Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Entre ‘já’ e ‘ainda não’... vivendo ‘talvez’!


Se usarmos a linguagem teológica, decorrente da mentalidade expressa, de sobremaneira, no Concílio Vaticano II, saberemos que a conjugação das expressões ‘já’ e ‘ainda não’ se reportam à condição de contingêngia da presença da Igreja no mundo, na medida em que já vive a plenitude de Deus, mas ainda não a exprime de forma plena... Concretamente na constituição dogmática, Lumen gentium, sobre a Igreja (números 48 a 51) se fala na índole escatológica da Igreja peregrina e a sua união com a Igreja celeste, bem como na constituição pastoral, Gaudium et spes, sobre a Igreja no mundo actual (números 40 a 45) se refere a função da Igreja no mundo... pela cidadania cristã onde cada qual vive e aponta para mais Além...

1. Situação do ‘já’... presente e escatológico

Sem pretendermos entrar em lições de natureza teológica, poderemos interpretar o tempo em que vivemos – concretamente o futuro do novo ano – como a oportunidade que nos é concedida para percebermos o que ‘já’ aconteceu de real e vivenciado, tendo em conta a força radical em Jesus, Verbo encarnado e redentor: n’Ele, por Ele e com Ele o ‘já’ da história tem novo significado e a nossa condição terrena e temporal de crentes, sobretudo, em Cristo, ganha outra dimensão e actualização.

Num tempo bastante marcado pelo relativismo imediatista, onde, por vezes, cada pessoa faz de si mesma uma espécie de ‘absoluto’, que tenta aniquilar os outros relativos, como que se torna urgente encontrar as marcas divinas em cada um dos nossos companheiros de caminhada e/ou interlocutores: assinalados pela dimensão divina – onde pela força do baptismo será ainda mais notável e indelével da graça de Deus em nós! – somos chamados a viver no ‘já’ de relação com os outros, apresentando uma dignidade divinizante e divinizadora.

2. Condição do ‘ainda não’... em memória prospectiva

De facto, há vivências – sobretudo para os cristãos – que têm no desígnio divino a marca do presente escatológico em situação do ‘já’, embora em proposição do ‘ainda não’: estamos salvos, mas em contingência de pecadores; estamos glorificados, mas em condição de penitentes; estamos a viver o Reino de Deus, mas em condescendência de sementes... para a eternidade.

Quantas vezes sentimos e vivemos o ‘ainda não’ da vitória sobre a nossa condição pecadora. Quem não se escandaliza com as faltas – leves, graves ou mortais – de tantos dos cristãos, a começar pelos seus ministros! Quem não será susceptível à vaga de críticas aos erros da Igreja – sobretudo na dimensão católica – particularmente por ocasião das principais festas religiosas tradicionais, do Natal e da Páscoa! Com que furor – nalguns casos a roçar a fúria! – são expostas algumas das mazelas morais de membros do clero, desde que possam desviar a atenção de outros grupos e influentes sectores mais ou menos conhecidos... no âmbito da política contra a família, anti-vida e (até) no alcance da justiça... adiada!

3. Vivendo sob conjugação do ‘talvez’!

De verdade a ditadura do relativismo em que nos movemos como que pode condicionar a atitude de vida de muitos dos cristãos: vivemos numa certa era do descartável, onde pessoas e coisas se tornaram aparentemente importantes se delas nos aproveitamos mais ou menos com interesse... Depois duma moral rigorista – e quase estóica, senão no pensamento pelo menos na práxis! – agora vivemos num quase epicurismo popular e num hedonismo inteletual, procurando cada qual tirar proveito de si e dos outros como se fôssemos meros objetos de consumo... a curto prazo.

Nesta etapa do ‘talvez’ torna-se fundamental uma nova educação para os valores, tendo em conta os transcendentais – uno, bem, belo e verdade – e a sua aplicação à cultura de cada um. Com efeito, o ‘talvez’ poderá fazer a ponte entre o ‘já’ do ser e o ‘ainda não’ do existir, criando as condições mínimas e suficientes para que possamos viver nesta condição terrena de designados por Deus para sermos, neste mundo e neste tempo, os sinais divinos de Cristo e as centelhas do Espírito de Deus em cada lugar...

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Para uma nova ética da paz


«A paz pressupõe um humanismo aberto à transcendência; é fruto do dom recíproco, de um mútuo enriquecimento, graças ao dom que provém de Deus e nos permite viver com os outros e para os outros. A ética da paz é uma ética de comunhão e partilha. Por isso, é indispensável que as várias culturas de hoje superem antropologias e éticas fundadas sobre motivos teorico-práticos meramente subjetivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as relações da convivência se inspiram em critérios de poder ou de lucro, os meios tornam-se fins, e vice-versa, a cultura e a educação concentram-se apenas nos instrumentos, na técnica e na eficiência. Condição preliminar para a paz é o desmantelamento da ditadura do relativismo e da apologia duma moral totalmente autónoma, que impede o reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral natural inscrita por Deus na consciência de cada homem».

