O ano passado fomos apanhados a meio da Quaresma naquilo que é designado como o primeiro confinamento, que durou de 15 de março (3.º domingo da quaresma) até 31 de maio (domingo do Pentecostes)…
Há quase um ano atrás a surpresa
causou medo…o medo gerou suspeita… a suspeita provocou dúvida…a dúvida fez
mudar os comportamentos…essa mudança trouxe novas formas de estar em sociedade…
essas formas, maioritariamente, foram fechando as pessoas, que se vem tornando
mais egoístas, desconfiadas e mesmo interesseiras… umas para com as outras e
até para com Deus.
Para encontrarmos pistas de
reflexão sobre tudo isto, que nos tem estado a acontecer desde os finais de
março do ano passado, vamos cingir-nos a aspetos, desta vez, mais de ordem da
dimensão espiritual, não esquecendo as suas manifestações no âmbito
cristão/católico… onde se podem incluir algumas iniciativas programadas para
este longo tempo de suspensão das celebrações religiosas reformuladas, bem como
as necessárias implicações deste longo ‘deserto’ a que fomos confinados por
obrigação sanitária e sentido cívico.
Não podemos usar uma linguagem
demasiado do liturguês, porque os não-iniciados não compreendem nem tão básica sem
isso possa parecer que os mistérios se reduzem a expressões banais; a postura
se é de ver o rosto e as suas expressões, o uso da máscara, para além de ser desnecessário,
tal a distância das pessoas umas em relação às outras, inviabiliza qualquer
expressividade por muito simples que esta se possa verificar; comunicação
é bem diferente de falar para ouvintes e para telespectadores ou internet-ouvintes,
estes estão perto embora longe, mas querem ter uma mensagem que possa ser
pessoal, próxima e adequada às suas circunstâncias… ou, então, desligam ou
procuram quem lhe fale de forma mais do que vazia!
Pôr no ar missas como se
estivesse presente uma assembleia presencial não é o mesmo que estar a celebrar
para uns poucos – mesmo que representativos – de serviço. Aquelas missas não
são ‘teatro’, mas também não podem ser feitas sem cuidado nem menos boa imagem.
Mostrar o que se faz é, claramente, diferente de fazer o que se quer mostrar.
Há códigos de comunicação e de duração para cada um dos momentos, não se pode,
por isso, fazer-de-conta que tudo é igual e com a idêntica valorização. Vamos
aprendendo com os erros?
Há quem considere que o ‘abuso’
de missas na internet, na televisão e nas redes sociais veio enfraquecer a
participação presencial – tendo em conta os meses que decorreram desde junho
até janeiro – e pode ter criado acomodação a bastantes dos praticantes, agora
‘fidelizados’ à estação televisiva, de rádio ou de linha internet e menos
atentos ao incómodo de sair de casa para participar com outros na celebração da
fé… Poderemos considerar que certos hábitos de acomodação – já para não falar
de negligência ou de omissão – podem trazer consequências graves a curto e a
médio prazo: as crianças, os adolescentes e mais velhos deixaram de estar nas
nossas assembleias, quando as há; o tempo de ‘catequese’ (nem sequer via
internet) não conseguiu criar condições estáveis de fé; alguns ‘ritos’ deixaram
a manifesto que eram mais sociais do que cristãos…
Mesmo assim deveríamos
mergulhar mais nas causas do que nas possíveis consequências, pois aquelas
podem trazer à luz do dia uma nítida falta de evangelização, mesmo que se possa
verificar alguma sacramentalização…algo superficial senão mesmo anódina,
descomprometida e vazia.
«Neste
tempo de Quaresma, acolher e viver a Verdade manifestada em Cristo significa,
antes de mais, deixar-nos alcançar pela Palavra de Deus, que nos é transmitida
de geração em geração pela Igreja. Esta Verdade não é uma construção do
intelecto, reservada a poucas mentes seletas, superiores ou ilustres, mas é uma
mensagem que recebemos e podemos compreender graças à inteligência do coração,
aberto à grandeza de Deus, que nos ama ainda antes de nós próprios tomarmos
consciência disso. Esta Verdade é o próprio Cristo, que, assumindo
completamente a nossa humanidade, Se fez Caminho – exigente, mas aberto a todos
– que conduz à plenitude da Vida» – mensagem do Papa para Quaresma deste ano.
Cuidemos, por isso, de ter
tempo de oração pessoal, familiar e, quanto possível, comunitário. Escutemos
a Palavra de Deus diariamente. Usemos os meios que a Igreja nos propõe –
jejum, caridade (renúncia quaresmal) e reconciliação. Estamos confinados
fisicamente, mas não nos deixemos condicionar espiritualmente, estando atentos
às sugestões da nossa diocese e às possíveis propostas da nossa paróquia. Como
nos refere o Papa Francisco: «cada etapa
da vida é um tempo para crer, esperar e amar. Que este apelo a viver a Quaresma
como percurso de conversão, oração e partilha dos nossos bens, nos ajude a
repassar, na nossa memória comunitária e pessoal, a fé que vem de Cristo vivo,
a esperança animada pelo sopro do Espírito e o amor cuja fonte inexaurível é o
coração misericordioso do Pai».
Deus
cuida sempre de nós. Cuidemos, agora, uns dos outros, em Igreja e como Igreja
católica.
António Sílvio Couto
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