Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 30 de abril de 2015

Revivalismo… às escuras


A apresentação cénica do candidato à presidência da república – António Sampaio da Nóvoa – no passado dia 29, teve tanto de simbólico, quanto de escuro… no conteúdo e mesmo na forma:

- frases feitas e coladas de revivalismo cançonetista e quase panfletário – como se tudo tivesse sido só mau nos 41 anos da (dita) democracia – e ele surja como o profeta do não-realizado,

- a penumbra da sala, onde as palmas faziam ecos de concordância às críticas desfiadas aos tempos mais recentes,

- uns certos chavões refinados numa leitura mais ou menos ideológica e preconceituosa a quem pensa de forma diferente dele… no todo ou em parte,

- e, sobretudo, um ar intelectual sobranceiro de quem se diz sem participação partidária, mas que quer colher os resultados mais ou menos requentados dum certo setor amuado da sociedade portuguesa… democrata para com os que concordam com as suas posições, mas abespinhada com os adversários e opositores.

Numa palavra: para quem se diz que veio para unir, criou, desde já, demasiados ângulos e atritos que irão certamente alfinetar sensibilidades e até possíveis concorrentes...pois, alguns se perfilam para aplaudir mais pela contestação do que pelas razões racionais e culturais sérias.

1. De todos ou para todos?

Tem sido recorrente nas eleições presidenciais querer que o eleito é o ‘presidente de todos os portugueses’. Ora, não há nada de mais errado do que querer dizer que isso seja verdade. Se tivermos em conta os quatro presidentes eleitos por sufrágio direto e universal, quase sempre houve uma razoável parcela do povo português que não elegeu o dito... e muitas vezes essa porção de não-eleitores não têm sido bem tratada no que ao lugar concerne no desempenho da função... Bastará lembrar o episódio de um dos ocupantes do palácio presidencial que, nos últimos dias do segundo mandato, se entreteve, horas a fios, a condecorar tantos dos seus seguidores e quase correligionários... Isto já para não recordar esse outro que fez do palácio de Belém uma espécie de laboratório para um partido que nasceu, cresceu e morreu à sua sombra...

O presidente nunca é de todos os portugueses, mas deverá, sim, ser ‘para todos os portugueses’... O que nem sempre tem sido visto nem possível. Com efeito, há como um razoável complexo de fazer sentar naquele pelouro alguém que seja preferencialmente servidor dalgum aventalismo... Assim se poderá entender com tanto entusiasmo para com o agora tornado candidato...oficialmente.

2. Força de bloqueio ou propulsor de patriotismo?

Novamente tendo em conta os inquilinos – sem esquecer o atual – passados pelo palácio de Belém, precisamos de refletir bem mais sobre a pessoa do que sobre as (pretensas) ideias que apresente. Ou será o contrário? Sim. As ideias condicionam a função e esta faz a pessoa.

Todos se dizem – no juramento de tomada de posse – defensores da Constituição, mas a prática fá-los intérpretes de variadas posições, que nem sempre se coadunam com o espírito de uma constituição atualizada e sem peias ideológicas de épocas recuadas numa evolução cultural necessária.

Sendo um dos símbolos da Pátria – juntamente com o hino e a bandeira – o Presidente da República precisa de ser mais defendido das tropelias de certas forças ideológico/partidárias, como temos visto em tempos recentes... Com efeito, precisamos de maior dignificação da função, sendo mesmo preciso fazer cumprir a lei por todos e para todos...mesmo os prevaricadores.

De facto, alguns dos paladinos da democracia – nascida em 74 – ainda pensam que esta se constrói com murros na mesa – como disse um certo militar apoiante do candidato apresentado – ou com golpes de capitulação diante de propostas urgentes para o futuro do país. Temos de saber se estas pessoas aceitarão os resultados que não sejam os que almejam, pois a ver pelas posições inflamadas ainda sonham construir um país à semelhança do sistema que caiu com o muro de Berlim...

