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terça-feira, 21 de março de 2023

Rejeição da confissão?

Foi com um misto de surpresa e de confusão que ouvi de uma pessoa – no final da missa de domingo, logo poder-se-á dizer de uma ‘católica praticante’, de vetusta idade e que foi em tempos catequista e também ministra extraordinária da comunhão – que estas notícias que ouvimos sobre os ‘abusos sexuais de menores na Igreja’ a deixam com suspeitas sobre a confissão. Talvez outras pessoas possam ter idêntico posicionamento. Talvez isso seja razoável para menosprezar o sacramento da penitência. Talvez haja quem intente desculpas para justificar o abandono da frequentação deste sacramento… Vou tentar explicar, enfrentando estes ‘talvez’ com tiques marcados por conceitos e comportamentos demasiado mundanos.

1. Desde logo me assolam à mente perguntas muito díspares ou quase contraditórias. Quem assim se coloca na reserva quanto ao sacramento, onde a confissão faz parte, alguma vez sentiu o perdão de Deus ou limitou-se a despejar ‘pecados’ não-arrependidos? Quem tropeça nas falhas dos outros – mesmo que sejam os ministros do sacramento – terá conhecimento de si mesmo, sem medo – antes pelo contrário – de sentir pecador diante de Deus? Quem se queda na dimensão humana do sacramento da penitência não se ‘abrirá’ com menos reserva, se for a uma consulta de psicólogo e/ou de psiquiatra? Como se pode aceitar a condução de Deus, pelo reconhecimento do pecado e pela aceitação do perdão, se ainda estivermos nessa fase simplista de ver no padre um mero homem e não um ministro deste sacramento de cura e de perdão? Quem tem a ousadia de se dispor para ouvir de confissão, se é olhado com desconfiança, em preconceito ou sob suspeita infundada?

2. Creio que a ninguém escapou a leitura de que as notícias sobre os ‘abusos’ na Igreja católica pretendiam – e ao que parece conseguiram – atingir o descrédito do sacramento da penitência e reconciliação. A composição da ‘comissão independente’ tornou isso claro, desde a primeira hora. Mais do que incluir técnicos reputados na área do direito, houve a pretensão de colocar psiquiatras manifestamente ateus ou pelo menos agnósticos. O cientismo apregoado não escondeu que era preciso apresentar resultados, mesmo que usando dados enviesados e empolados sem nexo nem total causalidade. Para algumas pessoas, que até combatem o (dito) dogmatismo da doutrina católica, agora calam-se perante o inegável dogmatismo de tantos sábios e doutores… da comissão independente e seus sequazes.

3. Recordo-me de ler lido, há mais de quarenta anos, uma frase que aparecia no livro de ‘Moral de atitudes’ de Marciano Vidal: por cada confessionário que se fecha, abrem dez consultórios de psicólogos e de psiquiatras. O resultado está à vista. Ora, entre o sério e o sarcasmo, poderemos dizer: se a confissão sacramental era (é) gratuita e à hora que se quiser, as sessões dos psicólogos e psiquiatras são bem pagas e com marcação atempada… Estamos, de facto, a passar por uma crise de identidade dos cristãos/católicos, pois se ajeitam para dar a vida a conhecer a quem pagam e rejeitam acolher o perdão divino, aliviando a consciência e abrindo-se à misericórdia divina, em Igreja. Numa palavra: o que está doente é a fé e a confiança no poder de Deus.

4. Uma nota de ressalva: se, para uma boa parte das pessoas, lhes custa confessar-se, acham que é agradável ouvir de confissão? Por mim, enquanto penitente/ministro, prefiro, de longe a primeira.

Citando o Catecismo da Igreja Católica (n.º 1469): «É de lembrar que a reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que trarão remédio a outras ruturas produzidas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no mais profundo do seu ser, onde recupera a própria verdade interior: reconcilia-se com os irmãos, que de algum modo ofendeu e magoou: reconcilia-se com a Igreja; reconcilia-se com toda a criação».

5. É preciso ir ao fundo das questões e não se ficar pela superfície dos problemas. Cristãos com maturidade e fé adulta, precisa-se. Diz a doutrina da Igreja: confessar-se, ao menos, pela Páscoa da ressurreição!



António Sílvio Couto

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