Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 15 de março de 2024

Adoramos pobrezinhos, é pena é o cheiro

 




Uma cantora bastante badalada na nossa praça resumiu a sua avaliação dos resultados das eleições do passado dia 10 de março e lançando um slogan para quem venha a governar: ‘adoramos pobrezinhos, é pena é o cheiro’!

Algo ainda mais encriptado foi a ligação que ela fez àqueles, da sua família, que se sacrificaram e fizeram a revolução de abril, deixando escapar a observação: ‘ receio que a coragem se tenha vindo a gastar com o tempo e tenhamos dado a liberdade como garantida’.

1. É notório que os resultados das últimas eleições tenham baralhado muitas mentes, sobretudo aquelas que estavam formatadas para ler e interpretar tudo em quadro de esquerda ou a roçar a grelha dialético-marxista mais primária. Para muitos sempre assim foi e para eles sempre assim seria. Boa parte da comunicação social tem vivido com esse esquema subjacente e tirá-lo da execução ‘literária’ confunde e quase aterroriza. São todos muitos democratas, mas seguindo a sua cartilha e devocionário de preferência… há anos!

2. Efetivamente fizeram de nós – como povo e, na sua linguagem, como indivíduos – uma espécie bem comportada, se guiada pelos clichés de ‘direita’ e de ‘esquerda’, como se isso resolvesse todos os problemas das pessoas. Estas, por vezes, funcionam como números e, ocasionalmente, têm rosto se se lhes pretendem impingir algum produto pré-fabricado na empresa do Estado.

3. De forma séria e sensata precisamos de voltar a questionar os interesses que motivam tantos dos agentes políticos – seja qual for a instância – na medida em que se notou, na noite eleitoral, que muitos viram esvair-se o seu lugar de emprego ou a perderem as benesses adquiridas em tempos de maior fulgor da sua ideologia. De facto, foi revelador do que estava em causa nas eleições de 10 de março, as imagens e as palavras e ordem dos dois maiores partidos em concurso: uns clamavam por ‘Portugal’ e outros suplicavam pelo seu ‘partido’… Os resultados mostraram as pretensões!

4. Estamos e estaremos por muitos meses, até que chegue o tempo de voltar a haver eleições, num impasse. Parece que ninguém tem razão e todos se acham senhores de se apropriarem desses que dão votos e fluam ao sabor dos acenos malfazejos: os tais ‘pobrezinhos’, mesmo que cheirem mal, sejam incómodos com as suas exigências e reais direitos ou não exibam o perfume que nos consola e inebria. Confesso que me cria admiração e ao mesmo tempo repulsa ver que muitos dos agentes políticos sejam tão hábeis disfarçados para se manterem no poder…

5. Mais uma vez me vêm à lembrança os números da pobreza, o valor do salário mínimo, a demonstração do vencimento médio e o (pretenso) nível de vida dos portugueses. Adicione-se a isso a vaga de migrações – os que chegam e os que partem – com a particularidade de já haver muitos portugueses que não fazem certos serviços, deixando-os para os que chegam e são mais mal pagos.

[Nota de arrepio]

Estava a escrever este texto quando tive de ir a Lisboa esperar uma pessoa que vinha de Coimbra. Segundo o telefonema, o senhor chegaria à ‘estação do Oriente’… Preveni o tempo suficiente de estar no local de chegada. Porque tinha espaço resolvi dar uma volta pelo ‘mundo’ em redor… Desci umas escadas que davam acesso ao metro e sob a estação do caminho-de-ferro. Surpresa: de repente dei comigo diante de mais de duzentos metros de pessoas, de um de outro lado, da longa galeria numa espécie de camas, onde se viam pessoas enroladas, era por volta do meio-dia, outros zicando o telemóvel e tantas ‘camas’ à espera de quem venha ocupá-las na hora do sono… Todos passavam impávidos e serenos como se aquelas pessoas – muitas delas migrantes – acolhendo-se à sombra do anonimato e longe dos holofotes dos interessados nos pobres.



António Sílvio Couto

terça-feira, 12 de março de 2024

CHEGA - Como Havemos de Entender Grande Aluvião?

