«A Igreja é chamada, de facto, a confrontar-se com
uma condição eclesial, social e cultural totalmente inédita em relação ao
passado. Sabemos que vivemos dentro de um contexto caraterizado pela
indiferença e pelo ateísmo prático. O secularismo defendeu a tese de viver no
mundo, como se Deus não existisse» - referiu D. Rino Fisichella, nas jornadas
de atualização do clero, que estão a decorrer em Albufeira, Algarve.
Subordinadas ao tema: ‘o homem caminho de Cristo e
da Igreja’ estas jornadas reúnem mais de uma centena de padres e diáconos das
dioceses ao sul do Tejo.
Nos primeiros dias – 28 e 29 de janeiro – teve
especial intervenção o responsável do Conselho Pontifício para a promoção da
nova evangelização, que apresentou duas conferências – ‘o homem em crise: o
desafio das antropologias’ e ‘a autonomia das realidades temporais: secularismo
e/ou secularização. Que evangelização para o mundo hodierno’.
Nesta segunda conferência, D. Rino Fisichella
salientou que «tendo deixado Deus de parte, o homem do nosso tempo perdeu-se a
si mesmo. Deus perdeu o seu lugar central e, consequência disso, também o
próprio homem perdeu o seu lugar. É preciso voltar a levar Deus ao homem de
hoje. É urgente mostrar a exigência de uma renovada apresentação da fé, que
seja capaz de responder à pergunta escondida no mais profundo do coração de
cada pessoa: como posso encontrar Deus?».
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Questões essenciais de antropologia
Partindo da abordagem de questões de antropologia, o
presidente do Conselho pontifício apresentou alguns aspetos para a reflexão dos
clérigos reunidos em Albufeira.
Respigamos algumas das frases proferidas:
- ‘Não esqueçamos que o contexto cultural em que
vivemos se alterou profundamente em relação ao passado. Nas últimas décadas
podia falar-se legítima e facilmente de antropologias no plural, porque a visão
do mundo era multiforme. O contexto de globalização e a cultura da internet
impõem um modelo uniforme em que as diferenças são superadas pela perspetiva de
uma antropologia de sentido único’.
- ‘A cultura digital, além de ter relativizado o
conceito de verdade, parece que varreu os próprios conceitos de tempo e de
espaço… A cultura da internet usa exatamente os nossos [da Igreja católica ]termos,
mas com significados diferentes’.
- ‘Já está a caminho uma outra revolução, a
individualista. Eliminada cuidadosamente a escatologia demasiado imanente do
pensamento socialista, o fenómeno individualista avança com as suas pretensões,
que vão impondo nas legislações, sem a mínima perceção do limite que consigo
transportam. A escatologia individualista alimenta-se do alargamento da esfera
privada, da progressiva erosão do compromisso social, da permanente exigência
dos direitos e do desamor por toda a espécie de responsabilidade política’.
- ‘Lado a lado com o egoísmo e o individualismo
apresenta-se hoje o fenómeno cultural do narcisismo… O que se está a verificar,
de facto, é o cume do individualismo que, no caso do narcisismo, evidencia o
nascimento de um traço até agora inédito do indivíduo nas relações consigo
mesmo, com o próprio corpo, com os outros, com o mundo, enfim, um recurvar-se
do homem sobre si mesmo, numa forma de autorreferencialidade que se torna norma
de vida e critério de julgamento’.
- ‘Uma transformação antropológica que contempla a
promoção de um puro individualismo que tende apenas para a valorização de si
mesmo. Em poucas palavras, o ‘eu’ torna-se o umbigo do mundo, à volta do qual
tudo gira… São vários os exemplos que se pode dar para evidenciar a tendência
narcisista deste momento cultural. Uma primeira referência pode ser feita
certamente à moda da selfie… Não podemos subestimar a elevação do corpo à
condição de um verdadeiro objeto de culto… A condição narcisista não exclui o
outro, mas deseja vê-lo contruído à sua medida e a seu gosto… As relações
deixam de ser interpessoais para passar a ser inter-individuais’.
Numa palavra: ‘a Igreja é chamada a revigorar-se a
si mesma naquilo que tem de essencial, como é o caso do anúncio missionário’… O
caminho está em aberto, é longo e precisa de ser bem estudado, conhecendo o
melhor possível homem/mulher deste tempo, a sua cultura e circunstâncias!
António Sílvio Couto
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