Nos tempos mais recentes, dá a impressão, que temos andado entalados entre a reaprendizagem e a acomodação, isto é, desejando compreender a situação geral e adaptando-nos no particular àquilo que nos é dado viver…pelo pensar, pelo agir e mesmo pelo sobreviver.
Resultado
da recente pandemia que se abateu sobre a Humanidade (geral), temos tentado
perceber o que isso influenciou a nossa vida (particular), desde as coisas mais
visíveis, evidentes e palpáveis até aos aspetos mais simples, recônditos ou
menos claros. Tudo mudou e, se tal não aconteceu ainda, então estaremos todos
em perigo.
– Parece
que muito daquilo em que estava fundada a nossa convivência humana e social foi posto em causa: tivemos de
reaprender as saudações entre as pessoas – se bem que se estavam a banalizar
tanto as formas como os conteúdos – tal como o modo de nos fazermos próximos –
também aqui estava a verificar-se um excesso nos gestos e mesmo nas fórmulas – sendo preciso moderar tal efusividade!
– As exigências de
higienização vieram introduzir novas
formas de estarmos, pois o medo da transmissão do vírus tornou-nos mais
cuidadosos. Será que isto não veio denunciar alguma falta de higiene das
pessoas, dos lugares e das condições de habitabilidade de espaços, públicos ou
privados? As quantidades de gel-desinfetante que foram vendidas não denunciam
que nem sempre temos cuidado no trato de uns para com os outros? Certos rituais
de salubridade não vieram pôr a manifesto situações de falta de civilidade
mesmo na via pública?
– Foi só à custa
de serem anunciadas multas e sob a
ameaça de penalizações que boa parte
da população passou a usar regularmente máscara na rua. As várias e diversas
etapas de confinamento continuaram a ser ignoradas por alguns habilidosos,
dando a impressão de que somos, como povo, especialistas em tornear as regras,
mesmo que estejamos a colocar tudo e todos e perigo... É lamentável, senão
mesmo repugnante, que o civismo de muitas pessoas – algumas delas com responsabilidade
social e política – se guie mais pela coacção do que pela convicção, se faça
valer mais das exceções do que das regras e que se procure usufruir mais do que
separa do que daquilo que une... Ainda não sentimos que a pandemia nos irmanou
mais na desgraça do que no (pretenso) sucesso, que nos queriam impingir
despudoradamente.
– Nada será igual depois destes meses – dizem uns tantos
que serão anos, talvez uma década – de provação, de sacrifícios, de
condicionamentos e, sobretudo, de empobrecimento económico-financeiro.
Terminologias usadas para caraterizar lutas partidárias esfumaram-se na
contingência de estar em risco o emprego, dado que falta trabalho e nem as
manigâncias governativas de pagar a quem está em casa, poderá salvar o
afundamento do tecido económico e da componente de futuro sem dificuldades.
Certos arautos da (pretensa) igualdade estão equivocados com as mentiras que
continuam a reproduzir, querem sustentar artificialmente e, em especial, a
tentarem não-dizer a verdade, por muito dura e atroz que possa ser...
– É preciso de uma
vez por todas que sejam creditados conceitos e não se usem por uns tantos se
julgarem superiores ao resto da populaça. Fala-se, recorrentemente, de ‘cultura’ para reclamar da falta de
ajudas para um setor que se considera dono-e-senhor disso a que denominam de
‘cultura’, como se outras coisas que não as suas produções e exibições não
sejam cultura. Dever-se-ia designar muito dessa pretensa ‘cultura’ antes de:
artes, ofícios, tecnologias, cançonetismo/musicalidades, espetáculos ao espelho
e para os seus, escritorice enrolada em autosatisfação... e nem as doutas
opiniões dos comentadores televisivos ou nas redes-sociais – que vivem do mesmo,
embora subsidiados a gosto – os salvam de não serem os únicos a produzir
‘cultura’... Esta faz-se na vida e não precisa de viver de encomendas nem de se
fazer comendar. A verdadeira cultura tem raiz no povo, bem mais inteligente,
sábio e culto do que tantos/as opinadores à ração, mas sem razão. Tirem o alvo
da tal ‘cultura’ das franjas da capital e ver-se-ão mais factos culturais, que
não vivem nem precisam de palcos esfumados nem de estarem sob a cortina dos
fumos ideológicos... É verdade, a pandemia veio peneirar o farelo oportunista e
falso com que anos-a-fio nos têm manipulado.
– O setor do futebol – que não é mais um desporto,
mas antes uma indústria ou talvez comércio – continua vivo e, retirando o
público, das bancadas, igual a si mesmo: quezilento, preconceituoso,
manipulado, arrogante e – numa palavra – como o mais fidedigno retrato do país
que somos: a viver no faz-de-conta que é rico, mas empobrecido até ao tutano...
Veja-se como se compram-e-vendem jogadores como se não houvesse amanhã e os
resultados não aparecem. Repare-se como se discute quase até à exaustão uma
‘crise’ num clube, enquanto outros vão surfando sob as ondas iguais, desde que
não se descubra. Atente-se às declarações ditas de paz, mas que mais não são do
que um insuflar de combustível para a fogueira, onde todos se irão queimar... irremediavelmente.
Já
teremos reaprendido com tantos sinais ou ainda estaremos a tatear na
acomodação? Quando começaremos a viver na verdade, sem disfarces nem atropelos?
António Sílvio Couto
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