Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

‘Pecados de estimação’


Há dias escutei – ouvi, refleti e propus-me vivenciar – esta expressão: ‘pecados de estimação’. Pensei que isso era só do foro interior, mas dei-me conta que há também ‘pecados de estimação’ de âmbito social, político, económico, público, na comunicação social, na cultura…

Se tivermos em conta esta expressão ‘de estimação’ vem-nos à memória o tratamento de certas pessoas para com os seus animais de estimação, que, muitas vezes, fazem como que parte da família e tornam-se até referência afetivo-psicológica. É, pois, diante deste tipo de vivência que poderemos encontrar algumas dessas incidências e implicações… mais ou menos conscientes e/ou consciencializadas.

= No trato social há situações em que os ‘pecados de estimação’ convivem com tolerâncias de natureza corrente, tais como um certo manto de silêncio em volta do fenómeno desportivo, sobretudo quando se atende, particularmente, à dimensão do futebol… muito se suspeita, mas quase nada se denuncia e tão pouco corrige… e não está em causa qualquer versão clubística.

= No campo político parece que certos ‘pecados de estimação’ lançam diatribes contra os adversários, mas esquecem-se os malabarismos dos adeptos… continuando a ser vivida uma espécie de corrupção sem quartel, embora possa haver militantes que coadjuvam as pretensões intentadas, sobretudo, em maré de campanha eleitoral ou de aproximação ao poder…todos parecem sérios, mas falta prová-lo…de verdade.

= Nas tarefas económicas (empresariais ou financeiras, privadas ou públicas) temos vivido sob uma razoável caraterização de ‘pecados de estimação’, onde o economês se faz linguagem exotérica para ludibriar os mais ambiciosos… Temos visto isso nas crises recentes de várias entidades bancárias, onde só muito tarde se descobrem os enganos… embora se pague a fatura de querer ser rico… mesmo sem grande trabalho. 

= No âmbito da comunicação social vemos, por vezes, ‘pecados de estimação’, onde certos temas são tabus e outros são recorrentes duma tolerância mais ou menos intolerante… onde o tema da vida – sobretudo tendo em conta a visão cristã entre a conceção e a morte natural – tem obstáculos de comunicação e de aceitação… suficiente. Luta-se pela liberdade de expressão, mas parece que esta deve ter uma coloração, desde que se possa atacar (nalguns casos é mesmo ofender) quem tenha fé ou se diga crente em Deus… 

= Na dimensão cultural, há ‘pecados de estimação’ onde cada vez mais se sente menos a possibilidade de a pessoa humana ser o centro das questões éticas, veiculadas mais a partir de conceitos de género do que da riqueza na diversidade pela complementaridade entre homem e mulher… Nem mesmo a longevidade está isenta de preconceitos e até se nota uma mudança de linguagem onde cada pessoa se tornou ‘cliente’ e não alguém com rosto e identidade personalizada!

= Claro que não pretendemos entrar no foro pessoal, onde os ‘pecados de estimação’ revestem a faceta de modo de ser, de feitio ou de personalidade, de vícios legais ou legalizados, de formas de comportamento ou de educação… corrigindo-se e deixando-se corrigir pelos outros. Se permitíssemos que aqueles/as que vivem connosco fossem aferindo, fraternalmente, os nossos ‘pecados de estimação’ talvez as nossas famílias, as nossas paróquias/comunidades e igrejas, bem como a sociedade em geral tornar-se-iam mais humanas porque mais fraternas, solidárias e cristãs, já.

Será quando formos capazes de discernir os nossos ‘pecados de estimação’ que algo irá mudar, seja pela conversão pessoal, seja nas consequências duns para com os outros. Com efeito, precisamos de sair – como agora se diz – da nossa zona de conforto e, tantas vezes, o pecado coloca-nos num certo conforto ou mesmo comodismo e acomodação. Assim sejamos audazes e humildes…

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Os que lutariam pela Pátria


Um inquérito recente – ‘se houvesse uma guerra que envolvesse o seu país, estaria disposto a lutar pelo seu país?’ – recebeu como resposta afirmativa: na Europa ocidental de 25% dos inquiridos e em Portugal a prontidão para lutar em defesa da pátria seria de 28%.

