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segunda-feira, 6 de março de 2023

Jesus salvou-nos por amor e não pelo sacrifício

 


Estamos a viver, na Igreja católica, o tempo da quaresma, essa oportunidade pessoal e comunitária de conversão a Deus, aos outros e de si mesmo.

Sobretudo no contexto da Europa latina vemos, por esta ocasião, diversos momentos e propostas de religiosidade (mais ou menos) popular apelativas a manifestações que podem – ou não – ajudar a todos e cada um a referenciar mais e melhor a vida à mensagem do Evangelho.

Talvez seja oportuno enquadrar o título desta partilha, na medida em que – mesmo nas atividades quaresmais sugeridas – corre-se o risco de ollhar mais para o sacrifício (até) de Cristo e menos para a sua entrega por amor, onde o sacrifício foi meio e não finalidade.

1. Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco como que adverte alguns desses perigos. «Não se refugiar numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo ‘apenas Jesus e mais ninguém’».

Precisamos de desmontar certos ritos e umas tantas tradições, que já foram interessantes noutros tempos, mas que agora quase soam a oco e cheiram a mofo. O gongorismo de alguns sermões podem alimentar a emoção, mas será que motivam a conversão? O desfile de bandeiras e de opas servirão a fé ou enfeitam a vaidade? A assistência deixa-se tocar pela mensagem ou queda-se pela imagem mais ou menos lúgubre?

2. Enquadrando-nos na fase complexa que estamos a viver na Igreja católica, em Portugal, poderá ser útil deter-nos sobre alguns aspetos, por vezes, aduzidos por quem não nada tem a ver com a Igreja, embora a queira julgar como sociedade meramente humana e mundana.

Depois da purga da pandemia, estamos a experimentar a purificação pela exposição das fragilidades, erros, pecados e desamandos de alguns dos membros da Igreja, sobretudo desses de quem se esperava consonância entre a palavra e os gestos. Alguns mais fundamentalistas – atendendo aos outros e não a si mesmos – invectivam contra a desarmonia entre a proclamação da verdade e a possivel não-vivência da mesma. De chicote em riste querem matar o pecador, mesmo que ainda não tenha passado de alegado prevaricador. Outros cobardemente tentam desviar a atenção dos espaços em que se movimentam – associações, partidos, agremiações desportivas, entidades militares, etc. – exigindo muito para além do razoável daquilo que a Igreja católica se expôs e colocou a nu. Dá a impressão que uma parte dos que mais endurecem as exigências tentam desviar a atenção do seu passado... algo obscuro e talvez tenebroso.

3. Que têm em comum as críticas às questões da Igreja católica feitas pelos seus fiéis e as dos membros de partidos trotskistas? Que têm em comum as procissões pelas ruas das cidades, vilas e aldeias e as manifestações de grupos socioeconómicos ou de contestação sindical? O que serve de pano-de-fundo aos feriados religiosos, mesmo que não usados para os fins que lhes deram origem?

As estas questões poderemos responder com uma expressão que fez furor e marcou muitas gerações: cristandade, isto é, a coincidência entre sociedade civil e função religiosa... ainda nos nossos dias. Ora, a cristandade, desde meados do século vinte, faliu e com ela muitas das regalias da religião católica. Os membros da Igreja católica, em Portugal, sociologicamente estão em minoria e a própria Igreja precisa de reaprender a saber estar, bem como todos aqueles que ainda a veem como força social e não como entidade agregadora espiritual. Muitas das críticas – procedentes de espaços fora da Igreja – não passam de intromissão na esfera daquilo que não está mais sob a alçada de quantos, não fazendo parte dela, têm de cuidar da sua autonomia...

Parece claro para muitos dos nossos concidadãos: a Igreja católica continua a fazer temer. Por quê?



António Sílvio Couto

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