Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



domingo, 30 de novembro de 2014

Não há direito de ridicularizar a desgraça


No discurso final do responsável máximo do Partido Socialista, ontem, domingo, entrou em cena uma atriz a ler aquilo que foi apelidado uma lista das trintas e tal mulheres vítimas de violência doméstica…
O assunto é demasiado trágico para ser usado em jeito de populismo, sobretudo se a assumi-lo uma figura do teatro e da televisão… sabe-se lá em que época de atual carreira. As pessoas que sofrem não podem ser instrumentalizadas por políticos em maré de campanha e num circo tão mediatizado.
Noutros tempos e noutro partido um ator leu uma mensagem do líder doente e fez-lhe todos os salamaleques como se ele estivesse na tribuna. Agora este inciso às vítimas da violência doméstica foi uma espécie de desonestidade intelectual e emocional, pois pareceu querer fazer da dor de tantas pessoas um respigo ideológico… e bandeira partidária. Ou será que aquilo foi uma forma de tentar exorcizar o fantasma do ausente, criando fait-divers de circunstância duvidosa?
No congresso, não interessa o que foi dito… até porque quem divergia foi afastado. Não interessa um certo triunfalismo… em surdina. De pouco importa haver quem desenterre figuras sinistras dum passado recente… a quem pouco devemos, antes pelo contrário. De pouco vale a pena vir tentar fazer a ponte sobre a austeridade… se nada muito pouco se fez para ser parte da solução. De pouco vale varrer para debaixo do tapete os erros não assumidos.
Se é, assim, que pretendem ganhar o poder – fazendo populismo com a desgraça alheia – temos de pensar melhor que país queremos!
Desta forma, não, obrigado!

Anónio sílvio couto
(asilviocouto@gmail.com)


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Somos todos iguais perante a lei?


Fomos assaltados, nos dias e semanas mais recentes, por notícias de figuras gradas da nossa vida pública que estão a contas com a justiça: banqueiros, altos funcionários da administração do estado, políticos (para já ex-governantes!), administradores de grandes empresas… numa catadupa de acontecimentos e de episódios que se vão sobrepondo uns aos outros, quase não dando descanso à nossa capacidade de digestão noticiosa.

De repente, os comunicadores – isto é, os jornalistas – tornaram-se alvo das invetivas dos amigos dos visados, com declarações insidiosas, com impropérios contra os mensageiros, desculpando os noticiados… Eis senão quando o caçador é como que caçado!

= Por muitas e diversas vezes os mesmos intervenientes – acusados, acusadores e difusores das notícias – reclamam a (tal) ética republicana, onde não se faz diferença entre os vários cidadãos… até ao momento em que são atingidos de forma direta ou nos seus mais próximos, sejam amigos ou apaniguados. Agora a tal ética pretende que possa haver diferença de tratamento, mesmo que isso possa contradizer o que antes se afirmava. De fato, como se torna perigoso pensar com a emoção (o coração até corre risco de colapso) e deixar transparecer que a tal ética republicana é boa, se for a nosso favor e contra os adversários reais ou fictícios, mas como se torna dura, se nos atinge!

= Quantas vezes se percebe que há uma justiça para pobres e outra para ricos. Estes podem pagar caução – em tempos recentes largos milhões de euros – e ter penas de coação menos gravosas. Os pobres pagam no silêncio e, quando muito, vão-lhes permitindo pagar com trabalho social/comunitário, pequenas infrações para que as cadeias não sejam superlotadas…

Embora, como sempre, todos sejam inocentes (ou não-culpados) até ser transitado em julgado, há situações em que o pior juízo é o da (dita) opinião pública, sobretudo se o atingido pode ser menos bem querido por alguma das fações sociais, económicas ou políticas…

= Quando de tantas e tão variadas formas se faz da exposição da vida pessoal uma espécie de espetáculo público, torna-se correlativo que, casos de justiça, sejam usados com pretensões de notícia, quando deveriam ser tratados no recato e respeito pela intimidade da pessoa humana, sobretudo quando ela está mais vulnerável. Não é isso que temos visto. Pelo contrário, vamos assistindo à devassa da vida privada, nalguns casos quase fazendo justiça pelas próprias mãos, ao menos na forma tentada. Deste modo cresce uma sensação de insegurança e onde uns tantos pensam ser donos da vida dos outros, esquecendo que, um dia, lhes pode tocar em sorte idêntico tratamento.

