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segunda-feira, 27 de março de 2023

Despiram-no das suas roupas

«Despiram-no e envolveram-no com um manto escarlate…Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto, vestiram-no com as suas roupas e levaram-no para ser crucificado» (Mt 27, 28.31).

«Os soldados, depois de terem crucificado Jesus, pegaram na roupa dele e fizeram quatro partes, uma para cada soldado, exceto a túnica. A túnica, toda tecida de uma só peça de alto a baixo, não tinha costuras. Então, os soldados disseram uns aos outros: «Não a rasguemos; tiremo-la à sorte, para ver a quem tocará». Assim se cumpriu a Escritura, que diz: Repartiram entre eles as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. E foi isto o que fizeram os soldados» (Jo 19, 23-24).

Na sexta-feira santa de 2005 (25 de março), o então cardeal Joseph Ratzinger, escreveu as meditações da Via-sacra aí rezada. Repare-se que dias depois da Páscoa, a 2 de abril, faleceria o Papa João Paulo II… Na décima estação – ‘Jesus é despojado das suas vestes’ – o Cardeal Ratzinger deixou-nos esta reflexão, que nos serve de referência para abordarmos esta temática das vestes no contexto da Semana Santa deste ano em curso.
«Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fá-lo sentir alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o facto de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há-de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote».

Atendendo ao significado das vestes no contexto da Paixão de Jesus vamos olhar este tema com uma visão mais do meramente circunstancial, tentando discernir algo que está a ser vivenciado pela Igreja católica em Portugal e por quantos a ela se sentem unidos, referenciados e como ela também despidos, isto é, a nu como Cristo no presépio e na cruz.

* Despido das suas roupas – revestido de manto escarlate – voltado a vestir com as suas roupas

De alguma forma este ‘jogo’ de despe-veste das suas roupas e do manto escarlate (cor vermelha) configura uma espécie de maior provação a Jesus, pois aquilo que poderia ser visto, noutros contextos, como algo de valor régio, ali soa a ridicularização para com Jesus, associando-se-lhe ainda a violência e o derramamento de sangue ao longo da história da humanidade. O manto escarlate serviu de adereço para a zombaria para com Jesus. Olhemos para as vozes de provocação no hoje da Igreja e tentemos perceber como Jesus continua a ser ofendido, ultrajado e mesmo vilipendiado em múltiplas situações… ofensivas da dignidade humana.

* Repartidas as vestes – sorteada a túnica

Na hora derradeira de Jesus e já crucificado, ele é despojado dos parcos pertences, incluindo a túnica sem costuras. Ele é o sumo e eterno sacerdote, revestido da túnica indivisa. As vestes repartidas por contraste com a túnica sem costuras simbolizam a conjugação da humanidade divina de Jesus, que nos diviniza pela sua paixão-morte-ressurreição. Nesta hora em que a Igreja dilacerada sofre, olhemos ainda a glória para vamos…



António Sílvio Couto

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