A notícia foi dada pelo autarca de Barcelos, que deu nota de que havia naquela cidade quem alugasse cães para permitirem que os ‘donos’ possam sair de casa, por ocasião do confinamento mais recente.
O edil deu ainda referência a
que alguns dos animais davam a entender, pelo cansaço manifestado, que seriam
obrigados a irem à rua mais do que uma vez por dia…
Numa avaliação desta esperteza –
costuma apelidar-se de ‘saloia’, mas aqui foi praticada por minhotos – daqueles
concidadãos, o autarca não deixou de estranhar a habilidade, condenando mesmo
tais expedientes.
«De
entre as exceções à condição de emergência, em que estamos a viver, sobressai a
possibilidade de levar a passear o cãozinho (ou canzarrão) à rua. Essa poderá
ser uma razão ou até uma desculpa para infringir o dever de recolhimento para
muitas pessoas e uma boa parte de insatisfeitos com aquilo que se está a
vivenciar.
Que dizer, então, da confluência de arejamento,
quando duas ou três ‘vizinhas’ (ou vizinhos) se encontram à esquina da rua e,
colocando os ‘lulus’ (de estima, de companhia ou de substituição) à distância
de segurança (pelo menos dois metros), se colocam na conversa – a tal treta – sustida
pela trela dos seus argumentos para saírem de casa? Será esta mais uma das
habilidades, à portuguesa, para tornear as regras e fazer-de-conta que está
tudo normal? Quantas vezes e por quanto tempo se pode usufruir (usar ou abusar)
deste regime de exceção por dia? Não andaremos a explorar os animais com os
‘nossos’ descuidos e subterfúgios de ocasião?».
Por
muito ou pouco cumpridores que nos consideremos, parece que há um quê de
rebeldia em cada um de nós…português/portuguesa: subverter a lei emerge com
muita facilidade ou com mais regularidade do que seria desejável. É de razoável
riqueza o nosso léxico, manifestando este património imaterial da cultura
popular. Vejamos algumas dessas expressões mais significativas: esperteza saloia, chico-espertismo, desenrascanço,
espírito de improviso, saber safar-se, viver de expedientes…realçando mais
as nossas capacidades encobertas do que as possibilidades explícitas dos
outros, sejam simples cidadãos ou mesmo autoridades.
Qual o
alcance de cada uma destas ‘expressões’ ou palavras? Que revelam elas da nossa
identidade pessoal ou nacional? Que manifesta isto da nossa esperteza
individual sem menosprezar a inteligência alheia? Até que ponto sabemos tornear
as questões sem deixar (quase) nada que nos possa comprometer?
– ‘Esperteza saloia’ tem a ver com a
necessidade de defesa de uns tantos, os saloios – cultivadores da terra e sem
grande instrução – perante os outros (‘alfacinhas’) ; aqueles usavam de
esperteza para vencer a argúcia destes…antecipando-se por habilidade, isto é,
enganando antes de virem a ser enganados. O pior é quando os ‘saloios’ (no
sentido pejorativo) se multiplicam noutras latitudes…
– ‘Chico-espertismo’ configura
idêntica capacidade de não deixar a descoberto as suas (naturais) debilidades,
enfatizando mais aquilo que lhe dá proveito do que é (possível) prejuízo…
Segundo alguns momentos de dificuldade, o chico-esperto tenta subverter o que
outros aceitam como regra, que ele faz exceção para ser a ‘sua’ regra…até que
se venha a descobrir.
– Desenrascanço/improviso/safar-se
– coisas em que o português médio é mais ou menos perito, sobrevoando sobre a
concorrência e saindo-se bem sem para isso estar preparado. Dizem que somos
bons a safar-nos e nem sempre quando temos de prestar contas, isto é, se as
coisas estão mais programadas… Isso era! Também temos capacidade de desenvolver
ações previstas, mas temos, por excelência, uma habilidade que suplanta outros
povos e até culturas… Até quando?
António Sílvio Couto
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