Num tempo em que as pessoas parecem ter esfriado nas suas relações humanas – os sinais de afeição tiveram de ser tolhidos pelo combate à difusão do vírus – como podemos e devemos manifestar uns para com os outros essa capacidade de compaixão? Como podemos chorar com quem chora, mesmo que não se tenha conseguido fazer o luto das perdas, no contexto de pandemia? Até onde irá a nossa sintomia cristã com os que choram, sejam quais forem as causas desse choro, lamento ou aflição?
Efetivamente é urgente
sairmos do reduto do nosso conforto mais ou menos egoísta para sermos capazes
de viver a compaixão – ‘cum-passione’: sofrer com…; ‘sun-patos’: simpatia –
tornada ato de vida e não mera intenção vazia. Por entre tantos e tão diversificados
casos de sofrimento, de dor e mesmo de angústia torna-se fundamental estar
atento, aberto e lúcido para saber discernir o que é essencial sem o confundir
com o mero urgente, pois este, por vezes, pode baralhar as prioridades com
aquilo que realmente é importante.
À luz das diversas e
intensas intervenções mais recentes dos Papas poderemos intentar propor um
‘código da compaixão’, ousando percorrer algumas das lacunas dos nossos tempos:
Cuidamos uns dos outros, olhando para
eles como Jesus, mostrando-o em sinais, pela presença mútua, acolhendo-os,
integrando-os num xadrez de vida, que se torna capaz de anunciar e de oferecer
Jesus a quem dele precisar:
Cuidar – urge promover a ‘cultura do cuidado’, onde vivamos
em atenção aos outros, sobretudo nas suas debilidades, fraquezas e doenças:
Olhar – à semelhança de Jesus, que se fixava no sofrimento
dos outros, devemos olhá-los sem indiferença nem sobranceria mas compassiva e
misericordiosamente;
Mostrar com gestos, palavras e sinais que os outros são
companheiros na vida e segundo as circunstâncias do tempo e do lugar;
Presença – na linguagem da ‘oração dos dedos’ (1), podemos e
devemos ser presença aos outros atentamente bem como a nós mesmos;
Acolher – mais do que uma mera simpatia – termo grego que é
equivalente a compaixão, em latim – o acolhimento implica atenção e escuta do
outro, desde o mais simples até ao mais alto nível cultural;
Integrar – numa leitura atenta dos acontecimentos do mundo,
torna-se essencial a integração da dimensão espiritual da pessoa humana, que
passa pelo respeito de todos, mesmo dos diferentes;
Xadrez – por entre variegadas situações de vida – essa
espécie de xadrez algo rebuscado – podemos encontrar a dimensão da verdade como
dinâmica de diálogo cultural e mesmo civilizacional;
Anunciar – nessa compreensão de que a dimensão cristã se situa
entre o ‘vinde’ e o ‘ide’, somos chamados a anunciar a presença de Jesus como
Aquele que responde às questões essenciais da vida em condição terrena;
Oferecer – naquilo que pode e deve ser a proposta de Jesus
àqueles que Ele coloca no nosso caminho, temos de saber oferecer-lhes um Cristo
vivo e vivenciado, um Cristo alegre e compassivo, um Cristo de futuro e com
esperança.
A nossa capacidade de
compaixão tem Jesus por critério e medida: n’Ele, por Ele e com Ele seremos
suas testemunhas, levando consolação como Ele o fez, entre outros, para com a
viúva de Naim.
1. ‘Oração dos dedos’ - atribuída ao Papa Francisco:
O polegar, «o dedo que
te é mais próximo», faz-nos pensar e rezar por quem está mais próximo de nós,
«as pessoas de quem nos recordamos mais facilmente», rezar por todos os nossos
entes queridos «é uma doce obrigação».
O indicador recorda-nos de rezar por quem tem a função de dar indicações aos
outros, isto é, «aqueles que ensinam, educam e tratam», categoria que
compreende «mestres, professores, médicos e sacerdotes».
O médio, o dedo mais alto, lembra «os nossos governantes», as pessoas «que
gerem o destino da nossa pátria e orientam a opinião pública… precisam da
orientação de Deus».
O anelar «é o nosso dedo mais fraco, «recorda-nos de rezar pelos mais fracos,
por quem tem desafios a enfrentar, pelos doentes» que têm necessidade da «tua
oração de dia e de noite», bem como pelos esposos...é nele que é colocada a
aliança de casamento.
Por fim, o mindinho, o dedo mais pequeno, «como pequenos nos devemos sentir
diante de Deus e do próximo», convida a rezar por nós próprios: «Depois de
teres rezado por todos os outros, poderás compreender melhor quais são as tuas
necessidades, olhando-as na justa perspetiva».
António Sílvio Couto
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