Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 29 de julho de 2014

Quem é e onde está o verdadeiro ‘pobre’?


Fruto das circunstâncias sócio/económicas vivemos, hoje, uma espécie de exploração da condição de ‘pobre’: uns porque se fazem passar por tal situação e com isso vão equilibrando a vida; outros porque atentos ao fenómeno dos pobres deles se aproveitam para surgirem como beneméritos de causas sociais mais ou menos ideológicas; outros ainda porque, sabendo as brechas da aferição ao verdadeiro significado de ‘pobre’, jogam conforme as circunstâncias com a representação do ‘pobre’ e o usufruir da negligência do controle sobre a exploração do que se quer e das pretensões nas conquistas…

Defender os ‘pobres’ ainda vai captando (mais ou menos) a atenção duma boa parte da população… seja porque se revê no epíteto, seja porque, ideologicamente, isso favorece sê-lo nem que mais não seja por não (a)parecer… nas estatísticas e nas leituras políticas.

Só, em Portugal, um por cento dos habitantes acumula a riqueza equivalente a 25% do resto dos (ditos) cidadãos. Assim sendo, ser ‘pobre’ parece que mais vale parecê-lo do que sê-lo… pois aquela vertente tem mais-valias que esta nem sempre conquista… ao menos a curto prazo.

Alguns dos setores da nossa dimensão coletiva vivem muito da real ou ficcionada apresentação do ‘pobre’. Como dizia, recentemente, um comentador jornalístico: alguma esquerda ralha com os ricos, enquanto a Igreja católica trata dos pobres. De fato, não fossem tantas e tão diversificadas ações de várias entidades e associações da Igreja (sobretudo católica, mas muitas outras de teor cristão) em favor dos pobres – sobretudo dos da relação de proximidade – e essa onda de excluídos seria ainda mais acentuada… desde a reivindicação até ao aproveitamento, passando pela circulação de expedientes de exposição da dignidade mínima de pessoas e de famílias até à proliferação da pobreza psicológica e emocional.

= Pobres sempre os tereis convosco!

Nos tempos mais recentes temos ouvido – ou melhor tem sido dado eco – múltiplas e insistentes afirmações do Papa Francisco a reportar-se à necessidade de irmos ao encontro das periferias onde se encontram tantos dos pobres dos nossos tempos.

Sem reduzir o conceito de ‘pobre’ à dimensão material, temos ainda escutado o Papa a denunciar o aproveitamento duma certa franja comunista da temática dos pobres, sem deles mais não terem feito do que espicaçarem as suas debilidades com denúncias e reclamações, azedumes e animosidades…

Francisco sabe do que fala e tem condições para ensinar, pois ele mesmo se tem feito pobre na condição dos empobrecidos, isto é, despojando-se das categorias heráldicas e dos penachos de comando…

De fato não basta levantar a voz em denúncia, é preciso sujar-se com aqueles que são o alvo da nossa visão e da vivência profética, pois a Palavra tem de ter em nós e à nossa volta consequências de compromisso e não só de utopia e de idealismo.

= O verdadeiro pobre é e tem de ser cada um de nós, na perspetiva da sua vida e na condução da sua existência, pois pouco basta para vivermos com o mínimo de dignidade e de conforto. A ‘qualidade de vida’ é tão subjetiva que uma pequena dose de Evangelho pode mudar a nossa mentalidade e o nosso comportamento… radicalmente.

= Muitos dos pobres são pessoas fragilizadas pela falta de sentido para a vida… mesmo que pareçam ter sucesso económico e razoáveis proventos de sobrevivência…quantas vezes, estão tristes e empobrecidos em seu interior quase oco e vazio.

= Outros pobres precisam de serem elevados na dignificação humana e cultural, aprendendo a pensar por mesmos, a saberem conduzir-se por critérios e valores éticos que coloquem os outros no centro e a não si mesmos num fechamento egoísta e hedonista.

