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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

‘Ficar em casa’, espiolhando a vida alheia?

 


Estamos a viver mais um tempo de confinamento obrigatório. As causas prendem-se com os números astronómicos de infetados e de mortos, pelo ‘covi-19’, no nosso país, respetivamente, mais de quinze mil e quase trezentos… Números que nos colocam na vanguarda negativa da Europa e do mundo.

Diz-se que ‘morre um português em cada cinco minutos’ devido a este maldito vírus, que, entretanto, tem tomado várias mutações, sendo cada uma mais fatal do que outra.

Tem sido complicado convencer uma boa parte da população a conseguir ficar em casa, mesmo que seja essa a forma de controlar com mais eficácia a propagação do vírus, bem como um meio de tentar suster a iminente rutura dos hospitais.

– Quedando-nos pelo cumprimento das normas de confinamento, surge uma questão algo complexa: que fazer em casa, se não há hábitos de controlo sobre as saídas ou se, usando os meios de comunicação (televisão, internet ou telefone), não foi adquirida a contenção nos gastos ou mesmo na moderação do manuseamento?

De muitas e variadas formas os programas televisivos – sobretudo nos ditos canais abertos – da manhã ou da tarde, diariamente ou ao fim-de-semana, vão seduzindo os telespetadores a entrarem nos ‘concursos’ ou auspiciando conquistar prémios. As operadoras de telecomunicações engordam com tais iniciativas e, pé-ante-pé, as pessoas ‘investem’ aquilo que gastariam nos jogos-de-sorte-e-de-azar… na rua. Isto já para não falar nos casinos virtuais e até noutras roletas bem mais viciadoras.

 – Desde há duas décadas que vimos a assistir, muitas vezes de forma quase-acrítica, a programas pretensamente de entretenimento, onde se vai espiolhando a vida dos outros. Sobretudo os dois canais comerciais têm andado em disputa de qual é a reprodução por cá do que mais baixo se importa – qual enlatado de má qualidade – para durante meses ‘prenderem’ os seus espetadores, os anunciantes e, numa palavra, um público sem critérios nem valores… que não sejam os dislates dos concorrentes, as tropelias dos incautos ou mesmo a baixeza moral dos (pretensos) mais ousados.

Entretanto, foi-se apurando isso que, em tempos e com termos mais ruralistas, se chamava ‘espreitar pelo buraco da fechadura’. Agora são as designadas ‘redes sociais’ que fazem esse indiscreto papel. Com maior ou menor regularidade e/ou conhecimento as pessoas tentam saber da vida alheia.

Em círculos mais pequenos sempre houver a intromissão e a maledicência de uns para com os outros. Espaços havia onde era propício e quase-fatídico falar ou ser falado: o lavadouro da aldeia; a soleira da porta, em especial ao sol ou à sombra, conforme a época; a taberna, a tasca ou o café; o adro da igreja ou mesmo certos espaços acrescentados… onde, quantas vezes, se desenterravam mortos e se sepultavam vivos, numa cultura de proximidade, que antes era de conflitualidade…latente ou explícita.

 – Se há quem pretenda ser discreto e passar o mais possível desapercebido, outros como que cultivam o seu contrário, dando tudo o que podem – por vezes é bastante pouco e irrisório – para serem falados, nem que seja pelas piores razões. Admira-me que ainda haja pessoas que submetem àqueles concursos-de-vida-a-descoberto, denunciando-se e sendo denunciados mais pelas fraquezas, banalidades e lacunas do que pela coisas boas, aceitáveis e de bom senso.

Embora cada pessoa procure vivenciar o que lhe faz estar bem enquadrado no meio em que vive, torna-se essencial saber o que se deve dizer ou calar, mostrar ou encobrir, dar a conhecer ou fazer mistério. Deixo neste sentido uma citação bíblica: «tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de se lamentar e tempo de dançar; tempo de atirar pedras e tempo de as ajuntar; tempo de abraçar e tempo de afastar o abraço; tempo de procurar e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar; tempo de amar e tempo de odiar; tempo para  guerra e tempo para a paz» (Ql 3,1-8). Aprendamos a viver o nosso tempo!

 

António Sílvio Couto

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