Há os que se querem mostrar e, por seu turno, há os que são tratados sem respeito nem consideração pelos hipotéticos erros e ações menos adequadas à vida social e pública. Urge, por isso, reformular a (tal) ética republicana, pois se continuarmos nestes trilhos de conduta será a própria justiça a ser desacreditada na forma e no conteúdo.


= Para que sejamos todos iguais diante da lei é preciso que a lei não permita a uns tudo fazer e nada lhes acontecer e a outros estarem sempre sobre escrutínio até dos mais vis e maldosos servidores da lei e não só. Quantas é vezes é o próprio legislador que não adverte as consequências, mesmo que pretenda cuidar das causas. Pelo caminho que temos percorrido pode-se ser rico até que não se descubra donde são oriundos os proventos, tal era assim a cultura espartana, que permitia roubar desde que não foi visto nem descoberto… Ora nós já percorremos outras etapas da História e da nossa cultura… Temos de recolocar no centro da lei o respeito integral da pessoa humana, particularmente quando esta se encontrar em fase de vulnerabilidade… e disso ninguém está isento, mais tarde ou mais cedo.   

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Maldito dinheiro, a quanto obrigas!


As notícias mais recentes, no âmbito da justiça, percorrem o caminho mais ou menos comum do dinheiro, particularmente, na abundância ou na tentativa dela: passaportes dourados (visa gold), subvenções vitalícias dos políticos, detenção dum ex-governante… e, já anteriormente, falência dum banco, turbulência na saúde ou nos transportes, greves/manifestações/austeridade… O dinheiro circula por tudo isto: umas vezes a falta dele, noutras a ganância em o conseguir e subjacente a (quase) tudo o querer ser rico – ou, ao menos, parecê-lo – a todo o custo!

= Se fossemos para a rua perguntar às pessoas por que razão trabalham, a maioria diria que é para ter dinheiro. Se questionássemos o esforço diário de vida de tanta gente, obteríamos por resposta: ganhar dinheiro. Se tentarmos explicar muita da criminalidade – contra pessoas ou contra bens – novamente o dinheiro poderá ser a principal motivação.

= Não é por acaso que Jesus Cristo adverte: «não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Isto é tanto mais provocador, quanto ao tempo de Jesus o ensinamento religioso dos fariseus apontava o sucesso e o ganhar muito dinheiro como uma espécie de bênção divina, misturando Deus que seria mais benéfico a quem tivesse muito dinheiro e quem fosse pobre poderia ser visto como um amaldiçoado e quase castigado por Deus.


= Hoje vivemos numa sociedade marcadamente materialista e onde o culto do dinheiro reveste múltiplas manifestações, desde as mais subtis e ‘inocentmes’ até às mais elaboradas e fraudulentas… tanto na forma como no conteúdo. De fato, o deus dinheiro tem uma religião muito bem estruturada – desculpem a apropriação de termos, de figurações e de simbolismos – que é o consumismo, com os seus patriarcas e purpurados, gurus e mentores, sacerdotes e acólitos, lacaios e servidores. A economia em grande medida fez do dinheiro o motor e inspirador de tudo, criando santuários e catedrais, nichos de culto e estátuas de grande veneração… Torna-se quase impossível sair imaculado do contato com o dinheiro – em moeda, em nota, em cartão ou noutra apresentação mais ou menos ritual – pois ele fascina e seduz, cria hábitos e faz-se atrativo… desde a mais tenra idade e em todas as circunstâncias da vida pessoal, familiar, social e cultural.

= Não ter, poder ter e perder a capacidade de ter

Quem passasse, há tempos atrás, pelas nossas cidades e vilas veria que, em cada canto, emergia uma loja de ‘compra e venda de ouro’. Este fenómeno poderia ser escolhido como um exemplo da exploração da debilidade do nosso povo, que, em maré de dificuldade, levava ‘ao prego’ – era a expressão doutros tempos idênticos aos que vivemos recentemente – o que podia dar alguma ajuda imediata nas economias. Ora, segundo dados divulgados por entidades oficiais, nos últimos dois anos fecharam quase mil dessas lojas de compra/venda de ouro…

De fato, temos vivido fenómenos de contínua mudança na nossa sociedade: pessoas e famílias que viviam nalguma miséria – repare-se na migração – melhoraram com esforço a situação económica. A geração seguinte foi educada sem ter de passar dificuldades e a nova geração tem quase tudo sem esforço e, em muitos casos, recebe o que não pediu nem trabalhou para ter, por isso, não aprecia e desperdiça.