Na sua mensagem para o 46.º dia mundial da paz (1 de janeiro), o Papa Bento XVI centra a sua atenção na proclamação da bem-aventurança dos que fazem a paz.

Respigamos algumas das ideias que o Papa nos deixa como pistas de reflexão de conduta de vida... cristã neste tempo... colocando, por nossa parte, breves conclusões:

- Bem-aventurados os obreiros da paz – ‘as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida’.

- A bem-aventurança evangélica – ‘Jesus Cristo dá-nos a paz verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus’.

- A paz: dom de Deus e obra do homem – ‘A paz envolve o ser humano na sua integridade (...) A realização da paz depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em Deus, uma única família humana (...) A Igreja está convencida de que urge um novo anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal fator do desenvolvimento integral dos povos e também da paz’.

- Obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida na sua integridade – ‘Caminho para a consecução do bem comum e da paz é, antes de mais nada, o respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade dos seus aspetos, a começar da conceção, passando pelo seu desenvolvimento até ao fim natural. Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida humana em todas as suas dimensões: pessoal, comunitária e transcendente. A vida em plenitude é o ápice da paz. Quem deseja a paz não pode tolerar atentados e crimes contra a vida’.

- Construir o bem da paz através de um novo modelo de desenvolvimento e de economia – ‘Para sair da crise financeira e económica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico’.

- Educação para uma cultura da paz: o papel da família e das instituições – ‘Ninguém pode ignorar ou subestimar o papel decisivo da família, célula básica da sociedade, dos pontos de vista demográfico, ético, pedagógico, económico e político. Ela possui uma vocação natural para promover a vida: acompanha as pessoas no seu crescimento e estimula-as a enriquecerem-se entre si através do cuidado recíproco’.

- Uma pedagogia do obreiro da paz – ‘Há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz. Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida adequados (...). Pensamentos, palavras e gestos de paz criam uma mentalidade e uma cultura da paz, uma atmosfera de respeito, honestidade e cordialidade. Por isso, é necessário ensinar os homens a amarem-se e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que de mera tolerância (...). Isto requer a difusão duma pedagogia do perdão. (...) A pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança’.

= Perante estes desafios de Bento XVI como que podemos e devemos perscrutar os desígnios de Deus para nos comprometermos na construção da cultura da paz, pelo serviço à vida, tendo a família como espaço pedagógico e cultural, anunciando, em Igreja católica, de forma nova e ousada a Pessoa e a mensagem de Jesus, o Príncipe da Paz, ontem como hoje e por toda a eternidade!

 

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Desafios para aceitar e viver o Natal... deste ano!




A linguagem do Natal cristão é, por natureza, radicalidade e essência, de pobreza: Jesus nasceu num curral – daí a palavra ‘presépio’ – deitado numa manjedoura e tendo por companhia Maria e José, bem como alguns animais, certamente ovelhas e, possivelmente, a vaca e o burro (ou noutro registo o boi e o jumento)... 

Tentemos de forma simples e sincera colocar diante do presépio a inúmeras situações de pessoas que estão a passar dificuldades: os desempregados, os sem salário, os que têm a casa em risco por falta de pagamento da renda, aqueles a quem foi cortada a eletricidade e a água, os que não têm o essencial para dar de comer à família... os revoltados e os resignados, os que já desistiram e os que ainda lutam, os que acreditam em Deus e os que O rejeitam... os que estão bem na vida e os que esbanjam com futilidades, os que reivindicam e os que se azedam com os problemas, os que têm esperança e os que vivem em angústia... os que têm família e os abandonados, os que são marginalizados e os marginais, os que têm voz e os sós... as crianças e os velhos, os jovens e os adultos, os que compreendem a cultura do Natal e os que a rejeitam mas dela ususfruem consumisticamente... 

- Como poderemos viver, então, o espírito do Natal, se Deus não fizer parte dos critérios da nossa vida?

- Como poderemos desejar ‘bom Natal’, se esquecermos O festejado?

- Como poderemos gastam dinheiro em presentes – a maior parte das vezes são, antes, prendas! – se houver quem passe fome ao pé de nós?

- Como poderemos tentar iludir a nossa (pretensa) generosidade, se dermos, sobretudo, o que nos sobra?

- Como poderemos dizer que há Natal, se nos envergonharmos da raiz da sua celebração?

- Como poderemos disfarçar a celebração da vida, se os valores que vivemos – que é muito mais do que defendermos! – são materialistas e se inserem numa cultura anti-vida? 

