Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 30 de janeiro de 2021

Deputados anacrónicos ou mais servidores de ideologias?

 


Sem dramatismos, mas de forma clara e direta: o dia 29 de janeiro de 2021 há de constar nos anais do Parlamento português como uma data de vergonha, de falta de senso e, sobretudo, de luto pela decisão de aprovar a lei que, duma forma prática, legaliza a eutanásia, nem para isso lhe chame de ‘morte medicamente assistida’ ou de ‘antecipação do fim da vida, de forma digna’…

Reagindo de uma forma séria, serena e incisiva, menos duas horas após a façanha, a Conferência Episcopal Portuguesa escreveu e disse: «Os bispos portugueses exprimem a sua tristeza e indignação diante da aprovação parlamentar da lei que autoriza a eutanásia e o suicídio assistido.
Essa tristeza e indignação são acrescidas pelo facto de se legalizar uma forma de morte provocada no momento do maior agravamento de uma pandemia mortífera, em que todos queremos empenhar-nos em salvar o maior número de vidas, para tal aceitando restrições da liberdade e sacrifícios económicos sem paralelo. É um contrassenso legalizar a morte provocada neste contexto, recusando as lições que esta pandemia nos tem dado sobre o valor precioso da vida humana, que a comunidade em geral e nomeadamente os profissionais de saúde tentam salvar de modo sobrehumano
».

 – Se bem que o assunto tenha andado a ser cozinhado nos tempos mais recentes – em fevereiro do ano passado foram aprovados os vários projetos (cinco), em outubro último foi recusada uma petição que solicitava a consulta em referendo – agora foram fundidos os pedaços de arranjo num só, copulativamente dando a aberração legislativa agora saída daquele ninho de lacraus…

 – Se poderia haver uma circunstância mais agravante para não trazer este assunto à liça era esta – como referem os bispos: ‘no momento do maior agravamento de uma pandemia mortífera’ – deixando a perceber que, mais uma vez, o tema serve de fumo de palco para gerar engano aos perdedores da refrega das recentes eleições presidenciais, pois os proponentes dos projetos todos perderam nos seus candidatos… Isto será, minimamente, sério e credível? Ou deveria, antes, ser levado pelo jocoso, se não estivesse tanto em causa para o futuro!

 = De verdade temos de questionar, se os parlamentares são pessoas que sabem interpretar cada tempo ou se não andarão antes ao ritmo de uma tal agenda subterrânea, que emerge conforme lhes dá jeito. De facto, temas que envolvem as questões da vida – aborto, técnicas de reprodução e de consonância com alguma moralidade assente em valores cristãos, relacionamento entre pessoas, processos no final do existir – como que fazem, hoje, a barreira psicológico-emocional para distinguir – sem rotular – quem se fundamenta em critérios do Evangelho ou está contra ele, de forma tácita ou mais explícita.

Vejamos ainda duas citações do comunicado da CEP, sobre o ‘entendimento do sofrimento’ e a compreensão antropológica que configura estas decisões políticas sobre questões éticas: «Não podemos aceitar que a morte provocada seja resposta à doença e ao sofrimento (...) Para além da política legislativa lesiva da dignidade de toda a vida humana, somos confrontados com um retrocesso cultural sem precedentes, caraterizado pela absolutização da autonomia e autodeterminação da pessoa».

Daqui podemos deduzir algumas perguntas, primeiramente para os crentes e, se oportuno, para os demais:  

* Teremos sabido falar do sofrimento e da doença, hoje, com critérios evangélicos ou antes andámos ao sabor da compreensão hedonista-epicurista reinante?

* Uma certa repulsa pela resignação não nos colocou na banalidade das provações, em vez de nos conferir uma leitura daquilo que Deus quer purificar em nós?

* Onde está a espiritualidade do sacrifício – mesmo na eucaristia – que informou tantos dos nossos santos e que deveria fazer-nos celebrá-la, hoje, unindo os nossos sofrimentos à paixão de Cristo?

* Mesmo por entre toda esta pandemia, ainda não nos apercebemos que não somos donos da vida, mas meros administradores?

Desgraçado país que tem, em boa parte, tão inúteis deputados e interesseiros políticos de tão baixa ética!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Os totalitarismos não serão todos execráveis?

 


«Também este século, que caminha para o seu ocaso, conheceu numerosíssimos mártires, sobretudo por causa do nazismo, do comunismo e das lutas raciais ou tribais. Sofreram pela sua fé pessoas das diversas condições sociais, pagando com o sangue a sua adesão a Cristo e à Igreja ou enfrentando corajosamente infindáveis anos de prisão e de privações de todo o género, para não cederem a uma ideologia que se transformou num regime de cruel ditadura». 

Assim proclamava, em 1998, o Papa João Paulo II, na Bula de proclamação, ‘Incarnations mysterium’ do grande jubileu do ano 2000.
Vem isto a propósito de um incidente ocorrido num programa televisivo, no qual um dos concorrentes, por ocasião de uma ‘prova’ que incluía cantar e representar, teve a infeliz ideia de associar ao ato um gesto conotado com a (apelidada) ‘saudação nazi’
(1)… Segundo ele referiu não sabia o significado nem o alcance histórico daquele gesto, que lhe foi reportado pelos puristas antitotalitários, colhendo, de seguida o fruto de ser expulso, com todas as invetivas de comentadores…para já só televisivos.
E se, em vez daquela referência ao nazismo com o gesto que lhe está associado, fosse usado o ‘punho fechado’
(2), tipificado pelas forças mais de cariz marxista, haveria idêntica sublevação, tanto no programa como nas hostes televisivas? Será que há totalitarismos péssimos, menos maus ou até considerados bons? Já percebemos que os extremos serão sempre fatores de divisão e nunca espaços de concordância?
Uma nota de sensibilidade: terá sido inocente que o caso do concorrente tivesse ocorrido, por ocasião do ‘dia internacional da lembrança do holocausto’, que se comemora a 27 de janeiro?
= Voltamos a usar dados com incidência na área da Igreja católica, citando uma intervenção do Papa Bento XVI, em abril de 2008, por ocasião da visita ao ‘memorial dos mártires do nosso tempo’, na cidade de Roma.”Ouvimos o eloquente testemunho dos que, não só no século XX, mas desde o início da Igreja, ofereceram no martírio a sua vida a Cristo, vivendo no amorTambém este século XXI se abriu sob o signo do martírio”. De seguida o Papa recordou os cristãos “mortos sob a violência totalitária do comunismo, do nazismo, dos mortos na América, na Ásia e Oceania, na Espanha e México”.
Não andaremos a ser manipulados por fautores do totalitarismo, seja qual for a ideologia ou a coloração? A quem interessa branquear os atos de uns e trucidar os gestos de outros? Não haverá muita incongruência intelectual em fazer de alguns vítimas e de outros heróis? Será que a morte tem adjetivos benéficos, se praticada por quem for da nossa simpatia mental e/ou ideológica?
Mesmo que forma sucinta deixamos números que nos devem fazer refletir, envergonhar e, sobretudo, não sermos faciosos ou servidores da mentira quando convém.
Eis situações de vítimas: do nazismo (desde 1932 e em especial na segunda guerra, 1939-1945) – 20 milhões, envolvendo judeus, soviéticos, polacos, ciganos, deficientes, testemunhas de jeová, homossexuais, etc; do estalinismo (1922-1953) – 20 milhões, através de expurgações, extermínios, campos de trabalhos forçados (gulags); de Mao Tsé-tung (1945-1976) – de 50 a 70 milhões, através de expurgos políticos e execuções em massa; outros pequenos ‘ditadores’ foram adotando algumas destas formas ideológicas e para vingarem foram fazendo as suas vítimas, descobertas quando derrubados os sistemas que lhes davam cobertura… Por exemplo: Coreia do Norte, Cuba, Albânia, Venezuela…

Num tempo onde ainda pontificam forças do ‘reviralhado’ parece ser difícil que, quem não alinha pelo seu diapasão, seja aceite como minimamente democrata. Não será isto totalitarismo?
_____

1. ‘Saudação nazi’ - é uma variação da saudação romana, adotada pelo partido nazista como um sinal da lealdade e de culto da personalidade de Adolf Hitler. Ganhou popularidade concomitantemente com a ascensão de Hitler. Consiste em esticar o braço direito no ar com a palma estendida para baixo. A ‘saudação romana’ é uma saudação em que o braço é levantado para a frente, com a palma da mão para baixo. O braço pode ficar paralelo ao chão ou não – por vezes com o braço mais ou menos erguido. Apesar do nome do gesto, desconhece-se se os romanos o usavam como cortesia militar.
2. ‘O punho erguido/cerrado’ é um símbolo de solidariedade e apoio. Também é utilizado como uma saudação para expressar unidade, força, desafio ou resistência. A saudação parece remontar à antiga Assíria como um símbolo de resistência em face da violência. É usado principalmente pelas forças de ‘esquerda’, marxistas e comunistas…

António Sílvio Couto

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

‘Ficar em casa’, espiolhando a vida alheia?

