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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

‘Deus é amor’…nem todo o ‘amor’ é de Deus

 


Afirmar, reconhecer e viver segundo o princípio: ‘Deus é amor’ (1 Jo 4,16), é algo de básico, inovador e de descoberta. De facto, aceitar que Deus é amor e que o manifesta para comigo é algo de grande graça e de dom divino… sobretudo neste tempo de incertezas, numa época de dúvidas e nesta sociedade demasiado horizontal e pouco a olhar para o Alto…

Por entre várias contagens poderemos considerar que a palavra ‘amor’ aparece muitas vezes – sugerimos a contagem nas vertentes que abordamos de seguida – na Bíblia, tendo essa palavra diversos significados, enquadramentos e sentidos, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

* No Antigo Testamento, a palavra mais comum que traduz amor é a expressão hebraica ‘ahab’ ou na variação ‘aheb’. Elas aparecem cerca de 250 vezes tanto na forma nominal como no modo verbal. O termo denota um sentido de amor amplo, incluindo o amor romântico e legítimo entre pessoas, o amor fraternal e o amor divino. A segunda expressão mais importante para falar de ‘amor’ no Antigo Testamento é ‘hesed’ e manifesta uma escolha deliberada de afeição e bondade, com um forte sentido de lealdade. Nas traduções habituais da  Bíblia, ‘hesed’ normalmente é referido como “bondade”, “graça” e “misericórdia”. O termo ocorre mais frequentemente em Génesis para exprimir o amor humano. No livro do Deuteronómio é comum o sentido de amor a Deus. Também ocorre com alguma frequência nos Salmos e nos Provérbios. Outra palavra usada para exprimir o sentido de amor no Antigo Testamento é ‘haham’, sendo traduzida normalmente por “amor” e “compaixão”, ela ocorre cerca de 26 vezes no texto hebraico. O significado da raiz da palavra é “nascido do mesmo ventre” e representa a ideia e o sentimento do amor entre irmãos.
Para falar de amor, como relacionamento sexual, é usado o termo ‘yada’, que é traduzido como “conhecer” e também a expressão ‘sakab’, que quer dizer “deitar-se”. Essa duas palavras realmente descrevem o “tornar-se uma só carne” e onde está fundamentado o compromisso de fidelidade matrimonial.
* Na literatura grega clássica a expressão mais comum para caracterizar amor é ‘eros’, que é o amor sexual, sensual, impulsivo e, digamos, natural. Essa palavra tem sua origem na mitologia onde o deus do amor, Eros.
* No Novo Testamento não aparece a palavra grega que exprime o amor erótico, com características meramente sexuais. Encontramos duas expressões verbais gregas que se destacam para definir o sentido do verbo amar: ‘phileo’ e ‘agapao’ e as formas substantivas ‘philós’ e ‘agápe’. ‘Philós’ ocorre 30 vezes no Novo Testamento e exprime um relacionamento próximo, amizade, estima e afeto terno. O verbo ‘phileo’ aparece cerca de 25 vezes no Novo Testamento, com vários significados.
No entanto, a palavra mais comum no Novo Testamento para falar de amor é ‘agapao’. Na forma verbal aparece 137 vezes e na forma nominal (amor) é usada 116 vezes. O sentido da palavra é igual ao equivalente hebraico e é usado nos mais variados sentidos: o amor de Deus para com os seres humanos, destes para com Deus e nas relações entre os humanos.
Por influência da Vulgata (tradução latina do texto bíblico em latim), algumas versões mais antigas traduzem ‘agápe’ por “caridade” (do latim ‘caritas’, que significa “afeição”, “amor”, “estima”).

 = Feito este percurso pela cultura judeo-cristã e tentando compreender para além da versão platónica ou de uma mais erotizada, podemos considerar que isso a que se chama de ‘amor’ é (ou pode ser) egoista e interesseiro, pode manifestar algo mais do que maturidade psicológica e espiritual, pode revelar facetas nem sempre assumidas da própria pessoa e para com aqueles com quem se relaciona.

Poderemos considerar nesta abordagem ao tema do ‘amor’ três elementos que o compõem: compromisso (fidelidade), intimidade e dedicação (tempo). Isto poder-nos-á ajudar a avaliar muitos dos ‘amores’ em que nos intercruzamos: humanos (em casal, em família), psicológicos e espirituais.

Como pode alguém amar outra pessoa, se não se ama a si mesmo? Os biliões de sites de pornografia não revelam essa lacuna de amor a si próprio? As ‘ofertas’ de compensação sexual não manifestam lacunas de personalidade em crise? A vulgaridade e oscilação de relacionamentos – hetero ou homossexuais – não contradizem a necessidade de ser amado e de amar, gratuitamente?   

 

António Sílvio Couto

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