Tudo isto aconteceu com muita velocidade e criou pessoas nem sempre gratas para com aquilo que hoje usufruem, gerando um certo poder reivindicativo sem nexo nem razão… O mais grave é perder a capacidade de ter, depois de já ter tido. Temos estado a viver nesta etapa da nossa história humana e cultural… e isto trará consequências muito gravosas para a paz social e económica. Há empresas que nasceram, cresceram e morreram no espaço de três gerações: o avô trabalhou, o filho cuidou e o neto esbanjou… Se passarmos este sistema para o âmbito do país poderemos perceber porque estamos no estado socio-financeiro atual e com tendências para (ainda) se agravar…se não mudarmos de paradigma a curto prazo.

O dinheiro é importante, mas não dá total felicidade. Esta não se mede pelo só material, mas pela dimensão psicológica e espiritual… que têm estado a faltar em excesso!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Caridade: fantasia ou fantasiosa?


Quando, no final do jubileu do ano 2000, o Papa João II escreveu a carta apostólica, ‘À entrada do novo milénio’, deixou-nos uma expressão desafiante: ‘fantasia da caridade’ (n.º 50), a qual se deve manifestar «não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna». Seguidamente é apontado «o anúncio do Evangelho como a primeira caridade… [Pois], a caridade das obras garante uma força inquestionável à caridade das palavras».

= Perante este texto com mais de uma década, fica-nos a sensação de que muitos dos atos de ajuda aos pobres estão mais voltados para a assistência às necessidades primeiras e que nem sempre a dádiva de ajuda está associada à evangelização, isto é, anúncio de Jesus Cristo. Com efeito, quantos dos que recebem ajuda, mesmo das instituições ligadas ou conotadas com a Igreja católica, e, com isso que recebem, percebem que é Jesus quem lhes dá isso e não a mera pessoa que lha entrega? Quanto esforço para matar a fome, para vestir quem está necessitado, para ajudar a pagar os medicamentos e as rendas… e os beneficiados não se tornam um pouco mais gratos, fazendo parte da Igreja celebrativa? Será que isto acontece por ingratidão ou por vergonha e inabilidade da parte de quem presta ajuda… ao não falar claramente de Jesus?

= Ainda um destes dias foram publicados dados que manifestam que alvo vai mal na hierarquia de valores do nosso tempo: há mais pessoas com acesso ao telemóvel (quatro mil milhões de aparelhos) do que aquelas que têm infraestruturas higiénico-sanitárias mínimas ao nível mundial… Quantas vezes vemos pessoas a pedirem ajudar para comer ou para pagar a fatura da eletricidade ou da água, exibindo telemóveis de alto custo! Quantas vezes vemos os mais necessitados serem aliciados para consumirem produtos de custo elevado! Quantas vezes parece que as pessoas se deixam fascinar pela aparência e não pela honestidade!

= A caridade – mal entendida ou mesmo distorcida – pode tornar-se um tanto fantasiosa para aqueles que a ministram e daqueles que dela usufruem. Há, por vezes, figuras que se servem das necessidades alheias para se promoverem ao perto e ao longe… particularmente pela comunicação social. Com efeito, estar ao lado dos pobrezinhos – ou será, antes, com os pobrezinhos ao lado? – dá promoção e alguns daí até se tentam projetar em pretensões políticas, sociais e sindicais! Nalgumas situações podemos entender que foram pessoas, que, de necessitadas, se tornaram defensoras dos necessitados, mas outros como que fazem dos necessitados uma espécie de alfinete de lapela em desfile de benemerência! Num tempo tão propício a aproveitamentos – alguns menos honestos do que seria desejável – podem surgir tentações de menos boa índole, podendo até desvirtuar o que se diz e, sobretudo, o que se faz!