 


Estamos a viver mais um tempo de confinamento obrigatório. As causas prendem-se com os números astronómicos de infetados e de mortos, pelo ‘covi-19’, no nosso país, respetivamente, mais de quinze mil e quase trezentos… Números que nos colocam na vanguarda negativa da Europa e do mundo.

Diz-se que ‘morre um português em cada cinco minutos’ devido a este maldito vírus, que, entretanto, tem tomado várias mutações, sendo cada uma mais fatal do que outra.

Tem sido complicado convencer uma boa parte da população a conseguir ficar em casa, mesmo que seja essa a forma de controlar com mais eficácia a propagação do vírus, bem como um meio de tentar suster a iminente rutura dos hospitais.

– Quedando-nos pelo cumprimento das normas de confinamento, surge uma questão algo complexa: que fazer em casa, se não há hábitos de controlo sobre as saídas ou se, usando os meios de comunicação (televisão, internet ou telefone), não foi adquirida a contenção nos gastos ou mesmo na moderação do manuseamento?

De muitas e variadas formas os programas televisivos – sobretudo nos ditos canais abertos – da manhã ou da tarde, diariamente ou ao fim-de-semana, vão seduzindo os telespetadores a entrarem nos ‘concursos’ ou auspiciando conquistar prémios. As operadoras de telecomunicações engordam com tais iniciativas e, pé-ante-pé, as pessoas ‘investem’ aquilo que gastariam nos jogos-de-sorte-e-de-azar… na rua. Isto já para não falar nos casinos virtuais e até noutras roletas bem mais viciadoras.

 – Desde há duas décadas que vimos a assistir, muitas vezes de forma quase-acrítica, a programas pretensamente de entretenimento, onde se vai espiolhando a vida dos outros. Sobretudo os dois canais comerciais têm andado em disputa de qual é a reprodução por cá do que mais baixo se importa – qual enlatado de má qualidade – para durante meses ‘prenderem’ os seus espetadores, os anunciantes e, numa palavra, um público sem critérios nem valores… que não sejam os dislates dos concorrentes, as tropelias dos incautos ou mesmo a baixeza moral dos (pretensos) mais ousados.

Entretanto, foi-se apurando isso que, em tempos e com termos mais ruralistas, se chamava ‘espreitar pelo buraco da fechadura’. Agora são as designadas ‘redes sociais’ que fazem esse indiscreto papel. Com maior ou menor regularidade e/ou conhecimento as pessoas tentam saber da vida alheia.

Em círculos mais pequenos sempre houver a intromissão e a maledicência de uns para com os outros. Espaços havia onde era propício e quase-fatídico falar ou ser falado: o lavadouro da aldeia; a soleira da porta, em especial ao sol ou à sombra, conforme a época; a taberna, a tasca ou o café; o adro da igreja ou mesmo certos espaços acrescentados… onde, quantas vezes, se desenterravam mortos e se sepultavam vivos, numa cultura de proximidade, que antes era de conflitualidade…latente ou explícita.

 – Se há quem pretenda ser discreto e passar o mais possível desapercebido, outros como que cultivam o seu contrário, dando tudo o que podem – por vezes é bastante pouco e irrisório – para serem falados, nem que seja pelas piores razões. Admira-me que ainda haja pessoas que submetem àqueles concursos-de-vida-a-descoberto, denunciando-se e sendo denunciados mais pelas fraquezas, banalidades e lacunas do que pela coisas boas, aceitáveis e de bom senso.

Embora cada pessoa procure vivenciar o que lhe faz estar bem enquadrado no meio em que vive, torna-se essencial saber o que se deve dizer ou calar, mostrar ou encobrir, dar a conhecer ou fazer mistério. Deixo neste sentido uma citação bíblica: «tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de se lamentar e tempo de dançar; tempo de atirar pedras e tempo de as ajuntar; tempo de abraçar e tempo de afastar o abraço; tempo de procurar e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo de amar e tempo de odiar; tempo para  guerra e tempo para a paz» (Ql 3,1-8). Aprendamos a viver o nosso tempo!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Sabemos para onde vamos?


 Recordo com vivo interesse um ensinamento apresentado por um norte-americano, há cerca de duas décadas, que dizia: tal como John Wayne, nos seus filmes do far west, de mão em riste, apontado em frente, dizia ‘let’s go’ (vamos), assim João Paulo II, por ocasião do ‘jubileu do ano 2000’ e com a ‘nova evangelização’ estava a dizer à Igreja católica: vamos, em frente, rumo à meta…

Vem isto a propósito – mais por ausência ou falência do que por realidade – daquilo que podemos perceber a falta de quem nos aponte o caminho a trilhar, bem como de uma mensagem mobilizadora de todos.

Nesta partilha – algo inquieta, mas não-ansiosa – vou percorrer alguns campos de intervenção, sem perder de vista, essencialmente, o âmbito eclesial.  

 = Leitura algo preocupada dos resultados das eleições presidenciais

Sendo este ato eletivo mais pessoal do que partidário, vimos figuras um tanto desarticuladas do significado de propaganda, servindo-se da máquina de outras ocasiões; invetivando mais a faceta da ideologia, no sentido governativo do que na consonância da presidência; mais ataques de combate à pessoa, numa espécie de assassínio de personalidade, do que às ideias; recurso a clichés já abandonados no resto da Europa, mas fomentadores de conflitualidade social em arquivo de memória; exaltação mais daquilo que divide do que o que une e congrega…

A maioria dos candidatos teve a resposta que merecia: mínima, insuficiente, nalguns casos ridícula…mesmo que tendo pessoas em volta, não passavam de figuras solitárias e mesmo isoladas. Ficará na memória destas eleições presidenciais, o vencedor a deambular sozinho nas ruas da capital, fazendo tempo e ouvindo os discursos dos vencidos. Mas teremos reconhecido nele um guia das hostes lusitanas para os próximos tempos? Sendo agora ‘presidente’ sê-lo-á ‘para todos’, dado que nem todos nele votaram? Como poderá o reeleito presidente continuar a ser fiel aos seus valores, critérios e propostas, sem esquecer a fé católica que sempre assumiu? Continuará a dar cobertura às tropelias governativas, mesmo as mais esconsas e atentatórias da dignidade das pessoas, sobretudo das que têm iniciativa não-estatais nem estatizantes?

Gostaria de lembrar, no registo da História, estes anos duros de pandemia como tempos de aferição aos valores humanos mais elementares e essenciais!

 = Como servir os homens de hoje, levando-lhes Deus?

Esta é uma preocupação que me parece fundamental para entender o papel, a missão e o compromisso da Igreja católica, particularmente no nosso país. A submissão às diretrizes governamentais, em matéria de gestão da pandemia, quase fez dos cristãos/católicos uns cordeirinhos servidores dos intentos seculares. Em certos momentos fomos mais seguidistas das orientações das autoridades de saúde do que das normas eclesiais: a dispensa da missa dominical, o fechamento (é mais do que encerramento) das atividades pastorais, a suspensão da maioria dos sacramentos, a exclusão de alguns setores sociais das propostas de evangelização… e tantas outras subtilezas cumpridoras das ordens mundanas. Tudo isto se pagará por largo tempo: a ausência das crianças e adolescentes, a acomodação às missas on-line, a desabituação da componente comunitária na prática religiosa… a rutura das finanças das paróquias e dioceses, o excesso de virtualidade das coisas da fé…’à la carte’.

Estaremos a saber servir a mensagem do Evangelho no seu confronto com os problemas que temos e os que nos são colocados? Não teremos descaído na ousadia do anúncio e até esmorecido na dinâmica profética? Não nos inquieta que destes tempos fique um razoável silêncio do nada, como se fosse um vazio? Já começamos a discernir aquilo que Deus nos diz, por entre os seus sinais algo difíceis de compreender?

 = A vida será só economia e finanças?

As medidas propostas, as decisões apresentadas, as regras e os métodos têm privilegiado a ‘economia’, como se ela fosse a resposta para todos os problemas. Desgraçada cultura que se configura pelo material, o materialismo e consumismo. De facto, Deus conta pouco ou quase nada…até para os ditos cristãos!

