Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 31 de março de 2023

A Verdade vos libertará


«Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará» (Jo 8,31-32).

Este texto do evangelho de São João pode ajudar-nos a contemplar as figuras de Jesus e de Nossa Senhora, no contexto da procissão do Senhor dos Passos: Ele nada esconde, Ela tudo revela; Ele mostra quem somos, Ela aponta para aquilo que devemos ser; Ele é o servo sofredor, Ela a Senhora das Dores…como protótipo da própria Igreja, neste tempo em especial.

Olhemos vários campos da vida em que a Verdade se torna essencial para viver e testemunhar:

* Na família – nas relações entre os cônjuges, entre pais e filhos, irmãos uns para com os outros, entre mais novos e mais velhos, descendentes, ascendentes e colaterais… Viver a verdade como ligação entre todos, pelas palavras, pelas atitudes, pelos pensamentos e desejos.

* Na Igreja – onde todos se sintam irmãos, se respeitem, se deixem cuidar, em que vivam a fraternidade e promovam a paz… Mais do que uma verdade teórica e de proposta para os outros, mas como lição primeira, aprendida e sempre a aprender.

* Na comunicação social – onde queremos que se diga sempre e só a verdade e não se exalte a mentira nem se faça da vaidade a promoção de uns tantos sobre o resto. Mais do que uma verdade de fachada que se consiga mostrar a verdade como valor sem preço.

* No mundo do trabalho (empregadores e empregados) – onde se deve fazer da justiça um código de conduta sincero e audaz. Mais do que cada ter a sua verdade, importa todos sejam promotores da verdade com atos mais do que com meras palavras.

* Na escola – onde se aprende e ensina a verdade, numa conjugação de meios, de atitudes e de comportamentos que dignifiquem quem os pratica e se faça de cada estabelecimento escolar um espaço de educação e de cultura com futuro, numa contínua abertura aos valores humanos e cívicos.

* Na justiça – onde se promova a verdade com sentenças justas e mais do que castigar se prepare a conjugação de todos e com todos os meios para que a correção queira lançar bases para um futuro seguro de toda a sociedade.

* Na política – onde a verdade se conjugue em todos os tempos e modos, acreditando e fazendo crer que as palavras correspondem aos atos pela confiança uns nos outros e de todos no serviço comum e desinteressado.

* Na saúde – onde tudo se faça pela verdade, cuidando do bem-estar de todos numa harmonização de meios, de estratégias e de prestação de serviços, servindo a vida e nunca por nunca favorecendo qualquer opção pela morte.

* No desporto – onde aquilo que faz cantar vitória seja resultado do bom desempenho e não pelo uso de artimanhas de uns em desfavor de outros. Pela verdade desportiva e nunca pelas falcatruas de bastidores.

* Verdade cada um consigo mesmo – tendo a consciência acertada com os valores do Evangelho e não pelo engano ou a mentira. A verdade, de fato, liberta e nunca engana.

* Verdade para com os outros – onde aquilo que se diz corresponda àquilo que se faz, sem tropelias nem dissimulações, pois os outros merecem o nosso respeito em todo o tempo e em todos os lugares.



António Sílvio Couto

terça-feira, 28 de março de 2023

Engodo de cartaz?

 

Eis os 44 bens alimentares essenciais que beneficiarão de IVA zero, de 1 de abril a 31 de outubro:

cereais e derivados, tubérculos: pão, batata, massa, arroz; hortícolas: cebola, tomate, couve-flor, alface, brócolos, cenoura, curgete, alho francês, abóbora, grelos, couve portuguesa, espinafres, nabo; frutas: maçã, banana, laranja, pera, melão; leguminosas: feijão vermelho, feijão frade, grão-de-bico, ervilhas; laticínios: leite de vaca, iogurtes, queijo; carne, pescado e ovos: carne de porco, frango, carne de peru, carne de vaca, bacalhau, sardinha, pescada, carapau, atum em conserva, dourada, cavala, ovos de galinha; gorduras e óleos: azeite, óleos vegetais, manteiga.
Esta lista de produtos com a redução para a taxa zero de IVA é resultado de um acordo entre o Governo com os produtores, representados pela Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e com a grande distribuição, através da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).

1. Será este programa sério? Não poderá ser apelidado de ‘medida cartaz’ como o Presidente da República apelidou uma outra iniciativa governamental? Será assim tão ‘democrático’ este cabaz de produtos? Se se pretende ajudar os mais desfavorecidos, os ricos não beneficiarão de igual forma, quando forem às compras? Os turistas não usufruirão desta medida, tornando-a menos exclusiva dos nacionais? Quanto vale, efetivamente, em descontos nos produtos? Será que aprendemos alguma coisa com os nossos vizinhos espanhóis, que têm idêntica redução do IVA desde o início do ano civil? Por que vamos sempre atrás daquilo que nem sempre resulta com outros?

2. Segundo dados recolhidos por quem já fez as contas, a passagem do IVA de 6% (é a taxa em vigor para a maior parte dos produtos agora contemplados) para zero não valeria mais do que nove euros. Será isto tão altissonante como se viu naquela meia hora de fim-de-tarde do dia 27 de março? Dá a impressão de que ou as contas foram mais ou menos atamancadas ou mais uma vez quiseram fazer propaganda com a miséria alheia.

Dizem os entendidos em coisas de números e da inflação em especial, que, para ser justa, a proposta deveria diferenciar quem tem menor poder de compra, como por exemplo reduzindo as tabelas de IRS ou indo ao encontro das necessidades mais evidentes das famílias... Infelizmente continua-se a apostar no consumo e não na poupança, a lançar dinheiro para gastar sem reparar se o futuro suporta os hábitos incrementados, a fazer com que as pessoas pensem poder gastar agora sem providenciar para amanhã...

3. É um facto que o governo tem ganho imenso dinheiro com a inflação, pois dela usufrui sem gastar e arrecada nos cofres das finanças aquilo que não investiu. Cheira, por isso, a poucochinho este esmolar quase pindérico, sobretudo se tivermos presente os gastos faraónicos no sorvedouro da transportadora aérea... Bastaria fechar de vez este atoleiro sem fundo e as condições de ajuda aos mais desfavorecidos poderiam ter outro alcance e significado.

4. Por último sinto que algumas das propostas de intervenção estatal na economia, nas condições de trabalho e mesmo na organização de setores ditos (ou pretendidos) de âmbito social carecem de ser desmontados pelos tentáculos de uma coletivização galopante e onde quem governa se acha dono-e-senhor de tudo e de quase todos. Este tipo de regime já faliu noutras paragens. Também aqui será derrotado por quem pensa, trabalha e investe em favor dos outros e não se esconde na mediocridade reinante. Até quando nos quererão comprar pela boca?



António Sílvio Couto

segunda-feira, 27 de março de 2023

Despiram-no das suas roupas

«Despiram-no e envolveram-no com um manto escarlate…Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto, vestiram-no com as suas roupas e levaram-no para ser crucificado» (Mt 27, 28.31).

«Os soldados, depois de terem crucificado Jesus, pegaram na roupa dele e fizeram quatro partes, uma para cada soldado, exceto a túnica. A túnica, toda tecida de uma só peça de alto a baixo, não tinha costuras. Então, os soldados disseram uns aos outros: «Não a rasguemos; tiremo-la à sorte, para ver a quem tocará». Assim se cumpriu a Escritura, que diz: Repartiram entre eles as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. E foi isto o que fizeram os soldados» (Jo 19, 23-24).

Na sexta-feira santa de 2005 (25 de março), o então cardeal Joseph Ratzinger, escreveu as meditações da Via-sacra aí rezada. Repare-se que dias depois da Páscoa, a 2 de abril, faleceria o Papa João Paulo II… Na décima estação – ‘Jesus é despojado das suas vestes’ – o Cardeal Ratzinger deixou-nos esta reflexão, que nos serve de referência para abordarmos esta temática das vestes no contexto da Semana Santa deste ano em curso.
«Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fá-lo sentir alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o facto de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há-de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objeto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote».

Atendendo ao significado das vestes no contexto da Paixão de Jesus vamos olhar este tema com uma visão mais do meramente circunstancial, tentando discernir algo que está a ser vivenciado pela Igreja católica em Portugal e por quantos a ela se sentem unidos, referenciados e como ela também despidos, isto é, a nu como Cristo no presépio e na cruz.