A julgar pelo ensaio vamos ter um longo drama. Ou será tragédia?   

   

António Sílvio Couto

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Somos um país de infelizes?


Em 158 países analisados, Portugal encontra-se em 88.º lugar do índice de felicidade neste ano de 2015.

Nos cinco primeiros lugares encontram-se: Suíça, Islândia, Dinamarca, Finlândia e Canadá…

Este estudo de duas universidades – uma inglesa e outra canadiana – teve como critérios para encontrar este ranking: as condições de saúde, o pib per capita, relações sociais (ter com quem contar), confiança (ausência de corrupção na política ou nos negócios), noção de liberdade nas escolhas de vida e a generosidade… Há ainda outra vertente de avaliação como a importância em investir, desde muito cedo, na história de cada pessoa… para que tenhamos adultos felizes e autónomos.

1. Haverá felicidade?

Por estes dias ouvi uma interessante definição (um tanto irónica) de ‘felicidade’: estado precário que não augura nada de bom!

De facto, talvez seja difícil definir a ‘felicidade’, pois, quando muito poderemos fazer dela uma descrição, tendo cada pessoa parâmetros muito subjetivos para tal… numa narrativa de situações de felicidade, mas não do estado de felicidade. Em cada caso muito poderá mudar se forem introduzidos outros ingredientes para a pretensa felicidade… que será (quase) sempre relativa e relacionada como valores éticos de referência.

Quantas vezes se pretende conquistar a felicidade à custa dos outros, em vez de cada um ser, antes de tudo, feliz em si mesmo e por si mesmo. Efetivamente a felicidade é preciso vivê-la em cada um de nós e só depois exigi-la aos outros e dos outros.

Quantas propostas de felicidade assentam em bases mais hedonistas e materialistas do que na vivência de valores espirituais e psicológicos. Tal felicidade poderá ser, por isso, ocasional, momentânea e interesseira, pois vive à custa dos outros, explorando-os e servindo-se deles. Dir-se-ia que viveríamos numa felicidade do descartável e, talvez, ela mesma descartável e superficial…

2. Que condições para a felicidade?

Sendo a felicidade algo a construir e a partilhar, mais do que a possuir, temos de encontrar, de verdade, as condições para possa haver felicidade recebida e dada e vice-versa.

- Desde logo é preciso investir, desde criança, na educação para a felicidade, que é muito mais um valor imaterial do que algo convertível na dimensão materialista. O dinheiro não compra a felicidade, embora possa ajudar a construí-la. Deste modo se deve educar a criança mais a saber dar do que a tentar conseguir, essencialmente, receber. Por isso, que dizer da cultura do filho-único: ele é sempre o centro e não tem com quem partilhar… já em casa. E o nosso mundo está cheio de conflitos de posse, onde a vida nem sempre é o mais essencial, tanto a vida recebida como dom, como a vida dada como oblação…

- Urge ainda esclarecer a expressão: ‘qualidade de vida’, pois nela se insere muito do egoísmo que vamos servindo uns aos outros e tendo (quase) sempre o eu como referência. Com efeito, essa tal qualidade de vida foi sendo forjada na satisfação dos prazeres mais ou menos lícitos ou legitimados. Parece que não evoluímos muito em humanidade, embora nos pretendamos afirmar que temos vindo a crescer em humanismo… quase sempre sem Deus, senão mesmo contra Ele.

- Muitos dos nossos critérios coletivos têm andado mais pela dimensão imediatista do que na construção daquilo que se chamava a pertença às duas cidades: cidade terrena e cidade celeste… Sobretudo os cristãos precisam de reaprender a situar-se nesta dupla vertente: vivemos na terra de olhos postos no Céu, iniciando já e aqui a eternidade. Por isso, tudo o que fazemos deverá estar imbuído desta certeza e a felicidade tem valor de eternidade, aqui e agora.