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

… E o povo falou

 


Acabado que foi o espetáculo – nalguns casos mais triste do que alegre – das ‘eleições presidenciais 2021’ há que recolher as lições, expressadas de variadas formas, com diversos sentidos e, sobretudo, com múltiplas implicações no presente e para o futuro.

Desde já uma nota: mesmo que sufragado com maioria, o presidente não é ‘de todos’ os portugueses, pois uma boa parte – dizem as cifras um tanto erróneas com mais de sessenta por cento – nem votou, e os que se dignaram pronunciar-se, cerca de quarenta por cento, escolheram outros pretendentes. O presidente tem de ser, sim, ‘para todos’ os portugueses, tenham-no ou não plebiscitado…este termo quer ainda dizer que o reeleito foi avaliado sobre os cinco anteriores anos de mandato, logo bem acolhido, aceite e com condições para continuar mais outros cinco anos, assim tenha vida e saúde.

Dos resultados da noite de 24 de janeiro, em que o sábio povo português falou, podemos/devemos tirar as seguintes lições:

* A maioria dos eleitores não se considera extremista nem de esquerda e tão pouco de direita… sejam estes antagónicos aquilo que deles quisermos atribuir-lhes;

* Alguns dos competidores – com largos orçamentos – porque não atingiram cinco por cento dos votos expressos, não recebem comparticipação nos gastos, tendo-os de suportar a expensas próprias ou do partido;

* O chip ideológico parece estar a mudar nalgumas regiões, particularmente no Alentejo, considerado, abusivamente, reduto de certas forças, pois os conotados com a barreira contrária, foram os segundos em todos os distritos…para confusão de certos analistas sócio culturais do sistema;

* Alguém acredita que há, em Portugal, quase meio milhão de xenófobos, de racistas, de populistas ou de extremistas da (dita) direita? De facto, parece ser mais fácil rotular do que combater as ideias; parece mais cómodo ilegalizar do que reconhecer os erros; parece dar jeito ser mais rápido em ver os efeitos do que em encontrar as causas desse fenómeno, que pode ter tanto de emergente quanto de inconsequente;

* Mais do que arietes de regime (republicano, laico e rotulado com fés de antanho), os candidatos deveriam ter sido proponentes de ideias, de valores e de critérios na conduta da política. Com efeito, foi pensoso e quase-desagradável ver um ‘vencedor’ andar às voltas solitário, nas ruas de Lisboa, podendo isso retratar o que não temos visto noutras horas de vitória, onde uns tantos se colam a quem ganha ou se esgueiram quando os seus apaniguados perdem…

= Os próximos tempos – dias, meses e anos – são de uma grande incerteza, dada a configuração da pandemia. Por isso, não podemos descrer da nossa capacidade pessoal e comunitária. As sombrias nuvens que pairam sobre as nossas cabeças precisam de ser aliviadas com serenidade, determinação e unidade. Aos ‘velhos do restelo’ – e são tantos e tão espalhados por aí – talvez lhes reste ficarem nas bordas da praia a lamentarem-se sobre os sucessos alheios. Cuidemos de que possa haver mais justiça com verdade, honestidade com trabalho, competência sem resignação.

À boa maneira do cowboy do far-west do nosso imaginário infantil, que haja um John Wayne – civil, político, religioso ou eclesial – que nos aponte o caminho e diga: ‘let’s go’! Vamos, para a frente é que o caminho!...       

 

António Sílvio Couto

domingo, 24 de janeiro de 2021

Alugar cães para desconfinar

 


A notícia foi dada pelo autarca de Barcelos, que deu nota de que havia naquela cidade quem alugasse cães para permitirem que os ‘donos’ possam sair de casa, por ocasião do confinamento mais recente.

O edil deu ainda referência a que alguns dos animais davam a entender, pelo cansaço manifestado, que seriam obrigados a irem à rua mais do que uma vez por dia…

Numa avaliação desta esperteza – costuma apelidar-se de ‘saloia’, mas aqui foi praticada por minhotos – daqueles concidadãos, o autarca não deixou de estranhar a habilidade, condenando mesmo tais expedientes.

 = Aquando do confinamento do ano passado escrevi (28 de março de 2020):

«De entre as exceções à condição de emergência, em que estamos a viver, sobressai a possibilidade de levar a passear o cãozinho (ou canzarrão) à rua. Essa poderá ser uma razão ou até uma desculpa para infringir o dever de recolhimento para muitas pessoas e uma boa parte de insatisfeitos com aquilo que se está a vivenciar.

Que dizer, então, da confluência de arejamento, quando duas ou três ‘vizinhas’ (ou vizinhos) se encontram à esquina da rua e, colocando os ‘lulus’ (de estima, de companhia ou de substituição) à distância de segurança (pelo menos dois metros), se colocam na conversa – a tal treta – sustida pela trela dos seus argumentos para saírem de casa? Será esta mais uma das habilidades, à portuguesa, para tornear as regras e fazer-de-conta que está tudo normal? Quantas vezes e por quanto tempo se pode usufruir (usar ou abusar) deste regime de exceção por dia? Não andaremos a explorar os animais com os ‘nossos’ descuidos e subterfúgios de ocasião?».

 = Efetivamente somos suficientemente ‘inventivos’ para levarmos a bom termo os nossos intentos, desde os básicos até aos mais complexos, procurando qualquer nesga da regra (lei ou normativa) para por aí exprimirmos a nossa habilidade mais subtil. Isto será uma forma de estar e/ou de desenrascar-se? Será o modo de ser ou uma forma de estar?

Por muito ou pouco cumpridores que nos consideremos, parece que há um quê de rebeldia em cada um de nós…português/portuguesa: subverter a lei emerge com muita facilidade ou com mais regularidade do que seria desejável. É de razoável riqueza o nosso léxico, manifestando este património imaterial da cultura popular. Vejamos algumas dessas expressões mais significativas: esperteza saloia, chico-espertismo, desenrascanço, espírito de improviso, saber safar-se, viver de expedientes…realçando mais as nossas capacidades encobertas do que as possibilidades explícitas dos outros, sejam simples cidadãos ou mesmo autoridades.

Qual o alcance de cada uma destas ‘expressões’ ou palavras? Que revelam elas da nossa identidade pessoal ou nacional? Que manifesta isto da nossa esperteza individual sem menosprezar a inteligência alheia? Até que ponto sabemos tornear as questões sem deixar (quase) nada que nos possa comprometer?

‘Esperteza saloia’ tem a ver com a necessidade de defesa de uns tantos, os saloios – cultivadores da terra e sem grande instrução – perante os outros (‘alfacinhas’) ; aqueles usavam de esperteza para vencer a argúcia destes…antecipando-se por habilidade, isto é, enganando antes de virem a ser enganados. O pior é quando os ‘saloios’ (no sentido pejorativo) se multiplicam noutras latitudes…  

‘Chico-espertismo’ configura idêntica capacidade de não deixar a descoberto as suas (naturais) debilidades, enfatizando mais aquilo que lhe dá proveito do que é (possível) prejuízo… Segundo alguns momentos de dificuldade, o chico-esperto tenta subverter o que outros aceitam como regra, que ele faz exceção para ser a ‘sua’ regra…até que se venha a descobrir.

 Desenrascanço/improviso/safar-se – coisas em que o português médio é mais ou menos perito, sobrevoando sobre a concorrência e saindo-se bem sem para isso estar preparado. Dizem que somos bons a safar-nos e nem sempre quando temos de prestar contas, isto é, se as coisas estão mais programadas… Isso era! Também temos capacidade de desenvolver ações previstas, mas temos, por excelência, uma habilidade que suplanta outros povos e até culturas… Até quando?     

 

António Sílvio Couto

sábado, 23 de janeiro de 2021

Do ‘milagre’ à insubordinação


 Em finais de abril falava-se que havia, em Portugal, um ‘milagre’ nestas coisas do ‘covid-19’. Escrevi num artigo, em 28 desse mês: ‘quem ouviu o presidente da república a falar na convocação para o 3.º ‘estado de emergência’ ter-lhe-á ficado no ouvido a referência em que ele acentuou o ‘milagre português’, naquilo que ele interpretava como a chave do (aparente) sucesso – ou melhor, no tão não-pior cenário – de combate à disseminação do ‘covid-19’ entre nós... Reportando-se aos números das vítimas do ‘covid-19’, o presidente fez-se eco, no seu discurso de 16 de abril, da forma como os portugueses foram ‘solidários e mobilizados, com disciplina, com zelo, com determinação, com coragem’, suportando fortes privações neste caminho a que tantos estrangeiros chamam ‘o milagre português’. Explicando esta expressão, o presidente considerou ainda que ‘se isto é um milagre, como lá fora dizem, então nós, povo português, somos um milagre vivo há quase nove séculos. Se isto é um milagre, o milagre chama-se Portugal’. 

