Sob a
confluência de diversas tendências vemos que, hoje, se manifestam múltiplas
formas de religiosidade individualista, onde cada um se serve do que lhe
interessa, desde que se sinta (mais ou menos) bem… e que possa tomar das
diferentes expressões religiosas – desde as mais tradicionais até às menos
institucionais – o que lhe dá gosto ou fornece resposta às suas pretensões.
Os novos
‘mestres’ podem ser gurus à medida das pretensões manifestadas, nessa tendência
de cada um ir fazendo e resolvendo, conforme a sua habilidade… Importa que cada
um possa usar o que está no mercado, aliando um certo jeito para remendar o que
possa resolver as questões mais urgentes, sejam reais ou efabuladas…
A
panóplia de recursos sugeridos é significativa, juntando o que há de mais
antigo ao que surgiu no escaparate recente. Músicas – algumas delas exotéricas
e ambíguas – misturam-se com escritos com boa apresentação. Faz-se o recurso a
anjos e a santos, com uma pitada dum certo espírito santo (pouco ou nada
trinitário) ou harmonizações com macumbas, feitiçarias e bruxarias. São
fornecidas indicações para sucessos rápidos e truques mais ou menos
subliminares, sem esquecer sugestões para interpretar ‘mistérios’ pessoais,
familiares ou socioculturais. Faz-se a apologia de ‘orações’ poderosas, que
mais não são do que rezas encriptadas para seduzir e entreter quem possa estar
em aflição… Bastará consultar um ficheiro onde estes e outros temas possam
aparecer e veremos uma multiplicidade de respostas, onde cada um cozinhará a
sua alimentação…mesmo que esta possa ser tóxica e que venha a criar dependência
psicológica e espiritual.
= Qual a
razão para vermos e vivermos sob a influência desta razoável tendência de
bricolage espiritual? Esta nova vaga – mais abrangente do que a ‘nova era’ –
será, assim, tão normal e desconexa do resto da nossa cultura hodierna? As
religiões e igrejas tradicionais já levaram a sério esta vaga de confronto?
Será que bastará ignorar ou negligenciar para que o assunto se resolva? A quem
interessa valorizar indiferenciadamente isto e o resto (as religiões do Livro),
se não se identificar os autores, fautores e executores? Porque vão
enriquecendo os ‘autores’ deste fenómeno e não se investigam as fortunas – numa
boa parte livre de impostos – que auferem? Será esta bricolage espiritual só
resultado da pesquisa na internet ou revela algo mais sobre a falência de
outros fenómenos religiosos clássicos…evangélicos e carismáticos?
= Estas
e outras questões podem ser colocadas sobre algo que, por ser tão recente e
imediatista, pode fascinar quem esteja mais fragilizado, sobretudo,
emocionalmente, em sofrimento ou a precisar duma resposta sem ter de se
identificar totalmente. Este serviço ‘à la carte’ serve para o que serve e vale
enquanto vale. Há, no entanto, questões sobre a mudança cultural que está
subjacente a esta nova religiosidade e que exalta mais o ‘eu’ do que o ‘nós’:
aquele faz-se (ou torna-se) o centro de todo o relacionamento estre as pessoas,
que são menosprezadas ou só valem enquanto interessam ao ‘eu’.
O
questionamento sobre as religiões reveladas – temos em conta duma forma
especial as do Livro: judaísmo, cristianismo e muçulmanismo – é, assim, visto
como algo que pode fazer perigar não Deus, mas o homem, que se pretende fazer
deus de si mesmo e impor aos demais como a fonte e a meta de tudo. Este
excessivo imanentismo vem fazendo um percurso lento, mas progressivo. Mais do que
um olhar para fora e para o Além, teremos um homem/mulher enrolado sobre si
mesmo e em busca de se satisfazer nesta dimensão de mundo em que vive fechado,
egoísta e quase misantropo.
= Eis, por isso, chegada a hora duma séria, serena e sincera reflexão sobre qual a espiritualidade que estamos a seguir, pois há fortes sinais de que muitos dos cristãos/católicos mais ou menos praticantes são-no em função dessa bricolage à la carte com que frequentam os cultos, os ritos e os sacramentos, na medida em que misturam, conforme lhes convêm, a frequência com outros locais onde lhes é dada uma religiosidade mais emotiva e de adesão de curta duração. A leveza ou a leviandade com que se trocam momentos de fé por atos sociais secundários não será disso sintoma? Como se pode ser evangelizado se não há continuidade nem compromisso? Falta muito para que se note uma nova evangelização com raízes e consequências…na vida!
António
Sílvio Couto
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