* Despido das suas roupas – revestido de manto escarlate – voltado a vestir com as suas roupas

De alguma forma este ‘jogo’ de despe-veste das suas roupas e do manto escarlate (cor vermelha) configura uma espécie de maior provação a Jesus, pois aquilo que poderia ser visto, noutros contextos, como algo de valor régio, ali soa a ridicularização para com Jesus, associando-se-lhe ainda a violência e o derramamento de sangue ao longo da história da humanidade. O manto escarlate serviu de adereço para a zombaria para com Jesus. Olhemos para as vozes de provocação no hoje da Igreja e tentemos perceber como Jesus continua a ser ofendido, ultrajado e mesmo vilipendiado em múltiplas situações… ofensivas da dignidade humana.

* Repartidas as vestes – sorteada a túnica

Na hora derradeira de Jesus e já crucificado, ele é despojado dos parcos pertences, incluindo a túnica sem costuras. Ele é o sumo e eterno sacerdote, revestido da túnica indivisa. As vestes repartidas por contraste com a túnica sem costuras simbolizam a conjugação da humanidade divina de Jesus, que nos diviniza pela sua paixão-morte-ressurreição. Nesta hora em que a Igreja dilacerada sofre, olhemos ainda a glória para vamos…



António Sílvio Couto

sexta-feira, 24 de março de 2023

A quem interessa desacreditar os cristãos?

 

Estamos a viver, indiscutivelmente, um tempo de provação para com os cristãos/católicos. Desengane-se quem julgue que isto é novo, pois sempre o cristianismo esteve sob a mira da perseguição, a controvérsia ou mesmo a contradição. Talvez seja novidade é a consertação de forças em pretenderem quase aniquilar a expressão de fé alicerçada na Pessoa e na mensagem de Jesus Cristo: são várias as invectivas e diversas as intentonas, urge, por isso, detetá-las, percebê-las e desmontá-las com sagacidade, inteligência e organização.

1. Por que se alinharam tantas provocações a quem acredita em Jesus Cristo, de forma pessoal ou organizada em Igreja? Por que se pretende desvalorizar a ação da Igreja na área da formação na fé e ‘exaltar’ o que é feito, por ela, na vertente do social? Estará subjacente a pretensão de reduzir a ‘religião católica’ a algo meramente sociológico e não com vivência espiritual? Até onde irá a sanha orquestrada de nivelar a função da Igreja católica pelas ações supletivas do Estado nas coisas de intervenção na saúde, na educação, nos cuidados do corpo, negligenciando o psicológico e menosprezando o espiritual? Não correremos o risco de a Igreja deixar de ser uma entidade divina para se tornar mais uma associação à semelhança de outras ong’s (organização não-governamental) com fins minimamene lucrativos? Que atualidade tem (ou pode ter) a expressão de Tertuliano: sangue de mártires, semente de cristãos? Ainda teremos alguma chispa de testemunho (martírio) que possa incomodar os perseguidores? Por que chegamos a este ponto de quase insignificância da Igreja e dos seus membros? Qual a razão mais profunda de serem exaltados os que, dizendo-se católicos, mais combatem a sua Igreja do que se comprometem em serem fatores de renovação dentro dela?

2. De facto, várias forças se consertaram para moverem perseguição aos cristãos/católicos: expressões ideológicas e éticas, movimentos cívicos e sociais, entidades conhecidas e subterrâneas, propostas antigas e iniciativas recentes... Em boa parte destas ‘forças’ nota-se que não conseguem acertar com a visão da Igreja católica como ‘comunidade’ de crentes, antes acentuam, muitas vezes pelo ridículo, aquilo que de menos correto se apresenta. Em muitas das situações tais ‘forças’ mais passam a pensar como vivem do que a viverem como pensam, isto é, as suas argumentações estão pejadas de leituras justificativas para aquilo que pretendem propor e impor do que de se acertarem com os valores do Evangelho e a doutrina da mesma Igreja.

3. Antes de mais temos de sacudir a roupagem – linguagem e atitudes, intervenientes e pensadores, programação e avaliação – do tempo da cristandade. Com efeito, esta como que tentou fazer coincidir sociedade (humana, política e cultural) e Igreja católica. Agora o desfasamento é nítido e progressivo. Precisamos de voltar à linguagem e ao comportamento de minoria, como se lê e vê nos textos dos evangelhos. Quando não se tem a cobertura quase-política da religião ‘oficial’ precisamos de mudar de atitude, de nos revestirmos de novas armas que não o silêncio quase-cúmplice da maioria. É bom e benéfico o Estado ser laico, pois não favorece ninguém, mas essa laicidade não pode ser, como se verifica agora, para perseguir quem tenha ou viva a sua expressão religiosa. A habilidade em realçar a laicidade do Estado não pode continuar nessa campanha de estar contra, sobretudo, quem seja cristão. O Estado é laico, mas as pessoas não o são.

4. Com que facilidade vemos aparecerem adereços religiosos católicos em programas de classe zero nas televisões. Com que falta de senso surgem figuras do (pretenso) meio artístico a recorrem a clichés religiosos para engendarem as suas rábulas de mau gosto e má execução. O pior de tudo isso é o silêncio da maioria dos cristãos, em contraste com os aplausos de um certo público ávido de escândalo, de sangue e de chafurdice ético-moral. Brincariam, assim, com os símbolos muçulmanos? Esperemos pelos resultados...



António Sílvio Couto

terça-feira, 21 de março de 2023

Rejeição da confissão?

Foi com um misto de surpresa e de confusão que ouvi de uma pessoa – no final da missa de domingo, logo poder-se-á dizer de uma ‘católica praticante’, de vetusta idade e que foi em tempos catequista e também ministra extraordinária da comunhão – que estas notícias que ouvimos sobre os ‘abusos sexuais de menores na Igreja’ a deixam com suspeitas sobre a confissão. Talvez outras pessoas possam ter idêntico posicionamento. Talvez isso seja razoável para menosprezar o sacramento da penitência. Talvez haja quem intente desculpas para justificar o abandono da frequentação deste sacramento… Vou tentar explicar, enfrentando estes ‘talvez’ com tiques marcados por conceitos e comportamentos demasiado mundanos.

1. Desde logo me assolam à mente perguntas muito díspares ou quase contraditórias. Quem assim se coloca na reserva quanto ao sacramento, onde a confissão faz parte, alguma vez sentiu o perdão de Deus ou limitou-se a despejar ‘pecados’ não-arrependidos? Quem tropeça nas falhas dos outros – mesmo que sejam os ministros do sacramento – terá conhecimento de si mesmo, sem medo – antes pelo contrário – de sentir pecador diante de Deus? Quem se queda na dimensão humana do sacramento da penitência não se ‘abrirá’ com menos reserva, se for a uma consulta de psicólogo e/ou de psiquiatra? Como se pode aceitar a condução de Deus, pelo reconhecimento do pecado e pela aceitação do perdão, se ainda estivermos nessa fase simplista de ver no padre um mero homem e não um ministro deste sacramento de cura e de perdão? Quem tem a ousadia de se dispor para ouvir de confissão, se é olhado com desconfiança, em preconceito ou sob suspeita infundada?

2. Creio que a ninguém escapou a leitura de que as notícias sobre os ‘abusos’ na Igreja católica pretendiam – e ao que parece conseguiram – atingir o descrédito do sacramento da penitência e reconciliação. A composição da ‘comissão independente’ tornou isso claro, desde a primeira hora. Mais do que incluir técnicos reputados na área do direito, houve a pretensão de colocar psiquiatras manifestamente ateus ou pelo menos agnósticos. O cientismo apregoado não escondeu que era preciso apresentar resultados, mesmo que usando dados enviesados e empolados sem nexo nem total causalidade. Para algumas pessoas, que até combatem o (dito) dogmatismo da doutrina católica, agora calam-se perante o inegável dogmatismo de tantos sábios e doutores… da comissão independente e seus sequazes.

