Em finais de abril falava-se que havia, em Portugal, um ‘milagre’ nestas coisas do ‘covid-19’. Escrevi num artigo, em 28 desse mês: ‘quem ouviu o presidente da república a falar na convocação para o 3.º ‘estado de emergência’ ter-lhe-á ficado no ouvido a referência em que ele acentuou o ‘milagre português’, naquilo que ele interpretava como a chave do (aparente) sucesso – ou melhor, no tão não-pior cenário – de combate à disseminação do ‘covid-19’ entre nós... Reportando-se aos números das vítimas do ‘covid-19’, o presidente fez-se eco, no seu discurso de 16 de abril, da forma como os portugueses foram ‘solidários e mobilizados, com disciplina, com zelo, com determinação, com coragem’, suportando fortes privações neste caminho a que tantos estrangeiros chamam ‘o milagre português’. Explicando esta expressão, o presidente considerou ainda que ‘se isto é um milagre, como lá fora dizem, então nós, povo português, somos um milagre vivo há quase nove séculos. Se isto é um milagre, o milagre chama-se Portugal’.
Temos vivido várias fases desta pandemia...e estaremos a entrar numa 4.ª fase.
Se nos anteriores momentos fomos vendo alguma responsabilidade por parte da
população, nos tempos mais recentes somos confrontados com atitudes de enorme
irresponsabilidade pessoal e coletiva, desde a banalização no convívio social
até à falta de respeito pelo distanciamento higiene-sanitário e outras medidas
mínimas neste combate do qual não se vislumbra o final.
Temos
visto pouca – ou quase nenhuma – referência à mensagem de Nossa Senhora, em
Fátima, no projeto de chamamento à conversão e à penitência. Pelo contrário,
parece que estamos a propor uma visão/vivência algo light daquilo que deveria
ser, assumidamente, um apelo à releitura da nossa vida – pessoal, familiar e
comunitária – por estes sinais bem incisivos de Deus para connosco.
Sem
reconhecermos a falência dos nossos projetos, anseios e realizações de âmbito tão
mundano como que será difícil de captarmos a onda de comunicação de Deus
connosco. Nas leituras e nos entendimentos de tantos dos nossos responsáveis –
até eclesiais – esta provação do coronavírus – tenha as mutações que lhe
quisermos atribuir – ainda dá a impressão de que somos capazes de enfrentar, só
pelos nossos meiso, esta onda de morte que se tem espalhado pela face da Terra.
Tenho
para comigo que não levamos ainda Deus a sério, pois queremos responder com
armas humanas àquilo que pode muito bem ser algo da mensagem divina, num mundo
tão fora de Deus e da sua Lei. Reparemos na incongruência de tantos – senão de
todos – em tentarmos salvar vidas nos serviços hospitalares, mas discute-se,
aprova-se – e já só falta promulgar – a possibilidade matar de forma legal
através a eutanásia. Não será este mais um sinal da esquizofrenia cultural em
que entramos, sem arrepiarmos caminho contra a Lei de Deus? A quem interessa
fascinar com os avanços da ciência e da medicina em particular, se não for para
fazer da vida o maior valor, sobre o qual assentam os outros direitos e
deveres?
= Uma das provas de que somos excessivamente egoístas e rebeldes é essa referência à falta de cumprimento das regras de confinamento de todos, tentando suster a onda de contaminação crescente com os resultados cada vez mais catastróficos e dramáticos pagos com vida, com contagiados e com internados nos serviços de saúde ultra-saturados. Porque será que não obedecemos a quem manda? Teremos nós conhecimentos e dados para sermos tão contumazmente desobedientes? A quem interessa salvar a economia senão houver quem dela usufrua? Quem corre os riscos para nos facultarem os bens essenciais não merece mais respeito do que o pagamento dos serviços prestados?
Afinal,
o ‘milagre’ de abril está a tornar-se drama onze meses depois… Precisamos de
ser mais cidadãos educados pelo bem-estar mas também pela conformidade aos
valores humanitários, onde Deus é sujeito da nossa vida e não mera nota de
religiosidade…
António Sílvio Couto
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