A ‘silly season’ (estação ridícula, na tradução literal) deste ano está a revestir uma versão algo religiosa: a partir da 2.ª leitura da missa do XXI domingo do tempo comum (Ano B) uns tantos/umas tantas quiseram trazer para a liça uma discussão algo sem nexo, tanto pelo conteúdo quanto pelo significado: o pretenso papel da mulher, sobretudo na Igreja…católica.
Citamos excertos do texto da ‘tal’ polémica: «Sede submissos uns aos outros no temor
de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido
é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o
Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se
devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como
Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela… Assim devem os maridos amar as suas
mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo» (Ef 5, 21-28).
2. Ainda antes da ‘reação’ da Conferência Episcopal Portuguesa, foi-se ouvindo que os textos – bíblicos e não só – precisam de ser enquadrados/contextualizados segundo uma certa hermenêutica e, no caso da Bíblia, atendendo a uma exegese apropriada. Com efeito, São Paulo fala e escreve num contexto específico, tendo em conta o quadro jurídico-social da família, aqui em duas vertentes especiais: a mútua atenção – dito de submissão – e o cuidado entre os esposos. Mas, para alguns, as palavras usadas estariam desadequadas aos ‘critérios’ dos nossos dias e à luz das pretensões de grupos mais redutivos.
Eis um excerto da nota da CEP de 24 de agosto: «então porque não se muda o texto, para que não se deem
interpretações incorretas? A pergunta tem a sua razão de ser, mas é claro para
a Igreja e para quem quiser interpretar textos e tradições com origem noutras
culturas e noutros tempos: os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a
entendê-los e a atualizá-los. Por exemplo, não se mudam os versos épicos de
Camões, porque não correspondem à mentalidade atual e até, em alguns casos,
podem causar escândalo. Isso seria cair na arbitrariedade e na ditadura das
modas e na imposição da cultura única. É por isso que se estuda Camões nas
escolas, para que todos tenham acesso à beleza dos seus versos, dentro dos
condicionalismos da sua época».
À guisa de anedótico: já só falta varrer da possibilidade de apresentação
dos homens – na cultura ocidental e europeia em particular – o uso da barba,
pela simples razão de que os talibans ostentam tal artefacto por motivações
religiosas e culturais! Pessoalmente já fui vítima de especial revista, em
aeroportos no estrangeiro, por usar barba e, atendendo ao contexto
sociopolítico, se me poder assemelhar com tais indesejáveis.
Seria algo salutar refletir sobre as questões sem as discutir em defesa
ou ataque de nada nem de ninguém. Nem sempre é isso que temos visto nesta
questão do sacerdócio no feminino…
Já agora: que dizer de certas formas de música – fado em particular – que
ainda hoje estão vedadas às mulheres, na sua cantoria? E dizem-se do meio
intelectual… Não se andará a acusar outros para que se não vejam erros
idênticos?
António Sílvio Couto
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