3. Recordo-me de ler lido, há mais de quarenta anos, uma frase que aparecia no livro de ‘Moral de atitudes’ de Marciano Vidal: por cada confessionário que se fecha, abrem dez consultórios de psicólogos e de psiquiatras. O resultado está à vista. Ora, entre o sério e o sarcasmo, poderemos dizer: se a confissão sacramental era (é) gratuita e à hora que se quiser, as sessões dos psicólogos e psiquiatras são bem pagas e com marcação atempada… Estamos, de facto, a passar por uma crise de identidade dos cristãos/católicos, pois se ajeitam para dar a vida a conhecer a quem pagam e rejeitam acolher o perdão divino, aliviando a consciência e abrindo-se à misericórdia divina, em Igreja. Numa palavra: o que está doente é a fé e a confiança no poder de Deus.

4. Uma nota de ressalva: se, para uma boa parte das pessoas, lhes custa confessar-se, acham que é agradável ouvir de confissão? Por mim, enquanto penitente/ministro, prefiro, de longe a primeira.

Citando o Catecismo da Igreja Católica (n.º 1469): «É de lembrar que a reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que trarão remédio a outras ruturas produzidas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo mesmo no mais profundo do seu ser, onde recupera a própria verdade interior: reconcilia-se com os irmãos, que de algum modo ofendeu e magoou: reconcilia-se com a Igreja; reconcilia-se com toda a criação».

5. É preciso ir ao fundo das questões e não se ficar pela superfície dos problemas. Cristãos com maturidade e fé adulta, precisa-se. Diz a doutrina da Igreja: confessar-se, ao menos, pela Páscoa da ressurreição!



António Sílvio Couto

segunda-feira, 20 de março de 2023

O rato expeliu uma montanha…de nada

 

É conhecida a expressão (algo) popular: ‘a montanha pariu um rato’. Numa interpretação do significado deste aforisma podemos considerar que havia grande expetativa sobre algo, que, afinal, nada teve a ver com os resultados. Por seu turno, aqui abordaremos a questão de uma outra perspetiva: o rato (coisa pequena) pode, no entanto, deixar algum rasto de muito significativo, como se fosse uma deceção ampliada à maneira de uma montanha.

1. Vejamos antes de mais a fundamentação da expressão ‘a montanha pariu um rato’. Terá sido o autor latino Horácio quem cunhou a expressão ‘parturient montes, nascetur mus’, que numa tradução livre significará ‘a montanha pariu um rato’. Ora esta expressão estaria inserida numa estória em que uma montanha estava prestes a dar à luz e gemia de uma forma horrível. Esses barulhos geraram grande expectativa nas áreas em redor, mas no final ela acabou por dar apenas à luz um rato...

Desde logo é preciso interpreter esta espécie de fábula, naquilo que tem de significado para a nossa vida.

2. Quantas vezes na nossa vida fomos ludibriados? Tínhamos grande apreensão sobre um assunto e bem depressa tudo se esfumou. Pelos indícios parecia vir a ser uma coisa de grande importância e os resultados ficaram aquém do prometido. Estava colocada a fasquia muito alta e o salto foi insignificante ou desiludiu quem desejava impressionar. Conforme o campo em que nos colocarmos, poderemos dizer que as promessas eram muitas, mas as realizações redundaram em muito pouco… Recorrer a esta expressão – ‘a montanha pariu um rato’ – tornou-se, de alguma forma, um estribilho do rifoneiro popular para classificar situações, pessoas e acontecimentos que, por muito prometerem, pouco deram de resultado efetivo.

3. Nos tempos mais recentes fomos colocados na expetativa de que um tal ‘inquérito’ prometia resultados estrondosos sobre uma matéria em apreço público e, mesmo após a apresentação dos dados, tal ficou muito longe do anunciado. Até aqui a ‘montanha pariu um rato’, que não se sabe senão era (é) um nado-morto. Não que fosse preciso lançar o labéu sobre tudo e para com todos, mas que havia (há) a sensação de que se esperava mais sangue-e-mortos, não parece haver grande dúvida. Nalguns setores ditos laicos e mesmo agnósticos foi um ver se te avias para se pronunciar sobre os tais resultados quase pífios, se tivermos em conta as motivações e vontades de mostrar serviço… Na minha ténue leitura, algumas intervenções – mesmo de faixas mais ou menos identificadas com a Igreja católica – como que denunciam algo mais do que um pronunciamento sobre o assunto, pois parecem mais reações de ofendidos com causa encoberta…

4. Se a montanha não pariu nem um rato, este, por seu turno, como que expeliu uma montanha de pouca coisa, isto é, deixou-nos a sensação de que também aqui podemos verificar que algo vai mal em matéria de percebermos tudo quanto se esperava ou o que foi que nos dececionou quem desejava mostrar serviço altissonante. Por contraste colocar o assento naquilo que o rato nos deixou como resultado parece-me que ainda mais enfatiza a vulgaridade e insignificância do pretendido.

5. Como dizia alguém, ao ver pombas a esvoaçar pelo chão, lhes chamou ‘ratos com asas’. Subentende-se nesta frase citada que algo de maléfico comportam tanto os ratos como as pombas, como difusores de doenças e envolvendo perigo (tácito ou declarado) para a saúde pública. Outro tanto podemos considerar para com certas figuras, figurinhas e figurões, quais ratos-de-porão, que fogem ao verem os riscos ou como aves-de-rapina disfarçadas de pombas em maré de acasalamento… Mesmo sem nos darmos conta há quem alimente tais perigos sob a capa de defensores da ‘sua’ moralidade, travestida de ética mais ou menos republicana.

6. O justicialismo reinante parece, afinal, esconder outros fantasmas que deambulam pelo sótão de tantos…



António Sílvio Couto

sábado, 18 de março de 2023

Dia do pai’ – quando, por quê e para quê?


 De há tempos a esta parte como que se convencionou celebrar o’dia do pai’ por ocasião da vivência litúrgica de São José, a 19 de março. Esta coincidência é boa ou pode ser perigosa? Até que ponto quem celebra o ‘dia do Pai’ atende à figura de São José? Não será mais uma exploração da sociedade de consumo que faz este aproveitamento? Como passar de uma realidade quase-desconsiderada para uma vertente de compromisso humano e cristão daqueles que exercem o dom da paternidade?

1. Desde logo colocar o ‘dia do pai’ com ligação a São José acontece nalguns países, não em todos, isto é, não há uniformidade. Talvez se pretenda com esta coincidência com a celebração litúrgica de São José apresentar aos pais – cristãos ou não – um modelo de pai em São José, pai adotivo de Jesus. O recente documento do Papa Francisco, ‘Com um coração de pai’ (2020) é uma proposta simples para aprendermos a viver a condição de pai, sendo filhos.

2. Num tempo de crise geral da paternidade, que significado tem (ou pode ter) celebrar o ‘dia do pai’? Por entre tantas dúvidas e deceções, o que é isso de ser pai? Qual a diferença entre paternidade e progenitor? Que alcance é esse que diz: aprende-se a ser filho, quando se é pai? Será verdade que, tendo ‘matado’ o pai, vivemos numa certa orfandade cultural e espiritual? Como entender, hoje, esse aforisma: pai não é quem gera, mas quem cria/educa ou ama?

3. A imagem algo rude do pai, foi sendo educada pela sensibilização e até se tem verificado uma certa humanização do homem, na sua função familiar e, particularmente, da tarefa de pai. Hoje é comum vermos um pai/homem com o filho/a ao colo, tarefa essa que, há menos de meio século, estava acometida quase exclusivamente à mãe/mulher. Embora tenhamos de saber ver a mudança, algo se modificou na mentalidade e no comportamento de muitos pais, na medida em que eles foram aprendendo, para além de dividirem as tarefas domésticas, foram-se apercebendo que a sua participação na vida dos filhos era mais do que gerá-los...

4. Estamos ainda a dar os primeiros passos de um longo caminho em que ser pai faz com que ele seja a referência de filhos e filhas, tanto na função de presença, como na exigente capacidade de ser ideal muito para além das coisas materiais e circunstanciais. Ser pai não vem com instruções ou indicações, mas aprende-se no dia-a-dia sem turbulências, mas também quando estas possam surgir. Será que todos os pais são esse ponto seguro e de confiança, sem palavras e com elas se forem necessárias?

5. A todos quantos funcionam como aferição ao equilíbrio emocional e afetivo – como pais no sentido biológico e de adn, no âmbito psicológico e mesmo espiritual – de seus filhos/as queremos desejar, neste ‘dia do pai’ um tempo de agradecimento pelo que têm feito ou aprendido na escola da vida a fazer, pelo esforço em serem para seus filhos/as as referências em maré de necessidade e ainda a todos quantos são (ou devem ser) ‘pais espirituais’ – padrinhos e outros aspetos – que o vivam na intensidade à maneira de São José.

