Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Coração limpo e cabeça lúcida


Numa espécie de resumo dos resumos nas jornadas da comunicação social, que decorreram, por estes dias, em Fátima, o diretor do secretariado nacional das comunicações sociais, sugeriu que todos os intervenientes neste setor da comunicação social (e não só… todos na Igreja) deve ter coração limpo e cabeça lúcida, pois mais do que estarmos juntos precisamos de estar unidos.

Estas jornadas anuais tiveram por tema: uma rede de pessoas. Como habitualmente muitos jornalistas e pessoas ligadas à comunicação social da Igreja católica e não. Houve dois painéis - um sobre ‘jornalismo descartável: consequências empresariais e profissionais’; e outro sobre – ‘media e cultura do encontro’.

Um momento importante foi a presença do diretor do centro televisivo vaticano, Dario Edoardo Viganó, que falou sobre: ‘Papa Francisco e a cultura do encontro: o poder das imagens’. O Papa Francisco introduziu – foi exemplificado com várias imagens e intervenções – um estilo conversacional através da sua forma de ser e de comunicar a mensagem do Evangelho e da Pessoa de Jesus, hoje.

Creio que participo neste tipo de jornadas há mais de década e meia e tenho visto a evolução (repetição, inflexão, conjugação, etc.) dos temas e mesmo dos participantes. Há cada vez mais gente nova, bastantes senhoras (meninas), com ferramentas bem apetrechadas, com linguagem mais e mais elaborada na codificação da internet, com ideias e muitos ideais, com projetos e aspirações, com materiais progressivamente sintonizados com o discurso das tecnologias de ponta… com dificuldades económicas decorrentes e de alguma compreensão dos responsáveis diocesanos em quererem isto como opção… gerando e gerindo interesses eclesiais e muitas vezes eclesiásticos… Numa palavra: para mim estas jornadas (no tempo e no espaço) têm sido – com maior ou menor interesse – oportunidades de crescer na humildade no conhecimento das coisas e das pessoas, na sintonização entre questões técnica e problemas humanos e de compreender que O comunicador por excelência para os cristãos continua a interpelar-nos: Jesus de Nazaré, mestre, senhor e guia… ontem, hoje e para sempre.

 

Diante de mais esta experiência das jornadas nacionais da comunicação social ficaram-me algumas questões, desafios e mesmo perguntas.

- Cultura do encontro – simbolizada na figura do Papa Francisco podemos ver que a cultura do encontro se faz de imagens fortes e palavras que explicam os gestos. A própria forma como os dois mais recentes Papas abriam os braços pode revelar esta cultura do encontro, mostrando um ‘rosto de convivência’ e de abertura aos outros… seja qual for a sua cultura, a sua expressão religiosa ou mesmo lugar dessa vivência.

- Tecnologia e recursos humanos – as (ditas) novas tecnologias são ferramentas usadas na comunicação – social ou outra – que temos à nossa disposição. Saber usá-las é o mínimo que se pode exigir de quem está na comunicação. Mas os recursos humanos são o mais importante de cada época, pois temos de ser deste tempo e de usar a linguagem do tempo para sejamos entendidos… se bem que a linguagem cristã seja continuamente um desafio não à mera adaptação, mas à sintonia que eleva quem faz a comunicação segundo valores…

- Valores versus sucesso? De fato, o sucesso rápido pode, nalgumas situações, fazer obnubilar alguns dos valores que servimos, tendo em conta o respeito pelas pessoas e a sua diferença… histórica, social e cultural. Por vezes, a imposição do sucesso pode criar dificuldade à prossecução dos valores mais elevados e não os mais rasteiros e até imediatistas!   

- Contar histórias/dar notícias - Há quem tenha a arte de contar histórias e com isso a de fazer perceber a notícia, gerando a difusão de fatos e de personagens que fazem a história e não se reduzem às meras estórias… Na medida em que fazem notícia, os narradores de histórias podem e devem ser criadores duma boa mensagem, atingindo a mente e o coração… que seja lúcida e limpa e/ou vice-versa.

