Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 31 de dezembro de 2016

Da feira ao hospital



A poucas horas do final de 2016 – nalguns pontos da Terra já se festeja a passagem ao novo ano – tomei como resumo deste ano (quase) velho a expressão da ‘feira de gado’ – com que um governante caracterizou as conversações para a concertação social – e a romaria a um hospital privado – onde agoniza há mais de duas semanas um antigo presidente da república – enquanto milhares de pessoas enchem as urgências dos hospitais públicos…

Porque estes dois episódios? Que têm (ou podem ter) de significativo para o ano que termina? Como poderemos encontrar resumido o ano de 2016 em questões tão simples e talvez passageiras? Que país está retratado naqueles episódios que não possa estar noutros mais relevantes? 

= Antes de mais a conversa privada do dito ministro que classificou as negociações dos ‘parceiros sociais’ (entidades patronais e sindicais) com o governo como uma espécie de feira de gado, onde se vai regateando os preços até se chegar ao contento entre compradores, tem tanto de simplória, quanto de funesta, pois para muita gente poderá ter sido um mundo (rural) que desconheciam, mas de que o governante parece ter experiência, ao menos, de ouvido… e ainda que para umas tantas pessoas – que deviam ter mais respeito pelos outros – não passamos de ‘gado’, a vender/comprar, a submeter aos preços que se deseja e, possivelmente, sem a racionalidade capaz de se revoltar…

As desculpas – aceites pela maior parte dos envolvidos – são de muito não gosto e a roçar o indigno de quem, noutras circunstâncias, fez com que um outro governante tivesse de se demitir por gestos taurinos inadvertidos… Os critérios mudam conforme as vontades? Os sinais de poder fazem com que uns sejam castigados e outros ilibados?  

= A romaria ao hospital privado de eminentes figuras duma parte da nação deixa-nos um certo amargo de consciência, pois para uns defende-se o (democrático) ‘serviço nacional de saúde’, enquanto outros podem usufruir das regalias privativas – diga-se que todos deviam poder usar sem exclusão – a todo o tempo. Com efeito, estas coisas do ‘estado social’ servem para nivelar pelos pés o que devia ser elevado na qualidade sem ser preciso defender tudo e o seu contrário, desde que possamos dar a impressão que todos têm direito, mas só uns tantos participam… 

= É este o país que temos e que, em 2016, se pretendeu fazer mais democrático com ganhos de melhores ordenados, com reversão de direitos, com regalias repostas, com feriados revistos, com satisfação de promotores da reivindicação, com alguma paz social, com contas públicas mais ‘acertadas’ (os truques serão descobertos mais tarde), com bom desempenho dos ordenados… embora a economia não cresça, o ganho tenha sido – nas palavras do chefe do governo – poucochinho, as empresas continuam em dificuldade…mas o povo pode fazer festa, divertir-se cá dentro e lá por fora… 

= Este ano de 2016 foi memorável para as cores do futebol, do hóquei em patins, do atletismo; para as conquistas do novo secretário-geral do ONU; para os resultados económicos do turismo… viveu-se um tempo dalguma serenidade social, embora numa espécie de paz podre, onde mais do que a harmonia reina a desconfiança e se sente – qual espada de Dâmocles – a incerteza do terrorismo em qualquer parte e em todo o lugar… Até quando iremos estar, por cá, a salvo?  

= De facto, entre a feira e o hospital, vivemos num tempo e num lugar, onde se vai desenrolando uma mentalidade de consumismo, onde cada um se tem vindo a tornar mais egoísta, onde a família está sob ameaça constante, onde os valores da vida e da ética parecem ser mais armas de arremesso do que confluência cultural de todos e com todos.  

Já agora, a quem nos costuma ler: desculpem qualquer coisa que possa ter melindrado, mas escrever é expor-se e correr o risco de incomodar… A bênção de Deus no novo ano.      

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Em cada tempo…



No livro do Qohelet (Eclesiastes) do Antigo Testamento (3,1-8) diz-se que há um tempo e um momento para tudo debaixo do céu – para nascer e para morrer; para plantar e arrancar; para matar e para curar; para destruir e para edificar; para chorar e para rir; para lamentar e para dançar; para atirar pedras e para ajuntá-las; para abraçar e para evitar abraços; para procurar e para perder; para guardar e para atirar fora; para rasgar e para coser; para calar e para falar; para amar e para odiar; para a guerra e para a paz… 
Ora, se é preciso saber isto, é tanto mais importante viver em conformidade com essa informação… sobretudo quando somos (ou podemos ser) postos em confronto com tais palavras de sabedoria e de vida ou ainda se somos questionados, avaliados e mesmo julgados…

= É isso que agora temos de fazer com a (dita) nova etapa da comunicação na diocese de Setúbal, em que – ao fim de dezasseis anos e setecentos e onze números realizados – o jornal semanário diocesano suspende a sua publicação em papel impresso.
Temos muito que aprender com a nossa história…neste particular do jornal diocesano. Isso será tanto mais importante quanto quisermos aprender com os erros e os sucessos, aquilo que foi menos bem e o que foi melhor conseguido, o que avaliza do desinteresse e o que foi resultado de participação… de alguns, de poucos ou de muitos, de quem se esperava maior corresponsabilidade pessoal, eclesial e comunitária.

= Em cada tempo é preciso saber ver e criar sinergias com tantos que nos são dados como companheiros de caminhada e não como adversários de competição. Será na benéfica diversidade dos dons e dos carismas, que haveremos de construir a unidade do mesmo corpo eclesial e não só eclesiástico, onde todos somos necessários, embora não imprescindíveis…. Esses, normalmente, têm já reconhecimento no espaço das tumbas e são em lista razoável e suficiente…
Temos visto, ao longo dos anos, tantas situações em que alguém, muito empenhado e com ideias capazes de mobilizar outros, com alguma resignação se vê desinteressar-se, qual desiludido e que entrou numa rotina muito derrotista e desmobilizadora… E isto não tem a ver só com a idade, mas antes parece atingir a dimensão volitiva e afetivo-intelectual. É verdade que manter-se atento e colaborante, inovador e não-acomodado, inquieto e generoso… não é fácil em todo o tempo, mas ver a decair – sobretudo rápida e precocemente – tais predicados poderá ser revelador de algo mais do que dar o lugar a outros…Essa crise exige atenção, reflexão e oração…

= Em cada tempo são importantes e essenciais os intérpretes dos ‘sinais dos tempos’ – essa expressão do Concílio Vaticano II, na constituição pastoral ‘Gaudium et spes’ sobre a Igreja no mundo atual’, n.º 4 – isto é, a forma como Deus nos fala, em mistério, em cada lugar, em cada momento e em cada condição de vida. Tantos os profetas como os que fazem o discernimento dos sinais dos tempos precisam de serem homens e mulheres de fé, com esperança e na caridade.
Hoje como no passado – e certamente na leitura do futuro – precisamos de intérpretes capazes de verem para além do meramente visível e, mais do que visionários pessimistas, é preciso que estejam imbuídos do Espírito de Deus, por forma a serem semeadores do bem e não da maledicência…como acontece com tantos outros fazedores de opinião e difusores da desgraça.