6. Que São José vele por nós, nos ensine e ajudando-nos a ter os pais que são precisos neste tempo e nesta terra!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 16 de março de 2023

Tiques de coletivização quase-marxista...

 

Saúde, educação, segurança social e transportes já estão sob a alçada do Estado, onde este se comporta como ‘patrão’ numa influência coletivista do ‘público’ sobre tudo quanto possa parecer privado - serviço nacional de saúde, escola pública, rede de segurança social, transportes (nas duas metrópoles) sob a tutela estatal. Recentemente emergiram os tentáculos coletivistas sobre a habitação, o controle de preços, a rede viária (ferroviária, aeronaútica e de estradas), boa parte da produção ‘cultural’ (subsidiada, de pensamento uniforme e orientada ao mesmo) e - sem disso nos darmos conta - alguma da comunicação social, como voz do dono e ancorada em quem a suporta...


1. Dá a impressão que, nem nos tempos aúreos das nacionalizações, o controle estatal foi tão forte e sentido como hoje. A ‘tropa’ do governo cresce de dia para dia, isto é, os funcionários (ditos) públicos dependuram-se nas regalias que lhes advêm de serem servidores do tal patrão-Estado. Embora teoricamente as forças mais defensoras da coletivização estejam, desde as últimas eleições, em minoria no parlamento, os que compõem a atual maioria, que suporta a governança, dão cobertura a muitos dos atos de promoção crescente da mesma coletização.

2. Mesmo se pretenda dizer que vivemos numa economia aberta, segundo as regras da livre concorrência, as medidas anunciadas para a habitação e as notícias veiculadas sobre a fiscalização dos preços podem ser vistas como sinais de que a coletivização quase-marxista se prepara para fazer do nosso país uma espécie de ‘Venezuela’ na Europa ou um arremedo cubano ao retardador. Com efeito, a tentativa de intervenção do governo no setor da habitação ainda não foi explicada como um não querer fazer do Estado o maior senhorio, podendo tornar-se um senhor daquilo que não tem, mas fazedor de promessas a quem se fiar na sua operacionalidade. A intervenção do controle de preços - sobretudo no setor dos bens primários de alimentação - cheira a condicionar a iniciativa privada, embora os valores de taxas dos impostos auferidos vão engordando os cofres do mesmo estado...

3. O que está em causa. neste momento, é o modelo de sociedade - económico, social ou mesmo cultural - que nos pretendem impingir à socapa, dado que não foi sufragado em eleições. De facto, a intervenção - direta ou tácita - do governo/estado nestas áreas às claras e noutras de forma menos percetível, faz com que devamos estar atentos para sabermos acudir aos riscos de mais tarde todos virmos a pagar a fatura. Um dos campos mais nítido deste descalabro efetivo é o que vem a acontecer na (pretensa) ‘transportadora aérea’ nacional, como esse sorvedouro de dinheiro que tem, particularmente, acontecido na mais recente ‘nacionalização’. Deixe-se cair o cadáver apodrecido. Outros países (com mais dimensão e sentido de responsabilidade) deixaram cair a sua transportadora e não perderam nada, pelo contrário, pouparam muito dinheiro... Basta de fazerem daquele posto uma reserva mais ou menos dourada para políticos sem ocupação. Quando acordaremos para exigirmos que haja moralidade na gestão daquele atoleiro contínuo e insaciável?

4. É urgente que estejamos atentos e vigilantes para com certos habilidosos da parlapatice, pois com intenções de defenderem o povo não se esquecerão de tirarem a sua maquia. A nova nomenclatura de serviço tem sabido defender os seus interesses e cuidará de deixar bem posicionado quem lhes poderá retribuir quando sairem da ribalta. Veja-se o prolongamento no tempo em ir a julgamento quem, no passado recente, usou das mesmas armas e ainda não pagou pelas tropelias realizadas. Assim poderá voltar a acontecer quando estes sairem do poder e deixarem o país na miséria - é a especialidade deles - tendo de recorrer a métodos já vistos para sermos dignos na Europa.

5. A coletivização dos meios de produção e os regimes que os implementaram parecem novas hidras, emergindo quando menos pensamos! Antes que haja eleições precisamos de verificar se nos têm falado verdade!



António Sílvio Couto

quarta-feira, 15 de março de 2023

Dar silêncio às vozes

 

O ‘slogan’ da campanha para a denúncia de abusos sexuais na Igreja católica era: ‘dar voz ao silêncio’… e durante mais de um ano a comissão (independente) nomeada diz ter recebido múltiplas comunicações, na sua maioria anónimas.

Agora que foi conhecido – a 13 de fevereiro (efeméride do falecimento da Irmã Lúcia, pastorinha de Fátima) – dá a impressão que não se calaram as vozes, a propósito e a despropósito, com conhecimento ou em simples ignorância, de gente com critérios e outros quase-só-desbocados, alguns com propriedade naquilo que tentam dizer e outros mais parecendo baratas a fugir do combate em curso…

Porque o silêncio é de ouro, a palavra corre o risco de distorcer a mensagem e de trucidar o mensageiro.

1. Estamos num tempo de verborreia, onde quem fala, por vezes, não sabe o que diz nem diz o que sabe. O tempo da maior parte da comunicação social – tendencioso, superficial e o mais sanguinário possível – pontifica sobre o tempo da qualidade do silêncio. Este não é vazio de som, mas cheio de conteúdo, que só se comunica quando tem necessidade de se explicar e com o mínimo de palavras…

Na turbulência dos nossos dias vemos emergirem figuras que nada seriam senão fosse para dizer mal. Alguns entram em seara alheia, pois, embora dizendo que o ‘Estado é lacaio’, na teoria, nunca como agora os problemas de índole religiosa – diga-se católica – andam na boca dos que nada têm a ver com a realidade que criticam, em certos momentos deixando perceber a sua ignorância não só sobre os factos, mas também quanto a realidade humano-sociológica que depreciam.

2. Em francês há uma palavra que exemplifica esta sensação em que estamos: ‘bavarder’, para explicar o que é falar muito sem dizer nada…isto é, tagarelar. Ora é isso que vimos assistindo – e talvez participando – nesse excesso de barulho, de conversa, de falar sem dizer nada, ou pelo menos, que se possa aproveitar. Um lídimo exemplo de tagarelice é o mais alto dignitário da Nação; fala sobre tudo e o resto, desde o desporto à religião, da economia mundial à doméstica, do desemprego à taxa de juros, do ambiente à segurança social, num grande areópago ou esquina de uma qualquer aldeia… é vê-lo numa roda-viva a falar de tudo e, na maior parte das vezes, sem acrescentar nada…

3. Na milenar história da Igreja – antes de mil, depois quinhentos e na atualidade – podemos encontrar uma frase conclusiva quanto a alguma questão – sobretudo mais complexa e de aturado tempo de avaliação – onde se exprime o que há de mais fundamental: ‘Roma locuta est, causa finita est’ (Roma falou, a questão acabou). Podendo ser atribuída a Santo Agostinho, esta locução quer significar que, quando Roma (na sua autoridade, com o Papa e os seus serviços) dá a sua palavra (final) o problema acabou ou teve o seu termo…

Embora muitos não reconheçam a autoridade de Roma sobre o resto da civilização ocidental, a palavra definitiva procedente do Papa, na sua primazia em Igreja, não vive das meras premissas dos assuntos, mas das conclusões, segundo os valores do Evangelho traduzido em versão de vida.

4. Num tempo áspero de obediência como que se torna atroz ver a multiplicidade de posições de tantos dos cristãos, mais parecendo vivermos ao ritmo de interesses pessoais do que inseridos na procura do bem comum. Neste subtil aspeto como que temos a sensação de uma quase protestantização dos católicos, onde cada um busca e serve o seu particular, negligenciando a construção do comunitário, que é mais do que um coletivo aglutinado ou de um todo como soma das partes. Com efeito, as brechas abertas no tecido humano, cultural e espiritual da Igreja católica tem servido para que uns tantos brilhem na sua ignorância ou tentem disfarçar esta como a subida dos sound bites… até que se descubra o logro.