 

O dia 10 de março vai passar a constar nas datas significativas da política portuguesa, pois, no ano de 2024, deu-se um forte aluvião sócio-político, quando um partido conseguiu mais de um milhão de votos de forma transversal por todo o país. O que explica que um partido, aceite pelo Tribunal Constitucional em 2019, ano em que elegeu um deputado com 1,29% (67.826 votos); nas legislativas de 2022 conseguiu 12 deputados, com 7,18% (399.510 votos); em 2024, 1.108.764 de votos (18,06%), conseguindo eleger 48 deputados, em todos os círculos eleitorais, à exceção de Bragança?

Este aluvião político chama-se ‘Chega’ e reclama-se de direita, enquanto outros o designam de extrema-direita radical. Embora possa ser visto como um partido unipessoal, pois só o chefe-presidente-fundador brilha e é atacado sem apelo nem desagravo pelos outros concorrentes partidários, a maioria da comunicação social e a quas totalidade dos comentadores, que o diabolizam, não se sabe por medo se por respeito ou, sei lá, por desdém mal digerido. De referir que André Ventura candidatou-se às eleições presidenciais de 2021, tendo conseguido 11,9% (496.773 de votos).

1. Estamos perante algo de alcance social, político e mesmo cultural que nos deve fazer refletir a todos, pois, em Portugal, não podemos reduzir tudo a chavões mais ou menos ideológicos eivados e promovidos por forças que só entendem a sua linguagem e acarinham, preferencialmente, os que são da sua simpatia.
Por uma questão de princípio declaro que não me revejo na leitura, nas propsoats e tão pouco nos métodos deste partido recém-elevado aos píncaros do sucesso...

2. Há temas e questões que foram trazidos à vida pública, por esta formação partidária, que merecem não ser neglienciados ou estaremos a considerar desrespeitosamente quem nele votou, seja como forma de protesto, como afirmação das suas posições ou até mesmo dando a entender que todos contam de forma igual e não há cidadãos mais importantes do que outros só porque pensam de forma diferente de certas maiorias de conveniência...

3. Estamos a iniciar uma nova etapa da nossa democracia, cinquenta anos depois: os eflúvios marxistas que pontificaram durante bastante tempo nota-se que umas tantas esmorecem e, nalguns casos, quase se extinguem. Apesar de serem forças barulhentas - na rua e na comunicação social - precisam de aprender a interpretar os momentos em que já não representam a maioria sociológica.

4. Como sempre é necessário respeitar os outros, mesmo que sejam derrotados. Com efeito, é na vitória que se conhece o estofo moral dos vencedores, mesmo no trato para com os vencidos. Cada vez mais os ciclos políticos são de curta duração e torna-se essencial aprender nas derrotas como fazer destas algo que possa propulsar para outras vitórias. Nitidamente a partir de 10 de março os métodos, os conceitos, as questões e as propostas de todos quantos se pretendam apresentar a serem escurtinados em eleições têm de ser revistos. Ninguém pode dar lições a ninguém, antes todos devem aprender com tantos erros e potenciar algumas das possibilidades atuais e futuras.

6. Mesmo que forma não pretensiosa citamos as Sagradas Escrituras: «Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para colher; tempo para matar e tempo para curar; tempo para destruir e tempo para construir de novo; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para ficar triste e tempo para dançar de alegria; tempo para espalhar pedras e tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar e tempo para deixar de abraçar; tempo para procurar e tempo para perder; tempo para guardar e tempo para jogar fora; tempo para rasgar e tempo para costurar; tempo para calar e tempo para falar; tempo para amar e tempo para odiar; tempo para lutar e tempo para viver em paz» (Ecl 3,1-8).



António Sílvio Couto

sábado, 9 de março de 2024

Eleições em tempo da Quaresma

 

A vivência da Quaresma deste ano está marcada pelo chamamento a votar nas eleições legislativas antecipadas. Desde o princípio de novembro - com a demissão do chefe de governo - que temos estado em ambiente de campanha eleitoral, mas nos últimos dias vivemo-lo com maior intensidade.