 = A ‘fantasia da caridade’:

- obriga-nos a sermos leais uns para com os outros, sem disfarces nem segundas intenções, explícitas ou tácitas;

- exige que tenhamos – como diz o Papa Francisco – mãos sujas do fazer, mas limpas dos apegos mais subtis; - impele-nos em tudo e acima de tudo a nunca perder de vista que o nosso Mestre Jesus deu de comer pela Palavra e pelo Pão do corpo, da alma e do espírito.


Esta ‘fantasia da caridade’ poderá colher frutos de vida eterna e não de meros votos, de condecorações ou de aplausos, se nós virmos em cada irmão/ã mais fragilizado – com fome, nu, doente, preso, peregrino, desempregado, etc. – o rosto, a presença e a pessoa de Jesus. É assim que vemos e vivemos?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Escutar o sentido das coisas… vendo em Deus


Por estas horas recebemos a notícia da morte de duas crianças – uma prematura, lá nas terras árabes e outra a de um pequeno que motivou a solidariedade nos tempos mais recentes na moita e arredores.

Muitos outros casos, envolvendo crianças, aconteceram por estes dias, mas isso não nos pode fazer endurecer sobre estes nem aqueles mais anónimos… à nossa visão.

Isto é ainda mais agravado quando vemos a ser discutido – com alguma frieza e numa racionalidade doente – o tema da morte assistida… como se fossemos senhores da vida e não meros administradores.

Dito doutra forma: às vezes investe-se tanto esforço (psicológico, económico, científico e mesmo espiritual) para salvar vidas e outros como que se entretêm – entendam-se as razões e o alcance – a ver como fazê-la terminar… Além de esquisito parece que é imoral, sobretudo atendendo à tentativa de fazer crer que isso é o mais importante nesta etapa da história da humanidade!

= ‘Fazer tudo como se tudo dependesse de nós…

Ao longo da caminhada da nossa existência vamos aprendendo a vencer obstáculos, uns interiores, outros exteriores; uns de âmbito pessoal, outros incluindo mais pessoas; uns na esfera do privado, outras na dimensão comunitária/coletiva. Nuns saímos vencedores, noutros vamos aprendendo com os erros e dos erros poderemos fazer nova etapa de caminhada.

Quem não terá já perguntado a si mesmo, diante duma dificuldade ou iniciativa: como vou conseguir vencer isto? E, bem depressa, surge a referência: se outros conseguiram também eu hei de conseguir… e isso dá força para lutar e vencer, seja lá o que for!

Se, nalguns casos, podemos aprender a ser humildes e a sabermos valorizar os outros, noutros casos, pode surgir uma certa dose de autossuficiência e, senão mesmo, de capacidade de atingir fins onde nem sempre os meios serão os mais ajustados.

Precisamos de ir aprendendo a conhecer as nossas faculdades – tanto as que aceitamos, como as que nos podem ser mais escondidas ou ainda desconhecidas – e de darmos oportunidade para que os outros – que vamos conhecendo e vão surgindo na nossa vida… por graça e presença divina – também possam ser capazes de se afirmarem na vida e com as suas qualidades e defeitos… Será nesta intercomunhão que cresceremos e faremos os outros crescerem também! 

= Fazer tudo como se tudo dependesse de Deus’

Há campos e situações em que o exercício do dom da fé é muito mais do que uma condição de fideísmo, mas antes podemos e devemos colocar Deus na nossa submissão à sua grandeza na pequenez. Com efeito, a aprendizagem da confiança em Deus é um caminho nunca acabado, pois quando esperávamos ter completado uma etapa, outra se perfila na nossa vivência. Isto será tanto mais importante quando tentamos viver o esforço de uma caminhada na fé comunitária. De fato, crescemos pela mãos uns dos outros, pois Deus se serve deles/as para nos corrigir, umas vezes de forma mais entendível e outras de forma mais complicada.

Quem não terá já percebido que a fé cristã – e católica em particular – pode ser melhor entendida quando nos deixamos ajudar humilde e sinceramente! Quem não terá dado já a oportunidade a alguém para que nos possa corrigir sem isso deixar em nós mesmos azedume ou ressentimento! Quem não terá crescido na escuta de Deus pela forma como escuta os outros!

