Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 30 de maio de 2017

Não temos vindo a aparvalhar as crianças?


As crianças dos nossos dias são cada vez menos auto-suficientes, tal é o protecionismo com que as vimos defendendo ou até colocando-as dentro duma bolha (quase) artificial. Parece aos pretensos riscos deste tempo, que vamos aparvalhando tanto as crianças que nem as deixamos errar, coartamos a capacidade de brincar e como que afunilamos as aprendizagens sem as falhas, as tropelias e as asneiras próprias da sua idade… Com tantas defesas e pretensos cuidados, as crianças deixam-no de ser antes do tempo!

Quem deixa ainda que os filhos brinquem na rua? Quem aceita que os filhos/netos vão sós (e a pé) para escola? Quem ousará deixar, nem que seja por breve momentos, de controlar por onde andam os filhos/netos, se estão, momentaneamente, na rua?
Ora, por ocasião do ‘dia mundial da criança’, parece que podemos/devemos colocar algumas questões e lançar desafios a este setor da vida humana que tem vindo – dá a impressão – a ser algo menosprezado naquilo que poderão ser os resultados no futuro (mais ou menos) próximo.  
 

= Embora saibam mais coisas mais cedo do que noutros tempos, a maioria das crianças vai sendo infantilizada sem disso nos darmos conta. Com alguma facilidade as crianças parece que perderam a capacidade de brincar, inventando as suas brincadeiras e os seus próprios brinquedos: quase tudo lhes é fornecido e nem sempre da forma mais pedagógica e respeitadora das potencialidades dos mais novos. Numa formatação de interesses vemos que as crianças podem deixar de viver no seu mundo, antes reproduzindo outros cenários que não são os seus nem sabendo adaptar-se às novas dificuldades e necessidades. Esta espécie de democratização educativa pode nivelar pelos pés aquilo que deveria ser uma possibilidade de potenciar a capacidade de sonho e de criação das crianças e dos seus espaços.

A diversidade de brinquedos – bastará observar uma campanha de recolha – tem vindo a tornar as crianças cada vez mais dependentes das criações alheias, menorizando-as e descartando-lhes pequenos sonhos, onde a abundância de proposta como que revela a volatilidade dos mais velhos e pode ainda tentar disfarçar com coisas aquilo que seria bem mais benéfico ser preenchido com tempo de qualidade dedicado às crianças… 

= Se a isto acrescentarmos sinais inquietantes do egoísmo crescente das crianças – muitas delas como filhos únicos – poderemos perceber que a capacidade de partilha – desde os brinquedos até às roupas, passando pelas exigências feitas para com os mais velhos (pais, educadores, avós, etc.) – tem vindo a diminuir e, daí virem a ser gerados conflitos, é um simples passo ou questão de tempo. Vivemos – dá a impressão – na época da criança-objeto que serve mais para contentar os adultos do que fazendo com que a criança valha por si mesma…

Sem exagero podemos considerar que, hoje, as crianças passam dois terços do seu dia fora ou longe do ambiente familiar. Em muitos casos os filhos vão sobrevivendo quase sem a presença e o carinho dos pais… e não fossem os avós, as coisas seriam ainda mais graves e aflitivas. Por isso, não admira que, muitas das vezes, as crianças sejam nacionalizadas por quem pretensamente governa…mesmo que não se verifiquem problemas. 

= Antes de tudo e acima de tudo, cremos sinceramente que o cuidado das crianças é tarefa e missão dos pais, tornando-os os primeiros e principais educadores, seja em que idade for. Não podemos continuar a entregar ao estado – bem diferente é a atitude de delegar por substituição na instrução – a capacidade de educar, onde os valores sejam muito mais do que menores denominadores comuns numa influência ética amorfa e anódina… que, por vezes, é mais do que laica ou republicana.

Porque a família é a escola (no sentido amplo do termo e não como correia de conhecimentos) de transmissão de valores e de princípios, será urgente criar condições para que as crianças deixem de ser tratadas de forma tão aparvalhada como têm sido, onde se lhes dê muito mais do que aquilo que já se viu ter sido ultrapassado noutras culturas e sistemas educativos. Quem dera que fossemos capazes de educar cada criança como única, no projeto de Deus e de cada família. Por onde temos andado até agora, não, obrigado!  

 

António Sílvio Couto




quinta-feira, 25 de maio de 2017

Numa cultura do zapping


“Se não quisermos ser vítimas da cultura do zapping e, às vezes, de uma cultura de morte, devemos incrementar o hábito do discernimento, formar-nos e formar para o discernimento”, disse o Papa Francisco, esta semana, no Vaticano, quando se dirigia às participantes no capítulo geral das Pias discípulas do divino Mestre.
“Neste tempo de grandes desafios, que exigem dos consagrados fidelidade criativa e busca apaixonada, a escuta e a partilha são muito necessárias, se quisermos que a nossa vida seja plenamente significativa para nós mesmos e para as pessoas que encontramos”, salientou o Papa, que apelou aos consagrados na Igreja católica para lutarem contra o ‘cancro da resignação’.
= Ora, perante estas considerações incisivas do Papa, poderemos perguntar se temos a noção do que é, de facto, o zapping? Como é que este pode alimentar, em nós mesmos e para com os outros, essa cultura de morte e da indiferença? Até onde e como o dito zapping será legítimo, se nos enquistar perante os outros e os seus problemas?  