Não será que a inflexão portuguesa na escala da felicidade – comparada com a de outros países – tem vindo a verificar-se devido à procura da felicidade material fechada aos outros e à dimensão do divino? Temos Crescido numa certa qualidade de vida material, mas não apreciamos os valores simples e a simplicidade…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Pacto de silêncio contra notícias de morte?


No último mês quase não houve dia algum que não fossemos confrontados com notícias de morte – muitas trágicas e escabrosas, outras com dias de cobertura, umas tantas referindo casos de desequilíbrio e outras ainda esticadas na informação que quase somos tentados a dizer estamos num ambiente de mortandade doentia…

Muitos falam em que devíamos moderar esta vulgarização de notícias sobre a morte, pois se vai criando uma sensação de desvalorização da vida em contraste com uma certa exaltação da morte… Tudo isto vem sendo vivido tendo a Páscoa como realidade fundacional da nossa cultura, isto é, quando se exalta a vida, vemos ser servido o culto da morte!

= Consta que há um pacto de silêncio sobre notícias que envolvam referências (diretas ou indiretas) à morte em casos que ocorram tendo a ‘ponte 25 de abril’ por palco ou panorama… Este pacto obriga múltiplas entidades e serviços de segurança… embora se saiba que há, pelo menos, uma tentativa ou realização de morte tendo esta estrutura viária por alusão… Assim, se tem conseguido aliviar a tensão social e o alarmismo ou até evitar mais casos…

Por que não se faz igual pacto pelos órgãos de informação para o resto do país? Até onde irá a insensibilidade e falta de respeito para com o resto da população? Será preciso cultuar tanto a morte ou será tudo isto reflexo do sem-senso da vida… ao menos dos promotores desta cultura de morte?

1. Ética da vida

Vivemos num tempo que precisa mais de sinais de vida do que de meros servidores da sua despromoção e enfraquecimento. Com efeito, o macabro tem vindo a tomar posse de muitas pessoas, senão de forma clara e assumida, pelo menos dum modo tácito: as imagens de agressividade estão presentes em muitos dos brinquedos das crianças, a diversão dos mais novos está mais ao serviço do funesto e triste do que do belo e harmonioso.

Quantas vezes vemos ser defendido mais o ‘direito dos animais’ do que os direitos dos humanos. Uns e outros têm direito à vida e vida de qualidade, seja nos conceitos, seja nos modos de a viver.

Não será que o desprezo pode ser o princípio destrutivo da vida dos outros? Não será que o desinteresse pelos outros poderá deixar marcas no presente e para o futuro?

2. Ao serviço da beleza

Urge educar para o verdadeiro e exultante sentido do belo, que é muito mais do que o exterior… com que tantos projetos se vão entretendo e fazendo moda, mesmo que recorrendo ao fútil e ao vazio… mental e afetivo. Quantas vezes se exalta mais a mudança de traje do que a honestidade e o bem-fazer gratuito e simples. Por vezes cuida-se muito e bem do equilíbrio da dimensão física, mas se pode esquecer aquilo que desequilibra as facetas psicológicas e espirituais mais profundas e essenciais. Parece que o papel de embrulho ganha em cuidado ao mais digno presente que somos e que os outros são para nós… mesmo sem disso nos darmos, verdadeiramente, conta.

3. Numa cultura dos valores…imateriais

Vivemos, infelizmente, cada vez mais ao sabor do descartável – onde até as pessoas são mais um imponderável como outra coisa qualquer – e podemos até tornar-nos para nós mesmos algo indefinido e sem sentido. É diante desta (quase) rotina de faz-de-conta que temos, em cada dia, de saber discernir os valores (éticos, morais ou comportamentais) para vivermos num salutar equilíbrio connosco mesmos, com a natureza e com os outros… abertos e servidores do Outro por excelência, que é Deus.

Ora, a referida cultura da morte não serve esta dimensão humana, por isso, temos de saber escolher e, tantas, vezes, guardar silêncio até ao momento oportuno de falar, de denunciar e de profetizar a vida com sentido!