= A força do Natal está, por isso, na vivência da partilha, seja de bens materiais, seja de bens psicológicos e espirituais... dos mais simples aos mais elaborados e complexos.

= A dimensão profunda do Natal exige-nos espírito de perdão e sinais de construção de concórdia e de paz... tanto na nossa casa, como nos locais de trabalho e até na vivência da fé, em Igreja.

= A contínua novidade do Natal estará em sabermos reconhecer os nossos erros e em termos compreensão – que é muito mais do que simples tolerância! – para com os outros, tentando discernir as suas razões em vez de estarmos, constantemente, a acusá-los ou até a julgá-los.

 Aproveitando a graça do mais recente livro do Papa Bento XVI, Jesus de Nazaré: a infância de Jesus, deixamos uma citação, que poder-nos-á ajudar a situar a celebração correta e atualizada do Natal deste ano:

«Aos pastores, o anjo tinha indicado como sinal que iriam encontrar um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura. Este é um sinal de reconhecimento, ou seja, uma descrição daquilo que se poderá constatar com os olhos; não é um ‘sinal’ no sentido de que a glória de Deus se teria tornado evidente, de modo a que se pudesse dizer com clareza: este é o verdadeiro Senhor do mundo. Nada disso! Neste sentido, o sinal é ao mesmo tempo também um não-sinal: a pobreza de Deus é o seu verdadeiro sinal. Mas, para os pastores que viram refulgir o esplendor de Deus sobre as suas pastagens, esse sinal é suficiente. Eles veem a partir de dentro, veem isto: o que o anjo disse é verdade. Assim, os pastores regressam cheios de alegria e glorificam e louvam a Deus por aquilo que viram e ouviram (cf. Lc 2,20)» (pp. 69-70). Queira Deus em nós darmos, neste Natal, este espírito de contemplação na vida!

 

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Qualquer coincidência é pura realidade!


É costume colocar-se em atitude de prevenção ao ouvirmos: ‘qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência’... numa espécie de desculpabilização entre o que se pretende que é e a realidade que pode acontecer. Por isso, a titulagem do que pretendemos escrever: qualquer coincidência é pura realidade... numa denúncia de que há fatos que, paradoxalmente, desmentem a realidade e que, por seu turno, há vivências reais que ultrapassam a realidade, mesmo a mais inventiva, democrática e até utópica.

Numa análise de coincidências e de pretensas realidades – algumas parecem mais fenómenos do que fatos – poderemos interrogar-nos sobre situações ‘normais’ e de normalidades mais ou menos questionáveis. 
- Que dizer das (mais) recentes afirmações do Presidente da Caritas nacional, quando refere que, se o ‘estado social’ – escrevemo-lo com letras em minúsculo pois o respeito encolhe perante as atrocidades vividas e/ou preanunciadas! – for negligenciado, passaremos a ter mais de quarenta por cento – diz mesmo que será  43 em vez dos atuais 17,9! – de pobres, em Portugal? Isso será realidade coincidente, ou, pelo contrário, manifesta uma coincidência da realidade? A quem interessa difundir tais números: a quem exerce o poder ou à oposição? Será que temos oposição sem poder ou, pelo contrário, poder sem oposição? Até onde irá a exploração dos ‘pobrezinhos’ por benfeitores engravatados – bem comidos e melhor falantes! – que se encavalitam na miséria, quais tortulhos crescendo do esterco? Até onde irá a ousadia de fazerem dos pobres uma espécie de etiqueta de lapela mais do que em sujarem-se – aspirando os odores mal-cheirosos dos que não se lavam por deficiência económica! – nas vielas e nos hálitos da falta de dignificação?

Qualquer coincidência é pura realidade à nossa porta, na nossa terra e neste país de (pretensos) ricos e maus pagadores!
- Que dizer dos discursos ‘inflamados’ de políticos e autarcas, deputados e vereadores – vestidos com roupas de marca e com perfumes de ocasião solene! – em defesa dos mais pobres, mas que só atendem, preferencialmente, os seus apaniguados? Para quem vão os cabazes de Natal? Um maltrapilho poderá ainda entrar no role dos atendidos? Quem for de cor política diversa dos atendedores terá lugar na listagem a ser beneficiada? Será que a fome tem rótulo e preenche os requisitos dos mandantes?
Qualquer coincidência é pura realidade a começar à nossa porta, na nossa rua e neste país de (pretensos) ricos, maus pagadores e difusores de novos e incontáveis pobres!
- Será que os discursantes em comícios e em congressos – mesmo de partidos (ditos ou auto-apelidados) defensores da classe operária, dos trabalhadores e dos mais pobres – sabem o preço das coisas nos mercados e nas mercearias? Será que sabem quanto vale o café ou o pequeno-almoço tomado fora de casa em comparação com um simples litro de leite? Será que lhes têm oferecido oportunidades de conhecimento dos custos ou preferem fazer demagogia com os gastos?