Temos vivido várias fases desta pandemia...e estaremos a entrar numa 4.ª fase. Se nos anteriores momentos fomos vendo alguma responsabilidade por parte da população, nos tempos mais recentes somos confrontados com atitudes de enorme irresponsabilidade pessoal e coletiva, desde a banalização no convívio social até à falta de respeito pelo distanciamento higiene-sanitário e outras medidas mínimas neste combate do qual não se vislumbra o final.

 = Quando podemos constatar que esta epidemia é bem mais profunda e larga do que se imaginava não será minimamente sério não considerar que esta dita ‘terra de Santa Maria’ – onde Nossa Senhora se veio manifestar há mais de um século – parece estar a pagar a fatura de se ter vindo a afastar dos valores da fé cristã/católica.

Temos visto pouca – ou quase nenhuma – referência à mensagem de Nossa Senhora, em Fátima, no projeto de chamamento à conversão e à penitência. Pelo contrário, parece que estamos a propor uma visão/vivência algo light daquilo que deveria ser, assumidamente, um apelo à releitura da nossa vida – pessoal, familiar e comunitária – por estes sinais bem incisivos de Deus para connosco.

Sem reconhecermos a falência dos nossos projetos, anseios e realizações de âmbito tão mundano como que será difícil de captarmos a onda de comunicação de Deus connosco. Nas leituras e nos entendimentos de tantos dos nossos responsáveis – até eclesiais – esta provação do coronavírus – tenha as mutações que lhe quisermos atribuir – ainda dá a impressão de que somos capazes de enfrentar, só pelos nossos meiso, esta onda de morte que se tem espalhado pela face da Terra.

Tenho para comigo que não levamos ainda Deus a sério, pois queremos responder com armas humanas àquilo que pode muito bem ser algo da mensagem divina, num mundo tão fora de Deus e da sua Lei. Reparemos na incongruência de tantos – senão de todos – em tentarmos salvar vidas nos serviços hospitalares, mas discute-se, aprova-se – e já só falta promulgar – a possibilidade matar de forma legal através a eutanásia. Não será este mais um sinal da esquizofrenia cultural em que entramos, sem arrepiarmos caminho contra a Lei de Deus? A quem interessa fascinar com os avanços da ciência e da medicina em particular, se não for para fazer da vida o maior valor, sobre o qual assentam os outros direitos e deveres?

= Uma das provas de que somos excessivamente egoístas e rebeldes é essa referência à falta de cumprimento das regras de confinamento de todos, tentando suster a onda de contaminação crescente com os resultados cada vez mais catastróficos e dramáticos pagos com vida, com contagiados e com internados nos serviços de saúde ultra-saturados. Porque será que não obedecemos a quem manda? Teremos nós conhecimentos e dados para sermos tão contumazmente desobedientes? A quem interessa salvar a economia senão houver quem dela usufrua? Quem corre os riscos para nos facultarem os bens essenciais não merece mais respeito do que o pagamento dos serviços prestados?    

Afinal, o ‘milagre’ de abril está a tornar-se drama onze meses depois… Precisamos de ser mais cidadãos educados pelo bem-estar mas também pela conformidade aos valores humanitários, onde Deus é sujeito da nossa vida e não mera nota de religiosidade…

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Distribuindo o livrinho…

 


Teve algum sinal de revivalismo vermos um candidato às eleições presidenciais andar a distribuir livrinhos – tão pequenos e de bolso, quanto desejável de larga mensagem e talvez de expansão – nas sessões de propaganda… De cartilha/catecismo alçado para não deixar fugir tanto daquilo que escapa ao mínimo denominador comum.

Quem não se lembrará de idêntica atitude de outros ‘educadores’ do povo: Mao Tsé-Tung, Che Guevara, Fidel Castro, Hugo Chavez… catequizadores de um livro só…por acaso todos mentores de ideologia ou de ‘religião’ social uniformizada.

O ‘nosso’ mentor/educador/ideólogo distribuía exemplares da Constituição da República Portuguesa, não se sabendo qual a versão, se a inicial de 1976 – ultra-ideologizada – se alguma das outras oito revisões ‘corrigidas’, simplificadas ou mais limpas do teor dialeto-marxista…que quem o apoia nunca aprovou!

Quem terá já lido – sem ser para prestar provas ou por necessidade de consulta ocasional – toda a dita Constituição? Nela podemos ver, encontrar e compreender diversas camadas de mentalização coletivista, que nela desejaram verter os mais ‘avançados’ projetos…porque se adiantaram aos menos politizados. Por isso, vir de Constituição em punho como que me soa a um novo processo revolucionário em curso recauchutado. Para esse peditório já demos há muito tempo…

= No contexto europeu e até do mundo ocidental o caso português é de digno de ser estudado. O que explica um certo recrudescimento de teorias marxistas – e até trotskistas – na nossa sociedade? Quando, em tantos países, as fações dialético-marxistas hibernaram, por cá pareceram reflorescer dumas cinzas alimentadas com luta e ignorância? Em certas culturas emergiram tentáculos com nova tonalidade, por cá renasceram conjunturas que fizeram questionar – na minha leitura e/ou confusão – alguma da nossa sanidade política. Não haverá, entre nós, uma certa sobranceria de algumas forças que gostam de ganhar na rua o que não conseguem nos votos? Repare-se nos resultados das eleições autárquicas – há casos de vitórias com maioria, onde não se pronunciou sequer um terço dos inscritos. Legitimidade têm, mas credibilidade apresentarão? Com tantas autarquias-empresa, não se verifica uma ditadura de quem prende os trabalhadores pela boca, isto é, porque te pago, votas em mim ou podes perder o emprego? A quem interessa manter este ‘status quo’, de reinar sobre as condicionantes dos mais frágeis da sociedade? Não seria preferível dar ferramentas para as pessoas pensarem e decidirem por si mesmas do que ‘obrigá-las’ a estarem caladas por medo de serem elas mesmas à custa da grandeza de uns tantos manipuladores (ditos) democratas? O melhor democracia não escolherem o que nós queremos, mas saber decidir pelo que é mais importante para todos… Muito pior do que os democratas de papel são os democratas de cordel!

 = Para quem já fez a cobertura de alguma campanha e de eleições presidenciais – fi-lo em 1986 entre Mário Soares e Freitas do Amaral…na maior crispação jamais verificada em Portugal – o tipo de refrega destes dias soa a quase-brincadeira de jardim-de-infância em maré de fim-de-ano…pois as ofensas só atingem quem delas se deixa melindrar e os ataques, na maior parte das vezes, servem para encobrir a falta de ideias e, sobretudo, os argumentos de quem, mais do que ganhar, deseja não-perder…por muitos.

Desgraçado país e tão enferma nação, que se deixa cativar por quão maus concorrentes e, particularmente, por representantes de baixa índole e mais infetada proposição para o nosso futuro.

- Não será de livrinho em punho que criaremos riqueza nem sequer competição, pois quem se cristalizou naquela fase da Constituição pouco terá a dar, hoje.

- Não será de livrinho em destaque que iremos convencer quem quer que seja para vir investir num país onde quem deseja ser empresário é combatido por forças que só desfazem e destroem…a iniciativa privada.

- Não será de livrinho em consulta que iremos fascinar os minimamente ousados em criar emprego, pois se podem tornar, na curva seguinte, inimigos da ‘classe trabalhadora’…    

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Densas sombras e ténues luzes

 


O paradoxal momento que estamos a viver desta pandemia pode – ou será que deve? – provocar em nós (pessoal, familiar ou socialmente) uma leitura de contrastes: densas e profundas sombras/trevas cobrem o nosso ‘eu’ coletivo, enquanto ténues e frágeis luzes parecem despontar…

Numa quase ousadia, cito um documento da Igreja católica de meados do século passado, mudando a tónica para a enquadrar nas emoções dos nossos dias: «as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história» (Vaticano II, Constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual, n.º 1).

Retiramos no documento citado as referências às ‘alegrias e esperanças’ e deixamos dele a alusão às ‘tristezas e angústias’ deste tempo de provação que estamos a viver…com razoável intensidade. De facto, esta comunhão nas angústias e nas tristezas é, hoje, maior do que nunca. Vejamos, então, algumas sombras, tentando ainda descortinar possíveis luzes de esperança.

