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segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Mesa da refeição – que significado em família?


Desde logo podemos e devemos questionar o lugar e a importância que tem a mesa – em especial – da refeição na nossa casa, seja no contexto de família ou mesmo de incidência mais singular. Mais do que um objeto material, a mesa é um espaço de vida ou de falta dela… Reparemos na pressa com que tantos dos nossos coevos não a usam como experiência de vida, de partilha e/ou de refeição! Talvez devamos ainda refletir sobre a vulgarização da ‘mesa de restaurante’, que nem sempre envolve a tenacidade da vida em partilha, em sintonia ou mesmo em gosto que se saboreia pelo comer (ou comida) familiar. Não andaremos a subverter a mesa da refeição com o recurso de comermos fora, no restaurante? Não estaremos a perder a identidade pessoal e familiar com o excesso de irmos comer ao restaurante? Não correremos o risco de ficarmos desestruturados culturalmente ao substituirmos a mesa de família por outras formas de convívio que são menos afetivas e de presença aos outros?
Talvez valha a pena fazermos uma análise ao significado da refeição à mesa naquilo que faz e constrói a família, hoje:

1. Diz-me com quem comes e aquilo que comes, que dir-te-ei quem és. Sempre esta frase terá mais sentido quando mais agora que as pessoas parecem não ter tempo para estar à mesa, seja para saborear a comida feita sem pressa, seja para vivenciar a partilha com os comensais. ‘Companheiro’ significa ‘comer do mesmo pão’ (cum pannis). Hoje perdemos a paciência para cozinhar – o micro-ondas tornou-se um dos símbolos da superficialidade da nossa vida – e até para saborearmos a alimentação. Aqui, como noutros campos da vida, a pressa é inimiga da eficiência. Que dizer da ‘presidência’ da mesa da refeição de sua excelência a sacrossanta televisão? Ou como obviar à moda, cada vez mais habitual, do telemóvel omnipresente e tantas vezes obstaculizador da conversa entre todos? Estar com os outros não basta só de corpo presente…

2. Parafraseando um pensamento que vi escrito no guarda-vento de uma igreja – ‘família que reza unida permanece unida’ – assim: família que come unida, permanecerá unida! Mais do que deglutir os alimentos é importante comungá-los com os outros que connosco vivem. Com efeito, ter tempo para tomar as refeições em família, além de ser mais uma forma equilibrada de alimentação, é uma forma salutar de vida pessoal e familiar…agora e para o futuro.

3. Se, na cultura judaica, a casa era um lugar teológico por excelência, a mesa era-o por muito maior incidência, pois era aí que se celebrava o ‘shabbat’ semanal, com as orações, gestos e sinais próprios de quem aprendia e ensinava a história do Povo de Deus à mesa da refeição em família. Nos textos bíblicos vemos por diversas vezes a mesa como um lugar privilegiado da presença de uns aos outros e mesmo da revelação de Jesus. Depois do chamamento de Levi (Mateus), Jesus reúne-se numa refeição na casa dele com outros publicanos (cf. Mt 9, 9-13). Numa refeição em casa de um fariseu, Jesus é abordado por uma pecadora pública (cf. Lc 7,37). Por excelência a narrativa do lava-pés (cf. Jo 13,1-20) acontece quando Jesus se encontrava à mesa… na ceia pascal… o momento de exemplificar a mensagem é bem mais forte do que as lições teóricas.

4. A mesa como lugar da experiência humana (na diversidade das pessoas, dos tempos e das vivências) e da partilha da refeição, em consonância divina (onde Deus é visto e não meramente imposto) tem de ser mais do que um etéreo propósito. Há sugestões que podem emergir da vivência familiar da eucaristia dominical, fazendo da mesa da refeição familiar um prolongamento dessa outra onde Jesus se tornou pão eucarístico para todos, isto é, comunitariamente, mas que se traduzirá na incidência de cada casa, de cada família: a mesa da família cristã torna-se a expressão do altar em família.
Outro aspeto, cuidado desde sempre na vivência do cristianismo e quase como prolongamento da vivência judaica, é a bênção da mesa. Encontramos já nas ‘Constituições apostólicas’ (século IV) uma proposta – que por ser tão simples e incisiva – transcrevemos…até como sugestão de ‘oração da mesa, bênção para a refeição’: ‘És bendito, Senhor, que me alimentas desde a minha juventude, e dás o alimento a toda a criatura; enche os nossos corações de felicidade e de alegria, para que, tendo sempre e em tudo quanto nos é necessário, usemos do que sobre todas as boas obras, em Cristo Jesus, nosso Senhor, por quem a Ti glória, honra e poder, pelos séculos dos séculos. Amen’.

5. Confesso que me custa um tanto perceber, mesmo através dos filmes, que, por ocasião da apresentação de uma refeição, sejam os cristãos de índole mais protestante a orarem antes das refeições. Os católicos também podem e devem ser gratos ao Deus que os alimenta…Desde tenra idade necessitamos de aprender e de viver esta dinâmica da mesa em nossa casa.
Como seria vivamente recomendável incluir, na oração da mesa, o ‘Pai-nosso’, sobretudo tendo em conta essa petição em que solicitamos ao Pai que nos dê o ‘pão nosso de cada dia’…


António Sílvio Couto

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