Comunicadores cristãos, precisam-se…para servirem o dom da paz, do encontro e da convivência entre as várias culturas…em linguagem atualizada e atualizadora.

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Respeito, humildade e serviço


Por estes dias várias estruturas – sociais, culturais, educativas e mesmo eclesiais – estão a viver etapas de mudança, isto é, saem uns e entram outros, há substituições e reveem-se intérpretes, mudam-se caras mas nem sempre se veem corações…

Nalguns casos temos notícia dessas modificações, noutros casos a passagem de testemunho é mais simples e quase ignorada. Em certos momentos traçam-se elogios, noutros conjeturam-se acusações….

Atendendo às diversas leituras desses fatos e episódios parece-nos um tanto útil tentar discernir o que tais posições podem significar… para nós e para os outros.

- É, infelizmente, um tanto vulgar que quem entra como que pretenda fazer obnubilar quem o antecedeu, nalgumas situações quase desdenhando sobre o que de bom o antecessor possa ter sido feito… sabe-se lá com que esforço e luta. Talvez quem assim se comporta não seja muito inteligente, embora possa parecer esperto, pois poderá haver quem, não tendo gostado do antecessor, mas fazer dele uma espécie de sombra será de mau tom e de deficiente visão… Quanta maledicência seria evitada se se soubesse ser um pouco mais humilde e se se tivesse mais de respeito uns pelos outros e ainda se todos se entendessem mais pelo serviço aos outros do que em servir-se dos outros!

- Talvez valha a pena trazer, mais uma vez, à liça essa estória da pedra, que estava ainda presente no meio de uma igreja e em que um padre novo e recém-chegado queria a toda a força retirá-la… ao que um velho da paróquia, acercando-se do jovem pároco, lhe ripostou: antes de tirar a pedra, pergunte primeiro porque ainda está ela ali!

É verdade muitas coisas são aquelas que se fazem, outras são as que são feitas e outras tantas as que é possível realizar, pois uma coisa é o desejável, outra o que nos deixam concretizar…

De fato, há situações que podem favorecer a intervenção e outras que proporcionam que os interventores saibam interpretar as situações – dir-se-ia na linguagem do concílio Vaticano II, ‘lendo os sinais dos tempos’ – catapultando soluções em razão dos problemas. Por vezes, o que num certo lugar resulta não tem qualquer impacto ou significado num outro local… mesmo que inserido numa cultura mais ou menos idêntica.

- Por vezes somos surpreendidos pelas reações – no sentido de receção e/ou de confronto – das pessoas, pois algo muito simples como que se pode tornar numa tormenta… no início ou no final. Breves observações podem ser bem acolhidas ou podem criar obstáculos… quase intransponíveis. Mesmo sem se dar conta, muita gente vive uma psicologia do ‘estar no contra’… ou pelo menos na fronteira entre a maledicência e uma espécie de rejeição, podendo disso tirar ‘o seu’ proveito reivindicativo e favorecido.

Torna-se cada vez mais essencial descobrir os objetivos das pessoas com quem contatamos, convivemos e traçamos momentos de relação, pois podemos, com alguma facilidade, ser ludibriados, usados e até manipulados…de forma mais ou menos consciente, senão no conteúdo ao menos na forma.

Por isso, servindo-nos das três palavras que titulam este texto deixamos algumas sugestões:

- Respeito é preciso tê-lo, vivê-lo e cultivá-lo seja com quem for, pois o resultado é resultado duma cultura amadurecida na boa convivência entre as várias gerações;

- Humildade é o húmus mais sagrado da confiança entre os diversos intervenientes da nossa vida, onde cada um sabe o que deve fazer e ajuda os outros a sê-lo também;

- Serviço é essa atitude de grandeza subtil que nos coloca na dependência fraterna e nos torna solidários tanto na desgraça como no sucesso… dos outros para connosco e de nós para com eles.