= A melhor e mais autêntica forma de combater a pobreza é a de dar às pessoas ferramentas para saberem conduzir-se segundo o que há de mais autêntico: a dedicação aos outros e ao serviço destes como presença em amor por Jesus, com Jesus e para Jesus… Ele o ‘Pobre’ por antonomásia, mas o mais livre de todos porque desapegado das ligaduras materialistas. Com Ele venceremos a pobreza, seja ela de que natureza for!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Admiração e respeito versus vulgaridade e ofensa


Com o avançar da idade, certamente, fomos crescendo na admiração por pessoas que marcaram (e ainda marcam) a nossa vida. Essa admiração, que, normalmente, gera respeito não é só de quem é ainda novo, mas também como que percorre a nossa existência, deixando uma espécie de rasto sagrado no nosso itinerário de vida e uma espécie de memória divina e divinizadora em nós e à nossa volta!

Quem não tem na sua vida pessoas que se tornaram referência – de forma consciente ou até inconsciente – desde o seu modo de ser até à sua personalidade? Quem não tem ainda – infelizmente – pessoas que deixaram marcas um tanto negativas, tanto no modo de agir como nas atitudes que tiveram para connosco?

Por outro lado, talvez possa haver, naturalmente, quem nós possamos ter marcado – para bem ou para mal – mesmo sem disso nos termos apercebido!

Somos, assim, todos nós uma paleta de cores e de situações, que nos fazem viver numa profunda interdependência psicológica, cultural, espiritual e mesmo emocional.

Ainda, nestes dias, num salutar convívio, por ocasião de um aniversário de um companheiro padre, nos tentamos todos situar na evolução da nossa vida nos anos, recordando figuras comuns, quando tinham a idade que agora nós temos. Nessa época eles eram, à nossa vista, já velhos, agora somos nós, com a idade que eles então tinham, que nos tornamos velhos ao olhar dos mais novos… É a lei da vida, que se manifesta na maturidade e na maturação das nossas personalidades, numa simbiose de gerações e de experiências… sem nos deixarmos adaptar à rotina mental ou cultural.

 = Admiração – vulgaridade

Não é difícil que, quanto mais conhecemos os outros – e, por consequência, nos damos a conhecer – mais possamos pensar que já os percebemos… Com que facilidade podemos cair na vulgaridade de julgarmos os outros mais pelos seus defeitos do que pelas virtudes e qualidades, que nos levavam a admirá-los. Seria como que se, uma pintura bela à distância, se torna-se algo banal quando a vemos mais de perto… fixando-nos nos pormenores e não na arte!

Nada há de mais abjeto do que perdermos a admiração, seja por quem for, só porque lhe conhecemos os defeitos e lacunas, tanto de personalidade como de outra vertente qualquer.

É costume referir-se que ao dizermos: ‘gosto de ti’ nos centramos naquilo que nessa pessoa nos interessa… fazendo dessa pessoa algo como uma coisa, objeto e motivo de interesse; enquanto, quando dizemos: ‘amo-te’, nos reportamos à consideração abrangente daquilo que é bom ou menos bom nos outros, portanto, vendo-os como pessoas, com qualidades e defeitos, virtudes e pecados… amados e não meramente tolerados!

 = Respeito – ofensa

É verdade que nos devemos dar ao respeito, respeitando os outros e, por todas as formas, evitarmos ofendê-los seja de forma for. De fato, há ofensas que decorrem da desconsideração – explícita ou tácita – de uns para com os outros. Quantas vezes bastará um simples gesto de desprezo para manifestarmos ofensa para com tantos que pensávamos conhecer. Quantas vezes somos subtis na ofensa, mas tantas outras acontecem por palavras e por gestos… na maior parte dos casos nas costas de quem pretendemos desrespeitar. Quantas vezes as nossas relações estão envenenadas por ofensas e preconceitos, por agravos ofendidos e por ofensas agravadas. Quantas vezes não sabemos distinguir entre o erro e a pessoa que erra, pois vamos mais tolerando o erro, embora combatendo quem prevarica.

Numa espécie de exame de consciência, ouso deixar breves perguntas sobre esta temática: quem há que me tenha desiludido ou por quem perdi a consideração e estima? Considero que, por conhecer alguém um tanto melhor, isso me fez perder a estima e o respeito? Porquê?