Que relação, de fundo, podemos estabelecer entre estas duas realidades, por agora coexistentes? Ambas nos chamam a refletir com maior atenção não quanto ao presente, mas sobretudo quanto ao futuro, Se a quaresma contém o apelo à conversão, as eleições comportam desafios e tomadas de decisão de todos e para cada um.
Olhemos, mesmo que de forma breve, algumas das incidências em vivermos a quaresma com atenção e as eleições com resolução, tendo por referência a Nota pastoral do conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesas, de 20 de fevereiro último, intitulada: ‘Eleições Legislativas 2024: Restituir a esperança aos cidadãos’.

a) Assuntos mais prementes
«Os últimos meses foram abundantes em crises que adensaram a desconfiança dos portugueses em relação às instituições, em particular na esfera política e judicial. Às difíceis condições de vida de tantos portugueses, em especial dos jovens, esta crise de confiança rouba a esperança a tantos que não conseguem encontrar trabalho e, quando o encontram, o seu rendimento é insuficiente para terem uma vida digna: ter habitação, acesso à educação ou dinheiro para pagar as despesas. Vivemos um momento difícil, mas desafiador. Diante das dificuldades, somos convocados pelo momento que o país vive a refletir sobre o que queremos e podemos fazer pelo nosso futuro» (n.º 2).
Tivemos tempo para refletir sobre estes assuntos ou andamos distraídos com ‘acusações’ pouco edificantes de uns contra os outros? Não teremos sido manipulados com certos temas, deixando de fora outros mais essenciais?

b) Responsabilidades
«A responsabilidade é de todos, dos políticos e de quem os elege, dos que definem projetos e de quem faz escolhas, daqueles que apresentam propostas e de quem se preocupa em delas ter conhecimento para votar conscientemente. Escolher quem nos representa no Parlamento é um dever de todos e ninguém deve excluir-se deste momento privilegiado para colaborar na construção do bem comum. A abstenção não pode ter a palavra maioritária nas [próximas] eleições» (n. 5).
Quando, há mais de cem anos, Nossa Senhora se manifestou, em Fátima, disse-nos: não ofendam Deus nosso Senhor que já está muito ofendido! Já tomámos consciência do acrescento de ofensa a Deus nos nossos dias?

c) Compromissos
«Enquanto cristãos, à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, temos a responsabilidade acrescida de participar na vida política e na edificação da comunidade. Somos chamados também a trazer à nossa oração todos os homens e mulheres que servem a política. Votar, de forma esclarecida e em consciência, é uma responsabilidade que decorre da vivência concreta da nossa fé no meio do mundo» (n.º 7).
Ser cristão - católico ainda mais - exige atenção aos outros e, sobretudo, aos mais frágeis. Que esperamos de cultivo de mais valores humanos daqueles em quem vamos dar o voto?

Queira Deus que a esperança seja revigorada nas consequências destas eleições.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 6 de março de 2024

Apesar de tudo, voto sempre no mesmo

 

Na razoável lista de eleições a que fui chamado a votar, votei sempre no mesmo, desde as legislativas (normais ou antecipadas) até às europeias, das autárquicas até às presidenciais, sem esquecer os referendos. Claro que não vou nem devo dizer em quem, mas a minha escolha é única, mesmo quando os candidatos a sufragar não fossem os melhores. Vivi vitórias e derrotas, senti alegrias e deceções, pude sentir esperança no futuro e, noutros casos, alguma desilusão mais ou menos prolongada.

Os dias de ‘campanha eleitoral’ não passam de etapas de um certo folclore eivado de mentiras (mais ou menos subtis) e de propostas (promessas) inexequíveis.

1. Vejamos algumas questões quase intemporais – as eleições não esgotam, antes agudizam que haja modos diferentes de fazer – sobre a temática eleitoral:
- Slogans - alguns com quase cinquenta anos - como estes: Voto a arma do povo; votar - um direito, um dever; não deixei que outros escolham por si, vote; as ‘urnas’ são as verdadeiras sondagens;
- Ideias/sugestões possíveis: incrementar o voto obrigatório; penalizar (nas regalias sociais e de segurança social) quem não vota;
- Desafios para salvaguardar e revigorar a (dita) democracia: mudar o sistema eleitoral, vinculando eleitos e eleitores; ter a coragem de fazer de forma diferente o compromisso político geral e particular, mesmo através da forma de votar, como ‘voto eletrónico’ e outras formas que favoreçam a participação dos cidadãos.