Queira Deus que sejamos capazes de viver com respeito, na humildade e pelo serviço… onde quer que nos encontremos.   
 

António Sílvio Couto

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Uma certa injustiça do SNS


Por estes dias têm estado a ser comemorados com mais ou menos pompa e circunstância os trinta e cinco anos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) português com declarações (quasi) dogmáticas dalguns mentores e com intenções mais ideológicas do que de verdadeira política social em saúde, doutros tantos.

Consultando a wikipédia encontramos a seguinte definição/descrição do SNS: o serviço nacional de saúde é uma estrutura através da qual o estado português assegura o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos de Portugal. A sua criação remonta a 1979, após se terem reunido as condições políticas e sociais provenientes da reestruturação política portuguesa da década de 70.

O objetivo primário do SNS é a persecução, por parte do estado português, da responsabilidade que lhe cabe na proteção da saúde individual e coletiva e para tal está munido de cuidados integrados de saúde, nomeadamente a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social.

Ainda segundo dados da wikipédia, a rede hospitalar em Portugal continental é formada por 212 hospitais, dos quais 91 são privados. Os 363 centros de saúde estão organizados em 74 agrupamentos de centro de saúde. Em 2012 havia em atividade 342 unidades de saúde familiar e 186 unidades de cuidados na comunidade…

Terminado este respigo de dados em fontes da internet como que temos de questionar o alcance – passado, presente e futuro – do SNS, o público-alvo, as fontes de rendimento para o manter, os problemas a tentar resolver e uma multiplicidade de aspetos que não se resolvem com mais dinheiro, com mais profissionais e talvez nem sequer com desejos que não ponham em causa algo que tem tanto de interessante quanto de estatizado e quase estatizante…à maneira coletivista de outras latitudes.

- Quem já viu algum dos nossos defensores – seja qual for o partido – do SNS a ser atendido na fila do hospital público (com ou sem pulseira de prioridade) ou na sala de espera de um qualquer centro de saúde ou unidade de saúde familiar? Terão vergonha de serem vistos ou estão acima do povo que tem de esperar horas, dias e meses a fio pela consulta, a operação ou outra qualquer solução da sua saúde precária?

- Nesses momentos os amigos da área da saúde são recurso ou servem de alibi para questiúnculas de somenos, quando não se deseja ter de esperar… como e com os outros?

- Por onde andam os fautores da política minimalista do SNS, quando algum problema é detetado e tem de ser resolvido em tempo oportuno? Nunca recorrem a um serviço fora do público? Nunca se ajeitam para ultrapassar o vulgo das gentes… por mais pequeno que possa ser o favor?

= Sugestões de solução… respeitada e respeitadora… dos cidadãos

Não se devia uniformizar tanto o sistema de saúde. Cada um devia saber escolher qual o sistema que lhe interessa mais, sem nunca nivelar pela base o que devia ser incentivo a criar condições cada mais respeitadoras das opções das pessoas, isto é, não devia ser preciso descontar para o SNS, se tiver outras possibilidades… de solução.

Dever-se-á dar as melhores condições de escolha, sem nunca fazer de conta de que o sistema (dito) público é o melhor ou de que (enquanto tal) não presta… pois, tais preconceitos são maus conselheiros de escolha e de boa visão de futuro.  

Pugnando pela verdade, o SNS só terá viabilidade se não for um gerador de injustiças, pois corre o risco de deixar como ‘seus’ usufrutuários os setores da população mais vulneráveis e sem capacidade de intervenção… à exceção da manipulação de certos habilidosos (partidários e sindicalistas), que não sabemos onde são assistidos, quando estão doentes e onde fazem a prevenção ou os cuidados de saúde… habituais ou recorrentes.

É tempo de dizer: basta! a tantos lóbis que deambulam pela área da saúde, sejam visíveis ou subterrâneos!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

17% dos jovens ‘nem estudam nem trabalham’


O número de jovens – entre os 15 e os 29 anos – que em Portugal não estudam nem trabalham – a designada ‘geração nem-nem’ – atinge já dezassete por cento da população. Em 2005, os ‘nem-nem’ representavam cerca de 13% da população… tendo-se verificado um aumento em nove anos de quatro pontos percentuais.