5. «Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu…tempo para calar e tempo para falar» (Ben Sira, 3,1.7b). Se soubéssemos e se vivêssemos este ritmo saberíamos falar e estar em silêncio uns com os outros… Silêncio, a quanto obrigas!


António Sílvio Couto

segunda-feira, 13 de março de 2023

Dez anos de Francisco… Papa

 


Eram 19 horas e 41 minutos, em Roma, no dia 13 de março de 2013, quando foi dado o sinal para o mundo de que tinha sido eleito um novo Papa. Tomou o nome de Francisco (em atenção a S. Francisco de Assis) e soube-se que era o cardeal de Buenos Aires, Argentina, de nome Jorge Mario Bergoglio, ao tempo com 76 anos de idade.

Neste dez anos tornou-se uma figura de inquestionável influência, presença e atitude na Igreja católica e para o mundo.
Reparemos naquilo que aconteceu, no mundo e na Igreja, destes dez anos: uma pandemia, uma guerra na Europa e. no seio da Igreja, a tempestade dos abusos sexuais de alguns membros da mesma Igreja...nos vários países. Diz-se que foi esta tormenta que levou Bento XVI a renunciar, com efeitos a partir de 28 de fevereiro de 2013... Por isso, em menos de um mês, o Colégio cardinalício, reunido em conclave, na Capela Sixtina, escolhendo, ao fim de cinco votações, em dois dias, Francisco como o sucessor de Pedro na cátedra.
Vejamos alguns aspetos do magistério do Papa Francisco:
* Encíclicas
- Lumen fidei (Luz da Fé), assinada em 29 de junho de 2013, publicada em 5 de julho de 2013. Primeira encíclica do seu pontificado, que havia sido iniciada pelo seu antecessor, Bento XVI;
- ‘Laudato si' (Louvado Seja), publicada em 18 de junho de 2015, apela à ação contra o aquecimento global e a degradação do meio ambiente;
- Fratelli tutti (Todos irmãos), publicada a 4 de outubro de 2020, sobre a fraternidade e a amizade social.

* Exortações apostólicas
- Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho), publicada a 24 de novembro de 2013. sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual;
- Amoris laetitia (Alegria do Amor), publicada em 19 de março de 2016. sobre a alegria do amor na família;
- Gaudete et exsultate (Alegrai-vos e exultai!), publicada em 19 de março de 2018. sobre o chamamento à santidade no mundo atual;
- Christus vivit (Cristo vive), exortação pós-sinodal, publicada a 25 de março de 2019, dirigida aos jovens e a todos o povo de Deus;
- Querida Amazónia, exortação pós-sinodal, publicada a 2 de fevereiro de 2020,

* Viagens apostólicas fora de Itália foram quarenta, aos vários continentes e enfrentando diversas situações humanas, culturais e mesmo religiosas... Esteve, em Portugal, por ocasião do centenário das aparições de Fátima, em maio de 2017.

* Pandemia – diante da vaga de Covid-19, que assolou o mundo, foi marcante a caminhada do Papa Francisco só, com a Praça de São Pedro vazia, no dia 27 de março de 2020, numa tarde-noite, com uma chuva simbólica... não se sabendo se era de bênção ou de comoção do Céu sobre a Terra... Não foi há muito tempo, ainda não fez três anos e parece que pouco ficou de olhar para Deus e para os outros...

* Os abusos sexuais de membros da Igreja tem ocupado constantemente o pontificado do Papa Francisco, merecendo dele ‘tolerância zero’ Da sua luta temos visto sinais nos vários países e continentes, para vergonha de tudo e de todos...Em Maio de 2019, Francisco promulgou o motu proprio ‘Vos estis lux mundi’ (Vós sois a Luz do Mundo), estabelecendo novas normas de procedimento para combater o abuso sexual e garantir que bispos e superiores religiosos sejam responsabilizados por suas ações... A luta parece estar longe do fim..

* Guerra na Ucrânia - desde 24 de fevereiro que eclodiu uma guerra que trouxe nova confusão ao tecido humano na Europa e apreensão ao resto do mundo. As vagas de refugiados sempre teve no Papa uma voz, atenta, fraterna e solidária...

* Numa visão quase de fazer da Igreja uma grande paróquia, Francisco foi instituindo vários ‘dias’ de reflexão e de oração: o dia dos pobres, o domingo da Palavra de Deus, dos avós…Uma nota que certamente continuará a ter a marcada do Papa Francisco tem sido o caminho sinodal em que quis colocar toda a Igreja.

Decorridos dez anos de pontificado, temos de dar graças a Deus pelo Papa que Ele nos concedeu como guia e mestre da Igreja e do mundo...



António Sílvio Couto

sábado, 11 de março de 2023

Tempo da Igreja e tempo da comunicação social

 


Na pressa de querer influenciar – contido na informação, no comentário e nalgumas posições das forças da comunicação social – temos visto uma solene e gritante discrepância na contagem do tempo, tanto para esta força de poder como naquilo que para a Igreja católica significa e representa no hoje da história. São duas formas quase-contraditórias de entender o tempo, pois, se na comunicação social fala-se sem pensar, tal é a pressa em noticiar, superficialmente, na Igreja, por método, pensa-se aturadamente o que pode parecer que se está a adiar ou a ganhar tempo.

Nos tempos mais recentes a Igreja católica foi-se aferindo àquilo que boa parte da comunicação pretende: dizer atempadamente aquilo que se pode, deve e é preciso, não deixando para amanhã aquilo que devia ter sido dito anteontem.

1. Os entendidos da comunicação no espaço da Igreja precisam de esclarecer os seus parceiros de tarefa o que está a ser feito é um grande esforço de aferição aos ritmos da própria Igreja, habituada a ponderar, a falar pela certa, a não entrar em conjeturas e tão pouco a queimar etapas na sua comunicação para dentro e para fora. As críticas que têm sido proferidas para com os bispos sofre desta pecha, pois muitos deles, mesmo tendo gabinetes de comunicação nas dioceses, ainda vão gerindo o processo à moda antiga.

2. Neste capítulo dos ‘abusos sexuais’ há duas vertentes que precisam de ser tidas na devida conta: algumas redações têm uma agenda encriptada para desautorizar – a palavra deveria ser outra, mas um espaço destes não nos permite usar temos do calão – os bispos e, por outros lado, boa parte dos intervenientes nas questões veiculadas desconhece – umas vezes por ignorância e outras por transferência para a esfera da Igreja das leituras e argumentos que usam nos assuntos políticos – partidários ou de teor autárquico... A autonomia das dioceses dá autoridade a cada bispo de tratar das questões como achar mais corretas e não à maneira de todos alinharem num pensamento mais ou menos de rebanho... Certos comentadores fariam um bom serviço a si mesmos se ficassem calados: o seu silêncio seria uma intervenção solene, não deixando escapar opiniões sobre aquilo que não sabem, tornando-se, de alguma forma, ignorantes encartados.

3. No tempo em que tínhamos homens da Igreja que sabiam dizer – mesmo sem as técnicas dos cursos de jornalismo – vimos bispos cuidarem da comunicação, não andando a falar a toda a hora e momento, numa verborreia sem contéudo, mas não com muita aparição... como hoje vemos alguns dos prelados. Quem ensinou Jesus a contar histórias e através delas fazer a comunicação duma mensagem intemporal? Onde aprendeu Paulo e com isso deu-me formas de estar que ainda estão atuais? Costuma ser uma arte essa de promover certas figuras, enquanto interessam, mas que depois são chutadas para longe da ribalta, dado que fizeram o papel que lhe foi acometido. Urge saber quem manda em quem. Quem manipula quem ou o que serve de disfarce para se estatelar, pois em breve já não tem uso nem interesse? Certas simpatias e cordialidades podem esconder outros interesses e servidores...

4. A qualidade da comunicação social está ao nível dos temas com que se entretém e faz dos tempos das noticias espetáculos, no mínimo, degradantes, só comparáveis aos tutores morais que os engendram, promovem e divulgam. Já não basta dizer o que foi dito ou mostrado, é preciso acrescentar onde ou por quem foi dito ou apresentado.

