Afirmar, reconhecer e viver segundo o princípio: ‘Deus é amor’ (1 Jo 4,16), é algo de básico, inovador e de descoberta. De facto, aceitar que Deus é amor e que o manifesta para comigo é algo de grande graça e de dom divino… sobretudo neste tempo de incertezas, numa época de dúvidas e nesta sociedade demasiado horizontal e pouco a olhar para o Alto…
Por entre várias contagens
poderemos considerar que a palavra ‘amor’ aparece muitas vezes – sugerimos a
contagem nas vertentes que abordamos de seguida – na Bíblia, tendo essa palavra
diversos significados, enquadramentos e sentidos, tanto no Antigo como no Novo
Testamento.
* No Antigo
Testamento,
a palavra mais comum que traduz amor é a expressão hebraica ‘ahab’ ou na variação
‘aheb’. Elas aparecem cerca de 250 vezes tanto na forma nominal como no modo
verbal. O termo denota um sentido de amor amplo, incluindo o amor romântico e
legítimo entre pessoas, o amor fraternal e o amor divino. A segunda expressão
mais importante para falar de ‘amor’ no Antigo Testamento é ‘hesed’ e manifesta
uma escolha deliberada de afeição e bondade, com um forte sentido de lealdade.
Nas traduções habituais da Bíblia, ‘hesed’ normalmente é referido como
“bondade”, “graça” e “misericórdia”. O termo ocorre mais frequentemente em
Génesis para exprimir o amor humano. No livro do Deuteronómio é comum o sentido
de amor a Deus. Também ocorre com alguma frequência nos Salmos e nos
Provérbios. Outra palavra usada para exprimir o sentido de amor no Antigo
Testamento é ‘haham’, sendo traduzida normalmente por “amor” e “compaixão”, ela
ocorre cerca de 26 vezes no texto hebraico. O significado da raiz da palavra é
“nascido do mesmo ventre” e representa a ideia e o sentimento do amor entre
irmãos.
Para falar de amor, como relacionamento sexual, é usado o termo ‘yada’, que é
traduzido como “conhecer” e também a expressão ‘sakab’, que quer dizer
“deitar-se”. Essa duas palavras realmente descrevem o “tornar-se uma só carne”
e onde está fundamentado o compromisso de fidelidade matrimonial.
* Na literatura grega clássica a
expressão mais comum para caracterizar amor é ‘eros’, que é o amor sexual,
sensual, impulsivo e, digamos, natural. Essa palavra tem sua origem na
mitologia onde o deus do amor, Eros.
* No Novo Testamento não aparece a
palavra grega que exprime o amor erótico, com características meramente
sexuais. Encontramos duas expressões verbais gregas que se destacam para
definir o sentido do verbo amar: ‘phileo’ e ‘agapao’ e as formas substantivas
‘philós’ e ‘agápe’. ‘Philós’ ocorre 30 vezes no Novo Testamento e exprime um
relacionamento próximo, amizade, estima e afeto terno. O verbo ‘phileo’ aparece
cerca de 25 vezes no Novo Testamento, com vários significados.
No entanto, a palavra mais comum no Novo Testamento para falar de amor é
‘agapao’. Na forma verbal aparece 137 vezes e na forma nominal (amor) é usada
116 vezes. O sentido da palavra é igual ao equivalente hebraico e é usado nos
mais variados sentidos: o amor de Deus para com os seres humanos, destes para
com Deus e nas relações entre os humanos.
Por influência da Vulgata (tradução latina do texto bíblico em latim), algumas
versões mais antigas traduzem ‘agápe’ por “caridade” (do latim ‘caritas’, que
significa “afeição”, “amor”, “estima”).
Poderemos
considerar nesta abordagem ao tema do ‘amor’ três elementos que o compõem:
compromisso (fidelidade), intimidade e dedicação (tempo). Isto poder-nos-á
ajudar a avaliar muitos dos ‘amores’ em que nos intercruzamos: humanos (em casal,
em família), psicológicos e espirituais.
Como
pode alguém amar outra pessoa, se não se ama a si mesmo? Os biliões de sites de
pornografia não revelam essa lacuna de amor a si próprio? As ‘ofertas’ de
compensação sexual não manifestam lacunas de personalidade em crise? A
vulgaridade e oscilação de relacionamentos – hetero ou homossexuais – não
contradizem a necessidade de ser amado e de amar, gratuitamente?
António Sílvio Couto
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