A quem é que poderei ter desiludido? Foi por ser mais sincero ou por deixar de disfarçar? A quem possa ter desiludido ou mesmo escandalizado, peço, humilde e sinceramente, perdão!

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Pastoral industrial ou agrícola?


«Talvez fruto da forte industrialização desta zona minhota muitas vezes a nossa mentalidade formata-se numa pedagogia industrial, assente num binómio sequencial de ‘produção- faturação’. Porém, o Evangelho, mediante três breves parábolas, atira-nos para uma outra pedagogia: a pedagogia agrícola assente na sequência temporal de semear, regar, podar, deixar crescer e só depois colher os frutos».

Esta afirmação foi proferida pelo Arcebispo de Braga, no decorrer da ordenação sacerdotal de quatro novos padres, que decorreu na cripta da Basílica do Sameiro, Braga.

Escutei de viva voz esta contraposição de mentalidades com que D. Jorge Ortiga quis alertar não só os novos padres como para as dezenas de outros padres presentes na celebração, bem como às centenas de fiéis leigos que preenchiam aquele espaço celebrativo.

Sem querermos ver naquelas pedagogias – industrial/agrícola – qualquer crítica ao desenvolvimento humano e económico da região (e mesmo do país), ficou-me a pretensão de esmiuçar o que pode estar subjacente àquela visão um tanto antagónica de fazer e de viver a pastoral… hoje.

Desde já gostaríamos de ressalvar que também, por estes tempos, cresce a tentativa de industrializar a atividade agrícola, desde as culturas intensivas nas estufas até à exploração de produtos que deixaram de ser, como agora se denomina de ‘biológicos’, quando não têm produtos de salvaguarda da naturalidade do seu cultivo, cuidado e mesmo de maturação.

= ‘Pastoral industrial’: produção/faturação… sinais e/ou riscos

Certamente que a caraterização de ‘pedagogia industrial’ pode e deve ser feita como um processo de programação, atendendo aos objetivos a atingir, aos métodos a usar e a um mínimo de objetividade nos destinatários… Não podemos andar à deriva, conforme as vagas ou as modas… na pastoral como na vida. Não podemos minimamente continuar a fazer-de-conta que as pessoas já sabem o que pretendem, pois a ignorância é muito mais do que um ‘sacramento’ – há quem considere a ignorância uma forma de suprir o que não se sabe, mas devia saber – e pode fazer perigar o que deve ser feito com competência e boa preparação.

Embora D. Jorge Ortiga tenha considerado que a ‘pastoral industrial’ como que poderia reduzir-se à do ‘fazer coisas’, fundada num tempo cronológico, não podemos deixar de ter presente que o mundo mudou, a velocidade está no interior e no exterior das pessoas, nalguns casos desarticulando-as da dimensão espiritual. Temos, no entanto, de saber «evangelizar em diálogo» -- título de um livro do novo bispo auxiliar de Braga – sem preconceitos nem certezas dogmáticas, mas na escuta de tudo e de todos… servindo-nos mesmo da simbologia dos ambientes em que estamos inseridos.

= ‘Pastoral agrícola’: arte de semear… riscos e/ou sinais

O nosso país mudou muito, sobretudo, nos últimos quarenta anos: não somos mais um país agrícola rudimentar, nem mesmo nos limitamos a viver de uma agricultura de subsistência – se bem que possa, particularmente, na região norte, ser uma espécie de compensação para as dificuldades económicas mais recentes – pois já não produzimos o mínimo daquilo que consumimos. À abundância nas prateleiras dos mercados e grandes superfícies contrapõe-se uma espécie de penúria de entendimento das linguagens rurais e ruralistas… embora a mentalidade continue sem grande evolução cultural e intelectual!

Nem mesmo, quando D. Jorge aduziu como boa uma certa pastoral mais do tipo agrícola do ‘contemplar as coisas’, que respeita os ‘ritmos da realidade’, poderá será uma desculpa para nos deixarmos ir na onda dum tal ‘amadorismo’ – entendido como sem qualidade e não como ‘quem ama o que faz’ – que vive sem projeto ou sem exigência de fazer o melhor possível.