O significado de ‘zapping’ tem a ver com a prática do telespectador que muda consecutiva e frequentemente de canal por meio do telecomando… podendo originar alguma ansiedade, volatilidade ou insegurança em quem usa tal recurso na busca de assuntos que mais lhe possam agradar.

– Atendendo à prevenção do Papa poderemos incluir nesta ‘cultura do zapping’ uma espécie de tentativa de criar um mundo onde os factos têm de nos agradar, de modo que se conjugue o que nos mostram com aquilo que desejamos ver…

– Isto será tanto mais pernicioso quanto nos possa fazer refugiar nalguma superficialidade pessoal ou social, mesmo nas questões mais exigentes da vida, misturando as coisas de consumismo com alguma emotividade recorrente… 

= Num tempo em que as fontes de informação são tão díspares e tão profusas, torna-se muito difícil escolher ou ser assíduo seguidor dalgum canal televisivo ou mesmo de conversa social, pois em quase nenhum se perfaz o que nos pode interessar ou mesmo convir. Com efeito, se a conversa – na maior parte das vezes é mais discussão – não me agrada não há como fazer zapping e ir à procura de algo que seja mais interessante. Se alguns dos intervenientes em programas de confronto entre tendências clubísticas ou de preferências partidárias tivessem isso em conta poderiam perceber que podem estar a falar para ninguém…mesmo fazendo um grande berreiro, na medida em que o recurso ao zapping se torna solução fácil e, por vezes, necessária… tais são os disparates desconexos.

Já lá vai o tempo em que as pessoas se deixavam ouvir, expondo cada qual o que era de interesse para a conversa. Hoje há uma tal sobreposição de conversas que o melhor disso tudo é que podemos calá-los com um simples zapping e deambular por outros espaços onde se ouça com mais nitidez a verborreia que por aí possa estar…

Deste modo o recurso ao zapping também pode funcionar como momento de avaliação da saúde mental de quem ouve, pois nada melhor do que podermos ainda fazer escolhas de quem queremos ouvir ou de quem nos pode ajudar a pensar… em coisas simples ou mais complicadas.  

= À luz das advertências do Papa Francisco temos de saber quando o zapping pode fazer de nós pessoas insensíveis aos outros ou quando nos faculta ainda a possibilidade de não nos deixarmos intoxicar por informações, opiniões ou confusões duns tantos sobre outros. Sobre a primeira vertente, teremos de não ficar anódinos sobre os sofrimentos e as dores alheias, mas antes precisamos de cultivar a boa e salutar comunhão com os que mais precisam da nossa solidariedade e do nosso apoio humano ou moral. No segundo aspeto – a autodefesa – será sempre muito útil o tal exercício do discernimento sereno e amadurecido pelas questões da vida…Ora, o discernimento é uma arte que tem de ser aprendida na vida, pois raramente alguém nasce ensinado ou vive em discernimento senão for ajudado a cultivá-lo. No discernimento não há zapping que nos valha…    

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 22 de maio de 2017

Comunidade, sim; coletivo, não!


Na complexidade de leituras que o Papa Francisco nos traz – tal como outros pontífices – uns tantos ‘iluminados’ ditos sem fé, agnósticos, descrentes ou ateus confessos – com voz até nos canais católicos como corifeus da tolerância e da boa compreensão – vemos que só conseguem entender do Papa aquilo que se refere à linha em que lhes encaixa nos preconceitos e nas formatações ideológicas…sobretudo na dimensão (dita) social, nos casos de intervenção horizontalista e nas situações mais ou menos de sabor solidário que não tão ético/moral… 

(Um pequeno aparte: como é difícil fazer diálogo com quem exige que os entendamos, mas que não fazem algum outro esforço – intelectual minimamente razoável – de entrarem na linguagem daqueles com quem – assim parece – pretendem impor ideias e noções até já ultrapassadas no tempo e pela evolução histórica).  

* Mal vai uma séria proposta de leitura das atitudes do Papa Francisco se dele quisermos explorar a vertente social – pretensamente de esquerda – ou ecológica – com o rótulo de progressista – à mistura com a defesa dos pobres e marginalizados… como se os Papas anteriores fossem (mais) defensores dos capitalistas ou difusores da economia de mercado – que uns tantos abjuram, mas da qual vivem e medram com bons proveitos – sem entenderem que a Igreja não tem ideologia de propaganda nem sequer se ajeita para colher frutos dos beneficiados ou dos menosprezados…  

* Não tenho a menor das dificuldades em compreender as objeções de quem não é capaz de decifrar as linguagens da fé, senão se estiver na onda das coisas mais materiais. De facto, há pessoas que, colocando os óculos da dialética marxista, são especialistas em verem as intenções e as ações dos outros pela perspetiva do social, gerando em si e à sua volta um clima de luta, senão for de classes, sê-lo-á de interesses…declarados ou subterrâneos. Só que não se podem ler as palavras e os gestos do Papa por tais preconceitos nem muito menos se terá de distorcer a mensagem pelo que nos possa interessar que seja dito ou feito. Este pragmatismo apresenta riscos e perigos… mesmo no seio da Igreja católica.  

