, sociais, políticos, religiosos ou outros – que vemos proliferar em nós e à nossa volta. De facto, não é com meras desculpas que se ultrapassam muitos dos problemas e erros do passado. Esses poderão ser avisos para que é necessário algo mais profundo do que simples palavras de circunstância.

Neste momento há campos humanos e sociais que precisam de entrar num processo de perdão, onde se possa ver que os intervenientes acreditam em si mesmos e também darem crédito aos sinais dos outros. Mesmo que os prevaricadores sejam julgados e castigados, a dimensão do perdão não poderá ser esquecida ou menosprezada.

5. Desculpas leva-as o vento. O perdão toca mais profundamente, quem perdoa e quem é perdoado.Assim consigamos construir uma sociedade alicerçada no verdadeiro perdão...



António Sílvio Couto

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