Qualquer coincidência é pura realidade dentro dos nossos espaços de convívio, na nossa terra e neste país de (pretensos) ricos, maus pagadores, difusores de mais pobres e manipuladores de consciências fragilizadas! 

- Até onde irá a camuflagem em certos setores da Igreja católica para que não se afirmem e que se assumam como uma das forças mais representativas do combate à pobreza em Portugal? Quem tem medo de dizer a verdade: será que é por nós temermos que nos fechem a torneira dos subsídios e que venham a tornar as nossas instituições inviáveis? De pouco importa o que nos dão se nós não tivermos meios de sobrevivência: teremos de continuar mudos e cúmplices? Teremos de calar certas injustiças e (pretensas) manipulações?

A realidade é mais profunda do que uma simples coincidência, por isso, precisamos de criar uma corrente de fraternidade onde, quem faz algo pelos outros, não tenha de mendigar o que se lhe deve por justiça nem que nos calem pelo medo só porque o ‘estado social’ está em colapso e nós podemos cair a qualquer momento. A realidade faz da coincidência uma aspiração de mais alto, de mais além e de mais cristão... para além do Natal!

 

António Sílvio Couto

(asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Sinais de fé... popular ou a fé como sinal... de vida?

«Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas».  
Este excerto da ‘Porta da fé’ n.º 2 do Papa Bento XVI como que nos pode servir de temática de reflexão, em tempo de Advento, numa perspetiva de caminhada runo à celebração do Natal.
Com efeito, nalgumas situações de matiz popular – dentro ou fora do espaço da Igreja católica – como que parece que estamos mais interessados em atender às ‘consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé’. De fato, certos tiques de tradição parecem mais atender às questões sociais e culturais da manifestação duma certa fé do que à verdadeira fé. Efetivamente, corremos o risco de usar ingredientes mais ou menos ousados e/ou consensuais, mas distraímo-nos do verdadeiro celebrado no e pelo Natal, que é Jesus Cristo, o Verbo encarnado e redentor.

= Num tecido social de cristandade profana
Embora esta expressão ‘cristandade profana’ seja de meados do século passado – de Jacques Maritain, em 1950 – ela está – mais do que nunca no ativo do nosso comportamento pessoal, familiar, social, cultural religioso (atendendo às implicações católicas em particular) – com incidência em inúmeros campos da nossa atividade humana.
Continuamos, efetivamente, a usufruir de regalias de índole religiosa, mas como que abjuramos – inconscientemente – as causas, embora saboreando as consequências, como por exemplo no caso dos feriados de âmbito religioso e ainda as festas de teor cristão e até as implicações de sabor popular sem as raízes que lhes deram origem nem as sustentam, como são, por vezes, as festas regionais e os festejos na maior parte dos concelhos... onde a coberto do/a santo/a se faz o que apetece mesmo que não se respeitem os promotores das mesmas...
Vivemos numa espécie de cultura envernizada por tonalidades de religiosidade profana, mas cujo cerne está corroído pela traça do consumismo e onde o verme da imagem que se quer dar suga a possibilidade de questionar as razões daquilo que se faz e quanto menos ainda se interroga sobre a incoerência e o oportunismo... social, político ou intencional.

= Como testemunhar a fé cristã neste Natal?
Mesmo que, por entre lamúrias e impropérios, contra tudo e para com todos – sobretudo invetivando o falido Estado providência – por certo não deixaremos de idealizar a vivência nostálgica do Natal – da família, da tradição, das comidas e das bebidas, do já vivido e do ainda ansiado – onde muitos dos mitos e ritos pessoais e familiares, culturais e sociais, religiosos e quasi-pagãos como que se soltam das amarras do nosso «eu coletivo» e reclamam espaço e tempo, senão na vida pelo menos na memória...
Nas recordações de infância tem um largo campo de saudade  o presépio de onde emerge como que em reminiscência uma cultura que se pretendia cristã, senão no total conteúdo, pelo menos numa certa forma mais ou menos diluída de ver e talvez de querer viver...
Agora que estamos em contenção de gastos – uns assumidos, outros tolerados e outros ainda indesejados – pode ser a oportunidade de vivermos a comunhão com a radicalidade de Jesus nascido no curral de Belém por não haver lugar para Ele na hospedaria. Agora podemos dar espaço e tempo à escuta e à partilha. Agora podemos e devemos tentar esvaziar-nos de tantas inutilidades (ditas) necessárias com que nos entretemos. Agora podemos, devemos e necessitamos de viver a pobreza do Evangelho no discernimento do nosso dia a dia. Queira Deus que o vivamos e o testemunhemos com humildade e verdade, já!

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)