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domingo, 22 de agosto de 2021

Simbolizados no espinheiro-rei

 


Lemos nas Sagradas Escrituras a seguinte passagem:

«Isto foi comunicado a Jotam. «Ouvi-me, senhores de Siquém, e que Deus vos oiça! As árvores puseram-se a caminho para ungirem um rei para si próprias.
Disseram, então, à oliveira: 'Reina sobre nós.' Disse-lhes a oliveira: 'Irei eu renunciar ao meu óleo, com que se honram os deuses e os homens, para me agitar por cima das árvores?'
As árvores disseram, depois, à figueira: 'Vem tu, então, reinar sobre nós.' Disse-lhes a figueira: 'Irei eu renunciar à minha doçura e aos meus bons frutos, para me agitar sobre as árvores?'
Disseram, então, as árvores à videira: 'Vem tu reinar sobre nós.' Disse-lhes a videira: 'Irei eu renunciar ao meu mosto, que alegra os deuses e os homens, para me agitar sobre as árvores?'
Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Vem tu, reina tu sobre nós.' Disse o espinheiro às árvores: 'Se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde, abrigai-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há-de devorar os cedros do Líbano!'
» (Jz 9,7-15).

Estamos em campanha eleitoral para os órgãos autárquicos – câmaras municipais, assembleias municipais e assembleias de freguesia… em finais de setembro.

Desde já fique claro sobre quanto vou tentar colocar por escrito: quando era ignorante, sentia-me mais feliz do que agora que vou conhecendo situações, casos, circunstâncias e demais vicissitudes decorrentes da condição humana. Qualquer coincidência com comportamentos vistos pode parecer simples coincidência com o texto bíblico. Com efeito, quantas segundas e outras subsequentes escolhas foram feitas até que aparecessem os candidatos assumidos, atirados ou possíveis.  

1. Caciquismo – para quantos consideravam que o regime anterior vivia na base do caciquismo, que dizer de autarquias que vivem sob a mesma preponderância político-social? Com efeito, há municípios que vivem quase há um século em ditadura – 48 anos de fascismo e 47 de partido único a mandar, na dita democracia – trinta e um casos, desde 1976: 11 do PSD; 11 do PS; 9 da CDU… foram sempre do mesmo voto. A que se deverá esta fidelização do eleitorado? Estabilidade ou acomodação, inoperância ou manipulação, coerência ou falta de alternativa? Se dissermos que, em muitas destas autarquias, o município é o principal empregador, estará dada a resposta ou manifesta que a ignorância também é um fator de convencimento e coação?

2. Independentes – essa nova nomenclatura, algo camuflada, para designar uns tantos que, na sua sede de protagonismo, foram esbordando dos partidos ou por pretensões, nem sempre claras, se consideravam com alguma importância a seus próprios olhos… Alguns ainda mais ou menos bem-intencionados foram levando de boa mente a pretensão em que se votava na pessoa e não naquilo que ela tinha por suporte. Certos ‘independentes’ mais parecem cobardes do que heróis; mais podem ser vistos como trânsfugas do que dinamizadores de algo novo; mais dão a impressão de que querem estar na crista da onda do que a sorverem as agruras da derrota… Numa palavra: não acredito minimamente em ‘independentes’!

3. Servir sem se servir. Na gestão dos poderzinhos dos caciques ou na tolerância dos independentes fica-nos quase sempre a mesma questão: estarão a servir o povo, que os elegeu ou a servirem-se do posto para se promoverem? De facto, esses postos de ‘governo’ autárquico não podem ser considerados correia de transferência de dinheiros para os apaniguados nem poderão tais lugares serem oportunidades de pagamento de favores à mistura com novas benesses…agora e no futuro. 

4. Questões que se podem/devem colocar: quem está nos lugares de decisão autárquica serão os melhores, os mais competentes ou mesmo os mais indicados? As escolhas dos partidos ou os escolhidos independentes saberão resolver os problemas ou precisam de ajuda, estando a enfeitar? As forças em disputa jogam para ganhar a sua terra ou servem para angariar adeptos para o partido-chefe? Com tantos conluios já denunciados como ainda não aprenderam a sacudir a ligação com o futebol, a construção civil ou mesmo os bombeiros? Não haverá , por isso, interesses subterrâneos que não deixam as autarquias serem mais livres, sem peias nem compromissos suspeitos?

No texto bíblico supra citado foi o menos bem preparado que aceitou a escolha…de chefia. Não seria isso que acontece, tantas vezes, nas propostas de eleições autárquicas? Assim será difícil de fazer mais ou melhor!

 

António Sílvio Couto

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