Urge, por isso, fazer bem e com qualidade o que a Deus e aos outros nos solicitam, pois a ‘arte de semear’ – à luz da experiência do Evangelho – é simples, mas contém condições em que cada um tem de assumir as suas tarefas, deixando aos outros o espaço e as oportunidades que lhe competem: cuidar, regar, velar e até colher… segundo o tempo e as condições de cada qual. Precisamos de ser só aquilo que somos sem pretensões de sermos o que outros são e vivem… na Igreja como no mundo.

 
António Sílvio Couto

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Se Dolores tivesse abortado…


Soube-se por estes dias que Dolores Aveiro, quando estava grávida de Cristiano Ronaldo, pensou em abortar, pois, com a idade de trinta, tinha já três filhos… e sem meios para os criar… Mas o médico assistente não a apoiou em tal ato.

 Ora, isto foi escrito e dito, respetivamente, no livro autobiográfico ‘Mãe coragem’ e em diversas outras entrevistas televisivas… certamente para escândalo de certos meios em favor da ‘despenalização da interrupção voluntária da gravidez’ e/ou regozijo de muitos dos militantes antiaborto.

De fato, pergunta-se se a intenção daquela mãe tivesse prosseguido não poderíamos deliciar-nos com as habilidades de seu filho nem Portugal teria na lista dos seus heróis um futebolista daquela categoria… mundial.

É de referir ainda que, nos tempos mais recentes, foram lançados para a comunicação social, por políticos no governo, desejos de promoção da vida, dando regalias nas contas fiscais a quem tiver mais filhos, numa tentativa de suster a derrocada de natalidade que estamos a viver em Portugal… nesse inverno demográfico tão tenebroso e quase irreparável.

- Urge, com verdade e em sentido de exigência, colocar sob a alçada da justiça quem, nas quase três décadas de história do nosso país, nos atirou para este atoleiro de morte pela despenalização do aborto, tornando-o quase um método anticoncetivo recorrente… e tudo isto pago como se fosse um ato médico de consequências vulgares no (apelidado) serviço nacional de saúde.

- Não pense quem nos possa ler que somos insensíveis – antes pelo contrário – às tragédias de tantas mães e muitos outros pais, que, na hora de decidir, lutaram com a própria consciência em ordem a salvaguardar vidas. Há pessoas que sofrem quando têm de se submeter a tal juízo e com isso sentirem a obrigação moral de defender um bem maior, sobretudo, quando a vida da mãe está em risco…

- Num tempo onde o valor da vida – sobretudo na sua expressão humana – foi reduzido a uma espécie de reduto menosprezado por outros critérios de conduta mais imediatista, torna-se essencial saber que a vida não se referenda nunca, nem está em saldo ao desbarato, particularmente quando com isso se pretendem servir intuitos políticos e ideológicos mais subterrâneos…ou manifestamente materialistas.

= Se atendermos a outros momentos e figuras históricas – tais como Beethoven ou Einstein – que foram salvas da morte por recurso ao aborto, temos de fazer desta ‘revelação’ de Dolores Aveiro sobre a salvaguarda da vida do ‘seu’ Cristiano uma espécie de desafio a todos quantos ainda se sentem-se ‘civilizados’ porque trocam a morte contra a vida: está na hora de recolocar na discussão pública a força da vida e não de nos ocuparmos com futilidades de ocasião…hedonista.

Há valores – como o dom da vida pessoal e da alheia – que valem a luta de toda uma existência, mas temos de saber fazê-lo, respeitando as diferenças e até tendo compreensão para com quem reage de forma mais ou menos melindrada e ferida por experiências mal resolvidas em maré de fragilidade e mesmo de más opções.

Precisamos de saber anunciar, sem rodeios nem perda de tempo, a grandeza da dignidade cristã dos valores e dos atos heroicos com que tantos dos nossos antepassados viveram e testemunharam a fé por referência à Pessoa de Jesus e à mudança que Ele provocou nas suas vidas, sabendo viver a entrega em favor dos outros, particularmente dos mais fragilizados e simples… tantas vezes sem terem quem os defenda.