Portugal está, deste modo, no primeiro terço de uma tabela de mais de quatro dezenas de países… sendo mesmo o terceiro país da OCDE onde a proporção mais cresceu nos últimos anos (2011/12)… entre o leque de jovens que não trabalham nem estudam.

- Dois dos parâmetros de aferição, neste ambiente de crise, para avaliar a questão deste setor não-ativo da sociedade foram a ligação entre o nível de educação e o emprego bem como o nível da escolaridade e a mobilidade social… Em Portugal o desemprego atingiu 10,5% dos diplomados, enquanto a média dos países em análise se quedou por metade, isto é, 5%.

- Segundo alguns especialistas na matéria, este crescimento da população juvenil que não estuda nem trabalha tem duas explicações: temos uma geração mais desligada (na cidadania e na integração) do futuro e ainda revela uma falta de perspetivas sobre o mesmo futuro… O que torna a questão social e culturalmente preocupante, gerando um vazio de ocupação, de motivação e de compromisso… de milhares de jovens.

= Colocando questões…à espera de resposta… de quem tem obrigação/direito

Talvez seja urgente refletir sobre esta geração ‘nem-nem’, pois esta atitude revela algum de muito importante, seja na forma bem como no conteúdo daqueles que hão de assumir o nosso futuro coletivo… se o quiserem construir.

. Quais as razões de não-procura de trabalho dalguns desses jovens: têm quem os alimente, os vista e os acolha ou vão-se acomodando na bolsa marsupial, adiando a assunção de responsabilidades?

. Será esta geração ‘nem-nem’ resultado de um excesso de protecionismo de pais e educadores, que, assim, tentaram colmatar as exigências que lhes foram colocadas no tempo da sua juventude?

. Não haverá uma certa desconexão entre instrução e cultura, pois aquela nem sempre tem dado resultado na melhor promoção da exigência ou será que a (dita) escolarização como que contribuiu um tanto para infantilizar os instruídos?

. Como se pode relacionar a extensão do tempo de escola com a vulgarização em que são os outros que devem decidir, quando os pais destes ‘nem-nem’ já eram pais deles na idade que eles agora têm? 

. Não terá havido uma programação do não-trabalho de crianças, adolescentes e jovens… segundo a sua capacidade e oportunidade, induzindo-os em serem usufrutuários de regalias para a as quais não contribuíram minimamente?   

= Propondo sugestões… em discurso aberto

De pouco adiantará dizer mal da geração ‘nem-nem’ se não formos capazes de discernir soluções, que o sejam em razão da aprendizagem com os erros do passado e do presente. Com efeito, a geração ‘nem-nem’ está a colher aquilo que seus pais e avós semearam, isto é, uma sociedade de consumo, onde cada um procura aquilo de que tem experiência… sensitiva, hedonista e epicurista. De fato, as pessoas não se reduzem aos prazeres materialistas, mas antes têm  (ou devem ter) desafios mais sublimes e que dão gosto quando são conquistados… leal e sinceramente.

Não podemos continuar a querer substituir os mais novos com subtilezas de quem não trata os outros como pessoas, mas antes como se fossem objetos de decoro e de compensação… numa cultura do descartável.

As escolas e as famílias têm de voltar a ser espaços de diálogo e de convívio entre as várias gerações, deixando cair o imediatismo da promoção da vaidade ou da exibição no virtual do facebook… atendendo mesmo à construção do fictício em desfavor do esforço e da glória da conquista.

A geração ‘nem-nem’ tem futuro se soubermos ainda corrigir os erros do nosso presente. Todos merecemos melhor.

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Questões de linguagem… a aprender, sempre!