 
António Sílvio Couto

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Devoções disfarçam crise… de fé?


Nos tempos mais recentes vemos ser recuperadas várias devoções religiosas (cristãs ou nem tanto) e surgirem outras que vão tentando dar resposta a novas questões… algumas como que distorcendo o ritmo e a vivência dos principais mistérios cristãos/católicos.
Por ‘devoção’ entendemos aquilo que se pode ter ou não ter, pois poderá não ser essencial para ter uma fé cristã acreditada, professada e anunciada… e na dimensão católica como algo que acrescenta algo àquilo que se vive e testemunha. ‘Devoção’ é algo de benéfico à fé, mas não totalmente necessário…
= Há pessoas que abandonam (tácita ou ostensivamente) a vida comunitária – paroquial ou não – para darem cumprimento às suas devoções: umas servidas em igrejas de maior impacto social em cidades, outras em expressões de fé mais redutiva e outras ainda sorvendo como que os mais necessitados e aflitos…
= Quem conhecer da História idênticas movimentações sócio-religiosas saberá interpretar que as devoções tanto podem ser benéficas para a caminhada dos participantes, como poderão atrofiar a mesma caminhada com exercícios (ditos) espirituais, mas com um certo sabor a psicologismo mais ou menos bem organizado e/ou minimamente orquestrado…
= Há, no entanto, uma linha um tanto detetável em muitas das devoções: são mais de consolo do que de compromisso, isto é, a pessoa (poderíamos até dizer o indivíduo) sente-se mais atraída para resolver os seus problemas do que para se comprometer na participação da vida comunitária… tanto em favor dos outros como com os outros… Se quiséssemos usar uma linguagem medieval: estão mais interessadas em salvar a sua alma do que em anunciar a salvação de Jesus aos outros!
= Efetivamente, há uma razoável panóplia de devoções no cardápio em uso – público, privado ou um tanto secreto – servindo-se de anjos e santos, de invocações a Nossa Senhora e até de dimensões de Jesus Cristo… Há, no entanto, muitas devoções que parecem quase uma idolatria a pedido, pois, para cada necessidade se tenta encontrar uma solução, que conforte, que aconchegue ou até que seja um tanto substituta…

 = Desafios às devoções

1. Nenhuma devoção pode ofuscar o mistério pascal – da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Ora, uma das devoções mais recentes (e algo universal) foi introduzida para terminar no segundo domingo do tempo pascal… iniciando-se a (possível) novena em pleno tríduo pascal. Por muito útil que seja meditar e acolher as graças da misericórdia divina – o Papa Francisco até convocou para breve um ano jubilar sobre esta nota teológica de Deus – não poderá ‘distrair-nos’ do essencial, pois ela mesma está contida na celebração da Páscoa…
2. As devoções criam vida comunitária… aberta?
Pelo que já referimos dá a sensação que muitas das devoções funcionam bastante em circuito fechado, isto é, cada um tenta salvar-se, mesmo que servindo-se de orações, de exercícios espirituais ou mesmo correlações com o divino para que este lhe seja favorável. Assim, muitas devoções têm a marca de tentar conseguir algo de complicado acesso aos humanos – causas difíceis e negócios, casamentos e questões de saúde, angústias e vitórias – invocando a proteção do divino. Será que todos estão acertados no bem comum ou antes no benefício pessoal?
3. As devoções comprometem na evangelização?
Por vezes, conseguido o intento da devoção como que se deixa cair a guarda da perseverança. Dir-se-ia que a fogueira crepita na hora da aflição, mas arrefece com facilidade passada a tormenta e/ou a necessidade. Deste modo como que se explica a afluência de tantos ‘praticantes ocasionais’ a espaços de peregrinação, a lugares de grande devoção… num certo descompromisso posterior na vida cristã do dia-a-dia…Urge, por isso, purificar tais espaços numa sábia harmonia entre a Igreja local e a fé particular, pois acentuar particularismos pouco mais será do que continuar a alimentar alguma ignorância e uma religião de necessitados… itinerantes e pouco agradecidos.   