Deus continua a precisar de nós para continuar a Sua obra no mundo. Deus tudo faz connosco para que nós tudo façamos com Ele, por Ele e n’Ele.

Se assim vivêssemos como seria a nossa vida mais simples, alegre e interpeladora, pois vê-Lo-íamos em nós e à nossa volta, mesmo por entre lágrimas e tristezas, olhos fitos no Céu e os pés bem assentes na Terra!

Aos pais do Afonso queremos dizer-lhes que sempre rezamos por eles e, particularmente, por ele e cremos e acreditamos que, embora o tenham perdido de forma visível nesta Terra, temo-lo agora a interceder por nós junto de Deus, com Maria, nossa Mãe.

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Taxar os não-votantes… fonte de rendimento!


Diante da mais recente iniciativa do (ainda) presidente da CM Lisboa e candidato a PM de Portugal – taxar em um euro que entre turisticamente na sua área – como que ousamos sugerir que o dito aspirante a governante da Nação lance uma taxa idêntica aos seus não eleitores e também aos não votantes nas eleições e poderá, duma assentada, receber no tesouro milhões de contribuições… assim muitos o elejam e muitos mais o contestem. De facto, há coisas de somenos que fariam a diferença do sem mais…

Há situações de fundo e questões de enquadramento. Há aspetos essenciais e considerações circunstanciais. Há problemas que exigem solução e soluções que precisam que olhemos às causas e não andemos a distrair-nos com as consequências.

- Percorrido o tempo duro da assistência económico-financeira ao nosso país estamos prestes a ser chamados a votar. Uns fizeram parte da solução, outros do problema. Uns deram a cara e o trabalho pela recuperação, outros o barulho e a confusão. Uns pagaram as dívidas, outros tentaram adiá-las. Uns propuseram soluções, outros alimentaram divisões. Uns foram inábeis na explicação das questões, outros habilidosos nas intenções…

- Somos, de fato, um país que tem vivido ao sabor – quase cíclico – da abundância e do desperdício em maré de muito dinheiro e depois não sabe conviver nem gerir as restrições que lhe são impostas por estranhos… que tentam ajudar-nos a aprender a governar-nos. Continua viva a convicção – lá do tal general romano – de que não sabemos governar-nos nem nos deixamos governar… e, só em aflição extrema, é que concedemos o benefício da dúvida a outros, pois desconfiamos até da própria sombra, tal é a insegurança em que vivemos, nos movemos e existimos.

- O país não pode continuar neste ‘faz-e-desfaz’ com que nos vamos diluindo, quando somos chamados a votar. Não está em causa perpetuar no poder pessoas que não têm competência, mas precisamos de criar projetos que não andem ao sabor das ideologias, pois quem paga é sempre o elo mais fraco: o povo… que está a alhear-se das decisões, mas aguenta com as asneiras dos decisores. Sem pretender misturar as coisas – pois outras influências e interesses se imiscuem – bastará comparar os clubes desportivos: quem são os que têm maior sucesso? Os que têm estabilidade diretiva, coerência de equipa, sintonia de poder e de exercício do mesmo… Os que flutuam ao sabor dos resultados também não conseguem resultados alguns…de imediato.

- Parece que devia chegar a hora de começarmos a criar uma nova geração de pessoas empenhadas na vida pública, na política e noutras instâncias de serviço aos outros, pois há caras que já estão gastas e sem capacidade de fazer outra coisa que não seja repetir os lugares-comuns aonde nos levaram a cair no fosso económico, social, político e mesmo cultural. Mal vai um partido político – seja qual o quadro em que se mova – se precisa de desenterrar quem nos afundou! Se precisa de trazer à liça de quem já se viu que as ideias estão ressequidas! Se precisa de lançar na praça pública (da comunicação social ou do parlamento) quem ainda não deixou que tivéssemos feito o nosso período de nojo e de afastamento! Por favor não voltem: ainda não estão perdoados!

Ou será que as ideologias transversais e/ou subterrâneas impõem quem melhor serve os seus intentos e não os interesses da população a quem deviam servir? Será que vale tudo, mesmo enganar e manipular, os mais distraídos? Será que é pelo estômago – e não pela cabeça – que se conquista o poder a todo o custo?