2. Votar exige esclarecimento e não se pode quedar pela mera manifestação de exercer este direito quando se é chamado a fazê-lo. A cultura cívica é algo que nunca está acabada, antes tem de se acertar com novos critérios de esclarecimento e de escolha. A oscilação de tantos votantes de um para outro ato eleitoral dever-nos-ia inquietar, pois querer uma coisa agora e outra amanhã, ou divergir – nalgumas situações de forma contraditória – hoje do que pensava ontem não será abonatório de quem assim procede... mesmo que tente apresentar as ‘suas’ razões.

3. Seja qual for o resultado das eleições de 10 de março, continuaremos a ser mal servidos pelos concorrentes em disputa. De facto, a qualidade humana e cultural tem vindo a decrescer e o país caminha a olhos vistos para ser conduzido ou governado por figuras de terceira linha no conspeto nacional. Faltam-nos personagens que se dediquem ao bem comum por vocação e não por mero interesse. Escasseiam pessoas que põe ao serviço dos outros as qualidades e dons com que foram abençoados por Deus. A religião dos medíocres medra com tal fulgor que, em breve, teremos dificuldade em escolher quem seja colocado à frente das instituições…

4. Muitos dos que ainda andam na vida pública (política) enfermam de uma doença infeto-contagiosa: falam usando uma linguagem que só eles percebem, com termos arrevesados e em conceitos não-entendidos por todos. A onda de comunicação como que se fixou em pequenos clichés que é preciso saber desmontar para que chegue à população. Acima de tudo falta credibilidade nas palavras e nos atos, hoje como ontem.

5. É fundamental para o nosso futuro coletivo que, recolhidas as garras de uns contra os outros, se criem pontes com capacidade de envolver todos os cidadãos na vida da Nação. Basta de enfatizar as diferenças, pelo contrário, precisamos de aproveitar as faculdades de todos para sermos um país com futuro na Europa e no resto do mundo. Há coisas que só a vida ensina. Deixemo-nos conduzir pelas causas mais simples e mobilizadoras… o resto só serve para distrair!



6. A razão vencerá, mesmo que pareça que perdeu! Um país sinfonia cresce e avança…



António Sílvio Couto

segunda-feira, 4 de março de 2024

Manipulação dos comentadores

 

Num tempo que se pretende de esclarecimento temos estado a assistir à prossecução sistemática da aposta dos canais televisivos em discussões sobre a prestação dos entrevistados/debates... estes tinham cerca de trinta minutos, as comentarices dispunham de horas a fio, nos mais diversos canais e sob multíplices leituras. Na maior parte dos casos os comentadores/as escarafunchavam ideias e conjeturas que não passavam pelas palavras dos entrevistados, mas que eles esmiuçavam nas entrelinhas...

1. Uma nova classe ‘política’ parece emergir destes comentadores, sobretudo televisivos, pois boa parte não se exime de mostrar as suas preferências e de acentuar quem mais lhe convém defender ou promover. Alguns com mais habilidades que outros tentam disfarçar que sangue ideológico lhes corre nas veias, outros bastará escutar com atenção os seus posicionamentos contra os que menos lhes agradam para facilmente compreendermos para onde corre o rio da sua simpatia.

2. Desgraçadamente a maior parte desses debates e subsequentes comentários ocorrem nos canais não-abertos, isto é, precisamos de pagar, para além da taxa geral exigida na conta da eletricidade, para sermos esclarecidos com algum cuidado. Em geral as longas horas gastas a dissecar as respostas dos entrevistados em debate ou na intervenção de campanha usam de iniciáticos truques de comunicação: as (pretensas) opiniões dos opinadores arranjam contrários para que pareça que há diferença de perspetiva, mas isso não passa de uma habilidade dos canais de comunicação com objetivos económicos subjacentes... Veja-se o razoável tempo de publicidade que acompanha tais espaços.

3. Mais uma vez se tem pretendido criar um ambiente de dramaticidade nestas eleições, servindo os ditos comentadores/as de aríetes dessa argumentação. Com efeito, haverá vida depois destas eleições, ganhe quem vencer, governe quem ganhar ou consiga criar condições para tal, que nada de novo acontecerá que já não tenha sido visto, nem sequer a repetição - direta ou simulada - da solução de 2015. Por isso, é escusado clamar aos quatro ventos que estas eleições são de fulcral importância. Têm o seu valor, mas nada será de vida ou de morte!