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Seremos rostos de misericórdia?


O título da bula convocatória do ano santo, que o Papa Francisco apresentou recentemente, é ‘Misericordiae vultus’ (rosto de misericórdia). Deste modo teremos entre 8 de dezembro deste ano – data do encerramento do concílio Vaticano II, há meio século – e o dia de Cristo Rei de 2016 (20 de novembro), um tempo de viver cada dia a misericórdia, tanto ao nível pessoal como enquanto Igreja… e até na sociedade em geral.

Num destes dias perante uma assembleia eucarística bastante grande – fora do habitual, pois ocorriam as promessas dos escuteiros – simplesmente ousei dizer esta frase: ‘olhemos uns para os outros e vejamos se temos rostos de misericórdia’… Claro que não houve tempo para ver o efeito da frase, pois urgia continuar a celebração e, possivelmente, muitos dos praticantes ocasionais nem se terão apercebido do que quereria dizer tal ‘provocação’, mas temos mesmo de ver se os nossos rostos refletem a misericórdia de Deus e/ou se temos consciência da misericórdia derramada em nossas vidas!

= «Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz. É condição da nossa salvação. Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro. Misericórdia: é a lei fundamental que mora no coração de cada pessoa, quando vê com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho da vida. Misericórdia: é o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado» (n.º 2).

Este número da bula ‘Misericordiae vultus’ funciona como o sumário de todo o texto de vinte e cinco números onde se faz um percurso bíblico desta identidade de Deus e o próprio Papa explica a razão de ser do seu lema episcopal – ‘miserando atque eligendo’… numa alusão ao chamamento misericordioso de Jesus para com Mateus…

Através desta bula papal podemos perscrutar o coração do Papa Francisco e das suas propostas pastorais e desafios sociais… até às (ditas) periferias a que ele nos impulsiona como ‘Igreja em saída’.

= «A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia… A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo… É triste ver como a experiência do perdão na nossa cultura vai rareando cada vez mais… O perdão é uma força que ressuscita para nova vida e infunde coragem para olhar o futuro com esperança» (n. 10).

Eis novo número essencial para entendermos o texto e a pessoa do Papa Francisco. Com efeito, somos chamados, como Igreja e em cada um dos cristãos (paróquias, comunidades, associações e movimentos) a sermos ‘oásis de misericórdia’, vivendo, por excelência, a bem-aventurança – ‘bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia’ e seguindo o lema do ano jubilar: misericordiosos como o Pai!

Embora fazendo já propostas para a quaresma do próximo ano – como as ’24 horas para o Senhor’, o envio dos ‘missionários da misericórdia’ e uma maior consciência dos confessores como verdadeiros sinais da misericórdia do Pai – o Papa coloca o dedo nalgumas feridas onde deve ser derramada urgentemente a misericórdia, como na corrupção e no apego ao dinheiro… Vivendo ainda a correta relação entre justiça e misericórdia, tal como Jesus a viveu e a ensinou, poderemos sentir a gozosa presença do amor misericordioso de Jesus, feito perdão e indulgência em nós e para connosco.

= Ao lermos a bula papal sentimos que temos de nos deixar tocar pela misericórdia divina, fazendo a experiência do perdão recebido e dado para podermos testemunhar por gestos e sinais essa mesma misericórdia divina. Nós, cristãos, seja qual for a sua vocação ou ministério, idade ou cultura, lugar ou espaço, temos de ser vitrinas da misericórdia divina, onde Deus se faz perdão e paz, apercebendo-se os outros disso muito mais pelo que somos do que por aquilo que dizemos…

Queremos ser verdadeiros rostos de misericórdia, já?  