* Não se pode tentar desvirtuar a mensagem do cristianismo pelo menos bom ou até mau desempenho de muitos dos cristãos. Ora, se há caraterística que fez afirmar os seguidores de Cristo na história, foi a da dimensão comunitária, desde as coisas mais simples até às mais complexas, isto é, esse colocar em comum os bens espirituais e materiais, sem que não houvesse desfavorecidos nem necessitados. Vemo-lo nas narrativas do livro dos Atos dos Apóstolos e nos escritos dos padres da Igreja. A vivência comunitária desse testemunho interpelou muitos dos opositores aos cristãos, que, apesar de perseguidos, ainda se alimentavam mais e melhor da fonte dessa razão: a adesão a Cristo e aos seus princípios de fraternidade, de pobreza, de serviço e de humildade. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, tinham tudo em comum!

Este ideal de vida foi e é mais do que uma utopia – seria bom ler ou reler o livro com este título de Tomás Moro (1516) – pois se fundamenta na unidade/comunhão nascida desde o mais íntimo de cada discípulo de Cristo e que se faz presença em caridade e solidariedade.  

* Bem diferente e talvez visceralmente oposta é a noção de coletivo, sobretudo se entendido como pretensão política e social. Esse dito coletivo – com a coletivização dos bens de produção, da força de trabalho e mesmo da mentalidade de governo/submissão – era (foi ou é) imposto à força, fazendo com que cada qual se faça servidor duma entidade – mais ou menos abstrata – ‘estado’, que a todos subjuga e faz participante mesmo que dele discorde ou possa estar contra. Com efeito, o coletivismo fez vítimas, particularmente entre aqueles que se opunham à sua concretização. Os regimes coletivistas tentaram criar pela força algo que, em vez de seguidores, foi gerindo beneficiados, sobretudo se eram (são) mentores da mesma ideologia, numa espécie de combate sem tréguas à dimensão religiosa e cristã em particular… Pela compreensão que tenho da pessoa humana, dispenso que me imponham esta forma de conduta! Nunca, jamais!    

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Chungarias dum tal ‘nogueira’!


Há, cá pela nossa terrinha lusitana, quem se arvore em comediante e pareça ter direito a desbocadamente dizer tudo o que lhe apetece – talvez seja o que lhe vem à cabeça sem filtro – e com isso ridicularizar tudo e todos, envolvendo as convicções dos outros e ofendendo os valores mais básicos da convivência humana, social e cultural.

Numa rádio (dita) pública surge diariamente (pelo menos duas vezes) um tal desses comediantes, que se atirou, dias-a-fio, a tudo quanto se referia a Fátima, ridicularizando a fé de milhões de portugueses/as e blasfemando para com Nossa Senhora, Jesus Cristo, os santos e o que há de mais sagrado para quem tem fé e que possa estar em comunhão como Igreja.

As chungarias – termo que significa ‘coisa reles, de má qualidade’ – desse programa – apelidado de ‘mata-bicho’– dão-nos suficientemente o timbre do humor, feito de insolências umas atrás das outras, sem contraditório nem objeções, simulando cultura com malcriadez, insinuações com direito de opinião, vulgaridade com falta de oportunidade, qualidade com insolência…

Possivelmente nunca o tal senhor ‘nogueira’ leia isto que aqui exprimo nem será visto o que possa dizer com contraposição aos dislates ouvidos, mas não se pode querer ser considerado ‘progressista’ quando se achincalha os valores mais essenciais dos crentes. Com efeito, a veia da mediocridade costuma socorrer-se de clichés religiosos, desde os mais básicos até aos mais exotéricos, para com isso ir nivelando pelo ridículo o que ofende e ultraja os sentimentos e a formação dos crentes…no caso cristãos/católicos e, sobretudo, portugueses. 

– Bem sabemos que a arte do humor tem de ser muito bem cuidada e nem sempre as ‘piadas’ são entendidas por todos de forma idêntica. O que a uns faz rir, a outros pode causar nojo. O que a uns pode revelar sentido de inteligência, a outros poderá parecer patético e aviltante. O que a uns serve de recurso à asneira, a outros poderá parecer que ultrapassou a barreira do bom senso e da cultura… 

– Agora que dizem que vivemos em democracia e liberdade, e que podemos – senão mesmo devemos – considerar-nos no direito e na obrigação de reagir àquilo que possa ter ultrapassado a barreira do aceitável. De facto, não basta a esperteza duns tantos para camuflar a falta de inteligência do resto dos cidadãos… Quando vemos que nos querem impingir um estado de flutuação sobre as dificuldades do dia-a-dia, podemos e devemos ser mais criteriosos na escolha do que nos faz rir e aquilo que nos pretender vender como fazedores da boa disposição a todo o custo!  

– Deus também é humor e coartar o sentido do riso e da alegria soará a falta vivência daquilo que a vida nos proporciona de mais sério e sereno. Há quem considere o ser cristão como uma espécie de agelasto militante. Ora, nada de mais enganado e enganoso. Bastará socorrermos dos textos dos evangelhos para vermos que estes só registaram duas vezes – uma perante a cidade de Jerusalém e outra por ocasião da morte de Lázaro – em que Jesus chorou. Se só diz isto em duas circunstâncias da vida de Jesus poderá significar exceções e não a regra, como alguns diziam na sua conduta religiosa… Por isso, rir é muito mais do que um comportamento para além do ser humano…Mas como a vida não é uma comédia, será preciso criar condições para que a atitude de alegria seja mais um estado de comportamento do que uma representação de gargalhada a pedido!  

= Urge fazermos da nossa conduta pessoal e social algo que valorize as coisas positivas e menos as desgraças e as tristezas. Pelo pouco tempo que vivermos em condição terrena assim saibamos viver de olhos postos no Céu e os pés bem assentes na Terra. Tal como nos disse o Papa Bento XVI, quando nos visitou em 2010, há muita gente com as mãos limpas, mas de não fazer nada. Ora, há também muitos/as que querem fazer rir os outros, mas deviam antes rirem-se de si mesmos…tal o ridículo que nos proporcionam, já!

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 15 de maio de 2017

Santinha com favores a baixo preço?


Na alocução que fez antes da procissão das velas e depois da oração do Rosário, na capelinha das aparições, em Fátima, o Papa Francisco questionou quem era a Maria que nos leva a ir àquele local e qual a devoção que Lhe prestamos.

Partindo do lema da sua própria peregrinação – ‘com Maria, peregrino na esperança e na paz’ – o Papa Francisco perguntou: «Peregrinos com Maria… Qual Maria? Uma «Mestra de vida espiritual», a primeira que seguiu Cristo pelo caminho «estreito» da cruz dando-nos o exemplo, ou então uma Senhora «inatingível» e, consequentemente, inimitável? A «Bendita por ter acreditado» (cf. Lc 1, 42.45) sempre e em todas as circunstâncias nas palavras divinas, ou então uma «Santinha» a quem se recorre para obter favores a baixo preço? A Virgem Maria do Evangelho venerada pela Igreja orante, ou uma esboçada por sensibilidades subjetivas que A veem segurando o braço justiceiro de Deus pronto a castigar: uma Maria melhor do que Cristo, visto como Juiz impiedoso; mais misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós?».

Estas questões podem e devem ser respondidas por cada um e por todos quantos quiseram estar com o Papa ou que o seguiram pela comunicação social.

– Mais do que uma vivência subjetiva de Maria, no caso a Senhora de Fátima, temos de encontrar – pelo esclarecimento, pela oração, pela reflexão (teológica ou cultural) ou mesmo pela devoção – um verdadeiro rosto da presença da Mãe de Deus na nossa vida de cristãos/católicos, que é algo muito mais profundo do que um querer que Ela seja o que nós desejamos.

– Os gestos e sinais proféticos do Papa entre nós – como a canonização de dois dos pastorinhos, as advertências para a construção dum mundo mais justo e fraterno e mesmo a proximidade às pessoas, sobretudo às crianças e aos doentes – fazem desta presença de Francisco em Fátima um chamamento às origens da mensagem: Maria é caminho para Deus, rico de misericórdia e de paz.

– A multidão dos que foram a Fátima e os outros milhões que seguiram, sobretudo, as celebrações pelos meios de comunicação social fizeram deste momento celebrativo do ‘centenário das aparições’ um foco de espiritualidade onde os mais novos – e foram aos milhares – se sobrepuseram aos mais velhos. Talvez se tenha podido ver uma Igreja mais nova, não se sabendo se se reveem em Fátima, se na fé normal das paróquias e das dioceses… E nem as centenas de milhares de peregrinos a pé – talvez cerca de 50 mil – podem servir de novo atenuar dalguma descrença ou ceticismo de certas fações de índole cultural do nosso país…progressista!   

= Agora que passou a vaga deste tempo de peregrinação que poderemos encontrar como lições da presença do Papa, do possível fervor religioso, da vivência do país (político ou social), das questões de fé e de conduta moral/ética, das implicações mais íntimas de cada um e da sua expressão na família, no trabalho, nos ambientes, etc.

– No passado dia ’13 de maio’ revivemos, rapidamente, no país dos três efês – Fátima, futebol e festival (antes era só fado) – não se sabendo quem venceu na concorrência das visibilidades. Num ápice podemos sentir que mexeram nas nossas raízes mais profundas… Qual delas continuará a manifestar mais corretamente este povo que somos ou julgamos ser?

– À luz daquilo que nos disse o Papa Francisco não será preciso refletir sobre muitas das manifestações de Fátima à ‘santinha’ para que sejamos, de verdade e seriamente, cristãos e católicos esclarecidos?

– Não teria sido necessário dar ‘tolerância de ponto’ no dia 12, pois não está correto dar benefício a quem não professa a mesma fé e nem usa o ‘direito’ para a finalidade invocada… Não foi (mais) um ato de populismo sem sentido nem nexo com o laicismo estatal?  
Entrados na segunda centúria das manifestações de Nossa Senhora em Fátima novos desafios se nos apresentam. Assim sejamos dignos – como portugueses/as – da escolha que o Céu nos fez para recebermos a mensagem… Ontem como hoje, conversão-penitência-oração continuam atuais e necessários…


 António Sílvio Couto










sexta-feira, 12 de maio de 2017

Violência (financeira e física) sobre idosos


Segundo dados, recentemente divulgados, ficamos a saber que, quatro em cada dez portugueses, entre os 60 e os 84 anos de idade, já sofreram violência financeira por parte de familiares ou outros, que os forçaram a abdicarem do seu património ou do seu dinheiro.

Estes dados resultaram dum estudo do Instituto de saúde pública da Universidade do Porto em articulação com um outro instituto sueco, e que envolveu mais seis outros países europeus, como: Alemanha, Grécia, Itália, Lituânia, Espanha e Suécia.

Se, nestes seis países, os maus tratos físicos a idosos se situaram na ordem de 11,5%, em Portugal os dados referem que 16% foram maltratados ao nível físico. Na vertente de violência psicológica, o nosso país anda em 33,7%, enquanto nos países consultados se situa nos 34,7%. Se tivermos em conta nos idosos das consequências destas duas violências, poderemos considerar que a violência psicológica origina perda de autonomia e retração em relação aos outros, enquanto a violência física repercute-se na dificuldade posterior em criar laços de confiança com os outros… 

= Os dados estão aí: desde 1970 até 2015 a população com mais de 80 anos cresceu cinco vezes mais, em Portugal: eram 123.592, em 1970, e, em 2015, eram 605.012. De referir ainda que na década de 70 do século passado havia duas crianças, com menos de dez anos, por uma pessoa com mais de 65 anos… Agora são duas pessoas com mais de 65 anos por uma criança até aos dez anos! Com a média de vida a subir nos tempos mais recentes – as mulheres mais vinte anos e os homens mais dezassete – vamos ter de reformular as nossas visões e condições decorridas da longevidade, atendendo ainda ao decréscimo dos nascimentos, às migrações e mesmo à desinstalação familiar duma grande parte dos idosos… 

= Quem tenha de cuidar dos meios para manter os espaços ligados – como centros paroquiais ou outros – à infância saberá que as coisas estão presas por mui finos fios de instabilidade, enquanto as respostas às solicitações para com os mais velhos são escassas e estão, na maior parte dos casos, sobrelotadas e com excesso de pedidos.

O grave é saber que, em situações pontuais, mas facilmente identificáveis, há familiares que retiram os mais velhos das condições de vivência razoáveis, em lares e casas de repouso, para usufruírem das magras reformas, colocando-os em risco de sobrevivência a curto prazo. Com efeito, não são os pouco mais de trezentos e trinta euros por pessoa com que a segurança social comparticipa as instituições, que têm acordos de cooperação, que irão dar dignidade a quem vai envelhecendo… Algo mais tem de ser feito pelos mais velhos e as suas famílias, que, afinal, somos todos nós, seja qual for a etapa etária em que nos possamos encontrar. 

= Mesmo duma forma um tanto subtil – embora nunca capciosa – precisamos de ir construindo com os mais velhos a dignificação da sua longevidade, criando espaços e oportunidades para que não fiquemos só no cuidado do corpo (biológico e material), mas que possamos proporcionar-lhes vivências psicológicas e espirituais onde os mais velhos sejam capazes de interagir e de serem valorizados nas suas experiências de vida…muitas vezes sofrida e nem sempre com as condições de bom desempenho ao tempo.

Agora que tantas pessoas se vão retirando do trabalho profissional em pleno uso das suas faculdades mentais e emocionais, poder-se-á tornar mais fácil organizar, ao nível das associações e coletividades ligada à Igreja católica, iniciativas que permitam aos mais velhos menos evangelizados momentos de aprendizagem da fé e da cultura religiosa. Poderemos passar das devoções ao estudo da Bíblia, das rotinas tradicionais ao possibilitar vivências adequadas à idade e à instrução de cada um… Não deixemos tudo entregue às autarquias nem confiemos nas boas intenções das (ditas) universidades seniores… Temos de criar sinergias entre as várias entidades ligadas às questões eclesiais para darmos aos mais velhos aquilo que gostaríamos de vir a receber quando lá chegarmos…mais depressa do que nos parece!

Semeemos para vir a colher…     

 

António Sílvio Couto


terça-feira, 9 de maio de 2017

Peregrinos em conversão?


Por estes dias temos visto e ouvido muitas intervenções de pessoas que vão – particularmente a pé – como peregrinos para Fátima. Cada qual apresenta, normalmente, as razões que levam a empreender tal esforço durante dias. Uns dizem que vão para pagar alguma promessa, feita em horas de aflição; bastantes referem que vão em agradecimento por algum favor humano-divino recebido, habitualmente tendo em conta situações de saúde pessoais ou de familiares; outros ainda vão numa atitude de nada pedir nem de agradecer, tendo somente em conta uma experiência a concretizar.

Ora, raramente – se é que alguma vez foi dito – os entrevistados salientam que se meteram à estrada – a pé ou noutra forma de peregrinação – porque se sentem num processo de conversão pessoal, familiar e em Igreja…seja lá qual for a motivação de vida em conversão a Deus, através de Nossa Senhora.  

= Se atendermos aos parâmetros essenciais da mensagem de Fátima podemos encontrar o seguinte tríptico: oração – conversão – penitência.