Se a Igreja tem de aprender a comunicar segundo as regras dos nossos dias, também os comunicadores deverão entrar na lógica comunicacional da Igreja ao longo dos séculos: desconhecerem-se poderá ser fatal para todos, mas sobretudo para os cristãos, cuja missão neste mundo é e sempre será paradoxal. Quando todos nos entenderem, será de questionar senão baixamos a guarda ou se o mal não assaltou a nossa Igreja...manifestamente.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 10 de março de 2023

Anulação do batismo

 

Os tempos que correm parecem ser propícios para as maiores barbaridades e tomadas de posição a roçar o esquisito. Perante o ambiente que atinge a Igreja católica – com os casos de alegados abusos sexuais – têm sido muitas as vozes e os ditos, uns mais sensatos e outros mais exuberantes. Começam a surgir casos de pessoas – por sinal da região norte do país – que pediram para anular o seu batismo. A este procedimento chama-se apostatar da fé, isto é, o repúdio total da fé cristã.

Mutatis mutandis: a alguém passará pela cabeça, em perfeito juízo, dizer que quer ver anulado o seu registo de nascimento, até porque – no nosso caso – nasceu português e desejava ter outra nacionalidade...mais sonante ou com tiques de maior importância social? Por certo que há coisas do nosso passado pessoal, familiar ou social que não podem ser desmarcadas, como por exemplo os pais que tivemos, o lugar do nascimento ou até a condição económico-social. Está nos nossos genes... Será um tanto difícil de ultrapassá-los.

1. Deixemos por momentos a presunção de não quer ser mais cristão. Será que isso obriga a desfazer algo para o qual não fizemos nada, se éramos crianças, mas que podemos consciencializar mais tarde ou mais cedo. Esta atitude apostasia – sobretudo quando divulgada – pode encobrir algo mais do que uma posição ou modo de ser e de querer estar. Com efeito, não é por não participar nos atos cívicos adstritos à minha condição de cidadão, que irei desarriscar-me do cartão de cidadão, como contribuinte, enquanto beneficiário do serviço de saúde ou de poder usufruir da prestação da segurança social. A anulação do registo do batismo – pois o ato ninguém mo poderá tirar nem à força – pode querer dizer mais do que uma posição contra a Igreja ou mesmo contra Deus. A admiração está em que tais notícias surjam – outros se poderão seguir – num ambiente algo tenso e de manifesta controvérsia quanto a temas de teor ético-morais...no contexto da Igreja católica.

2. Estes episódios poderão ajudar-nos a refletir sobre o significado do batismo nas suas diversas vertentes. Será que a maioria das pessoas entende o batismo como um sacramento – sinal da graça de Deus – ou como oportunidade de festa? Estamos já fora da avalanche de batizados das décadas de cinquenta a noventa do século passado: eram às centenas, agora poderão chegar às dezenas. A mentalidade para a receção do batismo mudou radicalmente: antes eram celebrados nos primeiros meses, agora estão colocados nos primeiros anos. Tem vindo a desenvolver-se a prática de fazer mais do que batizado, mesmo da mesma família, quanto de familiares afins. Com a volatilidade das relações das pessoas e das famílias, muitos dos batizados solicitados como que funcionam para fazer festa – incluindo dezenas de convidados – já que o casameno de índole católica está condicionado ou mesmo sem possibilidades de acontecer. Mesmo na condição de serem crianças (até à idade dos seis anos) estas, por vezes, correm o risco de serem ‘exploradas’ naquela celebração mais ou menos social...

3. Reporto-me à situação na diocese de Setúbal e na fórmula mais simples de encarar o ‘como e a quem batizar’, neste contexto. Acima de tudo devemos ter em conta quem pretende ser batizado e, em particular, na área das crianças. Quem peça o batismo, nas devidas condições humanas e cristãs, será sempre atendido. Não se pode recusar a graça e o dom de Deus. Sobretudo no caso das crianças, estas não tem culpa dos pais que lhes tocaram em sorte. E nem a exigência para com os padrinhos poderá ser obstáculo. Alguns deixariam bastante a desejar, se fossem incluídos como figurantes da celebração. O Código de Direito Canónico diz que ‘tenha ao menos um padrinho ou uma madrinha’ (cânone 872)... Poderei ter dúvidas da real efetivação de outros sacramentos, como o matrimónio, mas, no caso do batismo, ao invocar da Santíssima Trindade sobre o batizando, isso acontece verdadeiramente. Aquele batizado torna-se morada de Deus e isso deverá ser cuidado pelos pais e padrinhos, assim eles entendam a missão que lhes é confiada.

Se o batismo fosse levado a sério por todos, seríamos mais conscientes daquilo que nos faz Igreja...



António Sílvio Couto

quarta-feira, 8 de março de 2023

Ministério da ‘educação ou do ‘ensino’?


Pelo que temos visto e ouvido, há longo tempo e mais recentemente, parece que são precisas mudanças de designação: onde se diz ‘ministério da educação’ devia passar a designar-se por ‘ministério do ensino’, pois, de educação vemos que aqueles que são pagos – bem ou mal não está em causa – parecem não serem bons professores de educação, a avaliar pelas atitudes que mostram nas ruas, por ocasião dos protestos… tão inflamados.

Qual será a autoridade de algum dos professores vistos nos protestos, se tiverem de corrigir atitudes menos bem-educadas dos seus alunos? Estes não poderão ripostar com as mesmas palavras (por vezes quase palavrões) e gestos de menor respeito? Será, então, a escola um espaço onde se aprende a educação ou onde meramente se captam conteúdos de saber? Não andaremos desfocados do essencial, derramando-nos em pormenores desconexos? Por que se torna tão difícil resolver um problema com tanta duração?

1. A já longa batalha dos professores, pelas condições que almejam, tem-se arrastado por décadas. Nalgumas circunstâncias o que conhecemos de certos ‘professores’ é vê-los na contestação e não nas salas de aulas. Talvez alguns tenham estado mais a estudar como protestar do que como ensinar. Certas figuras parecem emergir do lodo como tortulhos de mau-consumo. O panorama é sombrio e não se prevê que possa melhorar, antes pelo contrário…

2. O setor da educação – escolas, alunos, professores, pessoal discente, famílias – anda a ser maltratado, tanto na forma como no conteúdo, atendendo aos intervenientes profissionais e aos representantes estatais desta área específica de governação. Se nos detivermos sobre os números veremos que, na última década, os alunos decresceram (menos trezentos mil), o corpo docente foi minguando (cerca de trinta mil, no ensino público, em quinze anos, num total de cento e trinta e dois mil) e até os estabelecimentos de ensino, para além da diminuição (desapareceram quase nove mil, desde o início do século), estão, cada vez, mais degradados. Diga-se: uma forte crise perpassa por este vetor essencial para o futuro do nosso país.

3. Com tantos e tão diversos problemas, quem deseja ainda ser professor? Quem optará pelo ensino para dedicar a sua vida e com isso sobreviver em dignidade? Não correremos o risco de hipotecar a nossa conduta coletiva sem professores com o mínimo de qualidade? Atendendo à média de idade – setenta por cento são mulheres e com mais de cinquenta anos – que nos reserva esperar a curto e a médio prazo? Mesmo que sejam atendidas as reivindicações publicitadas, não cairemos num fosso quase sem recuperação?

4. Na recente crise – ainda em curso – foi posta a manifesto uma desarticulação entre a escola e as famílias, entre quem tem a tarefa de ensinar e aqueles aos quais está acometida a função de educar. Embora se tenha pretendido lançar essa responsabilidade para as escolas, estas demonstraram com facilidade que não têm condições para o fazer, até pelo que vimos de alvoroçado por partes de muitos professores, que mais pareciam adolescentes pré-universitários do que homens e mulheres formados para formar os mais novos. Ora, tudo isto é grave demais e pode deixar consequências no tecido social, algo fragilizado e como que preso por arames…

5. Se atendermos aos slogans exibidos – por escrito ou gritados – nas manifestações dos professores poderemos encontrar não só o reflexo do presente como se advertirão os passos futuros. Eis alguns exemplos: respeito, em defesa da escola pública, em união por amor à educação, educação não é mercadoria, a lutar também estamos a educar…

De entre os vários aspetos dá a impressão que algo pode ter-se voltado contra os promotores e/ou participantes: a dita/pretensa ‘escola pública’ dá segurança na aprendizagem e prepara para o futuro? Com o prolongamento de tudo isto não se estará a desviar a ‘matéria-prima’ (os alunos) para as opções contrárias às desejadas? Mexeram com algo que pode rebentar nas mãos de quem o desencadeou… O futuro o confirmará!