= Que o testemunho de Dolores Aveiro possa incentivar tantas outras mães a doarem a vida pelos filhos, sabendo acolhê-los como dom de Deus. Se o dom da maternidade foi salvaguardado a nossa civilização terá futuro. Se a dádiva da paternidade responsável foi vivida no contexto da família, teremos futuro a curto e médio prazos…

    

António Sílvio Couto

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Padre, algo (humanamente) descartável!


Neste tempo de verão – nada tem de simbologia dos frutos amadurecidos e/ou em maturação – vemos (ainda) surgirem nas notícias – sobretudo em circuito interno – dos jornais diocesanos que há ordenações de padres…um pouco por todo o lado. Já não na quantidade de outras épocas e talvez nem sequer na qualidade de tempos de cristandade… Mas, aqui e acolá, ainda há padres (e nalguns casos até bispos) que são ordenados… para o serviço do povo de Deus, na sua concretização em Igreja católica.

Sem querer fulanizar – como agora se diz, quando se pretende falar de um caso, extrapolando para o conjunto dos outros – em ninguém, parece-me que o ministério sacerdotal está muito fragilizado, tanto na aceitação como na prossecução do mesmo em terreno do mundo.

Já passou o tempo em que o padre – fosse qual fosse o atributo ou a função e até mesmo a condição de exercício – era considerado uma figura social e quase culturalmente de destaque. E, nem sequer, a veste eclesiástica, lhe dá, hoje, estatuto de proeminência cultural e figuração social… antes pelo contrário. Pois, se se quiser ridicularizar um padre, a vestimenta (tanto da batina como do colarinho) surge como involucro de chacota e/ou de riso…do povo ou, sei lá, da suspeita de ser ou não ser, de verdade!

Não é ainda habitual que alguém como padre – sobretudo se faz uma a autoavaliação – seja bem entendido se questiona a forma e um tanto o conteúdo do seu exercício ministerial ordenado… Ainda há uns meses tive a ousadia de escrever sobre alguém (padre em exercício) que estava em pré-desânimo e, logo, surgiram suspeitas sobre a possibilidade de estar em crise, tanto de âmbito pastoral, quanto de identidade…Ora, se isto acontece com aqueles que pensamos que estão na (nossa) onda e nalguma proximidade, quanto mais poderá ocorrer com quem não é capaz de sintonizar o que quer que seja ser padre… num mundo mundanizado, nos critérios e na conduta.

Por estes dias, se Deus quiser, completarei trinta e um anos de ordenação sacerdotal. Não é muito tempo, mas já é algum; não é uma data redonda de jubileu, mas pode ser oportunidade acrescida de dar graças a Deus e de Lhe pedir perdão; não significa muito, mas poderá representar bastante… na aferição ao projeto divino e à sua concretização na realidade humana de cada lugar e de tempo.    

Neste contexto, sem pretender dar qualquer lição eclesiástica, transcrevo o ‘Decálogo do sacerdote’, apresentado por um bispo alemão já falecido, D. Klaus Hemmerle, bispo de Achen, numa jornada de estudo da Conferência Episcopal Alemã:

- É mais importante como eu vivo o sacerdócio, do que aquilo que faço enquanto sacerdote.

- É mais importante o que Cristo faz através de mim, do que aquilo que faço eu.

- É mais importante que eu viva a comunhão no presbitério, do que lançar-me até à exaustão sozinho no ministério.

- É mais importante o serviço da oração e da palavra, do que o das mesas.

- É mais importante seguir e ajudar a formar, espiritual e culturalmente, os colaboradores, do que fazer eu mesmo e sozinho o mais possível.

- É mais importante estar presente em poucos, mas centrais sectores de ação, com uma presença que irradie vida, do que estar em tudo à pressa ou a meias.

- É mais importante agir em comunhão com os colaboradores, do que sozinho, mesmo que me considere capaz; ou seja, é mais importante a comunhão do que a ação.

- É mais importante, porque mais fecunda, a cruz do que os resultados muitas vezes aparentes, fruto de talentos e esforços simplesmente humanos.

- É mais importante ter a alma aberta sobre o “todo” (comunidade, diocese, igreja universal, humanidade), do que fixada em interesses particulares, ainda que me pareçam importantes.