Será que é isto que motiva tanta gente a recorrer – de forma direta ou indireta – a Fátima, seja à invocação de Nossa Senhora, seja aos resultados aduzidos como daí advindos? Como se poderá compreender – humana e cristãmente – que haja alguém que vá a Fátima – use o modelo que mais lhe convier – e que continue em zanga com os familiares, os vizinhos ou mesmo a Igreja? Será isso uma fé amadurecida ou antes revelará uma circunstância de crença com sabor a religião (meramente) natural? Como entender que possamos encontrar pessoas que abjuram a prática paroquial, mas tendencialmente recorrem à máquina do anonimato na ‘multidão’ fatimista? Que pensar ainda dos ‘sacrifícios’ – públicos ou privados, de promessa ou aleatórios – dos quais não se nota influência nem repercussão no comportamento quotidiano? Como interpretar que alguns/algumas dos que flutuam pelas paróquias sejam mais cultivadores da imagem da Senhora da capelinha – sabendo que não passa duma representação – podendo menosprezar alguma outra figuração da mesma Senhora num lugar mais simples e recôndito, mas não mesmo autêntico e de venerável devoção?

Os lugares podem falar-nos de Deus, mas será perigoso reduzir a esse lugar a exclusividade da presença do próprio Deus e dalguma representação da Virgem ou dalgum santo… A teologia dos santuários precisa de ser aprofundada numa compreensão de Novo Testamento e da universalidade da ação de Deus no mundo!  

= Porque Fátima e a mensagem trazida por Nossa Senhora através de três pastorinhos é um assunto de fé sério é que urge não continuar a fazer-de-conta que já vivemos o que ali foi dito e posteriormente explicitado. Seria mais uma oportunidade perdida que, por ocasião do centenário das revelações, não tentássemos ir ao fundo do que nos é propor como mensagem de vida e também como linha de espiritualidade.

Cem anos depois continuamos a correr riscos de deixarmos salgar, subtilmente, a fé pelos critérios do mundo. A canonização dos dois pastorinhos mais novos traz-nos potencialidade para que a santidade seja proposta com entusiasmo às crianças, hoje, tão deficientemente introduzidas à fé cristã e à participação na Igreja. A valorização da família no processo de conversão tem de ser levada mais a preceito, não impondo meramente os preceitos da Igreja, mas valorizando a transmissão da fé em contexto familiar sadio e simples.

Porque acreditamos que Fátima tem futuro, tanto ao nível teológico, como na dimensão espiritual, temos de ser capazes de nunca deixarmos de questionar aquilo que fazemos e que vemos outros praticarem, tendo em grau de exigência a mensagem de conversão pessoal e nas implicações que têm de repercutirem-se na vida eclesial, sabendo discernir os tentáculos de infiltração do mal, ajudando e sendo ajudados pelo Espírito de Deus em Igreja e como Igreja católica.

Tal como se diz no hino para a celebração do centenário: Maria nos abre caminho… sê peregrino da esperança e da paz… Com Maria onde queres que vás, Deus em mim! Descobrindo a presença de Deus, seremos mais exigentes na nossa conversão e compreensivos para com os outros!      

 

António Sílvio Couto




sábado, 6 de maio de 2017

Sobre um ninho de cucos…


Ao vermos certos comportamentos e ao tentarmos analisar algumas das situações mais visíveis da nossa sociedade – política, social, económica ou mesmo cultural – fica-nos como que uma sensação de estarmos a sobrevoar algum ‘ninho de cuco’. Ora, sabendo nós que os cucos não têm ninhos, antes usufruem dos ninhos que outras aves fazem e onde os ditos cucos colocam os ovos para nidificação… poderemos ser quase levados a considerar que há muita gente – seja qual for o setor ou campo de ação em que se enquadre – que se comporta à maneira dos cucos… numa leitura mais ou menos exigente de tantos aspetos da nossa vida coletiva.  

– Que dizer da tentativa de certos partidos políticos anunciarem a celebração da vitória sem terem candidato, só porque dão apoio ao pretenso vencedor…independente? Não será isto, visão e comportamento de cuco? Como explicar que há seriedade, se vemos colocar os ovos para nidificar em ninho alheio…mesmo que fazendo os ovos intrusos serem pintados da cor daqueles que os chocam!

– Que consideração poderemos ter para com pessoas e ideologias que se vangloriam de lutar contra a União Europeia, sabendo que só esta lhes pode conferir espaço e estatuto de protesto e de ganha-pão? Não será espírito de cuco disfarçado este de contestar quem lhes alimenta o ego e as contas de sobrevivência para a contestação? Não fosse o capitalismo que abjuram e ficariam sem possibilidade de serem ouvidos, pagos e tolerados!

– As eleições presidenciais francesas são um dos melhores repositórios de ovos de cuco, pois a extrema-esquerda confere aos inimigos da extrema-direita a capacidade de aspirar ao poder, usando estratégias idênticas para possíveis resultados mais ou menos iguais, se bem que nem todos se deixarão enganar, agora pelos cantos da sereia má!

– Com quantos e tão subtis disfarces se tenta ludibriar os mais incautos na convivência social e cultural, pois diz-se em palavras o que facilmente se contradiz com atos e comportamentos: milhentas formas de corrupção se vão alimentando com palavrinhas mansas, embora sejam arietes de maledicência e de ruindade…até à hora em que se descubra a tramoia.  