Vejamos, no entanto, respostas de outras latitudes: Médio Oriente e Norte de África – 77%; Ásia – 71%; África – 56%; Europa de Leste – 54%; América – 48%; Oceânia – 40%.

Poder-se-á fazer a leitura de que quanto melhor for o nível de vida (dentro de certos parâmetros culturais) e mais direitos, liberdades e garantias são dadas aos cidadãos parece que menos estão dispostos a lutar por eles…Nota-se ainda que fora dos esquemas europeus o conceito de Estado-Nação continua vivo e recomendável até para a sobrevivência dos mesmos.

Não deixa de ser ainda mais sintomático que na bacia do Mediterrâneo se encontram os extremos do empenho em lutar pela sua pátria – no Médio Oriente e Norte de África encontramos o mais alto e, em contrapartida, o mais baixo nível de patriotismo se situa na Europa Ocidental… com Portugal incluído. Parece que mais uma vez o ‘mare nostrum’ divide em vez de unir!

Algumas questões (leituras, inquietações e desafios) que poderemos colocar à nossa aparente quietude lusitana:

- Os três quartos dos portugueses não dispostos a lutar pela pátria não sentem que vale a pena ser português? A que se deve este desinteresse e acomodação? Que tem falhado na construção do nosso patriotismo?

- Não será que estamos muito empanturrados de coisas materiais e que nos faltam ideais de vida e de conquista?

- Não estaremos a viver num capitalismo coletivista, que usufrui de tudo e não luta por nada?

- Com o terminar do ‘serviço militar obrigatório’ não deixamos os mais novos sem referência à disciplina e sem espírito de companheirismo ou/de camaradagem? A quem foi conveniente tal decisão? Não estaremos a pagar já muito caro tal afronta à Pátria?

 Nada me move pelo espírito belicista nem tão pouco militarista, mas os dados sobre Portugal – só 28% estariam capazes de lutar pela defesa da Pátria – deve questionar todos, desde os educadores até aos políticos, passando pelos ‘fazedores-de-opinião’, a comunicação social, as igrejas, as instituições culturais e associações e coletividades… Afinal, é na aferição do interesse comum que está a ferida maior que tais dados denunciam. Com efeito, o egoísmo (pessoal ou de grupo), a indiferença aos outros, a rivalidade de direitos no esvaziamento dos deveres, na imposição da liberdade sem responsabilidade, no ‘safe quem puder’ mesmo que isso seja em meu favor… e tantos outros comportamentos revelam e são reveladores do estado de colapso a que fizemos chegar a nossa cultura ocidental.

- Egoísmo pessoal e de grupo – se é dos meus é bom, se pensa diferente é quase considerado inimigo. Uma boa parte das pessoas nada faz desinteressadamente. Em muitos casos as pessoas são usadas enquanto são úteis, depois tornam-se descartáveis… 

- Indiferença aos outros – com alguma normalidade temos sido empurrados para o conceito de pessoa-objeto, por vezes valendo mais a atenção aos animais do que aos humanos. Ora, uma sociedade será tanto mais humana quanto mais cuidar dos frágeis e fragilizados… Mas não é isso que vemos e tantas vezes cultivamos…

- Direitos e deveres nem sempre estão equilibrados, pois aqueles sobrepõem-se a estes e fazem com que os (ditos) ‘direitos adquiridos’ se tornem conquistas irreversíveis, mas em que tantas delas foram resultado de manipulações e de lutas de classe nem sempre corretas e sensatas… ontem como hoje.