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Casa vazia… alma esvaziada


Há experiências que só quem passa por elas, as pode entender e/ou compreender, quem vive idênticas situações. De pouco adianta termos lindas ideias, se elas esbarrarem na vida simples e provocatória do nosso dia-a-dia… Há momentos que marcam a vida e outros que a condicionam, mesmo sem disso nos apercebermos.  

Ora, por esta época foi comum ouvir pessoas a desejarem ‘boa páscoa’, mas o conteúdo dessa expressão se notava que estava vazio de significado, pois desejar aos outros aquilo que se não pratica, poderá ser, no mínimo, incoerência ou falta de sentido… até do ridículo. Com efeito, a Páscoa precisa de ser vivida no sentido judaico-cristão, sendo envolvido pelo significado religioso mais profundo e altíssimo: o da passagem de Deus e a vitória de Jesus sobre a morte. Reduzir a ‘páscoa’ às iguarias gastronómicas como que será – como em tantos outros momentos simbólicos da nossa dimensão coletiva – usufruir das consequências sem lhes apreciar as causas…

1) Casa vazia… a de viver e a de celebrar

De fato, a casa onde vivemos (moramos, que é muito mais do que residência ou endereço de contato), revela aquilo que nós somos… mesmo sem disso nos darmos conta, a sério. Que dizer, então, da nossa casa onde não temos ninguém que nos espera nem com quem partilhamos as coisas e loisas da vida real e, por vezes, agreste? Há quem cultive a presença dalgum animal de estimação. Há quem se entretenha com algum hóbi circunstancial. Há quem faça de sua casa uma espécie de retábulo de devoções (religiosas ou clubísticas) aceitáveis. Duro, duro é não ter com quem desabafar… mesmo que, certos meios de comunicação (tv, internet, tlm ou outro qualquer), vão disfarçando a falta de presença humana real e afetiva.

Se isto se vive na casa de residência, parece que agora os (nossos) lugares de culto se estão a esvaziar e/ou a preencher de múltiplos vazios paralelos. E nem certos espaços de convívios conseguem disfarçar o isolamento insensível e uma solidão narcotizante.

A tristeza que invade tantos rostos e vidas não é mais disfarçável, pois tal sentimento vem do mais profundo da pessoa e vai tomando as texturas mais visíveis e as revelações inquestionáveis… do ser. É um facto, as pessoas estão cada vez mais tristes e já não o disfarçam… nem com os remédios da fé.

Como poderemos, então, modificar esta espécie de hipocondria social… com sintomas de quase epidemia? Que soluções poderemos intentar para fazer reverter este estado público e privado… onde todos estejam em causa e queiram corrigir-se? Quem poderá ajudar-nos a ultrapassar tais situações?

2) Aprender a saber escutar

Sem qualquer pretensão de lições – estas poderão ser ainda mais um adiamento para o real problema – ousamos deixar aqui – colhendo em primeiro aspeto este plano de caminhada – algumas pistas para que nem a casa vazia seja uma espécie de sepulcro vivo nem a alma se esvazie de sentido na existência:

- Olhos nos olhos – urge sabermos ver o olhar dos outros e o que ele nos revela. Por isso, temos de desencobrir a beleza dos olhos desses filtros com que nos envolvemos e com que, tantas vezes, lemos os outros… Mudar de óculos, já!

- Diálogo sincero – urge termos quem escutemos e quem nos escute. Por isso, temos de tirar os fones dos ouvidos e aferir-nos uns aos outros sem preconceitos nem julgamentos. Quando o ouvido começa a falhar não podemos tirar conclusões precipitadas… se ouvimos menos bem ou até mal!

- Capacidade de perdão – urge que cada um assuma os seus erros e não queira servir-se dos erros dos outros para os acusar. Por isso, não adianta queremos que os outros mudem se nós não fizermos o esforço por modificar-nos a nós mesmos. Basta de lições, precisamos de compreensão mútua e sincera.

Parece que este tempo pascal poderia e deveria ser um bom momento de caminhada para estarmos atentos aos outros, pois, há muita tristeza disfarçada devido ao desinteresse negativo de uns pelos outros…

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 7 de abril de 2015

Falta-nos chama!


