Escutei, de repente, esta
frase-chavão num diálogo de telenovela: está
a caducar!... numa explicação sobre o interlocutor, que estaria a dizer
coisas que não batiam bem com aquilo que era mais acertado, ao momento e muito
menos à conveniência.
‘Caducar’ poderá ser uma forma
verbal que nos vem do substantivo ‘caduco’ – ‘caducus’, ‘que cai’ – podendo
significar ‘cair de velho e falho de forças’, ‘ir acabar, declinar’, ‘ser
anulado’, ‘deixar de estar em vigor’, ‘prescrever’, ‘terminar o prazo de
validade’, ‘tornar-se, mentalmente, perturbado por efeito do envelhecimento’…
Vejamos
situações/sinais/resultados deste efeito tão visível, quão manifestável em
consequências:
* Está a caducar – é isso
que me ocorre referir ao ouvir tantas das intervenções dos ‘nossos’
concorrentes às próximas eleições presidenciais. Refiro-me às ‘intervenções’
também de muitos dos (pretensos) apoiantes. Com efeito, certos argumentos –
feitos de casos e casinhos, de episódios e façanhas, de tiradas e declarações –
estão fora do tempo e, sobretudo, desarticulados no desenrolar da história: o
guião foi um tanto mal escrito e a suscitada correção foi pior do que o
original. Desenterrar ‘coisas’ do passado resolverá problemas do futuro? Não
estará a caducar quem, contestando tanto a União Europeia, dela se serve –
temos dois candidatos nas presidenciais – e aufere aí bons proveitos? Não será
indício de pré-caducação esse de propor a ilegalização infetada de partidos,
quando o que se deveria era combater as ideias, sem respaldo de
constitucionalidades prévias?
* Está a caducar – eis
como interpreto o descalabro da nossa frágil e insignificante economia, feita
mais de subsídios do que de investimentos. Não será caduco querer intentar
soluções no século XXI que faliram já no século XIX? A ideologia
dialético-marxista, que fez mergulhar na desgraça tantos povos e culturas, como
poderá servir de aliciante na atualidade? A caduca ‘luta de classes’ não serviu
para aprenderem que as ‘classes’ só servem para favorecer oportunistas e
camuflados de democratas, hoje como ontem? Não será sintoma de quase-caducação
esse desejo de querer acabar com os ricos em vez de combater, de facto, os
pobres nas suas mais variadas, sensíveis e ignoradas manifestações?
* Está a caducar –
serve-me de ponto de referência para certas discussões verbais em temas
desportivos, na medida em que se gasta tanto tempo a deslindar conjeturas,
quando os participantes nunca foram árbitros de nada, nem dos seus fantasmas
trazidos à luz da incompetência. O futebol falado é algo atroz na complexidade
dos fenómenos sociais mais vulgares. Quantas horas em discussão e o problema
foi resolvido com singelas palavras de conciliação! Certos figurões ainda não
perceberam que, nos botões do comando televisivo, há um com que se faz zapping
e deixámo-los, caducamente, a vociferar para o boneco…
* Está a caducar – poderia ser uma razoável pista de leitura
para justificar algumas das atitudes, das vivências e das desculpas na prática
religiosa, tanto cristã/católica, como de outra qualquer expressão de fé. De
facto, há trejeitos religiosos que não passam de artefactos de antanho –
rituais, rotineiros ou quase-humanos – mas que deixam algo a desejar sobre as
implicações da fé na vida e mesmo no compromisso sociopolítico. É fundamental e
simples ver, crer e viver, dando testemunho em cada dia. Não podemos deixar que
a nossa fé seja confinada aos desígnios humanos simplórios e fundamentalistas.
Por onde anda, então, a ousadia da fé e a audácia da confiança? Bastará
quedar-nos pelas exceções para nos empenharmos, efetiva e afetivamente, nas
soluções?
* Está a caducar essa época onde os valores tinham significado
e os princípios marcavam a vida de todos. Seremos, então, capazes de não deixar
crescer a decrepitude, mesmo que os eflúvios do ‘covid-19’ possam turbar tantas
mentes? Por onde têm andado os ‘intelectuais’ da nossa praça, quando os
resultados da pandemia nos obrigam a entrar num novo confinamento, mais duro e
complexo? Os sabedores da matéria, afinal, não parecerão mais charlatães do que
peritos convictos, claros e convincentes? Estarei, afinal, a caducar?
António Sílvio Couto
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