Depois da vaga de desânimo que se abateu, inapelavelmente, sobre a Humanidade pela pandemia do vírus, quando a economia quase colapsou e socialmente tivemos de estar confinados, agora as pessoas começaram a ser vacinadas contra o ‘covid-19’, ouve-se falar de esperança, num misto de anseio e de expetativa, à mistura com uma visão algo transcendente…mesmo que de forma tácita.
Mas o
que é a esperança? Que cor do cardápio da paleta terá a dita esperança? Onde e
como podemos viver essa tal esperança? Haverá níveis de esperança para quem tem
ou não tem fé? Como se pode ou deve testemunhar a esperança, se esta for vista
como virtude cristã?
= Se
recorrermos às línguas clássicas – grego e latim – encontraremos os seguintes vocábulos
de ‘esperança’: ‘elpis’, em grego, significa ‘atitude de quem espera ou aguarda
algo’; ‘spes’ em latim, significa ‘confiar em algo positivo’… Em hebraico
‘hatikvah’ (a esperança) é o tema do hino nacional de Israel…
No
contexto judaico-cristão, a esperança aponta-nos para uma perspetiva teísta,
onde Deus é a origem e o termo da própria esperança. Se recorrermos às fontes
bíblicas podemos encontrar 142 vezes a referência à esperança, tanto no Antigo
Testamento (sobretudo nos Salmos) como no Novo Testamento com particular
incidência na literatura paulina.
Atendendo
ao contexto da nossa referência cultural, o conceito de ‘esperança’ tendo ainda
em conta uma simbologia habitual: a âncora, que assegura a estabilidade do
barco, tanto no cais como em alto-mar…Em Hb 6,18-19 encontramos referência a
essa vertente simples e fundamental – ‘agarrando-nos à esperança proposta.
Nessa esperança temos como que uma âncora segura e firme da alma’ – reportando
a Jesus, porto inabalável.
= No
ambiente algo confuso de pandemia em que temos mergulhados, será avisado trazer
o tema da esperança para a dimensão pública, tanto social como política e até
cultural? Não correremos o risco de nos tornarmos alvo de riso, se incluirmos a
questão da esperança nas conversas e nos debates? Por que razão se fala tão
pouco de esperança, será por que ela já existe ou por que não existindo nos
custa colocá-la na prática do nosso dia-a-dia? Será a esperança uma miragem sem
nexo nem compromisso?
Em 1 Pd
3,15 lemos: «no íntimo do vosso coração,
confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança
a todo aquele que vo-la peça». É significativo escutarmos, nos textos
bíblicos este desafio de sermos capazes de explicar aquilo que somos e vivemos.
Ora, pelos sinais que vimos, nestes meses de acentuado confinamento, talvez
esta explicação ‘das razões da nossa esperança’ tenha andado um tanto arredia
das palavras e das vivências da maioria dos nossos cristãos e de nós todos,
como cristãos. Tantos medos e preconceitos; tantas ansiedades e precauções;
tantos e tão diversos assentimentos higiene-sanitários deixaram a manifesto que
a esperança foi trocada por gestos, palavras e sentimentos de culpa mais do que
ousadia de fé, de fraternidade e de caridade. Deste modo a esperança virou
conformidade e não virtude e muito menos forma de estar cristãmente.
Muitos
dos responsáveis eclesiais e uma boa parte dos eclesiásticos obedeceram mais
aos mentores político-partidários do que àquilo que deveria ser a exigência
testemunhal do amor cristão. Um certo servilismo seguidista das ordens
sanitárias tornaram-se mais acutilantes do que a dedicação aos outros, como
lemos na vida de tantos santos e santas em maré de epidemias similares àquela
que temos estado a viver. O encerramento dos templos e a escusa do preceito
dominical tão generalizado foi sinal de quem acredita e se sente presença de
esperança? O acentuado confinamento da maioria das atividades pastorais não
revelou mais medo do que confiança, tanto em si mesmos como em Deus? O mal
feito à dimensão comunitária da vivência em Igreja será recuperado da mesma
forma como foi desbaratado nestes dez meses e meio de pandemia?
=
Sugerimos, por fim, breves propostas para que a esperança, que se vislumbra no
dealbar de 2021, se possa tornar algo mais do que utópico: conhecer-se a si
mesmo e respeitar os outros poderá ser um bom projeto de vida; ser semeador de
boas notícias e filtrador da maledicência seria uma outra nota de
comportamento; viver mais em referência à verdade do que no cultivo da vaidade,
tanto pessoal como social, eis um desafio a seguir…humilde e sinceramente.
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário