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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Está a caducar!

 


Escutei, de repente, esta frase-chavão num diálogo de telenovela: está a caducar!... numa explicação sobre o interlocutor, que estaria a dizer coisas que não batiam bem com aquilo que era mais acertado, ao momento e muito menos à conveniência.

‘Caducar’ poderá ser uma forma verbal que nos vem do substantivo ‘caduco’ – ‘caducus’, ‘que cai’ – podendo significar ‘cair de velho e falho de forças’, ‘ir acabar, declinar’, ‘ser anulado’, ‘deixar de estar em vigor’, ‘prescrever’, ‘terminar o prazo de validade’, ‘tornar-se, mentalmente, perturbado por efeito do envelhecimento’…

Vejamos situações/sinais/resultados deste efeito tão visível, quão manifestável em consequências:

 * Está a caducar – é isso que me ocorre referir ao ouvir tantas das intervenções dos ‘nossos’ concorrentes às próximas eleições presidenciais. Refiro-me às ‘intervenções’ também de muitos dos (pretensos) apoiantes. Com efeito, certos argumentos – feitos de casos e casinhos, de episódios e façanhas, de tiradas e declarações – estão fora do tempo e, sobretudo, desarticulados no desenrolar da história: o guião foi um tanto mal escrito e a suscitada correção foi pior do que o original. Desenterrar ‘coisas’ do passado resolverá problemas do futuro? Não estará a caducar quem, contestando tanto a União Europeia, dela se serve – temos dois candidatos nas presidenciais – e aufere aí bons proveitos? Não será indício de pré-caducação esse de propor a ilegalização infetada de partidos, quando o que se deveria era combater as ideias, sem respaldo de constitucionalidades prévias?   

* Está a caducar – eis como interpreto o descalabro da nossa frágil e insignificante economia, feita mais de subsídios do que de investimentos. Não será caduco querer intentar soluções no século XXI que faliram já no século XIX? A ideologia dialético-marxista, que fez mergulhar na desgraça tantos povos e culturas, como poderá servir de aliciante na atualidade? A caduca ‘luta de classes’ não serviu para aprenderem que as ‘classes’ só servem para favorecer oportunistas e camuflados de democratas, hoje como ontem? Não será sintoma de quase-caducação esse desejo de querer acabar com os ricos em vez de combater, de facto, os pobres nas suas mais variadas, sensíveis e ignoradas manifestações?

 * Está a caducar – serve-me de ponto de referência para certas discussões verbais em temas desportivos, na medida em que se gasta tanto tempo a deslindar conjeturas, quando os participantes nunca foram árbitros de nada, nem dos seus fantasmas trazidos à luz da incompetência. O futebol falado é algo atroz na complexidade dos fenómenos sociais mais vulgares. Quantas horas em discussão e o problema foi resolvido com singelas palavras de conciliação! Certos figurões ainda não perceberam que, nos botões do comando televisivo, há um com que se faz zapping e deixámo-los, caducamente, a vociferar para o boneco…

 * Está a caducar – poderia ser uma razoável pista de leitura para justificar algumas das atitudes, das vivências e das desculpas na prática religiosa, tanto cristã/católica, como de outra qualquer expressão de fé. De facto, há trejeitos religiosos que não passam de artefactos de antanho – rituais, rotineiros ou quase-humanos – mas que deixam algo a desejar sobre as implicações da fé na vida e mesmo no compromisso sociopolítico. É fundamental e simples ver, crer e viver, dando testemunho em cada dia. Não podemos deixar que a nossa fé seja confinada aos desígnios humanos simplórios e fundamentalistas. Por onde anda, então, a ousadia da fé e a audácia da confiança? Bastará quedar-nos pelas exceções para nos empenharmos, efetiva e afetivamente, nas soluções?  

 * Está a caducar essa época onde os valores tinham significado e os princípios marcavam a vida de todos. Seremos, então, capazes de não deixar crescer a decrepitude, mesmo que os eflúvios do ‘covid-19’ possam turbar tantas mentes? Por onde têm andado os ‘intelectuais’ da nossa praça, quando os resultados da pandemia nos obrigam a entrar num novo confinamento, mais duro e complexo? Os sabedores da matéria, afinal, não parecerão mais charlatães do que peritos convictos, claros e convincentes? Estarei, afinal, a caducar?

 

António Sílvio Couto


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