 * Sinais de densas trevas/sombras: temos no nosso país mais de dez mil infetados por dia de ‘covid-19’, centena e meia de mortos/média diária na última semana; somos o país do mundo com mais mortos por cem mil habitantes; temos o sistema de saúde em colapso… Os profissionais de saúde estão exaustos, os hospitais saturados…já não se pode estar doente (seja de que maleita for) nem ter qualquer acidente, a capacidade de absorção entrou em rutura… Nos lares de idosos rebentou a bolha – onde ela ainda existia – e utentes, funcionários e outros colaboradores estão infetados, em risco ou assintomáticos, criando um ambiente de suspeita, de medo ou mesmo de ansiedade… Pela segunda vez, desde março passado, o país foi colocado em ‘estado de confinamento’ – embora se notem bastante pouco os efeitos, as atitudes e nos comportamentos – social, económico e sanitário… As exceções – mais de cinquenta – permitem que uma boa parte da população tente tornear os constrangimentos, colocando, no entanto, tudo e todos em risco, senão mesmo em perigo crescente e descontrolado… À boleia da pretensa ‘atividade política’ – em tempo daquilo que desejavam que fosse a tal companha eleitoral – vemos as maiores tropelias, os erros agravados e até as insinuações sobre os outros, sem repararem antes nos seus…

Quando vamos parar para aceitarmos que caminhamos para o atoleiro sem regresso? Para quando vermos responsabilidade em cumprir e fazer respeitar os outros, sem andarmo-nos a ludibriar capciosamente?

Dizem e com razão: quem viveu na pele ou naqueles que lhe são próximos os efeitos deste fatídico vírus, que as pessoas mudam. Não poderemos aprender sem precisarmos de sentir as consequências das nossas más ou negligentes opções?

 * Ténues luzes de esperança – num tempo quase recorde surgiram diversas vacinas…depois de alguma incerteza sobre as etapas, as prioridades ou mesmo as quantidades disponíveis, já se começam a vislumbrar alguns efeitos da vacinação…com três semanas de processo dá a impressão que ténues luzes se acendem, no horizonte ou ao fundo do tal túnel. Os múltiplos cuidados recomendados deveriam ser mais bem aceites e/ou assumidos. Se em muitos casos tem havido excesso nas exigências, noutros é fundamental que as pessoas se não sintam tão invulneráveis, pois um leve sopro – o termo é literal – ou descuido poder-nos-á ser fatal.

Em todo isto – já decorreram dez longos e penosos meses – tenho sentido muito pouca referência a Deus. Noutras épocas sentir-se-ia isto como um castigo divino. Agora qual a razão para não colocarmos a dimensão divina, que nos veio (vem) corrigir e até unir na fragilização? Não será que a nossa prosápia humanista não nos deixa ver a humilhação humanitária? Não somos donos de nada, tão pouco de ninguém e nem de nós mesmos.

Rezamos neste domingo: ‘concedei a paz aos nossos dias’… Que paz? Dada por Quem? Em quantos dias?     

 

António Sílvio Couto

sábado, 16 de janeiro de 2021

Bâton vermelho…sob a máscara

 


Quando o uso da máscara uniformizava e favorecia tanta gente da nossa praça, eis que foi introduzido um tema algo esquizofrénico, tanto na forma como no conteúdo: o bâton vermelho.

Efetivamente o uso da máscara como que tornou tantas pessoas menos feias, pois as feições escondidas, de algum modo fizeram com que não se visse o que destoava, inclusive fez com que certos adornos – essencialmente – femininos não precisassem de ser cuidados, poupando tempo e dinheiro. Por isso, uma tirada – dizem que foi algo ofensiva – de um candidato presidencial sobre uma outra concorrente fez com que a máscara caísse e o tal bâton vermelho emergisse como fator de tema político-cultural.

 - As reações ao ‘caso’ tornou-se um fenómeno de e nas redes sociais e vimos tanta gente que devia ter juízo – tem idade, devia ter perfil, dado o lugar que ocupa e as pretensões que auferem – a sair do armário da inconveniência, tornando o episódio um facto político de relevo. Triste país que em enguiça com expressões inflamadas e inoportunas de campanha eleitoral… Quem as não tem? Pobre nação que se rege por estes mentores de segunda, que não passarão de figurantes da história em rodapé. Miserável estado que patrocina tais intervenientes…pois os votos que auferirem serão bastante bem pagos…se tiverem cinco por cento dos votos expressos!

 - Dirá alguém com o mínimo de senso: os dois intérpretes merecem-se. O pior de tudo isto são os alardes proferidos, as conjeturas pronunciadas e mesmo os ódios latentes espoletados.

Fique claro: do pronunciador não comungo da maior parte das ideias, tão pouco das invetivas da pronunciada, mas sobretudo fico preocupado com a baixeza – de nível e de categoria – intelectual da maioria dos contendores. Se é deste modo que querem um futuro saudável para o nosso país, então, mais vale fechar para saldos e venha construir quem seja capaz de saber mandar e de ser obedecido. Não será uma revelação de falta de ideias, este ‘fait divers’ de faz-de-conta à portuguesa? Ou será esta uma forma de recriarem, na rua, uma nova forma de revista comediante?

 - Que razão há para tais quezílias, se estamos num estado de pandemia catastrófico? Os milhares de mortos e de infetados, as centenas de internados e de confinados não merecem mais respeito e consideração? Quem cuida da nossa saúde merecerá ser exposto e explorado como alguns têm pretendido?

Por favor coloquem corretamente as máscaras e deixem-se de brincadeiras quase-infantis, pois o ‘show must go on’!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Está a caducar!

 


Escutei, de repente, esta frase-chavão num diálogo de telenovela: está a caducar!... numa explicação sobre o interlocutor, que estaria a dizer coisas que não batiam bem com aquilo que era mais acertado, ao momento e muito menos à conveniência.

‘Caducar’ poderá ser uma forma verbal que nos vem do substantivo ‘caduco’ – ‘caducus’, ‘que cai’ – podendo significar ‘cair de velho e falho de forças’, ‘ir acabar, declinar’, ‘ser anulado’, ‘deixar de estar em vigor’, ‘prescrever’, ‘terminar o prazo de validade’, ‘tornar-se, mentalmente, perturbado por efeito do envelhecimento’…

Vejamos situações/sinais/resultados deste efeito tão visível, quão manifestável em consequências:

 * Está a caducar – é isso que me ocorre referir ao ouvir tantas das intervenções dos ‘nossos’ concorrentes às próximas eleições presidenciais. Refiro-me às ‘intervenções’ também de muitos dos (pretensos) apoiantes. Com efeito, certos argumentos – feitos de casos e casinhos, de episódios e façanhas, de tiradas e declarações – estão fora do tempo e, sobretudo, desarticulados no desenrolar da história: o guião foi um tanto mal escrito e a suscitada correção foi pior do que o original. Desenterrar ‘coisas’ do passado resolverá problemas do futuro? Não estará a caducar quem, contestando tanto a União Europeia, dela se serve – temos dois candidatos nas presidenciais – e aufere aí bons proveitos? Não será indício de pré-caducação esse de propor a ilegalização infetada de partidos, quando o que se deveria era combater as ideias, sem respaldo de constitucionalidades prévias?   

* Está a caducar – eis como interpreto o descalabro da nossa frágil e insignificante economia, feita mais de subsídios do que de investimentos. Não será caduco querer intentar soluções no século XXI que faliram já no século XIX? A ideologia dialético-marxista, que fez mergulhar na desgraça tantos povos e culturas, como poderá servir de aliciante na atualidade? A caduca ‘luta de classes’ não serviu para aprenderem que as ‘classes’ só servem para favorecer oportunistas e camuflados de democratas, hoje como ontem? Não será sintoma de quase-caducação esse desejo de querer acabar com os ricos em vez de combater, de facto, os pobres nas suas mais variadas, sensíveis e ignoradas manifestações?

