Foi há meia dúzia de anos que uma senhora me
exprimiu o ‘encanto’ desta iguaria culinária: arroz de atum. Estava ela a falar
do apreço que seus filhos, entretanto dispersos do ambiente familiar, tinham
por mais esta forma de cozinhar com atum…
Ora, por estes dias foi sucesso à mistura com um
certo jocoso, o facto de uma dirigente partidária ter ido a um programa
televisivo e cozinhado, de forma simples e provocante, o tal arroz de atum.
Houve quem considerasse, que se tal figura recorria a esta forma de preparar o atum
– percebeu-se que era denotativo duma certa fase de pobreza – o que aconteceria
com elementos de outras ‘classes’ sociais.
Eis como, dum modo simples e rápido, se fez vir à
emersão essa profunda caraterística tão lusíada de estratificar em classes as
pessoas pela forma como se alimentam e de, através de preconceitos bem mais
fundos do que a cor da pele, nos armarmos em defensores de uma moralidade
fétida, hipócrita e mentirosa: diz-me o que comes, que te direi quem parece que
és!
= Efetivamente, estamos num tempo onde se vive mais
pela aparência do que pela essência, onde a fatiota cataloga mais o estrato do
que a condição, quando a carroça (isto é, o carro e demais adereços) onde se
anda engana mais do que o real valor…intrínseco, sério e fundamental.
Se alguém surge pavoneando-se num carro de valor
fora do normal, logo é lançado suficiente anátema sobre a procedência dos meios
para o conseguir… alguma rede de coisas menos claras ou artimanhas de fuga ao
controlo dos impostos. Houve fases em que se considerava isso uma exibição de
meios de riqueza…não-declarada nem tributada. Por agora vão surgindo mais
suspeitas do que acusações, mas a bisbilhotice das vizinhas – agora sob a
alçada das postagens no face-book e afins – se encarrega de fazer a triagem mais
ou menos do presente, sobre o relativo passado e ao alcance do vulnerável futuro…
= Atendendo às inúmeras possibilidades que o dito ‘sucesso
económico’ – essa miragem que nos vem vendendo nos anos mais recentes – tem
trazido, é relativamente fácil vermos os restaurantes ao fim-de-semana
abarrotados de clientes, muitos deles numa ostentação algo inquietante, pois
muitas pessoas parecem ‘novos-ricos’ sem hábitos sociais e com tiques de algum
desajuste na convivência com os outros. Bastará ver/ouvir a forma pouco
respeitosa como falam em público – o barulho é denotativo dessa falta de
civismo – misturando-se com um certo esbanjamento e excesso de comida,
revelador duma incivilidade atroz… Despejaram dinheiro sobre as pessoas, mas
não lhes deram critérios de uso, num clima de subdesenvolvimento, que em breve
se pagará com nova crise… De facto, o sistema não educa, mas esmaga os incautos
e mais orgulhosos!
= Não deixa de ser sintomático que uma das ideias
mais revolucionárias de certos regimes de pensamento único (totalitário e
socializante) ponha a insistência no recurso, cada vez mais progressivo, aos
refeitórios e cantinas de índole social, obnubilando, assim, a confeção, toma e
convívio das refeições em família. Talvez, deste modo, se vá desfazendo a
dinâmica do lar, infetando de ideias perniciosas (ao menos na teoria) a base da
sociedade e de tudo quanto é precioso para a função da família nas raízes
judaico-cristãs. Quantas vezes e de tantas formas vimos famílias unidas, sem
grandes recursos económicos, mas que se mantiveram vinculadas por entre tantas
dificuldades. Ao invés se foram desmoronando, quando houve mais abundância de
recursos e mesmo de meios económicos… Não está em causa o ‘discurso heroico’ da
miséria, mas a força que une e vincula, quando todos se respeitam e se amam!
= De verdade à volta dum arroz de atum se pode criar
algo mais do que a lamúria e se pode educar para a comunhão, nos bons como nos
maus momentos. Faz lembrar a pequena estória dum casal muito idoso, que se
mantinha unido, por entre diversas dificuldades. Ao que a senhora respondeu: no
nosso tempo de mais novos, os meios que tínhamos não eram muitos e, quando algo
se partia, mandávamos consertar…agora, quando algo se parte, com facilidade, se
deita fora e se compra novo…
António Sílvio Couto
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