António Sílvio Couto

terça-feira, 7 de março de 2023

Simão e Pedro

 

«Simão Pedro oferece-nos a imagem do ministério desta tensão salutar. O Senhor educa-o e, gradualmente, forma-o e exercita-o para permanecer assim: Simão e Pedro. O homem comum, com as suas contradições e fraquezas, e o homem que é Pedra, o que tem as chaves, o que guia os outros. Quando André o leva a Cristo assim como está, vestido de pescador, o Senhor dá-lhe o nome de Pedra. Acabara apenas de elogiar a sua confissão de fé, que vem do Pai, e já o repreende duramente porque tentado a escutar a voz do espírito maligno quando diz a Jesus para pôr de lado a cruz. Convidá-lo-á a caminhar sobre as águas e deixá-lo-á começar a afundar no seu próprio medo, para de imediato lhe estender a mão; logo que se confessa pecador, dar-lhe-á a missão de ser pescador de homens; interrogá-lo-á repetidamente sobre o seu amor, fazendo-lhe sentir pesar e vergonha pela sua deslealdade e covardia, mas também três vezes lhe confiará o pastoreio das suas ovelhas. Sempre estes dois polos»…

Esta reflexão foi feita pelo Papa Francisco, em junho de 2016, no decorrer de uma meditação dum retiro para padres, na Basílica de São João de Latrão, Roma.
Decorridos quase sete anos, esta citação poderá servir-nos para enquadrar tantas das intervenções por ocasião das ‘leituras’ do relatório da ‘comissão independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja católica’, em Portugal, (13 de fevereiro) e ainda das ‘interpretações’ da conferência de imprensa da ‘conferência episcopal portuguesa’ (3 de março)...
De facto, de dentro e de fora do circuito da Igreja católica temos visto e ouvido posições que mais parecem posições de contra-ataque do que tomadas de posição sensatas e sérias, com conteúdo e sem alarde individualista; de quem se conhece e de quem reconhece nos outros os seus próprios erros; de quem defende a vida dos inocentes e não de quem prefere a morte dos pecadores; de quem quer aprender com a história e não de quem se entretém com estórias; de quem sabe que vive em condição terrena e não de quem tenta inventar ‘céus’ para si e ‘infernos’ para os outros; de quem tenta ler os sinais de Deus nas coisas simples e não de quem aligeira o fardo quando é posto em causa...

- Não está em causa ilibar ninguém, se cometeu erros. Não podemos tentar varrer para debaixo do tapete qualquer ato de ninguém que possa ter prevaricado. Não está posta, de forma alguma, a possibilidade de querer inocentar quem possa ser doente nem que tenha cometido qualquer crime.

- Precisamos, sim, de saber distinguir os atos da pessoa da função da mesma. Ora, isso necessitará de reflexão serena e não tão apaixonada como certas figuras tentam imiscuir-se nas coisas da Igreja, dando a entender que pretendem, sobretudo, destruir a função com a condenação de quem tais coisas praticou. Considero que parece haver um propósito - tácito ou consertado - de atingir os ‘ministros’ da Igreja e as funções espirituais que desempenham…senão todas, algumas. Desde logo tudo quanto possa estar ligado ao sacramento da penitência - acolhimento, confissão ou acompanhamento espiritual - bem como às intervenções de âmbito religioso nas missas, especialmente no que refere àquilo que se diz - a verdade, na pregação - e aquilo que se faz - a desconexão, na vida - dentro ou fora do âmbito clerical.

- Nitidamente todos estão sob suspeita, seja quem o for (alegado) prevaricador. Isto parece ser benéfico para forças com alto teor ético - políticos, jornalistas, pensadores - republicano, pois, embora reconhecendo a separação dos poderes comportam-se agora como os mentores de uma ‘nova’ moral, onde não tem lugar a compaixão, mas a justiça feita-a-ferro-e-fogo: já está condenado quem ainda não sabe se é ou de que é acusado. Em tudo isto aquela que costumava ser a ‘voz de Deus’, que a ‘vox populi’ (voz do povo) tornou-se o mais implacável dos juízes e a quem recorrem os que pretendem fazer crer que são todos iguais...

- Claramente: Simão é pecador e, potencialmente, prevaricador, mas Pedro está investido de funções divinas. Não se troquem os papéis para nivelar tudo pelos pés. Voltando a citar a reflexão do Papa Francisco no retiro de padres, deixamos a sua interpretação. «O sinal de Pedro crucificado de cabeça para baixo é talvez o mais eloquente deste recetáculo duma cabeça dura que, para ser «misericordiada», se vira para baixo mesmo quando está a dar o testemunho supremo de amor ao seu Senhor. Pedro não quer terminar a sua vida dizendo «eu já aprendi a lição», mas sim: «Dado que a minha cabeça nunca vai aprender, viro-a para baixo». E acima de tudo, os pés que lavou o Senhor. Estes pés são, para Pedro, o recetáculo através do qual recebe a misericórdia do seu Amigo e Senhor».



António Sílvio Couto

segunda-feira, 6 de março de 2023

Jesus salvou-nos por amor e não pelo sacrifício

 


Estamos a viver, na Igreja católica, o tempo da quaresma, essa oportunidade pessoal e comunitária de conversão a Deus, aos outros e de si mesmo.

Sobretudo no contexto da Europa latina vemos, por esta ocasião, diversos momentos e propostas de religiosidade (mais ou menos) popular apelativas a manifestações que podem – ou não – ajudar a todos e cada um a referenciar mais e melhor a vida à mensagem do Evangelho.

Talvez seja oportuno enquadrar o título desta partilha, na medida em que – mesmo nas atividades quaresmais sugeridas – corre-se o risco de ollhar mais para o sacrifício (até) de Cristo e menos para a sua entrega por amor, onde o sacrifício foi meio e não finalidade.

1. Na sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Papa Francisco como que adverte alguns desses perigos. «Não se refugiar numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo ‘apenas Jesus e mais ninguém’».

Precisamos de desmontar certos ritos e umas tantas tradições, que já foram interessantes noutros tempos, mas que agora quase soam a oco e cheiram a mofo. O gongorismo de alguns sermões podem alimentar a emoção, mas será que motivam a conversão? O desfile de bandeiras e de opas servirão a fé ou enfeitam a vaidade? A assistência deixa-se tocar pela mensagem ou queda-se pela imagem mais ou menos lúgubre?

2. Enquadrando-nos na fase complexa que estamos a viver na Igreja católica, em Portugal, poderá ser útil deter-nos sobre alguns aspetos, por vezes, aduzidos por quem não nada tem a ver com a Igreja, embora a queira julgar como sociedade meramente humana e mundana.

Depois da purga da pandemia, estamos a experimentar a purificação pela exposição das fragilidades, erros, pecados e desamandos de alguns dos membros da Igreja, sobretudo desses de quem se esperava consonância entre a palavra e os gestos. Alguns mais fundamentalistas – atendendo aos outros e não a si mesmos – invectivam contra a desarmonia entre a proclamação da verdade e a possivel não-vivência da mesma. De chicote em riste querem matar o pecador, mesmo que ainda não tenha passado de alegado prevaricador. Outros cobardemente tentam desviar a atenção dos espaços em que se movimentam – associações, partidos, agremiações desportivas, entidades militares, etc. – exigindo muito para além do razoável daquilo que a Igreja católica se expôs e colocou a nu. Dá a impressão que uma parte dos que mais endurecem as exigências tentam desviar a atenção do seu passado... algo obscuro e talvez tenebroso.

3. Que têm em comum as críticas às questões da Igreja católica feitas pelos seus fiéis e as dos membros de partidos trotskistas? Que têm em comum as procissões pelas ruas das cidades, vilas e aldeias e as manifestações de grupos socioeconómicos ou de contestação sindical? O que serve de pano-de-fundo aos feriados religiosos, mesmo que não usados para os fins que lhes deram origem?

As estas questões poderemos responder com uma expressão que fez furor e marcou muitas gerações: cristandade, isto é, a coincidência entre sociedade civil e função religiosa... ainda nos nossos dias. Ora, a cristandade, desde meados do século vinte, faliu e com ela muitas das regalias da religião católica. Os membros da Igreja católica, em Portugal, sociologicamente estão em minoria e a própria Igreja precisa de reaprender a saber estar, bem como todos aqueles que ainda a veem como força social e não como entidade agregadora espiritual. Muitas das críticas – procedentes de espaços fora da Igreja – não passam de intromissão na esfera daquilo que não está mais sob a alçada de quantos, não fazendo parte dela, têm de cuidar da sua autonomia...