- Liberdade e responsabilidade têm de ser dois pesos equilibrados, pois uma sem a outra revertem em ditadura senão conseguida ao menos na forma tentada… Nem tudo me é permitido fazer livremente, pois a minha liberdade poderá colidir com a dos outros e eles tem o mesmo direito de a usufruir como eu. Pela responsabilidade se mede a maturidade duma pessoa ou dum povo… e, pelo que temos visto e ouvido, ainda há muita gente imatura a governar – ou pelo menos em lugares de governo – neste país e nesta Europa ocidental.

  

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Sedução do jihadismo… sobre os jovens


Temos ouvido e nalguns casos vistos grupos de jovens ocidentais que se deixam fascinar pelo jihadismo… essa força de combate de inspiração muçulmana, que luta pela implantação dum ‘estado islâmico’ – por agora no próximo Oriente, mas que pretende restaurar o grande califado na bacia do Mediterrâneo – com implicações na Europa…

Para já têm cometido várias execuções de elementos de países ocidentais ou que participam na contestação às suas pretensões… As notícias que nos chegam são macabras, tendo em conta a agressividade e mesmo os critérios de chacina de uns tantos contra outros (muitos deles cristãos) que não sejam nem aceitem as obrigações em ‘converterem-se’ a ser muçulmano…

- Mas que faz com que tantos rapazes e raparigas – muitos na flor da idade – de países ocidentais a integrem as fileiras das forças jihadistas?

- Donde são provenientes, dentro da cultura ocidental, esses recrutados/as? Não são filhos de ricos?

- Como se explica, de forma razoável, que deixem tudo para se tornarem executores/as de algo que nos repugna?

- Quantos/as serão esses/as que deixam os ‘confortos’ ocidentais e vão lutar até à morte sua e a dos outros?

- Que se passa com os jovens ocidentais e americanos para serem tão anódinos, incolores e acríticos?

= Sinais

Estas e outras questões me têm surgido até por comparação com a decisão de outros rapazes e raparigas que partiram – usamos este tempo verbal com tristeza e inquietação – em missão, levando a mensagem cristã a tantos outros povos, nações e culturas… Lembramos São João de Brito e tantos/as que ainda hoje – podemos vê-lo, sobretudo, nas revistas missionárias – partem em atitude de entrega e de serviço a Jesus pela Igreja… ao menos durante algum tempo das suas vidas.

Não deixa de ser profético que o Papa Francisco tenha convocado o ‘ano da vida consagrada’ neste contexto de fervor jihadista como que contrapondo a dinâmica de jovens que entregam a vida por causas, lutas e ideais em contraste com aquilo que se pode considerar um certo abaixamento de vocações religiosas… Há congregações femininas que estão a fechar por falta de vocações… Não deixa de ser sintomática ainda a mudança de alguns religiosos-padres para a vida pastoral diocesana…

= Desafios

Escrevo esta pequena reflexão em dia de 4.ª feira de Cinzas… com a qual se dá início à Quaresma. Ora, para muitos dos nossos concidadãos que significará a ‘quaresma’? Em tempos não muitos remotos, em França, fizeram um inquérito sobre o que era e o que significava a ‘quaresma’… Para que fosse entendida a questão tiveram de traduzir: é como se fosse o ‘ramadão cristão’. Com efeito, sobre o carnaval quase todos sabem o que se faz, mas, possivelmente, nem sempre se sabe a sua origem. Ora, o carnaval foi feito para a quaresma e não esta para aquele. De facto, para que se vivesse em força a penitência quaresmal houve a necessidade de abrir em folga num tempo anterior à quaresma. Hoje, no entanto, vivemos a folga, mas não vivenciamos a penitência nem o espírito da mesma.

Oxalá – ‘queira Alá’ – conseguíssemos viver um pouco à semelhança dos muçulmanos a força da Quaresma como eles vivem o Ramadão… Não é muito difícil vermos pessoas que fazem dietas e regimes alimentares para emagrecer – pela saúde ou pela estética – mas que regateiam um pouco de sacrifício espiritual, psicológico e físico em ordem a um bom acolhimento da Palavra de Deus, dos gestos de partilha e da comunhão com os que sofrem…só durante quarenta dias!