 * Está a caducar – serve-me de ponto de referência para certas discussões verbais em temas desportivos, na medida em que se gasta tanto tempo a deslindar conjeturas, quando os participantes nunca foram árbitros de nada, nem dos seus fantasmas trazidos à luz da incompetência. O futebol falado é algo atroz na complexidade dos fenómenos sociais mais vulgares. Quantas horas em discussão e o problema foi resolvido com singelas palavras de conciliação! Certos figurões ainda não perceberam que, nos botões do comando televisivo, há um com que se faz zapping e deixámo-los, caducamente, a vociferar para o boneco…

 * Está a caducar – poderia ser uma razoável pista de leitura para justificar algumas das atitudes, das vivências e das desculpas na prática religiosa, tanto cristã/católica, como de outra qualquer expressão de fé. De facto, há trejeitos religiosos que não passam de artefactos de antanho – rituais, rotineiros ou quase-humanos – mas que deixam algo a desejar sobre as implicações da fé na vida e mesmo no compromisso sociopolítico. É fundamental e simples ver, crer e viver, dando testemunho em cada dia. Não podemos deixar que a nossa fé seja confinada aos desígnios humanos simplórios e fundamentalistas. Por onde anda, então, a ousadia da fé e a audácia da confiança? Bastará quedar-nos pelas exceções para nos empenharmos, efetiva e afetivamente, nas soluções?  

 * Está a caducar essa época onde os valores tinham significado e os princípios marcavam a vida de todos. Seremos, então, capazes de não deixar crescer a decrepitude, mesmo que os eflúvios do ‘covid-19’ possam turbar tantas mentes? Por onde têm andado os ‘intelectuais’ da nossa praça, quando os resultados da pandemia nos obrigam a entrar num novo confinamento, mais duro e complexo? Os sabedores da matéria, afinal, não parecerão mais charlatães do que peritos convictos, claros e convincentes? Estarei, afinal, a caducar?

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Fado – fenómeno artístico de onde?


 Com o desaparecimento recente de mais um fadista de renome e a apresentação de peças de fado no concerto de abertura da presidência portuguesa semestral da UE, senti que poderia dar algum espaço à reflexão sobre o tema do fado.

Desde logo uma breve referência ao título deste texto: a palavra ‘fado’ explicitada no resto da frase, usando as palavras como iniciais do termo – fenómeno artístico de onde…com a interrogação. São estes vários itens que iremos tentar abordar.

Qual a origem da palavra ‘fado’? Há quem a considere como proveniente do latim – ‘fatum’, destino; outros consideram que poderá ainda ter origem na palavra escandinava ‘fata’, que significaria ‘vestir’ numa alusão ao termo francês ‘fatiste’, poeta… Diversas procedências para tentar falar de uma forma de – ‘fenómeno’ como se diz no título deste texto – exprimir algo com (possível) dimensão ‘artística’…segundo uma roupagem mais ou menos poética!

 = Numa espécie de historização do fado poder-se-á dizer que este teve início por volta de 1840, nas ruas de Lisboa, um tanto ligado às lides marítimas, sendo o ‘fado do marinheiro’ como que o protótipo de quantos vieram depois dele…sem esquecer o ambiente das tabernas e outros espaços de diversão, na maior parte dos casos, noturna. Associado a este ‘género’ musical – onde a guitarra se destaca – apareceram os fadistas com um traje e linguajar próprio…pouco convencional e um tanto quezilento. Foi, sobretudo na primeira metade do século vinte, que o fado foi adquirindo uma forma caraterística, com a rádio, o teatro e o cinema a fazerem dele promoção como cantiga para o grande público, surgindo a figura do fadista como artista. Das ruas e vielas, o fado passou a ter espaço em lugares apropriados – as casas de fado – com adereços que o farão algo mais reconhecido como canção muito típica da capital…estendendo a sua influência à volta. Os fadistas trajam de negro, como que se fossem reflexo do ambiente da noite, com temas de sabor assaz sentimental, à mistura com o sofrimento, a saudade, a desgraça…com críticas à sociedade e algum toque de melancolia… Não podemos esquecer o regime que vigorava no nosso país: os temas, as letras e tudo o resto estava sob a alçada da censura, ficando fora da temática o que falasse de problemas sociais ou políticos…

Não fazemos, propositadamente, uma lista de fadistas, mas poderemos, mesmo assim, destacar Amália Rodrigues, expoente no campo internacional do fado, tendo ela – e outros na sua senda – cantado letras de autores da nossa literatura e, desta forma, tentando subverter o controlo do regime. Em certos meios ‘artísticos’ – mais contestatários e politizados – isso terá contribuído para conotar um tanto fado com o regime então em vigor… Aliás o ‘fado’ teria feito como que parte do tríptico sustentador do regime – Fátima-futebol-fado…

Para além do fado com base em Lisboa – nos seus arredores há uma nítida veneração e imitação daquele estilo de cantar, de tocar e de interpretar – podemos encontrar o fado de Coimbra, mais ao jeito trovadoresco, continua a ser cantado e tocado só por homens e com o traje académico. Vivido nas ruas – repare-se no aspeto de serenata – tem os seus instrumentos ‘afinados’ pelas intenções da sua conceção e interpretação. Foi mais no seio do fado de Coimbra que apareceu alguma contestação ao regime anterior ao 25 de abril, tanto nas letras como nos seus cantores…

 = Será, então, o fado um nicho de arte mais lisboeta do que do resto do país? O reconhecimento do fado como ‘património imaterial da Humanidade’, em 2011, fez dele, de verdade, uma canção nacional? Não andará subentendido no resto do país que o fado tem sido uma colonização da capital a tudo e a todos? À semelhança das marchas-populares, não andaremos a imitar uma certa ‘cultura’ de regime exportado da capital? Perante outros fenómenos artísticos/musicais – veja-se o cante alentejano, os diversos folclores ou as bandas musicais – não será exagerado fazer do fado a expressão da música portuguesa com maior incidência popular? Mesmo que de forma incipiente e quase lateral, o fado não tem tido expressão musical na liturgia católica. Não seria de o ‘cristianizar’ mais clara e assumidamente, envolvendo-o nas expressões de fé, ao menos onde tem algum significado popular e ‘culto’?    

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Diretrizes para a proteção de menores e adultos vulneráveis

 


Com data de meados de novembro, mas tornada publica no dia um de janeiro, a Conferência Episcopal Portuguesa apresentou as diretrizes sobre a ‘Proteção de menores e adultos vulneráveis’.

O documento, num total de trinta pontos, tem: uma introdução (n. os 1 a 5); os princípios inspiradores (n. os 6 a 8); âmbito de aplicação (n. os 9 a 10); a formação dos candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada (n. os 11 a 12); agentes pastorais (n. os 13 a 15); atividades pastorais (n. os 16 a 22); comissões diocesanas (n. os 23 a 25); prevenção de casos de abuso (n. os 26 a 27); tratamento de casos de abuso sexual de menores e adultos vulneráveis (n. os 28 a 29); promulgação (n.º 30).

«Os Bispos portugueses desejam reiterar um renovado compromisso de fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que os fiéis, a começar pelas crianças, adolescentes, jovens e pelos mais vulneráveis, possam encontrar na Igreja um ambiente sadio e seguro, onde o encontro com Deus, com a sua Palavra e com a sua presença viva e real na Eucaristia possam transmitir a sua graça e beleza sem quaisquer obstáculos» (n.º 3).

Traçado, de algum modo, o objetivo-geral deste documento da CEP podemos esmiuçar alguns aspetos nele contidos.

- Desde logo estas diretrizes «pretendem ser um instrumento à disposição da Igreja em Portugal para a aplicação das normas pastorais e jurídicas publicadas desde 2012» (n.º 4). Efetivamente a década decorrente entre 2010 e 2020 foram um trazer à luz do dia de tantos dos tristes casos de ‘abuso sexual de menores’. Isto foi de tal ordem que, de alguma forma, levou Bento XVI a resignar em 2013, alquebrado pelo peso de tantas situações em diversas partes do alcance católico!

- Quais os princípios inspiradores do combate a esta ‘chaga fétida’ na Igreja? Condenando a «abominável realidade do abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, e as terríveis consequências que esta realidade teve e continua a ter na vida das vítimas desses abusos» (n.º 6), faz-se um apelo ao testemunho de vida de quantos «exercem alguma função ou prestam a sua colaboração» na Igreja, por forma a serem promovidas «condutas que assegurem a todos um ambiente absolutamente seguro, transparente, alegre e cheio de esperança» (n.º 7). Alicerçando estas diretrizes no magistério pontifício mais recente há uma referência «à colaboração com as autoridades civis e recorrendo a especialistas qualificados de várias áreas disciplinares», propondo «a urgência de promover uma formação específica dirigida aos agentes pastorais», tendo ainda presente «a necessidade de tratar, com mecanismos eficazes... desde o momento da sua sinalização ou denúncia até à conclusão dos procedimentos canónicos, civis e pastorais previstos», sem nunca esquecer «a importância de dar prioridade à prevenção de abusos» (n.º 8), na sociedade e na Igreja.