Parece claro para muitos dos nossos concidadãos: a Igreja católica continua a fazer temer. Por quê?



António Sílvio Couto

sexta-feira, 3 de março de 2023

Bitaites das margens

 

Graal, Nós somos Igreja, Ação católica dos meios sociais independentes, Metanoia – movimento católico de profissionais, Comunidade da capela do rato (foco ecológico) e Grupo sinodal nós entre nós… são seis dos grupos de onde proveem os subscritores (dizem que são os mesmos da carta de novembro de 2021) da nova missiva – de 1 de março – endereçada aos bispos da Conferência Episcopal Portuguesa, preconizando medidas para com os ‘abusadores que estejam atualmente ao serviço da Igreja’.

Mais uma vez o libelo surgiu numa publicação – aqui na lista dos mentores são só seis, quem ficou à margem para completar a perfeição? – que tem feito do assunto dos abusos sexuais na Igreja uma nítida cruzada contra tudo e sem deixar rasto que não seja de justicialismo a todo o custo. Nesta ocasião foram 219 subscritores…

1. Lemos na publicação mentalizadora:

«A carta aos bispos sugere medidas imediatas, a adotar nos próximos 30 dias, como as referidas acima, e outras a adotar ao longo dos próximos dois meses. Entre estas, os autores da iniciativa propõem que a atual rede de comissões diocesanas relativas aos abusos se recentrem na prevenção primária e na formação; que os bispos encobridores, a existirem, se retirem de funções; e que se tomem medidas relativamente a “todos os abusadores que estejam atualmente ao serviço da Igreja” (“suspensão com carácter preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e, no caso de clérigos, passando ao estado laical”).
Num horizonte de seis meses, os bispos portugueses são ainda convidados a: promover e incentivar o acesso e estudo do relatório da CI e suas conclusões entre os agentes de pastoral, “prevenindo a tentação negacionista ou de relativização do fenómeno criminal”; elaborar “um manual de boas práticas que ajude os agentes pastorais a prevenir situações de risco e a identificar indícios de casos de abusos, bem como a acolher e encaminhar vítimas”; encetar “uma reflexão de fundo sobre o impacto negativo que a perceção distorcida sobre a sexualidade humana tem vindo a causar em toda a Igreja, com a ajuda de especialistas externos”; proporcionar “um acompanhamento aos abusadores que necessariamente inclua tratamento psiquiátrico e psicológico”».

2. Não deixa de ser simbólico que, por estes dias, num canal televisivo com coisas do passado, esteja a ser exibida uma série sobre o tempo de um seminário no interior do país, na década de quarenta do século passado. Daquilo que tenho visto, recordo os meus quatro anos de camarata no seminário menor: os ritmos, os tempos de estudo, o trato algo rude de alguns superiores, esse ‘tempo de tropa’ na adolescência… Ali naquela filmagem não se veem nenhumas das atrocidades por agora aduzidas aos tempos dos seminários naquela época. Por mim o digo: nada vi nem ouvi e éramos mais quinhentos nesse seminário de Braga em meados da década de setenta…quando ocorreu a revolução de 25A…

3. Confesso com humildade e escândalo: muitos dos que se apregoam acusadores de certos abusos – condenem-se, claramente, os culpados – parecem treinadores de bancada, que nunca jogaram nem estiveram no espaço de provação: querem dar lições, mas nunca souberam apreciar aquilo que a Igreja fez por tantos que receberam meios (humanos, de formação e de afirmação) de serem pessoas dignas nos bancos dos seminários, com superiores que os souberam conduzir até ser homens-de-corpo-inteiro, alguns sendo padres e tantos outros bons cidadãos e ínclitos cristãos…

Certas lições soam a pregadores-papagaios, que, se não fosse a Igreja (e o dizerem mal dela), andariam a mendigar para sobreviverem no espetro jornalístico e profissional.

4. Nesta Igreja que amo e sirvo não há só vândalos, como, por vezes, nos querem impingir. Não se confunda a árvore com a floresta nem se deite fora a criança com a água do banho!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 2 de março de 2023

Desculpa: força ou fragilidade?

 


Embora o Papa Francisco tenha introduzido o significado da conjugação de três expressões – com licença, obrigado e desculpa – talvez possa haver algo de menos assertivo no uso, na abrangência e na conjugação, sobretudo, de ‘desculpa’... Deixamos as outras palavras para futuros momentos.

Vejamos o alcance (mais ou menos plausível) ou os sinónimos de ‘desculpa’: perdão de culpa ou ofensa; alegação atenuante ou justificativa de culpa, ofensa, descuido; escusa, pretexto. Perdoar uma falta cometida; explicar uma falta ou um erro. indulto, indulgência, perdão, absolvição, vênia, clemência. Arrependimento: contrição, arrependimento, lamentação, pesar.

1. A avaliar pelos efeitos, a desculpa não atinge o que é essencial, pois toca as franjas da pessoa e não a sua essência. Em muitos casos a desculpa olha para o que se vê e não para aquilo que se pode (e deve) considerar a ofensa dada e recebida. Num tempo algo marcado pela superficialidade, a desculpa não atinge totalmente o que, de facto, criou matéria de rutura e que precisa de ser recomposto. Na paleta das emoções, a desculpa não passará de um ténue pincel, que deve ser usado com a subtileza do mestre pintor, em ordem a tecer a recuperação dos desavindos e que é muito mais do que uma fraseologia rebuscada...

2. Na linguagem popular costuma ser referido: as desculpas não se pedem, evitam-se! Embora se ande por aí a lançar desculpas por tudo e quase nada, precisamos de ir mais fundo a este assunto, sobretudo, se nos inserirmos numa tonalidade cristã. Com efeito, para um cristão a desculpa poderá ser a antecâmara de algo bem mais sublime, que é o perdão. Este ultrapassa as fronteiras mais ou menos vulgares da dita desculpa: mexe com a profundidade e não se limita a ficar nas franjas das questões, dos problemas ou mesmo das pessoas. Embora quem recorra à desculpa já possa estar a ensaiar para a atenção para com o outro, no perdão isso acontece muito para além da dimensão meramente humanista ou em visão horizontalista.

3. Recorrendo às Sagradas Escrituras podemos encontrar a palavra ‘perdão’ quarenta e cinco vezes no Antigo Testamento. No Novo Testamento, tendo Jesus como critério e mestre, ‘perdoar’ aparece cento e quarenta e cinco vezes. Se tivermos em conta que o perdão envolve dois aspetos – o humano, pessoal e o divino, sobrenatural – poderemos considerar que, quando alguém perdoa a outrém, está a deixar funcionar a dimensão divina, sobrenaural, da sua condição humana.

Perdoar vem do latim ‘perdonar’ – dar/doar com.... Assim, ao perdoar estou a dar o meu esquecimento sobre aquilo que alguém me fez. Faço isso muito para além da minha capacidade humana, enquanto cristão como sinal e presença de Cristo, que sempre perdoou, até ao momento extremo da sua vida em condição terrena: Pai, perdoai-lhes!

4. São muitos e variados os casos de pessoas doentes – de forma circunstancial ou de modo mais prolongado – que o são devido a não viverem (ou não conseguirem) o perdão. Com efeito, o perdão dado e recebido e vice-versa poderia resolver muitos dos conflitos humanos – pessoais, familiares, sociais, políticos, religiosos ou outros – que vemos proliferar em nós e à nossa volta. De facto, não é com meras desculpas que se ultrapassam muitos dos problemas e erros do passado. Esses poderão ser avisos para que é necessário algo mais profundo do que simples palavras de circunstância.

Neste momento há campos humanos e sociais que precisam de entrar num processo de perdão, onde se possa ver que os intervenientes acreditam em si mesmos e também darem crédito aos sinais dos outros. Mesmo que os prevaricadores sejam julgados e castigados, a dimensão do perdão não poderá ser esquecida ou menosprezada.

5. Desculpas leva-as o vento. O perdão toca mais profundamente, quem perdoa e quem é perdoado.Assim consigamos construir uma sociedade alicerçada no verdadeiro perdão...



António Sílvio Couto