Estamos todos a precisar de um tempo de maior aflição – queixamo-nos da ‘crise’, mas as viagens e os lugares de diversão estão sempre cheios e são caros! – em ordem a sermos educados na prevenção e na contenção dos exageros da vida atual, bem como dos veludos e cetins com que nos acomodamos. A Quaresma é já uma oportunidade. Vamos aproveitá-la?

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Equívocos… à portuguesa


As declarações do Presidente da República geraram, por estes dias, alguma controvérsia numa demarcação do caso português e das pretensões dos gregos.

«Para além do empréstimo que fizemos à Grécia de cerca de mil e 100 milhões de euros, Portugal tem vindo a transferir para a Grécia… muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses», rematando em jeito de conselho: ‘a solidariedade tem de vir ao lado da responsabilidade’ por parte do governo grego recentemente eleito.

Perante estas declarações logo surgiram invetivas de setores da (dita) esquerda, reclamando um responsável socialista que aquelas ‘declarações procuram humilhar o povo grego e o governo grego’… repisando que, o PR procura ‘humilhar e desconsiderar países parceiros e amigos e os respetivos governos’… Houve quem reagisse dizendo que aquelas declarações são ‘perigosas porque seguem alinhamentos populistas dos egoísmos nacionais’…

Nota-se que a Grécia faz fervilhar mentes eivadas de preconceitos ideológicos… em Portugal. No entanto, nesta mistura de posições, surgiram-me algumas questões, que passo a enumerar… mesmo sem hierarquia das dúvidas e inquietações:

- Será crime de lesa-pátria o PR defender prioritariamente os interesses (dos) portugueses?

- Não foi por desentendimento em elegerem o seu PR que os gregos entraram nesta caixa de pandora?

- Por que será que temos sensação de que ser caloteiro compensa… lá como por cá?

- A esquerda repudia o patriotismo ou serve-se dele (sobretudo nos cartazes de propaganda) quando lhe dá jeito?

- Vamos deitar a perder os sacrifícios de três anos, em Portugal, com solidariedades de conveniência?

- Será que o povo não tem memória para saber distinguir quem o enganou, ontem como hoje?

- Perante certas mudanças de opinião – normalmente colando-se aos vencedores – ainda haverá credibilidade para se apresentar com um mínimo de creditação?

 Há quem reclame que a Grécia, como berço da democracia – isso foi há quantos séculos? – deve merecer um tratamento especial no contexto da sua crise de pagamento dos compromissos assumidos. Isto seria o mesmo que dizer que a Inglaterra – berço do futebol – deve merecer um tratamento especial nos casos em que o dito desporto tenha competições!

Neste como noutros casos – sociais, políticos, económicos, culturais ou religiosos – as questões são, por vezes, tratadas mais na linha ideológica do que numa compreensão racional (sem ser meramente racionalista), ofuscando nalgumas mentes a capacidade de se pôr em causa e de reconhecer que não se sabe tudo e que, possivelmente, a nossa esperteza é ultrapassada pela inteligência de tantos outros, que, pensando de forma diferente de nós, nos podem ajudar a perceber outra perspetiva dos problemas… Humildade a quanto obrigas!

Efetivamente a Europa – seja na União, seja no conjunto das nações, povos, línguas e culturas – é um puzzle complexo e não podemos reduzir-nos aos alinhamentos históricos ou circunstanciais, pois foi essa política que fez o Continente viver duas ‘guerras mundiais’, experienciar os blocos (leste/oeste) e criar redes de interesses nem sempre os mais corretos e sensatos…

Precisamos, por isso, na Europa de líderes que sejam homens/mulheres de visão… muito para além do perímetro de si mesmos/as. Precisamos de procurar mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa, não deixando que o dinheiro se torne um deus sem pátria nem religião.