Um destes dias estava num grupo informal – onde se contavam alguns padres e outros tantos que beberam da fonte de formação do seminário – e surgiu uma certa avaliação a um programa pastoral de uma determinada diocese… que pretende refletir sobre a família a curto e a médio prazo… Evitarei identificar tal diocese, mas servir-me-ei da inquietação para colocar questões à linguagem com que falamos de alguns assuntos… sem atendermos à diversidade de perspetivas… mais laicas sem serem meramente laicistas.

Falava-se sobre o tema dos filhos e um certo prelado pretendia incluir na temática a formulação: ‘os filhos, dom de Deus’… ao que alguém ripostou, dizendo que conhecia até famílias cristãs que aspiravam a ter filhos e eles não aconteciam, bem como outros que, passada a idade da fecundidade, queriam ter filhos e tinham de recorrer ao sistema da adoção… Com seriam, nestes como noutros casos, os filhos, dom de Deus? Como poderiam tais cristãos/católicos interpretar essa expressão da doutrina da Igreja, quando o sofrimento para terem filhos era mais do que um dom, mas, possivelmente, uma luta e uma grande conquista?

Naquela conversa de pessoas em sintonia na mesma fé, como que intui que há tantas coisas que nós – bispos e padres, leigos e frequentadores habituais da igreja/missa – usamos que estão (ou podem estar) um tanto desconexas com a linguagem do mundo, senão no conteúdo, pelo menos na forma… de ser em Evangelho.

Já percebemos que há um certo bispês e um outro padrês, que não tem compreensão no léxico do comum dos fiéis…leigos. Por vezes precisamos de um dicionário para descodificar o que se pretende dizer… mesmo que sejam usadas as mesmas palavras.

Desgraçadamente até são muitos dos frequentadores do rito que fazem perigar o ritual, pois, formalmente, vivem as fórmulas, mas não entende o espírito da formulação. Já encontrei tanta gente praticante que não conhece o espírito da celebração, pois como que se ficam na exterioridade e não captam o central do celebrado...uma Pessoa, Jesus!

Como dizia um padre (conhecido e um tanto brincalhão, sem ser superficial) a uma senhora muito devota, que se reportava muito religiosa: ‘afaste-se para que não me pegue a doença’!... De fato, há fenómenos de religiosidade que mais não parecem do que rituais de cristandade, quando esta já faliu há mais de meio século! É verdade – como dizia, nos anos cinquenta do século XX, um pensador francês, Jacques Maritain – vivemos numa cristandade profana, onde, mesmo que usando termos de índole e de incidência cristãs, não são mais compreendidos numa correta linguagem do Evangelho, servindo antes para confundir mentes e comportamentos de fachada… senão contínua ao menos ocasional.

= Diálogo sincero e honesto… entre todos e com cada qual!

Todos temos tanto a aprender – pois já caducou a era dum certo dogmatismo, tanto teológico como social e eclesial – nas pequenas como nas grandes coisas, dado que cada qual, embora possa estar habilitado a pronunciar-se sobre aquilo de que sabe, deve aprender – em espírito de humildade e de abertura – com os outros que estudam outras matérias e que nos podem ajudar a caminhar de mãos dadas, de coração bem-intencionado e de espírito de simplicidade.

Só quem se conhece e que confia nos terrenos em que se movimenta, pode dialogar com outros em abertura e em sinceridade, pois, sintomaticamente, o problema da Europa não são as crises económicas e financeiras, mas, dramaticamente, a questão de Deus: Este foi expulso da vida de tantos cidadãos acomodados, adormecidos e narcotizados da velha ‘civilização’ europeia, que aqueles outros assuntos (materiais e psicológicos) são diversão e (quase) entretenimento, do problema principal… a crise espiritual!

Para que possamos ter um diálogo sincero e honesto temos de explicar o significado dos termos que usamos, pois, até podemos usar as mesmas palavras e dar-lhes conteúdos diversos. Precisamos de procurar muito mais aquilo que nos une do que aquilo que, factualmente, nos possa separar. Precisamos de purificar-nos de tantos preconceitos, que, tendo algum significado numa determinada época, agora não servem para construir pontes e criar sinergias de paz, de concórdia e de confiança…

  

António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quem chorará um padre na sua partida?