 

Portugal precisa, merece e anseia ter melhores servidores das coisas públicas e nas metas privadas. Não podemos continuar a resignar-nos em termos de aguentar aqueles que nos tentam vender atores em saldo de fim de feira… de vaidades!

   

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O ‘muro da vergonha’ ainda tem defesa?


Por estes dias ocorreu o vigésimo quinto aniversário da queda do ‘muro de Berlim’, que associado à cortina de ferro entre o mundo comunista e a sociedade ocidental, na Europa, representaram o ‘muro da vergonha’. Tudo isto aconteceu em 1989: ano simbólico de uma nova etapa da cultura de liberdade, de solidariedade e de comunicação.

Tive, em 1986, a grata possibilidade de ter estado uma semana em Berlim… recebendo informações políticas e sociais e vivendo na prática o garrote da ‘liberdade’ de Leste… onde o semáforo do homem a marchar era um símbolo mais do que decorativo do lado de lá do muro, pois representava a militarização patente em tudo, mesmo nos pormenores de trânsito e no mais subtil controlo dos movimentos dos ‘invasores’ ocidentais…

Voltei, cerca de dez anos depois, a pisar o solo berlinense e vi as cicatrizes nas ruas e nas mentalidades. À época de 1996, Berlim (antiga leste) estava invadida de guindastes, de obras de reconstrução e de trabalhadores emigrados portugueses, que, nessa tarde de outono dominical, em que os vi, se refugiavam nas estações de caminho-de-ferro, abrigados do frio quase glaciar…

Foram dois momentos muito sentidos da minha passagem por Berlim, onde pude perceber que nesta parte ocidental da Europa, que é Portugal, vinte e cinco anos depois, ainda podemos encontrar defensores daquele ‘muro da vergonha’ – como dizia, por estes dias, um jornal partidário para salvaguardar dos ataques dos intrusos – mesmo que, se eles até foram visitantes ocasionais, escaparam às filas para comer ou se serviram de outros mercados para serem atendidos… Não entendo onde têm estado ou por onde têm andado certos apaniguados do regime marxista: a liberdade parece ser só é importante, se for a deles! Não percebo como pode haver quem lhe custe fazer um processo de reformulação, se ainda não entendeu a desadequação das ideias com a prática! Há, de verdade, ideologias que são tão fixistas que nem entendem que o mundo avançou, embora usufruam das regalias do avanço económico e social, mas esconjurem os seus mentores!

Vamos tentar refletir sobre três (entre tantas) das ideias que motivaram, que mobilizaram e que construíram o novo mundo saído da revolução de 1989.

Na encíclica de João Paulo II, ‘Centesimus annus’, números 22 a 29, faz-se uma análise muito profunda sobre o significado desta data de 1989 – repare-se que são dois séculos precisos após a revolução francesa – destacando-se a falência económica do sistema coletivista/comunista, o vazio espiritual provocado pelo ateísmo, a recuperação da liberdade individual e a sua expressão política na sociedade… em vista de um desenvolvimento integral da pessoa humana, onde Deus tem lugar e a vivência da liberdade religiosa é fundamental.

- Cultura de liberdade – sentido profundo e essencial da pessoa, onde cada um é tanto mais livre quanto mais viver desapegado de tentáculos materialistas. Com efeito, não basta substituir os paradigmas – de marxista para consumista – para que tenhamos já uma consciência correta da liberdade tanto pessoal como comunitária… O caminho ainda não foi iniciado!

- Cultura de solidariedade – é digno de registo que até ao início da década de 80 do século passado era difícil encontrar um registo digno de mais do que poucas linhas deste termo ‘solidariedade’… Muito por influência de experiências sindicalistas – algumas rebeldes anticomunistas – foi possível perceber que a solidariedade era e é um conceito de amplitude mais profunda do que a fraternidade da (velha) revolução francesa…

- Cultura de intercomunhão - agora os direitos de todos que têm lugar na intercomunhão de povos, culturas, línguas e religiões… nesta globalização de ideias e (até) de temores. Veja-se o que acontece nalguma das vagas de doença, em que como que todos ficam em risco, mesmo que remoto.