4. Nota-se que os temas em difusão, parecendo que estão em discussão - saúde, educação, habitação, impostos, ordenados e reformas - deixam muito a desejar, não só pela tacanhez de visão como pela afunilação de matérias. Pior ainda quando se continua a passar razoável parte do tempo em ataques dos candidatos, na maior parte das vezes colocando as coisas mais em matérias de caráter do que na discussão das temáticas. Temos andado mais a fixar-nos no acessório do que no essencial. Ora, isso deixará resultados pouco abonatórios de todos e para todos.

5. Como noutras ocasiões vê-se o estrebuchar de algumas forças que pretendem ganhar na rua, por entre protestos e arruaças, aquilo que não tem expressão na contagem final. De certos grupos fica-nos o registo, da convicção com que se exprimem, embora nem sempre na aceitação popular. Nos painéis de comentadores televisivos por lá deambulam uns tantos que vão ganhando os seus proventos por entre os dislates que deixam sair. Pena seja que não possam ser sufragados, embora possamos tirá-los da tela com o comando em riste.

6. Urge saber pensar pela própria cabeça, sem medo nem subterfúgios oportunistas... Afinal, cada um só tem um voto para escolher quem acha que pode concretizar as suas opções.




António Sílvio Couto

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

De mão estendida – até quando?

 


Há dias um responsável de uma ‘Caritas’ diocesana referia: «somos, orgulhosamente uma instituição de mãos estendidas. Estendidas para pedir ajuda em nome dos que mais precisam; estendidas para partilhar o que somos e temos com os mais desfavorecidos das nossas comunidades; estendidas para acolher e cuidar de todos os que depositam na nossa ajuda a esperança de dias mais risonhos; estendidas para prestar contas com transparência e construir caminhos em rede e comunidade».

1. De facto, esta entidade da Igreja católica, que é a ‘Caritas’, precisa da ajuda de todos, ainda mais quando as notícias nos avisam que o risco de pobreza é cinco vezes maior entre os desempregados. Segundo um estudo recentemente publicado o desemprego, a doença e o divórcio são fatores que contribuem para a entrada numa situação de pobreza ou que impedem que se saia dessa condição. Seguindo ainda os dados desse mesmo estudo foram identificados "quatro perfis de pobreza em Portugal": os reformados (27,5%), os precários (26,6%), os desempregados (13%) e os trabalhadores (32,9%)".

2. Quando vemos os vendedores de sonhos em campanha eleitoral sentimos que alguém não vive nem conhece o país real, antes vê e/ou lhes mostram o que pode deixar-nos a triste sensação de mentira contumaz de tantos/as dos políticos profissionais… Como se pode entender que muitos políticos encham a boca com referências aos pobres, quando não fazem nada por dignificá-los, antes os exploram de forma vergonhosa.

3. Já o referimos diversas vezes: os pobres alimentam muita gente em Portugal, pois, se retirarem os pobres da conversa dos politicos, dos sindicalistas e de outros lutadores afins pouco mais ficará do que discursos vazios e, na maior parte dos casos, sem nexo. Outros, fora do circuito do faz-de-conta em que se tornou a nossa vida coletiva, vivem também à custa dos pobres, seja qual for a instância ou a etapa de dependência. Quantas instituições – até no âmbito cristão – se dizem defensoras dos pobres, mas continuam a tê-los presos pela boca. Quantos arautos da igualdade de oportunidades, mas que não promovem convenientemente aqueles/as que lhes dão visibilidade nem mesmo meios de sobrevivência em profissão.