Um destes dias fui participar no funeral de um padre. Foi na minha diocese de origem… mas podia ser noutra qualquer. Envolveu um padre octogenário…mas podia ser mais velho ou mais novo. Conhecia-o (foi meu professor há mais de quarenta anos)... mas podia ser um quase incógnito. Recebi dele lições académicas… e também outras de índole moral e de valor pragmático… Numa palavra: acostumei-me a olhá-lo com respeito e veneração, tal era a idade e a consideração por alguém superior, se não no intelecto ao menos no mérito.

Observei a sua figura repousada e as flores em seu redor. Senti as lágrimas… sobretudo de familiares, à mistura com a circunspeção de outros presbíteros e muitos (tantos e entretantos) leigos extra laços de sangue… poderá ser de amizade ou até de ligação de fé. Naquele ambiente formal e funerário iam-me perpassando interrogações e avaliações, inquietações e propósitos, recordações e desafios… numa mistura quase anacrónica de sentimentos, de emoções e mesmo de provocações.
 

No título desta partilha/reflexão está contida uma distinção – como se fosse uma técnica de raciocínio tomista – entre a ‘partida’ ocasional e a ‘partida’ definitiva, isto é, entre a mudança de um espaço para outro e a mais dramática e definitiva que é a partida da morte… terrena, localizada e de saída do circuito dos vivos…
 

= Para quem já teve de sair de um lugar para outro, a ‘partida’ exige deixar laços dalguma segurança e ser capaz de ir à descoberta de algo de diferente, de novo e quase instável. Há idades para ainda se ser capaz de mudar, mas, noutras circunstâncias, tudo se pode tornar mais ou menos difícil de gerir e até de digerir. Certas ‘festas de despedida’ como que soam a falso, tais são os elogios que nunca cobrirão em segundos os obstáculos colocados ao longo do tempo e de espaços percorridos… muitas vezes por entre lágrimas e tragos em engolir em seco e com dor.
 

= Nessas horas de saída, fica-nos o amargo da não-correspondência pelos destinatários àquilo que foi proposto… Se bem que a acomodação possa ser a resposta de outros tantos momentos de fraqueza e de desânimo. Nessas horas de saída, não é difícil encontrar aduladores, sob a capa de abutres, que tentam disfarçar uma certa esperteza, camuflando a inteligência não possuída.

= Na hora da despedida torna-se importante e quase fundamental recordar essa palavra de São Paulo: um é o que semeia, outro é o que cuida e outro ainda é aquele que colhe. Com efeito, por muitas e diversas razões será no tempo de pós-despedida que se poderá compreender o significado mais credível daquele que parte bem como do seu razoável trabalho, pois, segundo a leitura de entendidos na matéria, cada um será tanto mais apreciado pelo que deixa nos outros (discípulos, seguidores ou colaboradores) do que por aquilo que pensa que vale… O mestre mede-se pela eficiência do discípulo!
 

= Breves inquietações… quase espirituais

- Que importa pretender ser importante se numa semana após a morte já ninguém se lembra as façanhas do falecido?

- Que importa deixar bens materiais a quem não os aprecia: não custou a ganhar também não custará a gastar?

- Quem lhe chorará lágrimas de saudade, se não soube lançar (humilde, sincera e serenamente) sementes de salvação?

- Quem poderá ser lembrado em memória se lhe faltou horizonte de eternidade naquilo que disse e pretendeu fazer… mais ou menos bem?

Muito honestamente: talvez ninguém me chorará, pois os laços de sangue foram coartados muito cedo, os laços de amizade têm sido muito ténues e os laços de espiritualidade tenho a impressão que não foram compreendidos… É verdade que ninguém nos chora porque não pertencemos a nada nem a ninguém… talvez só a Deus. Será?

  

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)