 

O muro da vergonha pode ainda subsistir no nosso coração e na conduta de tantos dos nossos contemporâneos. Assim saibamos derrubá-lo em nós e à nossa volta!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Evangelizar o evangelizador


Nunca o evangelizador poderá ser credível se, ele mesmo, não estiver continuamente em atitude de ser evangelizado ou, então, tornar-se-á como o sino, que chama para ir à igreja, mas não entra!

Agora que se vem falando tanto de evangelização, torna-se urgente centrar-nos no essencial, para que não andemos a usar palavras que desvirtuem o significado dos termos, tanto na etimologia como na semântica… cristãs.

O uso do termo ‘evangelização’, em contexto católico, mais assumido e como vivência eclesial organizada, é bastante recente, isto é, não tem mais de três décadas nos documentos da Igreja católica… embora se possa encontrar algo que nos diga que a dinâmica de anúncio do Evangelho – este o sentido mais acutilante de evangelização – tenha estado sempre presente no espírito e na atitude contínua da Igreja católica.

Se consultarmos um índice ideológico dos documentos do Concílio Vaticano II, o termo ‘evangelização’ aparece citado apenas nove vezes. No entanto, se procurarmos termos afins como: ‘apostolado’ (com 35 referências ao termo em geral e 71 vezes na vertente do ‘apostolado dos leigos’) e ‘missões’ (com cerca de cento e trinta referências)… encontramos uma riqueza localizada na terminologia de meados do século passado. Se consultarmos, por seu turno, o Catecismo da Igreja Católica – publicado em 1992, trinta anos após o início do Concílio Vaticano II – encontramos só três citações deste tema da evangelização… no quadro das vocações e ministérios na Igreja.

= Deixar-se evangelizar

Nunca por nunca o evangelizador tem completo o seu ‘processo’ de autoevangelização, pois em cada idade precisa de aprender a interpretar os sinais de Deus na sua vida e isso nunca está acabado… está em constante e profundo amadurecimento. Mal vai a consciência do evangelizador se se limitar a ser uma espécie de reprodutor de esquemas, de lições, de iniciativas, de propostas, de catequeses… já feitas e agora lançadas como recurso de evangelização.

Quando, em 1983, o Papa João Paulo II lançou a expressão ‘nova evangelização’, muitos ficaram assustados, mas foram-se recauchutando com a expressão… embora sem muitas vezes terem entrado no espírito da mesma ‘nova evangelização’. Na visão do Papa a ‘nova evangelização’ deveria ser nova no ardor, nova nos métodos e nova na expressão… Cada um destes itens contém múltiplos desafios para sejamos dignos de acolher, hoje, o Evangelho e de o sabermos comunicar a tantos que dele precisam… Nada está fechado e nada poderá ser entendido se não formos humildes e fortes: humildes para querermos sempre aprender e fortes para seguirmos as inspirações do Espírito Santo… em fidelidade à Igreja.

= ‘Jesus tem lugar no meu coração?’

Esta pergunta poderia servir-nos de motivo de caminhada no Advento que se aproxima, mas também poderá ser uma questão a responder por quem está no terreno da evangelização, pois se tal não acontecer poderemos ter pessoas a propagandear coisas ‘lindas’, mas não a anunciar uma Pessoa: Jesus Cristo vivo e ressuscitado.

É isso que evangelizador faz ao evangelizar: anuncia um encontro com Jesus e não umas técnicas de comunicação de produtos mais ou menos credíveis… anuncia um encontro pessoal e não umas teorias estudadas e/ou mal assimiladas.

Como muito bem se diz: ninguém consegue atingir os outros senão naquilo em que foi atingido. Se o Cristo que conheço é meramente da instância intelectual, poderei só falar d’Ele assim. Mas se Ele atingiu o meu coração, então falo d’Ele com o coração convertido e em contínua conversão.

- Que tenho de retirar do meu coração para que Jesus tenha mais o seu espaço?

- Que ocupa, em mim, o espaço que Jesus merece ter no meu coração?

- Sinto que já estou totalmente evangelizado?

- Conheço Jesus de saber coisas sobre Ele ou de O conhecer do encontro coração a coração com Ele?

- Como vou, neste Natal, dar mais oportunidades a Jesus para O amar e servir?

 

António Sílvio Couto