4. Como é possível que quase cinquenta anos depois da ‘revolução de abril’ ainda se fomente, se cultive ou se difunda uma visão acentuada entre ricos e pobres, numa diatribe quase-marxista de luta de classes à semelhança das questões de meados do século passado…dos blocos beligerantes na ‘guerra fria’. Como é triste e lamentável que haja ainda pessoas que continuam a considerar os outros como subalternos e quase objetos e não sendo aceites como pessoas com direitos e deveres iguais…

5. Atendendo a que estamos na designada ‘semana Caritas’ (entre 25 de fevereiro e 3 de março), retomamos as palavras citadas a abrir este texto sobre o significado das mãos estendidas:

- para pedir ajuda em nome dos que mais precisam – onde todos dão o seu contributo poderemos fazer mais e melhor;

- para partilhar o que somos e temos com os mais desfavorecidos das nossas comunidades – as mãos abertas geram partilha, enquanto os punhos cerrados podem fomentam conflitos, tensão e mal estar;

- para acolher e cuidar de todos os que depositam na nossa ajuda a esperança de dias mais risonhos – só quem tem as mãos para dar pode receber gratuita e gratificadamente;

- para prestar contas com transparência e construir caminhos em rede e comunidade – a circulação de quem dá deve chegar a quem se dirige, sem nunca se desviar em nada da intenção essencial.

6. Todos somos precisos, embora ninguém seja indispensável. Em matéria de caridade devemos rivalizar uns com os outros na consideração, no empenho e na simplicidade…sempre.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Confundidos pelos rateres

Por estes dias surgiu na linguagem político-cultural a palavra ‘rateres’. O que é e como se verifica estes fenómeno da área da mecânica automóvel ou mesmo de combustão em motores... classificando os estampidos violentos de alguns tubos de escape. Esse barulho anormal poderá ser devido ao mau funcionamento de um motor de explosão...
Ora, numa apreciação algo anormal, uma agremiação política terá confundido esses rateres com o som de armas de fogo. gerando-se, assim, alguma apreensão, tendo em conta o local (final de uma feira semanal), as coincidências (passagem de uma caravana em propaganda) e uma espécie de conflitualidade das forças em apreço com certas posições um tanto exageradas, tanto na forma como no conteúdo.

1. Assim sendo o que leva alguém a lançar uma espécie de labéu sobre sobre um fenómeno que, para além de possível e normal, nos veículos de combustão e cuja explosão poderá denunciar o menos bom ou mesmo mau estado do motor do veículo? Não deveria haver mais ponderação nas sensações emotivas de figuras que podem cair no ridículo ao confundirem as coisas? Não revelará este tipo de reações um outro mal-estar pessoal e de grupo e que, com facilidade, criam e difundem fantasmas?

2. Agora que estamos no olho do furacão para as eleições legislativas parece que se acentuam efervescências que deixarão, no futuro próximo (depois de 11 de março – data simbólica), a maior parte dos intervenientes mal colocados, senão mesmo podendo servir de tema para rábulas humorísticas... à saciedade. De facto, muitos dos intérpretes das propostas partidárias denotam algum desequilíbrio emocional, na medida em que gastam mais tempo a contestar os outros do que a apresentarem as suas propostas. Por este andar iremos ser guiados a escolher os menos maus do que os mais competentes, a votar em quem não queremos que venham a governar do que a dar-lhes assentimento e credibilidade.

3. Citamos a nota do conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, do passado dia 19 de fevereiro, intitulada: ‘Eleições Legislativas 2024: Restituir a esperança aos cidadãos’
«No tempo de debate e reflexão pré-eleitoral em que nos encontramos, exige-se um diálogo honesto e esclarecedor entre os partidos políticos, com a apresentação de programas exequíveis e conteúdos programáticos que não se escondam por detrás de manobras mediáticas e defraudem a esperança dos cidadãos (n.º 3).
(...)
A responsabilidade é de todos, dos políticos e de quem os elege, dos que definem projetos e de quem faz escolhas, daqueles que apresentam propostas e de quem se preocupa em delas ter conhecimento para votar conscientemente. Escolher quem nos representa no Parlamento é um dever de todos e ninguém deve excluir-se deste momento privilegiado para colaborar na construção do bem comum. A abstenção não pode ter a palavra maioritária nas eleições do próximo dia 10 de março» (n.º 5).

4. Muito honestamente: dispensamos os estalidos de rateres que ouvimos, que vemos ou que lemos nas ruas e nos meios de comunicação. Não é preciso ficar pela aparência, temos de nos comprometer com todos e para todos. Votar: um direito, um dever.



António Sílvio Couto