Neste contexto de refundação da Europa precisamos de pessoas inteligentes e sábias, onde a humildade e a verdade sejam critérios de vida e não meros conceitos éticos de recurso.

O que dizemos da Europa, por muito mais razão o referimos em relação a Portugal, pois já temos (tivemos) a nossa dose de cobardes e de traidores!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Igreja – comunidade – cada fiel


Na mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco aborda a temática da globalização da indiferença… enquanto desafio de caminhada em três dimensões tão próprias da essência do cristianismo, particularmente na manifestação do catolicismo: a Igreja, as paróquias/comunidades e cada um dos fiéis.

Desde logo este tríptico de abordagem tem uma incidência trinitária e faz, na perspetiva prática, com que vivamos centrados naquilo que pode e deve manifestar a dinâmica de conversão tão específica do tempo quaresmal.

Subordinada ao tema – ‘Fortalecei os vossos corações’ – respigamos alguns aspetos da mensagem papal e deixamos breves questões.

1. «A Igreja é communio sanctorum, não só porque, nela, tomam parte os santos mas também porque é comunhão de coisas santas: o amor de Deus, que nos foi revelado em Cristo e todos os seus dons; e, entre estes há que incluir também a resposta de quantos se deixam alcançar por tal amor».

Nesta citação da mensagem do Papa podemos ver a força de comunhão que é a Igreja e como, através dela, se deve manifestar a exigência da comunhão entre todos os membros desta Igreja ‘santa dos pecadores’. Neste corpo que é a Igreja não pode ter lugar ‘a tal indiferença que, com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações’.

- Não será que, muitas vezes, na Igreja vivemos uma atroz indiferença para com aqueles que celebram connosco a mesma fé e, particularmente, a eucaristia?

- Não precisaremos de desenvolver novos métodos de acolhimento – desde os serviços até às celebrações – por forma a deixarmos de ser anónimos entre a multidão?

- Não será preciso cuidar mais dos gestos de fraternidade do que andarmos a entreter-nos em campanhas de solidariedade?

2. «Cada comunidade cristã é chamada a atravessar o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres e com os incrédulos. A Igreja é, por natureza missionária, não fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens (…). Como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta, particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença».

Esta nova etapa de reflexão papal obriga-nos a bater no próprio peito, reconhecendo mais os nossos erros do que apontando as faltas alheias. Precisamos de ultrapassar aquilo que o Papa designa de ‘fronteiras da Igreja visível’, unindo à Igreja do Céu na oração e pelo paciente testemunho de que Deus não condena ninguém e nós não o devemos fazer tão pouco.

- Queremos, nesta Quaresma, deixar vencer, em nós mesmos, ‘a indiferença, a dureza do coração e o ódio, graças à morte e ressurreição de Jesus’?

- Como poderemos manifestar a vitória da paz e da reconciliação, feita vivência e sacramento de vida?

3. «Também como indivíduos temos a tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e de imagens impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo tempo toda a incapacidade de intervir. Que fazer para não nos deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência?»

Diante desta pergunta, o Papa Francisco responde com três indicações:

- através da oração, concretamente com a jornada de oração de 13 e 14 de março…na diocese de Setúbal vamos viver, em cada vigararia, as ’40 horas de adoração ao SS.mo Sacramento’… para muitos será uma novidade, que esperamos seja importante na caminhada celebrativa dos quarenta anos de Diocese;

- com gestos de caridade, tanto para quem vive perto de nós como mais ao longe;

- pela comunhão no sofrimento do próximo, vivendo-o como apelo à conversão, ‘porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos’.