- É mais importante que a fé seja testemunhada a todos, do que satisfazer todos os pedidos habituais.
 

Padres, irmãos no sacerdócio, tentemos rever-nos com humildade diante de Deus e dos outros, pois Aquele defende-nos, mas estes, na hora da verdade, falham e desertam… ontem, como hoje e amanhã!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Proteção dada e recebida


A vida de qualquer pessoa gira em volta de proteção recebida e dada, pois dificilmente alguém pode dar aquilo que não recebeu… desde a questão mais simples até à mais complexa e complicada.

Desde logo ‘proteção’, etimologicamente vem da ‘tegere’ (cobrir, tapar, defender) e ‘pro’ (na frente), significando que ‘proteção’ é essa defesa por antecipação, cobrindo e tapando antes que algo possa acontecer.

Aplicada à vida a noção de ‘proteção’ revestirá imensos campos de intervenção, desde a vida pessoal e familiar até aos aspetos de âmbito de segurança em meios e recursos humanos, materiais e mesmo espirituais.

Se recorrermos à nossa experiência de vida poderemos considerar que da proteção recebida – desde a mais tenra infância e até à idade adulta e velhice… segundo cada uma das etapas de maturidade humana – é a melhor escola para saber dar proteção ou viver em proteção para com os outros.

Dir-se-ia que, desgraçadamente, a pessoa humana não tem os mesmos recursos dos animais, que, com a evolução da sua idade, vão ganhando maior autoproteção e como que dispensando a proteção dos outros mais velhos. Ora, nós humanos, vivemos numa ‘eterna’ vulnerabilidade e, por dom divino, podemos e necessitamos de encontrar espaços e pessoas que nos protejam e a quem podemos e necessitamos de proteger. A nossa autossuficiência é, por isso, muito frágil. Quem se armar – o termo pretende dizer tecer armas que podem ser de engano – em muito forte poderá não mais do que tentar disfarçar a sua vulnerabilidade, mesmo que para isso se arme em forte ou tente dar a impressão de que não precisa de proteção… Tudo isso soará a falso e, com facilidade, é desmontável na mais rápida vivência e convivência.

= Mais do que afirmações sobre este tema deixamos breves questões… de entre um longo e largo leque de possibilidades:

- Quem é que me dá proteção? De quem mais sinto proteção?

- Como interpreto as falhas de proteção? Aceito-as ou pretendo cativá-las?

- Quem coloca Deus no meu caminho para receber e dar alguma proteção?

- Sinto-me chamado a proteger ou recuso-me a ser protegido?

- Aceito a minha vulnerabilidade e necessidade de proteção… mesmo de Deus?

- Quais serão os meus ataques (ou defesas) às tentativas de proteção?

- Vejo a proteção como virtude e qualidade ou como defeito e negativamente?

- No campo da proteção recebida, houve alguém que me possa ter magoado pela proteção não dada?

- Nos aspetos da proteção dada, haverá quem recuse a minha proteção? Quais as razões dessa recusa, serão reais ou virtuais, de desculpa ou de adiamento?

- Que dimensão da minha vida precisa de maior proteção, a intelectual, a emocional/afetiva ou a volitiva?

- Que há (ou pode haver) de feridas na minha capacidade de proteção recebida ou dada?

- Aceito que a proteção que é me dada é mais a possível do que aquela que gostaria de ter?

- Sei desculpar quem não me protege e aceito as recusas de proteção a quem quero dar proteção?

 Em resumo: na família temos e devemos ter o retrato da proteção recebida e dada, simbolizando as figuras do pai e da mãe as dimensões mais naturais dessa proteção… Se algo correu menos bem nem corre agora como devia nessa escola de proteção tudo poderá explicar o que sou e o que os outros são… Compreendermo-nos será já beneplácito de proteção recebida e dada.

 À luz do próximo dia dos avós – 26 de julho – poderemos ainda melhor interpretar a necessidade de uma boa vivência desta dimensão da proteção recebida e dada, correta, afetiva e humildemente vivida. Com efeito, os avós (no masculino e/ou no feminino) são ainda o suporte da nossa proteção, tanto dada como recebida… na dimensão gratuita e gratificante. Cuidemos, pois, dos nossos avós… como protetores ativos ou passivos!

