Por estes dias foi notícia que
uma mulher, viciada no jogo da ‘raspadinha’, vai processar a entidade promotora
por publicidade enganosa, pois, segundo ela, dizem que se ganha sempre e ela,
mesmo apostando um euro de cada vez, nunca lhe saiu o que era prometido.
O caso é ainda mais grave se
atendermos a que a senhora em causa vive da prostituição e quando ganha algum
dinheiro dessa atividade logo vai investir no dito jogo… sem resultado nenhum!
Mais do que um episódio a roçar
um certo caricato esta situação é muito mais habitual do que parece, pois muita
gente pretende ser rico sem trabalhar e ainda o recurso ao jogo poderá
tornar-se um vício com dimensões quase incalculáveis.
- Quando vemos agravarem-se as condições
económicas do país e das pessoas, é comum proliferar a tentativa de esgravatar
modos de sobrevivência. Repare-se nas apostas em frenesi, quando soa que há
jackpot de algum dos jogos mais populares…
- Muitas vezes sob a capa de
ajudar causas sociais, a entidade promotora – que até ostenta um nome de
bem-fazer – procura ludibriar os mais aflitos, pois com pouco se tenta
conseguir o muito de forma fácil, barata e sem trabalho… jogando, por vezes, os
derradeiros recursos!
- Mais uma vez parece que somos
levados a crer que o fascínio da riqueza – sobretudo se for rápida – seduz
muito mais do que o correto esforço e o salutar merecimento pelo trabalho
daquilo que se tem e do que se ambiciona ter.
- Em tempos de abaixamento moral
vão surgindo salvadores com promessas de sucesso – de facto, só no dicionário é
que ‘sucesso’ está antes de ‘trabalho’ – e de fortuna, criando novas ilusões
sem que se faça o diagnóstico do que valemos, pois se pensa, ilusoriamente, que
o dinheiro compra a felicidade em vez de, tantas vezes, a condicionar.
- Quantos expedientes de fuga se
procuram engendrar para iludirmos a nossa incapacidade de nos aceitarmos com os
dons e as capacidades, os erros e os insucessos, as vitórias e as conquistas,
os conflitos e as reivindicações… Neste tempo que nos é dado viver não podemos
continuar a ignorar quem nos tenta manipular ou nos quer comprar como novos
escravos de uma nova etapa de consumismo.
= Sugestões para nova conduta
Perante estas incidências de
busca de bem-estar com tonalidades de egoísmo ousamos propor breves sugestões
ou desafios para a nossa conduta pessoal, de grupo, social ou coletiva:
. Cultivar a partilha fraterna – quando tantos tentam impor-se aos outros, mesmo que
isso implique pisá-los sem olhar a meios, importa gerar critérios onde a
partilha para com os outros os dignifique e os levante em vez de os maltratar
com subtilezas mais ou menos materialistas.
. Promover a solidariedade – quando muitos se fecham às necessidades dos outros por
defesa ou por desinteresse, urge criar sinergias de valores, desde a linguagem
até aos gestos, por forma a estarmos atentos a quem vive ao pé de nós… sem nos
fecharmos aos mais amplos desafios ao longe e ao largo.
. Desenvolver espaços de convívio – quando tantas e tão diversas iniciativas tentam fazer
com que as pessoas saiam (ou procurem sair) de casa, não podemos desprezar quem
queira desenvolver oportunidades de confraternização, seja nos espaços
convencionais (associações, igrejas, cafés ou tertúlias), seja pensando noutros
mais inovadores, como vivências de oração, de apoio a outros ainda mais
necessitados ou até cultivando a mente e cuidando a cultura em ‘universidades
seniores’ ou salas de animação… inter-geracional.
. Investir no património das pessoas – quando tantos investem na recuperação do património
edificado – nesse espetáculo de degradação de muitos centros históricos de
vilas e cidades! – é urgente lançar mão de todas as energias para que não
sucumbam verdadeiras enciclopédias de vida, que são tantos dos nossos mais
velhos, nem sejam enterrados aqueles/as que são a memória viva do nosso passado
coletivo. Temos de recolher os seus depoimentos e de guardar o que nos possa
ajudar a ter sentido de futuro… neste presente.
António Sílvio Couto