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terça-feira, 3 de agosto de 2021

Para um ‘código de compaixão’

 


Num tempo em que as pessoas parecem ter esfriado nas suas relações humanas – os sinais de afeição tiveram de ser tolhidos pelo combate à difusão do vírus – como podemos e devemos manifestar uns para com os outros essa capacidade de compaixão? Como podemos chorar com quem chora, mesmo que não se tenha conseguido fazer o luto das perdas, no contexto de pandemia? Até onde irá a nossa sintomia cristã com os que choram, sejam quais forem as causas desse choro, lamento ou aflição?

Efetivamente é urgente sairmos do reduto do nosso conforto mais ou menos egoísta para sermos capazes de viver a compaixão – ‘cum-passione’: sofrer com…; ‘sun-patos’: simpatia – tornada ato de vida e não mera intenção vazia. Por entre tantos e tão diversificados casos de sofrimento, de dor e mesmo de angústia torna-se fundamental estar atento, aberto e lúcido para saber discernir o que é essencial sem o confundir com o mero urgente, pois este, por vezes, pode baralhar as prioridades com aquilo que realmente é importante.

À luz das diversas e intensas intervenções mais recentes dos Papas poderemos intentar propor um ‘código da compaixão’, ousando percorrer algumas das lacunas dos nossos tempos: Cuidamos uns dos outros, olhando para eles como Jesus, mostrando-o em sinais, pela presença mútua, acolhendo-os, integrando-os num xadrez de vida, que se torna capaz de anunciar e de oferecer Jesus a quem dele precisar:

Cuidar – urge promover a ‘cultura do cuidado’, onde vivamos em atenção aos outros, sobretudo nas suas debilidades, fraquezas e doenças:

Olhar – à semelhança de Jesus, que se fixava no sofrimento dos outros, devemos olhá-los sem indiferença nem sobranceria mas compassiva e misericordiosamente;

Mostrar com gestos, palavras e sinais que os outros são companheiros na vida e segundo as circunstâncias do tempo e do lugar; 

Presença – na linguagem da ‘oração dos dedos’ (1), podemos e devemos ser presença aos outros atentamente bem como a nós mesmos;

Acolher – mais do que uma mera simpatia – termo grego que é equivalente a compaixão, em latim – o acolhimento implica atenção e escuta do outro, desde o mais simples até ao mais alto nível cultural; 

Integrar – numa leitura atenta dos acontecimentos do mundo, torna-se essencial a integração da dimensão espiritual da pessoa humana, que passa pelo respeito de todos, mesmo dos diferentes;

Xadrez – por entre variegadas situações de vida – essa espécie de xadrez algo rebuscado – podemos encontrar a dimensão da verdade como dinâmica de diálogo cultural e mesmo civilizacional;

Anunciar – nessa compreensão de que a dimensão cristã se situa entre o ‘vinde’ e o ‘ide’, somos chamados a anunciar a presença de Jesus como Aquele que responde às questões essenciais da vida em condição terrena;

Oferecer – naquilo que pode e deve ser a proposta de Jesus àqueles que Ele coloca no nosso caminho, temos de saber oferecer-lhes um Cristo vivo e vivenciado, um Cristo alegre e compassivo, um Cristo de futuro e com esperança.

A nossa capacidade de compaixão tem Jesus por critério e medida: n’Ele, por Ele e com Ele seremos suas testemunhas, levando consolação como Ele o fez, entre outros, para com a viúva de Naim.

 

1. Oração dos dedos’ - atribuída ao Papa Francisco:

O polegar, «o dedo que te é mais próximo», faz-nos pensar e rezar por quem está mais próximo de nós, «as pessoas de quem nos recordamos mais facilmente», rezar por todos os nossos entes queridos «é uma doce obrigação».
O indicador recorda-nos de rezar por quem tem a função de dar indicações aos outros, isto é, «aqueles que ensinam, educam e tratam», categoria que compreende «mestres, professores, médicos e sacerdotes».
O médio, o dedo mais alto, lembra «os nossos governantes», as pessoas «que gerem o destino da nossa pátria e orientam a opinião pública… precisam da orientação de Deus».
O anelar «é o nosso dedo mais fraco, «recorda-nos de rezar pelos mais fracos, por quem tem desafios a enfrentar, pelos doentes» que têm necessidade da «tua oração de dia e de noite», bem como pelos esposos...é nele que é colocada a aliança de casamento.
Por fim, o mindinho, o dedo mais pequeno, «como pequenos nos devemos sentir diante de Deus e do próximo», convida a rezar por nós próprios: «Depois de teres rezado por todos os outros, poderás compreender melhor quais são as tuas necessidades, olhando-as na justa perspetiva».

 

António Sílvio Couto

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