Percorrido o tríduo pascal entramos na vivência do tempo pascal – esse dia de cinquenta dias – deixando-nos conduzir pelo perfume da narrativa do livro dos Atos dos Apóstolos.

Por estes dias fomos como que atordoados com a notícia do fuzilamento de centena e meia de adolescentes e jovens estudantes, no Quénia. A razão foi a de serem cristãos, sendo mortos por um grupo islâmico radical proveniente de outro país… No entanto, foi espantoso ver a forma como celebravam a Páscoa… por entre lágrimas e aleluias!

1. No nosso recanto lusitano fomos vendo mais gente na praia do que nos momentos celebrativos e, mesmo assim, estes são vistos mais como cerimónias do que como momentos de fé.

As notícias foram apresentando mais a espuma da ‘semana santa’ do que o essencial, isto é, os lucros comerciais do que as vivências cristãs… As imagens dos templos são poucas e dessas algumas buscam mais o ridículo do que o marcante do mistério cristão… Até as frases extraídas das homilias dos bispos quase roçam mais o caricato e o social do que a mensagem cristã… séria e serena!

2. A Páscoa tem mais repercussão no sentido das coisas materiais – doces, gastronomia, lazer e convívio – do que nos aspetos religiosos… Saberão porque cabrito, borrego, anho ou cordeiro fazem parte da mesa de Páscoa? Terão a noção das raízes religiosas mais profundas e genuínas?

Talvez haja quem deseje ‘boa páscoa’, mas se fique pelo nível humano e pouco na dimensão religiosa – judaico-cristã – que lhe dá sentido e projeção. O consumismo já ganhou à força espiritual desta data e dos elementos que lhe dão significado e propriedade!

3. Houve momentos – digo-o do espaço onde vivo atualmente – em que as propostas de fé (na via) pública tiveram mais participação dos ‘de fora’ do que dos ‘da casa’, podendo estes colocar em causa aquelas propostas – de procissões ou de tradições cristãs de quaresma – na medida em que se encolhem e como que fogem do compromisso… na rua.

Vi muitos homens – desses que não põem os pés na igreja – a rezar na rua e a benzerem-se. Era de noite e isso deixava-os mais sem filtros e menos medos ou respeitos-humanos…

São dados destes dias: o islamismo crescerá até 2050 – isto é, em trinta cinco anos – mais de setenta por cento em todo o mundo. Na França foi solicitada a autorização para construir para o dobro das mesquitas que estão em funcionamento… tal é o número dos praticantes!

O grande califado já está em marcha. Com facilidade nos conquistará, bastará moderarem a agressividade e a nossa sociedade ocidental e europeia em particular cairá, pois está em adiantado estado de apodrecimento moral, cívico e cultural!

4. Nem mesmo o razoável número dos batizados adultos salva este iminente colapso. Em Setúbal (diocese) foram batizados nesta Páscoa 105 adultos (entre os 20 e os 50 anos)… Mas o que é isto num espaço onde mais de duzentos mil não são batizados!

Urge, por isso, refletir sobre a qualidade humana e espiritual dos que (ainda) temos na Igreja, não aconteça de estarem a engordar com devoções e não a viverem em processo de conversão contínuo. Como podemos contar com quem, na hora dos momentos mais significativos da fé, prefere os lugares de diversão e não os espaços de celebração? Ainda dizem que estamos em crise. Que seria se não estivéssemos!

5. Uma sugestão simples e sincera: devíamos todos – hierarquia, religiosos e leigos – usar este tempo pascal para lermos, atenta e humildemente, o livro dos Atos dos Apóstolos e aí refontalizarmos a nossa fé medíocre e de manutenção. Que o Espírito Santo nos mova a uma maior consciência de sermos Igreja em caminhada… à semelhança dos discípulos de Emaús, tendo uma forte experiência de Jesus Ressuscitado, hoje!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)