– Esta cultura de cucos parece ser favorecida logo desde a mais tenra idade, onde os mais novos conseguem com choraminguices, birras e tropelias conquistar e manipular os mais velhos, tanto os pais como os avós…Bastará atender às reações nos jardins-de-infância e perceberemos a ‘universidade’ de tantos pequenos heróis.

Com efeito, é muito pior a psicologia do cuco do que a da coruja, pois esta, embora vendo os filhos feios com os seus olhos embelezados, aquele serve-se do esforço e do trabalho alheio para conseguir os seus objetivos, por vezes, embebecidos na recolha dos frutos e não na assunção do trabalho correto e necessário.

A natureza ensina-nos tantas coisas e dá-nos tantas lições. O problema é nós sermos capazes de as entendermos e de vivermos em conformidade com as lições ensinadas e aprendidas. 

= E nem mesmo o ‘jogo da baleia azul’ tem servido para que reflitamos sobre as influências que estão a ser lançadas nos mais novos. Por esse mundo além vemos imensos casos de adolescentes e de jovens que entram nesta espiral de agressividade, já não somente para com os outros, mas cada um para consigo mesmo. Ora, se alguém não gosta de si, se despreza a tal ponto o seu corpo que é capaz de se mutilar – sabe-se lá sob que influências e de quem seja o comando! – estaremos a entrar numa crise de repercussões impensáveis sobre a nossa cultura e quanto a representa e simboliza.

Mais uma vez a psicologia do cuco faz com que sejam semeadas tendências perigosas e que poderão fazer com que, muito em breve, não saibamos quem é quem, neste emaranhado de conjeturas, de oportunismos e de sem-sentido de vida…

Não será este pretenso ‘jogo’ um grito surdo contra a falta de valores com que temos vindo a educar os nossos mais novos? Demos-lhes coisas, mas não amor e atenção. Demos-lhes conforto e regalias humanas, mas não os colocamos a olhar para o Alto e para o lado, respetivamente, para Deus e para os outros. Basta!     

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Os sete concelhos poderosos…dos 26 mais ricos


Lisboa, Porto, Sintra, VN Gaia, Cascais, Oeiras e Loures registam o maior poder de compra conjunto (26%) do resto dos concelhos do país… Estes sete concelhos perfazem apenas um por cento do território nacional… Se a estes dados acrescentarmos que 26 dos concelhos com maior capacidade de compra se situam no litoral podemos ver ainda melhor que somos um país assimétrico, desigual e desnivelado nas oportunidades.

Estes dados fornecidos por uma empresa de estudos em marketing e estatística apresenta-nos alguns dados reveladores da importância das próximas eleições autárquicas, tanto dos concorrentes, quanto do significado das vitórias pessoais, políticas e económicas.

Eis a lista dos 26 concelhos mais ricos, causas e possíveis consequências:

Zona norte: Braga, Barcelos, Famalicão e Guimarães;

Grande Porto: Maia, Matosinhos, Porto, Gondomar, VN Gaia e SM Feira;

Zona centro: Coimbra, Viseu e Leiria;

Área metropolitana de Lisboa: VF Xira, Loures, Odivelas, Amadora, Sintra, Cascais, Oeiras, Lisboa, Almada, Seixal e Setúbal;

Algarve: Faro e Loulé.

Vejamos alguns números que ilustram a relevância destes concelhos no espetro nacional: são 6% do território nacional, incluem 45% da população residente, ocupam 26% do parque habitacional, têm 44% das dependências bancárias, perfazem 45% do consumo de eletricidade, absorvem 70% dos médicos e nelas se situam 46% das empresas nacionais…

= Questões (quase) mínimas se nos devem colocar perante estes dados dum país (tão) inclinado para o mar, que abandona o interior e atende, essencialmente, às reivindicações dos autarcas minoritários:

- Não teremos andado, particularmente após a revolução de abril, a engordar os ricos e a esfolar os mais pobres?

- Os equilíbrios e as alternâncias no governo das autarquias favoreceram ou prejudicaram as populações mais desfavorecidas?

- Será que só muda quem ocupa o lugar ou este faz as pessoas serem iguais na presunção?

- Onde está a igualdade de oportunidades, se os favorecidos moram sempre na mesma rua, avenida, largo ou praça…empurrando para fora do quintal do poder quem não se digne concordar ou, simplesmente, calar-se com uns subsídios de circunstância?

- Porque têm memória tão curta os prejudicados pelo favorecimento dos ricos, quando se dizem com raízes noutros espaços que não esses onde são bafejados pela sorte ou cumulados de proveitos mesmo sem tal cultivarem?

- Porque será que os que são de fora deste círculo de interesses autárquicos não conseguem ultrapassar certos complexos de inferioridade, tanto dentro dos seus partidos como no conjunto da governação nacional?

- Agora que já fizeram quatro anos de ‘nojo’ fora do poder porque ressurgem certas figuras a candidatarem-se aos mesmos postos? Será por serviço ou por conveniência de protagonismo?