Boa caminhada de Quaresma de coração aberto a Deus e aos outros e reconciliados em Igreja!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Numa cultura de afirmação do indivíduo



Escutei, por estes dias, uma observação pertinente e razoavelmente sábia: Quando uma família se aproxima dos serviços de uma paróquia para pedir o batismo, é habitual ouvir-se - temos de ver se a pessoa está bem consciente daquilo que vai fazer e, nos casos de crianças, se os pais/padrinhos estão conscientes daquilo que isso significa nas suas vidas de cristãos… Por vezes, as pessoas que procuram os serviços da paróquia ainda acrescentam que toda a família foi batizada e que esta pessoa (criança ou adulto) também pretende sê-lo no devido tempo…

Esta resposta tem tanto de simples quanto de complexa, pois, se a Igreja realça, teoricamente, tanto o papel da família como é que quer acentuar a função do indivíduo na receção do batismo? Como se concilia, então, a vertente pessoal sem agravar a dimensão comunitária (onde a família se enquadra)? Como se pode, por isso, enquadrar a perspetiva individual na afirmação comunitária e vice-versa?

Antes de mais temos de nos situar na transformação das dinâmicas sociais onde a família se insere. Vivemos numa cultura da afirmação do indivíduo enquanto existência pessoal. De alguma forma poder-se-á dizer que a célula da sociedade não é mais a família – como tantas vezes a Igreja tem dito – para constatarmos que a célula da sociedade passou a ser o indivíduo com todas as implicações que isso tem trazido à nossa cultura hodierna.

Estamos, assim, diante da afirmação do indivíduo em relação a outros aspetos que envolvem a pessoa humana e onde as linguagens têm vindo a exacerbar o ‘eu’ em confronto com o ‘nós’, seja ele o mais simples como a família ou mesmo outros conceitos do ‘eu coletivo’, como a nação ou mesmo a Igreja.

= Os meus direitos e os teus deveres

Nesta cultura de afirmação do indivíduo vemos serem afirmados mais os direitos do que os deveres, criando-se uma espécie de fragmentação global dos laços sociais, notando-se esta espécie de crise na família em particular: os diferentes elementos constitutivos – marido/esposa, pais/filhos, ascendentes/descendentes – vivem mais uma cultura do consumo, onde cada um é, simultaneamente, consumidor e mercadoria.

Cada pessoa/indivíduo procura mais a realização de si mesmo – naquele princípio da filosofia: ‘torna-te o que és’ – do que a conjugação com os outros que consigo vivem e convivem. Tudo isto exige das instituições sociais uma forte capacidade reformadora e de transformação, tanto de si mesmas como das pessoas que nelas participam.

Lemos por estes dias uma breve estória que reflete, quase de forma anedótica, esta constante necessidade de autoavaliação e de reforma, tendo em conta o significado original deste termo: voltar à forma inicial.

Um padre/pároco chegou a uma terra onde havia muitas pessoas sábias e autossuficientes, sabedoras de tudo e que não ajudavam os outros, pois cada um vivia mais os seus interesses do que as necessidades dos outros.

Depois de fazer o diagnóstico sobre a resposta a dar àquela paróquia… o pároco convocou, para o dia de sábado santo, o ‘enterro da paróquia’.

Ninguém sabia quem era o defunto… mas todos acorreram para o funeral.

Na capela-mor da igreja lá estava o caixão com velas e outros adereços de funeral… e até havia música ambiente… e o ‘requiem’ de Mozart… como música de fundo.

Chegados ao velório foram convidados a despedirem-se do ‘defunto’… e, um a um, cada um dos paroquianos foi-se aproximando do caixão… Nele havia um espelho, onde cada um via a sua imagem e aquilo que era, o que vivia e, sobretudo, como vivia em relação aos outros!

Ali estava o retrato dos egoísmos e dos interesses de cada qual… diante de si e em frente aos outros.

Ainda estamos em tempo de modificar o modo de ser e de estar, tentando ver as questões mais na lógica do comunitário – família, Igreja, nação, etc. – do que na mera afirmação do indivíduo…

 

António Sílvio Couto