= Em cada tempo, dizemo-lo da Igreja Católica, Deus nos envia os profetas da sua Palavra, e que são muito mais do que a hierarquia, mas esta será sempre a referência em momentos mais delicados e, por vezes, controversos. Com efeito, quem sabe obedecer, normalmente, caminha nas sendas de Deus. Não podemos, por isso, tolerar atitudes de quem faz de conta que sai, mas deixa tentáculos. Não podemos continuar presos a quem já foi – e terá feito o melhor que sabia – e pretende induzir-nos a viver sob a nostalgia do passado…mesmo que glorioso. 
Em cada tempo Deus está e vela. Assim estejamos nós e vigiemos!


 


António Sílvio Couto 








quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Paz pela não-violência


O tema do 50.º dia mundial da paz, que se celebra no primeiro dia do ano civil, é – ‘A não-violência: estilo de uma política para a paz’.

Na sua mensagem o Papa Francisco situa a questão: «desejo deter-me na não-violência como estilo duma política de paz, e peço a Deus que nos ajude, a todos nós, a inspirar na não-violência as profundezas dos nossos sentimentos e valores pessoais. Sejam a caridade e a não-violência a guiar o modo como nos tratamos uns aos outros nas relações interpessoais, sociais e internacionais. Quando sabem resistir à tentação da vingança, as vítimas da violência podem ser os protagonistas mais credíveis de processos não-violentos de construção da paz».

Respigamos da mensagem do Papa Francisco alguns outros aspetos, colocando perguntas:  

1.Mundo dilacerado

«A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado. Responder à violência com a violência leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra».

Estamos mesmo conscientes de que violência gera mais violência e cria fatores de instabilidade nos mais diversos âmbitos? 

2. A Boa Nova

«Quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de reconciliação».

Porque é que, hoje, tão difícil que Jesus seja acolhido neste mundo? Porque será que ainda temos medo de aceitar Jesus, quando só Ele é capaz de nos dar a paz verdadeira e profunda? 

3. Mais poderosa do que a violência

«A não-violência, praticada com decisão e coerência, produziu resultados impressionantes. (...). A Igreja comprometeu-se na implementação de estratégias não-violentas para promover a paz em muitos países solicitando, inclusive aos intervenientes mais violentos, esforços para construir uma paz justa e duradoura».

A não-violência tem de ser novamente uma escolha, como o foi para tantas figuras históricas e que fizeram acontecer momentos novos na história da Humanidade recentemente. Temos de fazer a nossa parte...da solução, a começar pelos que nos estão mais próximos… 

4. A raiz doméstica duma política não-violenta

«Se a origem donde brota a violência é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da não-violência dentro da família...Esta constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão».

Como poderá a família ser escola de paz? Até quando iremos adiar a aprendizagem em família?  

5. Convite-desafio

«A construção da paz por meio da não-violência ativa é um elemento necessário e coerente com os esforços contínuos da Igreja para limitar o uso da força através das normas morais, mediante a sua participação nos trabalhos das instituições internacionais e graças à competente contribuição de muitos cristãos para a elaboração da legislação a todos os níveis... As oito Bem-aventuranças traçam o perfil da pessoa que podemos definir feliz, boa e autêntica».

Assim o saibamos viver em 2017… com verdade e em paz!

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Jovens ‘mais estudados’ com menor consciência social?


Como é que ‘confiança, competência, conexão, cuidados e caráter’ se repercutem na formação dos nossos jovens? Como é que estes cinco ‘cês’ funcionam como indicadores de que os nossos jovens sabendo mais – pela escolarização e maior informação de conteúdos – e crescendo em idade, estão mais amadurecidos para a vida? Como reagem, rapazes e raparigas, às mesmas questões? Até que ponto sucesso pessoal se compagina com sensibilidade social?

Estas são algumas das várias questões que nos pode colocar (direta ou indiretamente) um estudo – «Ser positivo (Be positive)» – de âmbito internacional, mas com dados recolhidos num inquérito, em Portugal, em cerca de três mil jovens, com idades compreendidas entre os 16 e os 29 anos.

Segundo a leitura da coordenadora deste estudo, as raparigas demonstram ter uma consciência social mais apurada do que os rapazes, embora, posteriormente, surjam como menos otimistas e propensas a sentimentos de mal-estar físicos e psicológicos…Ainda na perspetiva desta responsável, os jovens com estatuto socioeconómico mais elevado são os que menos valores e consciência social parecem apresentar, embora sejam mais confiantes e otimistas, podendo considerarem-se a si mesmos como bons alunos… Nas palavras dessa responsável, citadas pela comunicação social, ‘fica-se com a sensação de que um jovem ou é competente e confiante, mas muito pouco preocupado com os outros e com a realidade, portanto, autocentrado e egoísta, ou cria empatia com o que o rodeia e sofre por causa disso e torna-se menos bem-sucedido’… 

= Diante destas notas de reflexão sobre a condição atual e suas repercussões no futuro dos nossos jovens teremos todos – sobretudo os mais velhos com a tarefa da educação e em espaços de cultura – de estar bem atentos àquilo que temos vindo a semear. De facto, os mais novos são resultado do que nós temos sido para com eles. E a julgar – aqui a palavra é mesmo de nos colocarmos em causa e em juízo, com a possível nota de condenação para com quem não soube exercer bem as funções que lhe estavam confiadas – pelos dados, estamos todos muito mal colocados. Se os jovens – nossos filhos ou netos – têm uma visão tão redutiva da sua vida atual o que será no futuro, quando tomarem em mãos as decisões para com os outros? 

= Sou duma geração que teve a possibilidade de sonhar com um mundo mais justo, mais fraterno e até mais humano. Quem viveu o rescaldo, em tempo de estudos, da implementação prática do Concílio Vaticano II – na década de 70 – ou quem, em tempo de adolescência, viu os fervores da revolução de Abril e não teve mais de ir fazer a guerra no ultramar português ou ainda quem assistiu à queda do muro de Berlim, em 1989, e sentiu que um tempo novo emergia para a Europa e para o mundo…agora sente – irremediavelmente – preo-cupação com a desmotivação de tantos jovens e a capitulação da maior parte dos adolescentes… sobretudo no fechamento às questões dos outros e ao deixar cair a atenção aos frágeis e fragilizados do nosso tempo. 

= Foi com alguma surpresa e estupefação que, por estes dias, li, nas reações à morte duma das grandes promotoras da despenalização da eutanásia, quando, quem a conhecia, referia que uma das suas grandes preocupações era o receio que tinha de vir a morrer sozinha e sem ter quem a acompanhasse…Ao ler isso, pela via eletrónica, senti que uma coisa parece ser aquilo que se pensa – e ao parece se defende, intelectualmente, para os outros – e outra um tanto diferente, quando a experiência da dor e do sofrimento – sobretudo nos casos em que nos pode isolar ou colocar no reduto mais único daquilo que somos – nos bate à porta e entra sem pedir licença…  

= Em jeito de inquietação deixo breves questões: Não terá sido a sensibilidade aos outros, ao tempo de jovem, que colocou agora António Guterres à frente da ONU? Se ele tivesse tido uma juventude apática poderíamos agora reconhecê-lo nesta tarefa? Com tantos rebotes de cultura de veludo, não teremos jovens cada vez mais insensíveis aos outros e intolerantes à diferença? Com um ensino sem exigência, não estaremos a criar adultos bolorentos e crianças sem coluna… ou será o contrário, já?      

 

António Sílvio Couto 


sábado, 17 de dezembro de 2016

Linguagem do silêncio

Talvez não seja a forma mais comum de viver o tempo de Natal e a recorrente passagem-de-ano, essa de viver o silêncio. Pelo contrário, em quase todos os lugares ouvimos – embora na maior parte das vezes nem escutemos – músicas e canções, promoções e novas compras…num ritmo que facilmente exclui o silêncio.
No entanto, se pararmos – queira Deus que tenhamos ainda tempo e capacidade de o fazer conscientemente – diante da representação simbólica do presépio, vemos que, só no silêncio, encontramos o verdadeiro significado do mistério do Natal e das ‘figuras’ que o compõem…
De entre as várias personagens há uma que se destaca ainda mais pelo seu silêncio – nunca fala, embora seja bom a escutar – que é São José, o pai adotivo de Jesus e a personalização do homem (masculino) de todos os tempos: José está em silêncio; José acolhe em silêncio; José segue as orientações de Deus em silêncio; José vive com intensidade tudo… em silêncio. José é silencioso, mas não silenciado!

= Quando tanta gente quer impor a sua posição pelo barulho, ora barulhando, ora resmungando. Quanta tanta gente tem dificuldade em fazer silêncio…cheio, profundo e com significado… É preciso criar, cada vez mais, condições para vivermos o silêncio, que nos faz encontrar a nós mesmos, com as nossas perguntas e interrogações mínimas, necessárias e suficientes. É preciso preencher o silêncio para que não haja vazio nem que possamos andar em busca de compensações para sabermos quem somos, de verdade.

= O silêncio não é nem nunca pode ser algo que se defina pela ausência, mas antes tem de ser objetivado pela compreensão das nossas qualidades mais essenciais: encontrar-se no mistério de si mesmo, entrando no que há de mais profundo e revelador do nosso ser… aí no sacrário do nosso coração, na cátedra da nossa inteligência e no resguardo da nossa vontade.

= Torna-se importante começar desde tenra idade a fazer exercícios de silêncio, seja pela ausência do falar, seja pela capacidade de abstrair do que se passa à nossa volta. No entanto, precisamos de corrigir, urgentemente, essa tendência de nos isolarmos com os fones nos ouvidos, vivendo cada qual no seu mundo e fechando-se aos outros de forma ostensiva e quase doentia. Além de perigoso – veja-se a possibilidade dumas adolescentes terem sido projetadas pelo comboio em andamento e morrido – isso revela uma espécie de autismo sociológico e que nos trará frutos ainda mais desagradáveis a curto e a médio prazo…

= A família deve tornar-se ‘escola de silêncio’, tanto pelo modo as pessoas falam umas com as outras, como no exercício entre todos os membros: pais e filhos, marido e esposa, avós e netos, vizinhos e visitas… Não será muito difícil fazer o diagnóstico deste aspeto na nossa família: bastará vermos com se relacionam as pessoas e pelo modo como se falam… Todos temos muito a aprender, desde o mais básico até aos momentos de maior tensão. Se pelo silêncio nos acolhermos e nos deixarmos acolher, tudo mudará em nós e à nossa volta!

= Os espaços de celebração da fé devem ser laboratórios de aprendizagem do silêncio, pois precisamos de apreciar interior e intensamente a presença do divino, onde palavras e canto, música e reflexões nos fazem captar a dimensão do nosso ser profundo, ávido do silêncio em que Deus nos fala e nós O escutamos.

= Que neste Natal demos espaço a Jesus na nossa família, pelo silêncio, dador de paz e consolador nas horas de maior tribulação.   


António Sílvio Couto

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Salário mínimo…diferenciado


«O CPASM quer viver as responsabilidades que lhe são acometidas, precisando, no entanto, que muitos outros nos deem condições para sermos parceiros duma ‘economia social’, que tem obrigações – veja-se o cumprimento do ‘salário mínimo’, equiparado a outros setores produtivos e com retorno económico dos custos – mas não consegue os mesmos proveitos…se não for a correta comparticipação estatal»…

Esta observação aparece nas considerações finais do plano de atividades e orçamento para o próximo ano daquela instituição. 

= Ora, estando a ser debatido o novo salário mínimo nacional será de apresentar algo que pode não ser tão óbvio como à primeira vista parece. Com efeito, equiparar o salário mínimo por igual em todas as atividades poderá ser, além de excessivo, um tanto comprometedor para com alguns setores que não vivem da comercialização nem têm facilidade em fazer repercutir no produto final o peso dos vencimentos… sobretudo quando há mensalidades – muito baixas e de âmbito solidário – em curso e com impacto, se forem aumentadas, na prestação de serviços e, consequentemente, na viabilidade das instituições… 

= Os funcionários – também agora denominados de colaboradores – precisam, merecem e anseiam melhores salários, sobretudo os que vivem na bitola do ordenado mínimo…Mas não será fácil para a sobrevivência das instituições – muitas delas IPSS’s com grandes problemas de tesouraria – suportar aumentos tão grandes e extensos, particularmente quando atingem uma parte significativa dos seus trabalhadores.

Bem diferente poderá ser o aumento do salário mínimo em setores onde se pode fazer repercutir os (ditos) aumentos em preços de venda.  

= Neste campo um tanto difícil, que é o mundo do trabalho e das remunerações, mais do que fazer afirmações ou colocar problemas que possam agravar o relacionamento entre empregador e empregado, deixamos algumas questões/inquietações:

. Os senhores/senhoras das centrais sindicais estão devidamente informados sobre a situação dos prestadores de serviços da economia social?

. Até onde irá a capacidade reivindicativa, mesmo se não há possibilidade de satisfazer as exigências?

. Será que, por ser na maior parte dos casos um setor mais de índole privada, a economia social não devia ser atendida nas regras e nas exceções?

. Os que fazem a mentalidade laboral, já perceberam que, com certos aumentos, poderá estar em causa muito daquilo que ainda se faz – com poucos meios económicos – por esse país fora?

. Será que as entidades associativas da economia social têm estado atentas às consequências gerais dos problemas particulares?

. Até onde irá este manto de silêncio, que poderá, muito em breve, cobrir de luto tantas instituições que fazem serviço de cuidado ao público, mesmo quando há concorrência do Estado e das autarquias? 

Deixamos estas breves perguntas e bem desejaríamos de poder contar com a solidariedade mais ativa de tantos, que usufruem dos serviços das IPSS’s, mas que, na hora da verdade, se escondem na penumbra da burocracia, deixando quem dá a cara a sentir que mais vale fechar portas com dignidade do que continuar a mendigar subsídios que nos são merecidos por trabalho já feito.

A quem tanto contesta o assistencialismo, como forma de vida e de sobrevivência, deixamos um desafio para que deixem este terceiro setor da economia – os outros dois são: setor público (Estado e governo) e setor privado (empresas e entidades lucrativas privadas) – trabalhar com meios dignos, com capacidade de resposta séria e nas condições mais adequadas à subsidiariedade e solidariedade… de tanto nos fala a doutrina social da Igreja.

Citando uma frase já antiga: há quem faça com três o que o Estado só faz com dez…com melhor proveito de todos. Boa gestão e correta administração, precisa-se!

 

António Sílvio Couto 



terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Natal sem O festejado?


Numa consulta na internet sobre figuras do Natal foi notório que, para muita gente, o Natal não inclui a celebração de Jesus.
Há cores - sobretudo vermelho, dourado, azul - imagens, sugestões e adereços em que nada se refere ao festejado, que é Jesus.
Na caminhada do Advento deste ano quisemos, na Moita, responder à pergunta - Jesus tem espaço na minha família? Deste modo houve a intenção de ir criando condições ao acolhimento d’ O festejado mesmo no espaço da família, tanto ao nível da casa (edifício, ramo de consanguinidade ou de descendência) como da parte das pessoas – avós, pais, filhos e outros – que nela vivem.

= De facto, temos vindo a constatar um progressivo processo de materialismo sobre o conceito, a vivência, a difusão e a realização do Natal. Agora que o caudilho cubano morreu, foi noticiado com maior atenção a reintrodução do feriado do Natal naquela ‘ilha da liberdade’… aí onde nem havia possibilidade de gozar o não-trabalho por ocasião daquela data tão festejada noutras partes do mundo. Por cá o gozo do feriado – este ano até acontece ao domingo – ainda está em vigor, mas cada qual usa-o para o que lhe dá proveito e não para celebrar digna e atentamente a data comemorativa do nascimento de Jesus. Até muitos dos (ditos) cristãos nesse dia estão mais voltados para si mesmos, de forma egoísta, usufruindo das regalias da festa, mas não contribuindo com quase nada para dignificar a celebração duma data como significativa de vivência em fraternidade e de comunhão com quantos festejam Jesus… sobretudo em perseguição.

= Um novo e galopante ‘ismo’ – consumismo – faz os rituais do seu culto, criando em muitas pessoas a sensação de que somos mesmo e só matéria e, como não conhecemos outros prazeres, vamo-nos alimentando daquilo que bem depressa se esgota e rapidamente se transforma em lixo...Que ficará na manhã seguinte da celebração do nosso Natal? Como ficaria cada um de nós, se do seu aniversário, só recordassem o papel de embrulho e umas quantas coisas descartáveis e expelidas, posteriormente, como excremento? Se nós, humanos, poderemos ficar ofendidos com tal memória, o que não ofenderá Jesus, se a tal reduzirmos a vivência do Natal!...    

= O recurso aos presentes/prendas faz, nesta época, o seu aparecimento com maior furor, o que provoca maior frenesi no comércio e nas superfícies (pequenas, médias ou grandes) de compras e de comercialização. Ora, segundo dados já do início de dezembro, a média estimada de gastos por família, em Portugal, este ano, é de 360 euros… tendo como produtos mais adquiridos chocolates, roupa/calçado e livros…

Se isto nos pode servir de análise aos interesses/necessidades/pretensões das pessoas e aos custos investidos, teremos de considerar que os valores (económicos) em causa ficam muito aquém do que noutros países é gasto… mas cada um faz o que pode e o que lhe é possível e/ou suficiente…

Não podemos incluir o Natal na lista dos acontecimentos de nostalgia, com que tantas vezes parece que recordamos o Natal. Tal vivência fez a sua história na nossa historicidade, mas não podemos configurar a celebração atual do Natal com tais arquétipos ou com clichés infantis… Viver o Natal sempre exigiu aferição ao Festejado, dando-lhe oportunidade para se encontrar connosco mesmos e tendo em conta os valores espirituais que nos norteiam… Quanto ao resto, os adereços não são mais importantes do que as figuras centrais: Jesus, Maria e José. Queira Deus (oxalá!) que sejamos capazes de os entender e de os glorificar pelo que Deus fez e faz neles!

Cantemos os ‘parabéns’ a Jesus neste Natal!      

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

À procura da ‘palavra-do-ano’


Está aberta a votação para a escolha da ‘palavra-do-ano’ – 2016. São concorrentes: brexit, campeão, empoderamento, geringonça, humanista, microcefalia, parentalidade, presidente, racismo e turismo... dez candidatas ao todo!

A votação iniciada a 5 de maio – ‘dia da língua portuguesa e da cultura’ da CPLP – decorre ao final deste mês de dezembro, devendo ser anunciada a palavra vencedora nos primeiros dias de janeiro.

A escolha da ‘palavra-do-ano’ decorre, em Portugal, desde 2009, tendo sido estendida, este ano, a Angola e Moçambique... sendo da responsabilidade duma editora de grande expansão.

Em 2015 a ‘palavra-do-ano’ foi refugiado... enquanto em 2014 foi corrupção, em 2013 foi bombeiro, em 2012 a escolhida foi entroikado e em 2011 foi austeridade... 

= As palavras levadas à votação como que resumem o que de mais significativo houve na nossa vivência coletiva, umas com teor mais político e outras com referências ao nível mais social; umas realçando a conjuntura pública e outras exaltando mais a captação dos temas de âmbito relacional e até mesmo simbólico...

Mais do que escolher uma palavra que resuma a linha dominante do pensamento nacional – eu votei em geringonça – parece que se pretende algo que catapulte, para o futuro, o que foi a vivência deste ano de 2016, que caminha para o seu crepúsculo... Isso mesmo se pode ver pelas ‘palavra-do-ano’ supra citadas... Agora podemos compreender um tanto melhor ‘até’ a importância da escolha, pois falará de nós para o futuro próximo. 

= Cada vez mais precisamos de saber resumir, de forma simples, clara e incisiva, a nossa conduta pessoal e comunitária, na medida em que, muito daquilo que somos, se reflete no modo como pensamos, falamos, escrevemos e nos exprimimos. Efetivamente a nossa capacidade de comunicação faz com que aprendamos e enriqueçamos o nosso léxico, gerando novas formas para que as ideas sejam comunicadas e possamos fazer melhorar o tempo, o lugar e a cultura em que nos desenvolvemos.

No entanto, corremos o risco de irmos afunilando a nossa forma de comunicação, quer porque tentamos simplificar o que pretendemos dizer, quer porque o grupo sociológico a que pertencemos tem ou pode ter, ele mesmo, uma forma de comunicação, que se torna codificada e com tendências a fechar-se. Vejam-se as formas encriptadas com que muita da linguagem das mensagens em tlm se vão desenvolvendo e tornando entendíveis só para iniciados... 

= Não basta dizer que é preciso ler e que os mais novos têm vindo a perder a dedicação à leitura. Será preciso elevar o nível cultural de comunicação, a começar pelas entidades públicas – governação e deputados – e também na forma como se faz a comunicação social, sabendo dizer o que é essencial e deixando o supérfluo para quando houver tempo... mas, como este é cada vez mais escasso, precisamos de exercitar a comunicação do miolo do pensamento, deixando cair as roupagens do desnecessário.

Dá a impressão que precisamos de tratar os nossos interlocutores com mais respeito e não depreciando a sua inteligência, pois quem não sabe respeitar os outros talvez não mereça ser respeitado... Quantos exemplos vemos espalhados à nossa volta, que parecem contar mais com a sua esperteza e não tanto com a sagacidade dos outros... Quantas vezes perguntar é mais salutar e benéfico do que afirmar, mesmo que as questões possam, desde logo, exigir respostas e tomada de posição... Quantas vezes se percebe quem nos trata com civilidade ou quem nos pretende impingir patranhas ao desbarato... 

= Seja qual for a palavra-do-ano de 2016, teremos de refletir sobre aquilo que ela transmite aos outros da nossa vivência do passado recente... Até o empoderamento (= ato ou efeito de dar ou adquirir poder ou mais poder) poderá ser reveladora das caraterísticas do nosso tempo...

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Velhos com infância menos feliz



26,9% dos portugueses, com mais de cinquenta anos de idade, afirmam ter tido uma vida feliz. No quadro de dezasseis países europeus esse mesmo enquadramento etário apresenta que 50,8% dos inquiridos dizem-se muitas vezes felizes.
Estes dados foram recolhidos dum estudo intitulado ‘Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa: uma perspetiva comparada’.
Olhar para o passado parece que comporta para muitos portugueses uma espécie de fardo...e as perspetivas sobre o futuro não são também vistas como animadas. Poder-se-á dizer que os portugueses veem o passado difícil, o futuro incerto e o presente complicado. Tentemos abordar a questão sobre esta tríplice visão:
* Passado difícil
Muitos dos portugueses com mais de cinquenta anos foram educados num Portugal em ditadura política, alguns viveram a segunda guerra mundial, uns tantos participaram na guerra colonial...e uma grande maioria foi apanhada pela revolução de Abril na adolescência, vivendo as complicações sócio-económico-políticas dos últimos quarenta anos da (dita) democracia...
Tiveram de viver com muitos sacrifícios, em contenção económica...à mistura com anseios, sonhos e bons desejos nem sempre realizados na vida pessoal, familiar e social.
Quem viveu assim o passado talvez não tenha grandes perspetivas para o futuro...por entre dúvidas quanto ao presente...mais ou menos ritmado pelas ocupações do trabalho ainda a fazer... Uma parte significativa desses com mais de cinquenta anos são confrontados com as (ditas) ‘novas tecnologias’, exigindo-lhes capacidade de adaptação e contínua aferição a novos termos e conceitos…
* Futuro incerto
Sim, dadas as circunstâncias esta geração de mais de cinquenta vive agora no final do (possível) tempo útil de trabalho, com reformas, normalmente, baixas para os sustentar, entre a dúvida de onde será vivida a velhice, pois a família já não tem condições para ser o derradeiro reduto da sua vida... Quantos sonhos se podem ter esboroado e agora fica o amargo de ver que o sol prolonga a sombra na dianteira da vida e do que virá… Quantas perguntas se colocam. Quantos silêncios engolidos para dentro. Quantas vezes o limão é espremido para dentro, lançando mais amargura e incerteza sobre feridas nem sempre curadas…

* Presente complicado
Efetivamente nem tudo corre bem no reino do faz-de-conta, pois já não se tem o mesmo vigor físico, as virtualidades intelectuais podem começar a falhar, as dimensões emocionais/psicológicas vão amadurecendo com a experiência de vida...por muito pouca que esta possa ter sido. O presente não se apresenta assaz risonho, mas também não é tão sisudo que tenhamos de andar com cara de defunto em pré-registo. Sejamos realistas e tentemos viver o dia-a-dia com a intensidade que a dedicação aos outros nos confere...
Numa palavra: quem vos escreve já passou, de facto, a barreira dos cinquenta, mas ainda não tem uma perspetiva tão pessimista como a daquela minoria de pouco animados com o passado...pois crer em Deus pode ser um alento de vida na certeza de que Ele cuida de nós, sempre!
Comparativamente com outros países, com nível e qualidade de vida – termos tão queridos à nossa cultura do descartável – idênticas ou superiores à do nosso país, vão enfrentando passado-presente-futuro com outra disposição mais animada e, ao que parece, com menor apreensão. Será que a nossa condição de latinos e sob a influência duma certa religiosidade nos condiciona e nos atrofia? Será que a ligação familiar se foi rompendo e ainda não encontramos o verdadeiro sentido de vida? Será que não tem vindo a faltar uma maior adequação da fé dita à fé comprometida? Com tanto sol, ao longo do ano, não deveríamos ser mais animados, alegres e servidores da esperança?     

António Sílvio Couto 


sábado, 3 de dezembro de 2016

Delito de opinião


Ao abrigo do artigo 38.º da constituição da república portuguesa há liberdade de expressão e de criação por parte dos ‘fazedores’ da comunicação social, mas isso – a liberdade e o seu contrário – não é tão possível/percetível por parte daqueles que não estão nesse enquadramento ou que não perfilhem ideias por eles aceitáveis ou toleradas.

Ter direito de opinião é – ou pode ser – expresso (ou será, antes, exprimido?) num quadro de razoável complexidade de registos e de concordâncias.

Às vezes dá a impressão que certas atitudes funcionam com defeito de forma, isto é, muito daquilo que se diz (ou pode ser dito) tem de passar por um tal crivo do ‘coletivo’, onde a opinião de cada qual vale enquanto concorda com a maioria, gerando-se, assim, um aniquilamento do pensamento pessoal e fundamentado na pessoa e não no mito das maiorias… reais, exequíveis ou manipuladas. 

= Fique claro – quase como declaração de interesses – para mim cada pessoa vale mais do que o (pretenso) coletivo, pois daquela pode-se esperar responsabilidade e responsabilização e deste nem uma coisa nem outra… antes tudo parece ser e viver-se sem rosto nem voz. 

= Num tempo em que muitos dos mitos – pessoais ou coletivos, nacionais ou transnacionais, ideológicos e/ou populistas – vão tremendo na sua formulação e, sobretudo, na prossecução dos seus objetivos, vemos que uns tantos (mais do que aquilo que parece) ainda se agarram – quais náufragos em maré de tempestade – aos estilhaços da revolução silenciosa e contundente de 1989 – queda do muro de Berlim – acenando com conjeturas de circunstância em ordem a fazerem valer a construção duma sociedade democrática sem capitalismo, mas vestidos/calçados/produzidos (figura e imagem, tlm e carro) com as marcas (capitalistas e neoliberais) que contestam…mas lhes dão estatuto económico e social.  

= Há, por outro lado, forças e projetos que ainda se vão escondendo para que não se dito o que, de facto e com verdade, fazem em favor dos desfavorecidos… à boa maneira da sugestão bíblica sem barulho nem grande aparato. Por vezes a mão direita faz o que nem a esquerda sabe – esta é uma ideia/conselho do evangelho – e isso permite a muitas pessoas sobreviverem acima do mínimo da dignidade humana. Em quantas situações é a ajuda silenciosa e recatada que faz sobreviver famílias e pessoas individuais, aí onde outros fariam alarido para que se soubesse – de forma direta ou mais subtil – a ajuda prestada… Isso não dá votos e – no caso da frequência da prática religiosa – nem sequer devotos.

Efetivamente, por estes dias, veremos inúmeras associações e coletividades a publicitarem as suas ações de benemerência, sobretudo se isso tiver o patrocínio sub-reptício dalguma autarquia…

Com que facilidade se explora a fragilidade dos outros, tornando-os como que alfinete de condecoração no trato com as coisas de assistência… próprias ou rececionadas para o efeito.  

= Faço parte, desde a mais tenra idade, pelo batismo com um dia de vida, duma sociedade de fiéis, que têm por fundador um Deus-feito homem, Jesus Cristo e que, de forma organizada, se chama Igreja Católica. Fui educado e cresci nesta expressão de cristianismo. Por graça e mistério de Deus, fui ordenado para nela ser ministro, como padre. Aprendi a amar, a pensar e desejar tudo na vida a partir desta expressão de fé comunitária. Mas quase nunca me senti condicionado a dizer o que pensava e a pensar o que digo… até pela formação teológica e compromisso pastoral.

Quando falo de «delito de opinião» não me sinto condicionado a não ser livre para dizer, escrever ou falar o que, na minha consciência cristã, posso, devo e tenho de exprimir. Por tal razão considero que não temos – como Igreja plural e una – de temer que nos possam avaliar e até contestar… desde que sejam, minimamente, fiéis e queiram comungar da mesma fé professada, celebrada e comprometida…

De outros dispensamos lições… sobretudo se vivem e se alimentam do secretismo de estruturas e de coletivos menos claros, esclarecedores e transparentes.  

   

António Sílvio Couto



segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Caixa’s de pandora!


Este ano de 2016 – prestes a terminar – trouxe à sociedade portuguesa algumas apreensões sobre a designada CGD (caixa geral de depósitos), tanto na matéria da sua existência – depósitos deixados ou resposta aos pedidos solicitados, como ainda no resultado das economias – bem como na forma de gestão – mais errática do que de confiança – sobre o presente e, sobretudo, o futuro.

Atendendo ao setor bancário foi este caso o culminar de situações que envolveram outros bancos, com os custos inerentes na economia e nas finanças (impostos) dos portugueses. Quase poderíamos considerar que cada governo – seja qual for a cor partidária – neste século XXI (isto é, em dezasseis anos) teve o seu ‘banco de estimação’ com a necessidade de resolver os casos, dado que estamos vinculados à União Europeia e – até ver – não se brinca com coisas sérias. 

Atendendo, porém, a que se pode apelidar a CGD de banco nacional, tudo e o resto que ali aconteça se pode tornar uma caixa de pandora. Esclarecendo esta expressão ‘caixa de pandora’. Caixa de pandora é um artefacto da mitologia grega em que Pandora, a primeira mulher criada por Zeus, que era muito curiosa, foi-lhe dada uma caixa em que estavam todos os males do mundo… na sua curiosidade Pandora caiu na tentação para ver o que havia na caixa… e dela saíram todos os males, que se espalharam pela terra! 

= Efetivamente o nosso sistema bancário é uma autêntica ‘caixa de pandora’, pois, quando se começa a falar duma instituição, bem depressa chegam em catadupa réplicas do terramoto com cada vez maior intensidade. Por isso, o que, neste último ano, se tem verificado com a CGD está ainda no princípio dos efeitos sobre a economia nacional, as precárias poupanças dos clientes e até sobre a credibilidade do sistema económico-financeiro.

Porque será que tem havido tanta nebulosidade no trato com os gestores, por agora demissionários? Porque houve o arrastar de clareza e/ou esclarecimento sobre pretensões e promessas aos indigitados? Porque se gastou tanto tempo e energias em esconder/descobrir o que, de verdade, se passou? Porque se contesta tão ardilosamente o setor privado, mas depois se vai recrutar neste quem possa gerir no público? 

= Até ver todos são sérios desde que não se prove o contrário. Por isso, este fenómeno CGD é paradigmático do modo como muitas das questões são tratadas em Portugal. O problema arrasta-se há demasiado tempo para que não deixe sequelas de desacreditação no país. Não se compreende como pessoas que deviam ser honestas e leais se deixam enredar por questiúnculas de nível menos transparente…

Neste processo como noutras matérias falar em excesso da questão só agrava (ou tem vindo a agravar) o problema e faz com se possam misturar interesses pessoais com tarefas institucionais. Precisamos de criar novamente um escol de pessoas que sejam capazes de viver em missão de serviço aos outros e não tanto – como parece que se pode descortinar – que se valham dos lugares para (aparentemente) enriquecerem e se vangloriarem no presente e para o futuro.  

= Todo este problema dever-nos-ia proporcionar – a todos – uma reflexão sobre o nosso modo de lidarmos com as coisas materiais e o dinheiro em particular, pois muito daquilo que fomos percebendo se prende com a não-aceitação clara e legal de apresentar a declaração de rendimentos, por parte dos gestores demissionários e um certo afã para não dar parte de derrotado, para que se cumpra a lei, de quem tem (teve) a tutela do assunto ao nível superior em governação. Dá a impressão que alguém não estava preparado para gerir este assunto tão efervescente!

Agora que entramos em fase de natal-consumista poderemos tirar uns segundos de tempo para nos confrontarmos com as seduções do momento: até onde irá a ousadia em lutar contra as tendências que nos têm sido semeadas para que gastemos mais e mais, preenchendo a nossa vida com coisas em vez de nos alimentarmos dos verdadeiros valores humanos e espirituais?

Afinal, como tão sabiamente nos tem dito o Papa Francisco: não consta que a ‘mortalha tenha bolsos’ para levarmos na morte os bens que, entretanto, aferrolhamos!      

 

António Sílvio Couto 




quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Petição (um tanto) provocatória!


Surgiu nestes dias (3.ª feira, dia 22) a notícia duma petição intitulada - «contra a credibilização do milagre de Fátima» - contestando a confirmada visita do Papa Francisco, nos dias 12 e 13 de maio de 2017 ao santuário da Cova de Iria.

Ao consultarmos, via internet, a recetividade da iniciativa percebemos que havia de seiscentos e vinte subscritores, às 24 horas do dia 23 de novembro (4.ª feira)… 

= Os proponentes dizem-se ‘legitimados’  na sua pretensão, embora recorram a chavões mais ou menos já ditos e propagados por alguns dos intervenientes – chegando a autocitarem em ‘obras’ suas já publicadas – e com isso tentam dar abrangência a algo que poderá inflamar outras correntes e tendências mais ou menos adormecidas na nossa configuração sociopolítica…

Estes que vieram a público emergem de vários quadrantes do antirreligioso e, particularmente, do anticatólico…embora por lá deambule um (dito) ‘padre’ com trejeitos de rebelde, ancorado num passado volátil e assumidamente anti-Fátima… 

= Antes de tudo temos de saber analisar o ‘fenómeno Fátima’, que confunde alguns cidadãos que não têm afinidade com a possibilidade da fé – talvez nem acreditem em si mesmos – como recurso de vida e fator de conduta existencial. No entanto, não se pode confundir a árvore com a floresta – a árvore é Fátima e a floresta é a Igreja – pois pelos frutos se pode reconhecer a credibilidade da árvore e esta – Fátima – tem dado imensos resultados espirituais, culturais, humanos e até económicos… Estes não podem ser – como pretendem os peticionários – os mais significativos, mas também não podem ser desprezados… Não querer reconhecê-lo será, no mínimo, miopia intelectual e dislexia emocional.  

= Esta petição parece, além de enfermar de múltiplos preconceitos para com aquilo que Fátima representa para Portugal e o mundo em geral, não se limita a atrair – ou será destruir? – a atenção duma certa fação menos cívica e um tanto barulhenta na forma e nos conteúdos, como ainda pretende intitular-se com direitos de contestação eivados de tiques de ignorância e de clichés do tempo da primeira república jacobina e acintosamente a-religiosa…

Já é habitual que, por ocasião do Natal, surjam alguns fait-divers anticristãos...como se a falta de respeito pelas convicções alheias possa ser um título de aglutinação ou de desculpa para não se confrontarem com a dimensão espiritual de toda a pessoa humana… 

= Esta petição poderá ser um dos (primeiros) casos que irão ser intentados ao longo do ano jubilar do centenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima. Tudo isto revela uma espécie de labirinto de interesses, que tentam alimentar-se da contestação à mensagem de Fátima, enquanto esta revela e impulsiona todo um processo de regeneração do tecido religioso do mundo ocidental e de Portugal em concreto.

Numa época marcada pelo egoísmo e o sensacionalismo, Fátima consegue catapultar multidões ávidas de sentido para com as agruras do quotidiano e onde cada um seja capaz de viver em abertura à dimensão do divino e àquilo que nos outros nos faz construir a fraternidade a partir de dentro…

Nem todos serão capazes de entender o que Fátima significa na história de Portugal. Temos pena! Mas da não-compreensão à contestação e à ofensa vai algo que devia obrigar certos ‘democratas’ a serem, ao menos, respeitadores para serem igualmente respeitados, pois nada lhes dá o direito de apelidar de ‘embuste’ algo que serve de referência à conversão e ao caminho de fé… de milhões de homens e de mulheres. 

= Não foi a Igreja que impos Fátima, foi Fátima que se impos à Igreja – disse o cardeal Cerejeira. Ora, neste tempo de preparação do centenário das aparições, teremos de estar vigilantes para com vários arietes que tentarão lançar a confusão – saída da sua própria convulsão – aproveitando-se de questões mais ou menos periféricas e de episódios laterais ao essencial. Vigiemos e denunciemos.        

   

António Sílvio Couto



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

‘Mau tempo’ ou tempo adequado?


Na apresentação das previsões do tempo atmosférico – sobretudo nesta época do ano – ouvimos, por vezes, a expressão de ‘mau tempo’, referindo-se às condições de chuva, de frio, de vento, de alterações no mar… com descida (mais ou menos acentuada) de temperatura.

Ora, será que, estando nós, no hemisfério norte, entre o outono e o inverno, estas condições de tempo são ‘más’ ou serão, antes as adequadas àquilo que é preciso em cada estação do ano? Não seria, por outro lado, ‘mau tempo’ se tivéssemos, agora, calor e não houvesse chuva? Porque havemos de andar em rotulagens infelizes, só porque a uma certa cultura – do lazer, do bel-prazer e da comodidade – lhe convém que haja só sol e não chuva?  

= Questões de linguagem ou de mentalidade?

Atendendo ao progressivo afastamento das pessoas do ritmo da natureza, vamos sendo influenciados por clichés onde a comunhão com os elementos da natureza nem sempre está articulada e em simbiose.

Essa pretensa ‘cultura urbana’ vai-se esquecendo de quem lhe dá os alimentos e lhe fornece a conjugação com a vida entre os vários componentes sociobiológicos. Não são os ‘serviços’ e as atividades de diversão que põem o pão na mesa nem fazem com que as pessoas tenham harmonia psicológica. Podem fomentar a distração mas não o fornecimento da subsistência…

Soará a praguejar que se possa estar contra o tempo atmosférico que nos é dado. Por muito que se pretenda viver na correria dos nossos interesses mesquinhos e egoístas, as observações sobre o tempo continuarão a ser um tema para quando não se tem (quase) nada de que falar. No entanto, não queiram fazer crer que o ‘mau tempo’ é o culpado pelo mau humor de tantos descontentes da vida… 

= Lições de vida…ao ritmo do tempo

Nas contingências da nossa história vamos aprendendo a viver com dias de sol e de chuva, dias de canícula e de tempestade, dias de serenidade e dias de nuvens… tanto exteriores como exteriores. O difícil será sempre discernir o que há de bom, quando temos a sensação de que algo parece ser mais negativo.

Ver só o que os outros veem não será grande capacidade de amadurecimento. As coisas da vida fazem-nos aprender com os momentos que purificam…muito para além daquilo que é, meramente, visível. Por isso, é que ficar-se sob a penumbra da chuva e não ver para além do meramente sensitivo, será, no mínimo, pouca previsibilidade do já vivido.

Ora a nossa história humana não pode deixar-nos fixados no passado. Esse só tem utilidade para que saibamos interpretar o presente e iluminar o futuro.

Quantas vezes encontramos pessoas que, chorando sobre o passado, não vivem o presente e muito menos se abrem aos mistérios do futuro. A esses chamaríamos ‘saudosistas’ e, em muitos casos, profetas da desgraça.

Quantas vezes encontramos pessoas fixadas naquilo que lhes foi agradável e fechando-se à descoberta de quem Deus coloca no seu caminho… No tempo de criança é que era tudo bom, nos anos de adolescência tudo foi agradável… Não veem nem apreciam as novas pessoas que lhes é dado conhecer e refugiam-se no seu reduto de casulo à prova de desafios…

Quantas vezes parece que pararam no tempo e excluem o que têm a aprender, tornando-se reféns dos seus medos e aprendizagens… Serão certamente pessoas inseguras e ansiosas para consigo mesmas e em relação aos outros. 

= Interpretar os sinais dos tempos

Mais do que os tempos atmosféricos – com seus ciclos e cuidados – é preciso que as pessoas de cada tempo e em cada lugar saibam interpretar os sinais do ‘kairós’ (graça) mais do que ‘cronos’ (tempo), pois este só tem sentido quando inserido na correta justeza daquele. Não percamos tempo com coisas inúteis nem com futilidades mais ou menos bizarras, pois bem depressa teremos de amadurecer muito para além da chuva e do vento, do frio e das tempestades. Cada tempo tem as suas preocupações. Vivamo-las na serenidade!

 

António Sílvio Couto 


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Populismo – de direita ou de esquerda?


Perante a onda de classificação de ‘populismo’ quisemos consultar algo que nos desse uma informação histórica e ideológica deste novo assentimento à condução da política nos tempos mais recentes… e que, possivelmente, trarão uma necessidade de correção de termos e de condutas.

Assim na wikipédia encontramos uma espécie de definição descritiva do populismo.

O termo populismo, um dos mais controversos da literatura política, possui várias conotações. Geralmente é utilizado, na América Latina, para designar um conjunto de práticas políticas que consiste no estabelecimento de uma relação direta entre as massas e uma liderança política (um líder carismático, como um caudilho, por exemplo) sem a mediação de instituições políticas representativas, como os partidos, ou até mesmo contra elas, e geralmente empregando uma retórica que apela para figuras difusas (‘o povo’, ‘os oprimidos’, etc.). 

= Ora diante desta descrição teremos de questionar se o populismo é só de direita ou se não haverá também um populismo de esquerda, mesmo que subentendido e quase sub-reptício no comportamento de certas figuras que assim apelidam os demais… embora se comportem como (quase) primários populistas.

Quem não se lembrará da conotação depreciativa de ‘fascista’, usada nos tempos após a revolução do 25 de abril, e com isso se pretendia rotular alguém com posições diferentes dos contestatários?

Quem não estará recordado das posições e comportamentos de certas forças partidárias, sindicais e associativas que usavam da manha para aprovar manifestos em nome do povo… esse que não entendida a rapidez com que se passava do ‘quem vota contra’, ‘quem se abstém’… ‘está aprovado’… mesmo sem ler ou ter sabido o que aprovou? Isso não era, não é populismo? Ainda hoje se continua a usar esta artimanha em nome do ‘povo’ e da ‘classe trabalhadora’… Isso não é populismo?

Ora, diante destas memórias de antanho, precisamos de refletir, denunciar e contrariar a mera tentativa de fazer crer que é populista quem não entra na onda reinante ou, pelo menos, assim considerada a seus olhos e de quem difunde tais guerrilhas politico-intelectuais.

Quando vemos forças duma certa esquerda em conduta difusa, aglutinada e fragmentada… à medida do combate contra as propostas dos outros partidos, isso não terá tiques de populismo?

Quando verificamos que a posição apresentada é dita ser em favor do ‘povo’, mas este não é tido nem achado porque as elites (culturais) antissistema pretendem fazer-se donas da (sua) cultura, isso não enfermará de populismo? 

= Não há dúvida que a situação mundial está confusa e talvez mesmo se crie apreensão sobre o futuro, mas devemos ser honestos intelectual e civicamente para sabermos não entrar nesta manipulação com que alguns iluminados querem fazer crer que só os outros – em que não nos revemos politicamente nem que não são da nossa cor ideológica e partidária – é que são populistas.

Nos últimos dias tenho ficado baralhado com posições de certos professores universitários – a quem se exige rigor e capacidade de visão multifacetada… acima do vulgo – que vão embarcando na teoria do populismo ser só de direita, fazendo quase uma figura ridícula sobre o seu não-distanciamento emocional senão na teoria ao menos na prática.

Já não será de admirar o posicionamento dalguma comunicação social, pois esta normalmente é a voz do dono – que lhe paga e a sustenta – e este vive mais na oportunidade de ganho económico do que na coerência de valores. É preciso que haja mais respeito pela inteligência dos ouvintes, leitores ou telespectadores, pois o tal ‘povo’ não pode ser esse reduto que se manipula e a quem se impõe uma visão de modo acrítico. 

= Populismo pode ser de direita ou de esquerda, tudo depende de quem quer falar em nome ‘povo’ do qual não tem procuração e tão pouco legitimidade… Há tantos ditadores encobertos neste nosso tempo, neste Portugal e na nossa cultura. Será necessário estar sempre atento e vigilante ao que querem fazer de nós sem lhes darmos consentimento… A cada homem/mulher um voto e muito se poderá decidir com justiça e liberdade… em democracia adulta e séria.

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Inimigo do inimigo…será amigo?


Na imensa cadeia de relações e de conhecimentos, de transações e de referências… com pessoas de vários estratos e códigos, de diversos momentos e em etapas díspares… vemos que a nossa vida se tece e entretece numa razoável complexidade, que, por vezes, conseguimos abranger e noutras situações como que nos ultrapassam.

A citação da frase – ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’ – reporta-se ao contexto da segunda guerra mundial e teve as seguintes implicações históricas: Joseph Stalin à frente da Rússia aliou-se aos Estados Unidos da América do presidente Franklin Roosvelt e a Winston Churchill, primeiro-ministro britânico… todos contra Adolf Hitler que geria a Alemanha.

Decorridos tantos anos parece que emergem, de quando em vez, alguns laivos dessa aliança, agora configurada a outros interesses, desde os mais mesquinhos até aos mais sublimes… se é que tal caraterística de sublimidade se pode a aplicar a algo que tenta explorar os outros e até usá-los conforme possa convir. 

= Por estes dias surgem, de facto, sinais que podem ser preocupantes para a nossa identidade coletiva. Esta ‘nossa’ é mais do que uma leitura ideológica que pretenda ver ameaças em tudo e em todos que não pensem à nossa maneira. Quem, assim, se vê e interpreta os outros poderá comportar, mesmo que de forma subtil, uma carapaça de ditador encolhido, pois os outros nunca são (nem podem ser) ‘inimigos’ se não se identificam, totalmente, connosco e com as nossas manias… algumas delas bem ressabiadas e preconceituosas.

Veja-se a forma acintosa com que certos setores olham e julgam o resultado das eleições nos EUA e daí querem, rapidamente, tirar lições para o resto do mundo, desde que não sejam da sua cor nem perfilem os seus ideais. Com efeito, essas pessoas têm memória curta, dado que a sua cortina caiu somente há menos em trinta anos (1989) e julgam que o perigo se diluiu só porque que se ‘democratizaram’! 

= Urge, por isso, sabermos quem são (ou podem ser) os inimigos reconciliados, pois do diagnóstico bem conseguido poderá estar dependente o futuro das relações entre povos e culturas, entre propostas e programas, entre quem sonha e quem querer comprometer-se em realizar algo mais que a imposição de soluções, mesmo que de conveniência.

No nosso país precisamos de fazer sair da lura ou saltar do sofá essa imensa maioria silenciosa que se tem calado e acomodado com os desvarios da governança. Não podemos deitar a perder os sacrifícios dos anos transatos pela simples razão de que tudo tem de ser revertido, pagando favores a dirigentes sindicais e tentando conquistar votos com migalhas dum bolo esfarelado e azedo.

Quando os inimigos se zangarem poderemos compreender quem enganou quem, qual é a fatura que todos teremos de pagar e como iremos assumir as consequências de tanta ‘amizade’ interesseira. Não temos a menor dúvida que muita coisa vai fazer-nos voltar ao ‘dejá vu’… mais cedo do que tarde. 

= Desde o princípio do cristianismo se diz: ‘se alguém não quer trabalhar também não coma… ganhem o pão que comem com um trabalho tranquilo’ (2 Ts 3,10.12). Ora, o que temos visto e observado é que há muita gente a viver sem trabalhar, fazendo vida de rico e, ao que parece, com bolsa de pobre. Algo vai mal neste reino do ‘faz-de-conta’, pois não se pode repartir nem auferir melhores salários se não há investimento nem produção. Desgraçadamente ainda não vimos este perigo?

Tolhe-nos um complexo de inferioridade coletivo, pois queremos dar a entender que temos nível de vida – social, económica e cultural – mas os princípios pelos quais nos regemos – ou nos dizem governar – são falaciosos e articulados na mentira. 

= Há muita gente e instituições – algumas delas de solidariedade social da Igreja católica – que estão compradas pela boca, umas vezes porque precisam de quem governa para permitir cumprir as suas obrigações e outras vezes calando o que se pode e devia dizer, pois isso poderá colocar em risco a sobrevivência de tantos postos de trabalho. Haja verdade e coerência!

 

António Sílvio Couto