= Diante do espetro sócio-económico dos 26 concelhos mais ricos e, se reduzirmos o zoom, ficarmos nos sete mais relevantes, agora se compreende que as notícias surjam quase sempre destes espaços, relegando para o esquecimento os outros trezentos e tal…mais pobres ou descapitalizados de população e do resto das necessidades mais básicas. Dá a impressão que uns tantos que deambulam por tais cenários já não conseguem pensar doutra forma e nem a dita ‘defesa das populações’ nos convence a nós, quantos mais a eles!

Urge, por isso, fazer uma séria reflexão sobre as causas de termos chegado a este beco, pois parece que ele não tem saída, na medida em que se vai prolongando no poder – veja-se o impedimento de mais de três mandatos consecutivos – quem a ele se afeiçoou e com dificuldade se consegue distinguir o lugar da pessoa, dando a impressão de que vivemos numa oligarquia dos menos maus, sustentada pelos acomodados, que já nem votam, pois as mudanças podem ofuscar o pouco feito…dizemo-lo em tantos dos municípios das periferias daqueles 26 mais relevantes… Em breve seremos chamados a pronunciar-nos, não fiquemos em casa!

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 1 de maio de 2017

Não somos todos trabalhadores?


Em certas datas e efemérides podemos perceber um tanto melhor como há termos e conceitos que podem estar (mais ou menos) distorcidos, senão mesmo manipulados, por preconceitos e formas enviesadas de ler, de dizer e mesmo de compreender.

Ora, ‘trabalhador’ é uma dessas palavras e conceitos – mesmo que ‘trabalho’ possa ser menos discordante segundo as ideologias e as mentalidades – que cada qual usa segundo lhe possa convir e servir como que de arma-de-arremesso contra outros que pensem de forma diferente… 

= Se recorrermos a uma definição (descritiva) da wikipédia lemos: ‘trabalhador é um termo amplo que inclui todo aquele que vive do seu trabalho – isto inclui o escravo, o servo, o artesão e o proletário. Na atualidade, o trabalhador é considerado legalmente (formalmente) como todo aquele que realiza tarefas baseadas em contratos, com salário acordado e direitos previstos em lei. No caso de voluntariado, trabalha-se em instituições sem fins lucrativos, não sendo, portanto, assalariados’.

Se tivermos ainda em conta os qualificativos que podemos acrescentar a trabalhador, encontramos: por conta de outrem, independente, liberal…tendo em atenção a profissão desempenhada… atendendo ao local onde trabalha…em conformidade com a tarefa assumida…numa visão mais pessoal ou mais comunitária…numa leitura materialista ou com incidência espiritual… Ora, podemos e devemos considerar-nos todos – duma forma ou doutra – trabalhadores, isto é, construtores dum mundo mais humanizado e onde cada um de nós colabora como coo-criador com Deus criador. 

= Diante desta visão mais abrangente do que é costume de trabalhador, a quem interessa afunilar a aplicação do termo só a quem faz algo pago e/ou em função duma (quase pretensa) exploração? Não teremos sido excessivamente instruídos numa perspetiva dialética de trabalho? Trabalho não deverá ser entendido muito para além das mais-valias que gera quem paga? Não há tanto trabalho que não tem paga e nem por isso deixa de ser uma atividade humana digna e dignificante de quem a executa? 

= Não podemos continuar a permitir que haja uns tantos, habilidosos na arte de manipular, que queiram assenhorear-se de conceitos e de termos que são património da toda a humanidade. Ora, o trabalho é um desses termos que faz de cada um de nós participante na obra da criação de Deus, completando no hoje de cada momento da história o que nos está confiado por missão divina e tarefa humana.

Também, por isso, é grave a preguiça, a exploração duns pelos outros, o trabalho não-devidamente pago, a falta de segurança no trabalho, a discriminação entre trabalho executado por homens e por mulheres, o menosprezo por certas profissões, pretensamente secundárias, a apropriação indevida do trabalho infantil, o prolongamento da dependência dos outros (subsídios, abonos ou benesses) para além do tempo necessário…

Embora tenham (já) exercido uma benéfica função, os sindicatos que hoje temos estão ultrapassados na forma e no conteúdo, pois continuam a ser, muitas vezes, correias de transmissão de partidos políticos e, nalguns casos, comportam-se mais como caixas-de-ressonância de interesses ideológicos mais subtis… E o pior é que só funciona num sentido! 

= Agora que não é preciso tanto tempo de trabalho para produzir, torna-se urgente refletir sobre a valorização da pessoa humana para além do tempo estrito de trabalho – dizemo-lo no dito remunerado. Não são precisas tantas horas de trabalho para conseguir idênticos resultados aos alcançados há décadas. Não poderemos, no entanto, concordar com a pretensão de menos horas de trabalho com mesmos rendimentos, pois correr-se-ia o risco de acumular horas de trabalho em vários empregos. Culturalmente temos muito a ganhar e a fazer melhor! Os sindicatos, as autarquias, as associações e coletividades, as igrejas e outras agremiações de âmbito sócio-cultural têm uma palavra a dizer antes que seja tarde.

Porque somos, de facto, todos trabalhadores precisamos de nos unirmos mais do que para reivindicar para construirmos uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais solidária…dando cada qual o seu contributo!         

 

António Sílvio Couto