- O âmbito de aplicação destas diretrizes são: «as dioceses, paróquias, pessoas jurídicas canónicas e demais instituições eclesiais, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica... Todos os clérigos, religiosos/as e leigos/as consagrados/as a exercer o seu ministério e a sua atividade pastoral em território português; os leigos/as, na medida em que participem no âmbito das iniciativas ou atividades promovidas pela Igreja Católica em Portugal» (n.º 9).  

- Dá-se uma nota específica sobre os candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada, referindo que «devem adotar-se os meios necessários para o conhecimento aprofundado das pessoas que se apresentam como candidatas ao sacerdócio e à vida consagrada no âmbito eclesial e ter-se um cuidado particular na sua admissão aos seminários e a outras casas de formação» (n.º 11). Estamos no âmbito da prevenção, tanto na seleção como no discernimento. Talvez seja preciso ser mais exigente!

- Dado que os ‘casos’ aconteceram na designada ‘vida pastoral’, o documento tenta definir quem são os agentes pastorais e aquilo que se entende por atividades pastorais. A escolha de agentes pastorais (clérigos ou leigos) deverá ter em conta «uma análise da idoneidade dos candidatos a interagirem com menores e adultos vulneráveis» (n.º 13), sem ser descartada a possibilidade de requerer atestados civis ou certidões de registo criminal, Os tais agentes devem receber formação em como prevenir ou identificar possíveis casos, «bem como promover um ambiente sadio dentro das atividades promovidas pela Igreja» (n.º 14). Quanto às atividades pastorais, «nas quais tomem parte menores e adultos vulneráveis, tutelar a sua segurança deve ser uma prioridade de todos» (n.º 16), tanto pela prudência no como trato ou pela informação e respeito entre todos.
Depois de elencar uma série de proibições na relação entre os agentes pastorais e os menores e os adultos vulneráveis – de não castigar (corporal ou psicologicamente), de não descrimnar ou até de fotografar/filmar sem consentimento explícito dos pais ou tutores (n.º 17) – refere-se que «as atividades pastorais devem ter lugar em locais adaptados às idades e à situação dos menores e adultos vulneráveis» (n.º 18)... à vista de tudo e de todos! É ainda recomendado que «todos estes mecanismos devem respeitar a normativa canónica e civil aplicáveis, nomeadamente no que se refere ao tratamento e proteção dos dados de todos os envolvidos» (n.º 22).
- Das comissões diocesanas...à prevenção (denúncia!) de casos – «cada Bispo dote a comissão diocesana de proteção de menores e adultos vulneráveis de pessoas verdadeiramente especialistas nas várias áreas que envolvem a prevenção, formação, acompanhamento e escuta, tanto dos menores e adultos vulneráveis como dos seus responsáveis» (n.º 23). Por seu turno, sobre a pretensa prevenção, diz o documento da CEP que «a Igreja, a nível local, procure estabelecer parcerias em colaboração com outras instituições, no âmbito da educação, da assistência social e da cultura de modo a fomentar, em toda a sociedade, uma consciencialização da necessidade de prevenir comportamentos de risco no que se refere à proteção de menores e adultos vulneráveis» (n.º 27).
- Como resolver/tratar os casos das vítimas de abusos? Diz-se: «todos os membros da Igreja, [devem estar] disponíveis para escutar, acompanhar e garantir uma adequada assistência médica, espiritual e social às vítimas dos abusos e aos seus familiares, no âmbito das atividades eclesiais» (n.º 28).

Temos as orientações. Assim as saibamos ler, interpretar e cumprir dentro da justiça cristã e da misericórdia divina!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Décadas e contraciclos…na política portuguesa

 


Não será difícil de resumir a nossa vida política nacional – depois da revolução de 25 de abril – à configuração das décadas na Presidência da República e dos contraciclos governamentais na relação entre os ocupantes do Palácio de Belém e a residência de São Bento.

Em quase cinquenta anos de ‘democracia’ tivemos quatro presidentes eleitos, em dois mandatos cada um, e o quinto parece estar prestes a iniciar o segundo mandato, após reeleição. Tirado o primeiro dos eleitos que veio da via militar, os outros têm saído dos dois maiores partidos da nossa (dita) ‘democracia’: dez anos com dois procedentes da área socialista e depois outros dois conotados com a social-democracia…à nossa maneira.  

Numa análise mais ou menos objetiva poderemos considerar que o eleitorado português tem sabido conciliar um ditado basicamente correto: ‘não colocar os ovos todos no mesmo cesto’, isto é, a cor ideológica não ser a mesma na presidência e no governo…com breves exceções assim tem acontecido.

Vejamos o quadro, excluindo o tempo de presidência do militar (1976, eleição, 1980, reeleição), os dados indicam-nos (sobretudo tendo em conta o início do mandato):

* Mário Soares, eleito a primeira vez em 1986, era primeiro-ministro Cavaco Silva, que ocupava o posto também à data da reeleição, em 1991;

* Jorge Sampaio, escolhido a primeira vez em 1996, tinha, em São Bento, António Guterres, que continuava no lugar à data da reeleição, em 2001;

* Aníbal Cavaco Silva, eleito em 2006, era primeiro-ministro José Sócrates, que continuava em São Bento em 2011, na reeleição;

* Marcelo Rebelo de Sousa, eleito em 2016, encontrou como primeiro-ministro, António Costa e, se for reeleito no final deste mês de janeiro, continuará a tê-lo em São Bento.

Em resumo: à exceção do tempo de Jorge Sampaio-António Guterres, os presidentes eleitos tiveram como interlocutores no governo, à data das eleições, figuras de cor diversa da sua, se bem que, tanto Sampaio como Cavaco pouco tempo depois de chegarem a Belém tiveram mudanças: Sampaio com Durão Barroso, em 2002 e Cavaco com Passos Coelho, em 2011…mas sempre em tempo de segundo mandato.

 = Por entre tantas e tão díspares situações socioeconómicas, politico-financeiras, vivências culturais e históricas – neste tempo decorrido tivemos: a adesão à CEE, em 1986; a queda do muro de Berlim, em 1989; a independência de Timor-Leste, em 1999; a entrega de Macau à China, em 2001; o europeu de futebol, em Portugal, em 2004; a crise do sub-prime, em 2007 e vinda da troika para recuperar o país endividado, de 2011 a 2014; a solução da geringonça no governo, em 2015; a vitória no europeu de futebol, em 2016; os fogos florestais que mataram dezenas de pessoas, em 2017… e batemos de frente com a pandemia do ‘covid-19’, em 2020…

Seremos, como dizia o tal general romano sobre este povo nas franjas da Europa: um povo que não sabe nem se deixa governar? Não teremos sabido menos valorizar o que somos e mais o que de nos dizemos de mal? Depois das grandes figuras da política nacional – de que os Presidentes da República e os primeiros-ministros podem ser exemplo pela positiva – haverá, nas gerações mais jovens, quem deseje servir e não meramente servir-se da vida politica? A avaliarmos pelos cinco presidentes e os vinte e dois governos constitucionais, em democracia, não teremos vitalidade suficiente para termos futuro? Os derrotistas e os cobardes terão ainda lugar?

 = Deixo uma citação de um documento recente da Conferência Episcopal Portuguesa: «Sem a escuta atenta dos jovens, sem a sua visão da Igreja e do mundo, não haverá adequada renovação e conversão pastoral [acrescento: política]. O domínio do digital dá-lhes uma forma nova de ver a realidade. Além disso, são peritos na abertura à novidade, ao diferente, às pessoas e aos povos. Com eles a fraternidade é mais possível. Nasceram já numa cultura de grandes preocupações ambientais e defesa da natureza» – Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal, n.º 50.   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Conferência Episcopal apresenta ‘guia’ com 53 orientações


 Com data de meados de novembro, mas só tornada publica no dia um de janeiro, a Conferência Episcopal Portuguesa exarou uma reflexão sobre os ‘Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal’…num total de 53 pontos.