 Coloquemo-nos ainda sob a proteção da mão de Deus, hoje e para sempre!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 8 de julho de 2014

Vítimas ou artífices dos nossos erros?


Por estes dias o Papa Francisco reuniu, em Roma, com pessoas vítimas de abuso sexual de alguns membros do clero, quando eram crianças ou adolescentes.

Com esta iniciativa o Papa quis dar continuidade ao pedido de perdão do seu antecessor àqueles/as que foram vítimas dos erros de membros da Igreja, sobretudo, enquanto responsáveis do cuidado de quem estava ao seu cuidado.

«Perante Deus e o seu povo, manifesto a minha dor pelos pecados e graves crimes pelo clero contra vós [disse às seis vítimas presentes na missa] e humildemente peço perdão… Faremos o possível para assegurar que tais crimes não voltem a acontecer na Igreja».

Este excerto da homilia do Papa Francisco é como que um gesto profético e também um sinal dos tempos, permitindo ainda que sintamos todos e cada um de nós a necessidade de refletir sobre os nossos erros – sejam eles quais forem – e as consequências destes tanto em nós mesmos como nos outros.

De fato, a nossa vida também é feita de erros e de pecados, uns facilmente percetíveis aos nossos próprios olhos e outros que vamos descobrindo, segundo a graça divina em nós e à luz do Espírito Santo na caminhada humana e espiritual de nós mesmos.

- Quantas vezes nos custa admitir os nossos erros, tanto por deficiência na descoberta deles mesmos, quanto por debilidade em reconhecermos que falhamos e por não termos a humildade suficiente para disso nos reconhecermos.

Dir-se-á que reconhecer-se pecador, é já graça divina, tanto no tempo como na forma e ainda na vivência de que é, nessa condição de pecadores, que podemos deixar Deus construir em nós o mais belo da nossa condição cristã: salvos por Jesus aceitamos a salvação d’Ele em nós!

- Quantas vezes só passado algum tempo – nalguns casos, demasiado! – se conseguem discernir as nossas falhas e até as consequências nos outros. Com efeito, estes são, em abono da verdade, quem melhor nos conhecem para nos poderem ajudar a corrigir. Mas nem sempre tal acontece, seja por uma espécie de falso respeito, seja por negligência em nos ajudarmos na caminhada mútua, seja ainda por desatenção aos outros.

Ora, será na medida em que nos formos ajudando a corrigir os erros uns dos outros – tenham eles a versão de falhas, tenham a versão de defeitos ou sejam ainda manifestação do nosso pecado – que os erros poderão ser menores, menos frequentes ou até menos escandalosos… em nós e à nossa volta.

Por que acreditamos na ajuda que os outros nos podem dar para irmos debelando os nossos erros, como que ousamos propor alguns aspetos nessa ajudar:

= Formação humana e espiritual nas áreas da psicologia e da espiritualidade, em ordem a nos conhecermos melhor a nós mesmos e aos outros com quem (con)vivemos;

= Enraizamento na Palavra de Deus, conhecendo a Pessoa de Jesus e o modo como Ele tratou com os erros dos outros, isto é, com verdade, humildade e compaixão;

= Proporcionar tempos e lugares de silêncio e de escuta, em ordem a vivermos etapas de caminhada em comunidade, cuidando e sendo cuidados;

= Criar oportunidades de vivência dos sacramentos de cura – penitência e unção dos doentes – em contexto comunitário e segundo a capacidade de entendimento dos sinais de Deus na vida dos crentes cristãos e católicos em particular.


Porque os erros nos fazem crescer, queremo-los conhecemos, amar e deixar perdoar por Deus e uns pelos outros… em Igreja.

Porque mais do que vítimas dos nossos erros desejamos que estes sejam artífices da nossa conversão a Deus e uns aos outros… Queremos permitir que os nossos erros sejam aproveitados para que Deus nos ensine a sermos humildes, verdadeiros e mais santos… de verdade e em humildade.

 

António Sílvio Couto