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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Sinais de neo-tribalização

 


Começam a ser preocupantes os sinais de neo-tribalização na nossa sociedade. Num tempo em que se vão digladiando forças antagónicas, torna-se essencial perceber certos fenómenos que estão a ganhar foros de representatividade preocupante.

Detetamos como expressões desta neo-tribalização: os partidos políticos, com as diversas ideologias, símbolos ou lutas; as agremiações desportivas, com as várias colorações, conquistas e tropelias; as associações (ditas) culturais, onde se conglomeram tendências, pretensões ou lóbis; questões fraturantes com incidência ético-social, onde fervilham problemas de poucos em ordem a envolver (teoricamente) muitos…

1. Antes de mais ‘tribo’ é um agrupamento humano unido pela língua, costumes, instituições e tradições. Se fizermos um escalonamento da evolução das pessoas, no sentido mais restrito, até à organização coletiva/comunitária poderemos encontrar o percurso seguinte: pessoa (indivíduo), família, tribo, nação, estado, país ou confederação de países… Deste modo a noção de tribo estará colocada no elo evolutivo entre a ‘família’ – onde as pessoas vivem de forma estável, com vínculos e relacionamento – e a ‘nação’ – onde várias famílias se ligam de forma a defenderem-se, organizadamente e com interesses comuns… Quem conhecer a cultura bíblica poderá encontrar, na designação do ‘povo de Israel’, a composição das ‘doze tribos’, oriundas de uma mesma família e que se foi compondo até irem formando um povo, uma nação, mesmo quando esteve num país estrangeiro…até chegar à sua terra, isto em cumprimento da promessa de Deus a Abraão: terás uma descendência e uma terra onde te estabelecerás.

2. Li há anos atrás que a União Europeia – ao tempo designada de CEE (comunidade económica europeia) – estava entre duas grandes forças em tensão: entre a capacidade de vínculo de todos os país e os particularismos nacionalistas, nalguns dos países conglomerados na agora dita União Europeia (UE). Olhemos o exemplo português, dado que somos uma nação-país com estabilidade em vários aspetos, desde as fronteiras, passando pela língua, a não-existência de conflitos explícitos entre regiões e mesmo numa expressão religiosa maioritária católica e respeitadora de outras expressões religiosas… ao longo de quase nove séculos, enquanto outros países nem sempre tiveram tal condão.

3. Por que será que vemos emergirem sinais de tribalismo em tantas das manifestações da nossa sociedade? Estaremos a involuir culturalmente, dado que estaremos a recuar no processo de afirmação coletivo/comunitário? Aquilo que unia – o ligâmen mais profundo entre todos – estará a desfazer-se ou haverá interesses individuais que se querem impor ao geral? Certas formas de afirmação individuais pretendem ser mais fortes do que o bem comum de todos e para todos?

4. Na intercomunhão entre todos poderemos constatar que uma pessoa pode pertencer a várias ‘tribos’ ao mesmo tempo, isto é, ser de um partido político (fação maioritária ou não), associar-se nalgum clube desportivo ou ser militante de alguma associação…enquanto uma outra pessoa pode ser de outro partido e simpatizar com o mesmo clube ou estar noutra associação diversa da de outros/as…Digamos que a nova tribalização não tem exclusividade nem vincula tanto quanto parece. Numa espécie de autoavaliação valerá a pena, cada um de nós, examinar a quantas ‘tribos’ pertence, umas de forma explícita e outras de modo simpatizante ou ainda tendencial… Se repararmos bem, nalguns casos parece não haver total coerência!

5. Será verdadeiramente honesto dizer: ‘não temos problemas internos’, ao falar de um partido político? Isso não revelará alguma miopia intelectual à mistura com tiques de ditadura, quando se está no poder? Por que será que as mais pequenas divergências em certos clubes desportivos, se tornam casos nacionais e se gasta tanto tempo a debater não soluções mas arrufos de vencidos? Por que leva tanto a aprender que certas discussões éticas de problemas fraturantes só servem desviar a atenção dos problemas sérios?
«Vi uma multidão de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9)…

António Sílvio Couto

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