Eis um breve sumário do texto:

- Cap. I – a Igreja e a pandemia; introdução (n. os 1 a 3); uma Terra em agonia (n. os 4 e 5);

- Cap. II – desafios pastorais: introdução (n. os 6 a 9); a solidão (n. os 10 a 12); a inclusão e a solidariedade

(n. os 13 a 14); a Igreja doméstica (n. os 15 a 18); sacerdotes, profetas e reis (n. os 19 a 20); as relações (n. os 21 a 22); a vida comunitária (n. os 23 a 25);

- Cap. III – um novo anúncio do Evangelho: introdução (n. os 26 a 28); construir a fraternidade universal (n. os 29 a 30); comunicar nos ambientes digitais (n. os 31 a 32); o primado da Palavra (n. os 33 a 34); celebrar é evangelizar (n. os 35 a 36); novos desafios de serviço e missão (n. os 37 a 40); partir das periferias (n. os 41 a 43);

- Cap. IV – a paróquia comunidade sinodal: introdução (n.º 44); dois ou mais (n. os 45 a 46); paróquia, célula da ‘Igreja em saída’ (n.º 47); paróquia, ‘casa do povo de Deus’ (n.º 48);

- Cap. V – olhar o futuro (n. os 49 a 53).

 = Neste longo tempo de pandemia, a Igreja católica, em Portugal, através da Conferência Episcopal, foi tentando orientar os seus fiéis (leigos, padres e diáconos e religiosos) publicando orientações. Depois do cardápio de (72) regras a 8 de maio, após a reunião plenária de junho, a CEP publicou uma nota sobre ‘Recomeçar e reconstruir – reflexão da CEP sobre a sociedade portuguesa a reconstruir depois da pandemia covid-19’, temos estes ‘desafios pastorais’.

Respigamos alguns aspetos deste documento, tentando perscrutar quais as orientações a serem seguidas…nos sublinhados que colocamos em cada número desta reflexão:

1. A Igreja em Portugal, através dos seus bispos, sente-se unida a quantos foram diretamente atingidos pela pandemia e sofrem...Partilha, igualmente, a dor das famílias que perderam os seus entes queridos.
2. A Igreja quer manifestar reconhecimento e gratidão a todos os que mais de perto têm tido a missão de conduzir o país, mesmo com decisões difíceis.
3. O primeiro desafio que se coloca à Igreja e ao mundo é saber “habitar este silêncio”.
4. Olhando a natureza doente, podemos mesmo perguntar: “onde foi parar o ser humano?
5. Não é possível falar em proteção ambiental sem que esta envolva também a proteção do ser humano.
6. O cuidado para com a pessoa doente implica igualmente restaurar e curar a vida espiritual e suscitar esperança.
7. Quais as consequências para a qualidade do serviço de saúde público e privado?
8. As questões levantadas por esta pandemia (...) devem ser ocasião para provocar uma mudança de mentalidade e uma reviravolta cultural.
9. Não se pode abandonar na solidão quem está nos momentos mais exigentes e decisivos da vida.
10. Devemos isolar de nós o vírus e não o idoso, tornando-o desumanamente solitário.
11, O lugar ideal para vencer a solidão é a família.
12. As comunidades cristãs devem ser estimuladoras de uma cultura de proximidade, organizada e proativa, que anime os sós.
13. Com a pandemia arriscamo-nos a deixar para trás faixas da população que já eram frágeis e que viram agravar a sua situação.
14. Só uma sociedade com alma pode ser inclusiva, solidária e justa.

15. Se na paróquia é necessário haver um lugar de oração, é também importante valorizar formas concretas de exercer a diakonia ou o serviço da evangelização.
16. A primeira catequese [talvez] seja a que é feita em casa, pelos pais, avós, tios, irmãos. Temos a oração da Eucaristia, mas há também a oração da manhã, da noite, antes das refeições e o terço, entre outras.
17. Para viver, a Igreja tem necessidade da Igreja doméstica, pois esta é a chave da transmissão da fé.
18. Precisamos de passar de uma pastoral familiar de eventos para uma pastoral de processos. (...) Precisamos de uma pastoral “com” as famílias.
19. São inúmeras as circunstâncias da vida em que os leigos podem exercer o sacerdócio comum.
20. É bom voltar à igreja e redescobrir a preciosidade da Eucaristia, da comunidade cristã, do serviço dos sacerdotes.
21. O amor vence a tentação do “confinamento em si mesmo”, pois tem o poder de ensinar como “se vive o outro”.
22. A Igreja é chamada a viver em comunhão com todos.
23. Muitos cristãos tendem a gerir a sua vida espiritual de forma cada vez mais privada.
24. A comunhão fraterna “atraía a atenção” por simpatia e não pelo proselitismo.
25. O campo da missão alargou-se, requer pessoas com paixão comunitária e estilo missionário.

26. O anúncio do Evangelho pede aos cristãos a coragem de habitar “novos areópagos”.
27. O primeiro anúncio precisa de uma linguagem simples, compreensível e direta que conte como Deus é Amor e ama cada um.
28. Evangelizar é [saber] como anunciar o Evangelho (...) dentro da mesma cultura.
29. Haverá melhor modo de apontar o futuro [sobre a fraternidade e a amizade social], em tempos de crise planetária?
30. A palavra “todos” começou a usar-se mais no nosso léxico, como sinónimo de humanidade inteira, sonho de percursos comuns, de esforços, consensos e soluções globais.
31. Os meios digitais podem tornar o virtual “quase real” e servir para aproximar, partilhar, construir laços e até “tocar” o coração do irmão.
32. Os meios digitais são um contributo pastoral [catequético] subsidiário.
33. Explicar o Evangelho é falar de Cristo como contínua surpresa que convém suscitar.
34. No primado da Palavra, é relevante a formação, a comunicação, a linguagem.
35. A liturgia pode e deve ser evangelizadora, desempenhando um papel de iniciação para muitos que, sem formação, participam nas celebrações em momentos especiais da existência humana.
36. A celebração da liturgia comunitária é uma experiência única numa sociedade onde prevalece o egoísmo e o individualismo.

37. Todos os serviços e ministérios na Igreja, tanto os existentes como os que possam ser criados, devem estar impregnados por um profundo dinamismo missionário.
38. Saber acolher é uma arte que evangeliza (...) Um serviço de acolhimento e integração na comunidade que deve ser retomado e alargado a outros momentos, para além da Eucaristia.
39. No âmbito do novo anúncio do Evangelho, adquire especial destaque pastoral o serviço da comunicação....nas redes sociais e no uso dos meios digitais...pelo diálogo com a sociedade civil e instituições diversas.
41. Se se trata de recomeçar, que seja sempre, como no Evangelho, a partir dos últimos.
42. Importa é que as pessoas sejam o centro e o amor o betume que une a missão comum (...) Como vamos criar uma cultura de proximidade e de novas vizinhanças?
43. Que se iniciem percursos sinodais de escuta prolongada, autênticos laboratórios de reflexão em ordem a uma “nova etapa da evangelização”.
44. Numa paróquia que seja verdadeira comunidade, não deve entrar a disputa, a discórdia, os interesses pessoais, os desejos de afirmação ou poder; não deve haver autoritarismos, críticas, invejas, ciúmes; o que se faz deve ser direcionado a todos, deve haver comunhão na diversidade.
45. A sinodalidade exige a humildade de “ir lado a lado”, com o Mestre em companhia. Evangelizar numa paróquia sinodal passa por “ir dois a dois”!
46. Na sinodalidade, vale mais o menos perfeito em unidade que o mais perfeito em desunião.
47. Passar de uma pastoral de manutenção a uma pastoral missionária é uma conversão que vai durar o seu tempo.
48. Descrevendo a comunidade como Igreja “que saiba acolher com sentimentos maternos, mostre ternura com todos, saiba olhar para o futuro com esperança, cultive a memória de povo de Deus”.
49. A mudança está sempre no ADN do jovem.
50. Sem a escuta atenta dos jovens, sem a sua visão da Igreja e do mundo, não haverá adequada renovação e conversão pastoral.
51. Jovens, a Igreja entre nós, mais ainda pela preparação da Jornada Mundial da Juventude em Portugal em 2023, está ciente de quanto podeis ser agentes da evangelização, trazendo o vosso modo de ser, agir, pensar, servir e amar.
52. Que [Deus] nos conceda a coragem de olhar para além das chagas abertas por esta pandemia e descortinar uma aurora de esperança capaz de nos lançar decididamente numa “nova etapa da evangelização”.

53. Todos irmãos e irmãos de todos.

 = Da leitura desta reflexão da CEP recolhemos como temas mais percetíveis e questões recorrentes:

* Família como espaço, realidade e sinal…alvo de evangelização e também ela evangelizadora;

* Mudança cultural e de mentalidade – em proximidade, pelo acolhimento, vivendo em afetividade, opção pelos mais fragilizados, aprendendo um novo silêncio;  

* Que Igreja somos, que queremos ser e de que forma? Uma nova visão e enquadramento de paróquia

* Comunicação em ambientes digitais…

 

António Sílvio Couto