Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 29 de junho de 2020

Preconceitos (de) mascarados


A pandemia do coronavírus ‘covid-19’ alterou a mente e o comportamento de muitas pessoas, levando-as a dizerem, a fazerem e até a insinuarem coisas que, numa fase normal, não teriam dito ou feito… A mais recente situação que me deixou a pensar se não andaremos todos confundidos nas ideias e nas práticas foi a de um polícia a quem terá sido movido um processo por usar uma ‘máscara social’ de cor preta. A razão prende-se com a ‘regra’ de que só poderem ser usadas, na corporação, máscaras de cor branca ou de cor azul.

Por muito que possa ser plausível tal situação fica-se com a sensação de que há mentes suficientemente conspurcadas para lerem muito do que acontece numa grelha mais racista do que seria pensável. Dá a impressão que, para muitos dos nossos contemporâneos, o preconceito rácico é mais forte do que a leitura simples, franca e sincera com que podemos/devemos viver a vida.

Tal atitude preconceituosa como que se pode tornar uma ideologia, onde, sem nos dar conta totalmente, fazemos essa figura ridícula com que nos vão envenenando as relações humanas e os critérios de julgamento. Aliás, outra coisa não será de esperar de formulações dialético-marxistas de onde germinam muitas das posições sociais, económicas e culturais (ditas) antirracistas. Sempre estão à espreita de algo em que possam pegar para, durante largos dias, se entreterem com manifestações, contestações e até violência como aconteceu nos tempos mais recentes. Não há justificação alguma para terem sido prolongadas as imagens racistas com que se foram entretendo ao longo de quase um mês… 

= Fervilham, no entanto, na nossa sociedade sinais preocupantes de agressividade. O tempo de confinamento, por ocasião do coronavírus ‘covid-19’, fez com que muita gente fosse recalcando muito daquilo que fez sair as pessoas da rua: reduzidas a quatro paredes durante semana a fio, até os pobres animais pagaram com as pretensões dos ‘donos’ desejosos de subverter a lei de não sair de casa senão para as compras e passear o bicho de estimação. Não esquecerei um dia em que vi um cão aos saltos e a ladrar em todas as direções na rua, pois o dono para ter cobertura de andar na rua àquela hora da manhã, soltou, prendendo o animal e este estava à deriva… Esta pode ser uma das imagens de marca do abuso sobre os animais ao longo dos dias de confinamento… servirem de suporte para as tropelias humanas.

Outro tanto se pode dizer do apego ao telemóvel e a outros apetrechos eletrónicos, que foram a salvaguarda de comunicação nesses longos. Deste modo agravou-se o isolamento das pessoas, que se têm vindo a refugiar cada vez mais nesses artefactos e dão cada vez menor importância aos outros. É urgente recriar espaços livres de material de comunicação que tem agravado o que ainda ia havendo de trato das pessoas umas com as outras. Estamos excessivamente dependentes do tlm, da internet, das redes sociais…de tudo quanto nos pode isolar na multidão. 

= Agora que perdemos a visualização total do rosto – próprio e alheio – com o uso obrigatório da máscara, precisamos de inventar formas de comunicar com qualidade e com tempo. Não podemos deixar que os cuidados sanitários venham a prejudicar o mínimo de proximidade sem exagero nem desperdício de humanismo.

Há posturas no uso da máscara que servem mais para diluir o (possível) confronto com as pessoas do que para se defenderem mutuamente. Se bem avaliarmos todo o processo de salvaguarda da saúde podemos ir percebendo que, senão tivermos cuidado, poderemos fazer de cada outro/a uma espécie de inimigo e até de possível perigo para os meus interesses. É, portanto, fundamental sermos educados para o acolhimento e a capacidade de sabermos receber tanto conhecidos como desconhecidos. Não estraguemos com a segurança da saúde o equilíbrio entre as pessoas… Mais uma vez bom senso precisa-se!        

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Custo dos almoços/jantares a jornalistas


Corroborando um chavão mais ou menos aceite e conhecido – ‘não há almoços grátis’ – um treinador de futebol ousou enfrentar o setor dos jornalistas, lembrando-lhes tal façanha, bem como lançando a confusão nas hostes ínclitas da classe!          

Em reação corporativa, logo lhe foram fazendo o lastro para que a tarefa de treinador esteja em perigo, lançando ainda mais suspeitas sobre a veracidade dos factos aduzidos ou criando à volta do problema ainda mais burburinho de quem se sentiu denunciado e usa o ataque como arma de defesa.

Desde já uma declaração de interesses: sou simpatizante do clube do treinador em pré-despedimento, mas procuro ser racional; por isso, considero que o clube não tem condições para ser este ano campeão em futebol e, possivelmente, nos próximos dois anos, pois quem tenta imitar a confusão de outros só poderá colher os resultados deles!  

= Tentemos entrar nos meandros dos tais ‘almoço/jantares’ (ditos) grátis ou rotulados ‘de trabalho’ e quais os seus custos, sobretudo se envolverem os tais fazedores de notícias, que, por vezes, se acham no direito de cobrar a fatura, quando não lhes parece bem retribuído o que desejavam.

Daquilo que me foi dado viver, já há quase quatro décadas, nota-se que a tal classe dos noticiadores não enjeita ser adulada, mesmo que se diga independente ou com espírito crítico. Desde logo precisamos de saber quem lhe paga, isto é, quem lhe dá o suficiente para continuar a escrevinhar ou a mandar bitaites. Será, assim, tão difícil de compreender que tem de ser a voz do dono? Não haverá, mesmo que inconscientemente, o recurso ao filtro de quem manda, na hora de perspetivar o que se quer dizer ou aquilo que se quer mostrar? Não saber qual o grupo a que pertence um jornal, uma rádio, uma televisão, uma plataforma digital ou rede social é que como que andar a ser envenenado sem se dar conta…

Nada disto será tão repugnante desde que os pretensos ‘independentes’ assumam que não o são e que ainda não são tão incorruptíveis quanto desejam fazer crer…Como se diz na gíria: toda a gente tem um preço, depende do custo que se lhe queira pagar. 

= Não há profissão mais interesseira do que a daqueles que se dizem na ‘comunicação social’, pois fala de tudo e de todos, mas, quando lhe toca a arder em casa, ninguém sabe de nada e só pela concorrência se pode perceber o mal que vai na casa alheia. Nesta área que alguns consideram do ‘quarto poder’ há uma panóplia de intervenientes que se camuflam sob a capa de ‘jornalistas’, mas, na sua maioria, não passam de jornaleiros, isto é, que têm informações privilegiadas sobre a maioria dos casos e vão dando à estampa (quando se escrevia em jornal papel), ao escaparate (na diversidade da literatura amarela ou cor-de-rosa) e à tela (da tv, do écran do computador, do tablet ou noutra configuração) quando lhes convém, de preferência tendo um exclusivo… Isto não é comunicação, quando muito poderá ser rotulado de intoxicação… De facto, nota-se que falta seriedade no uso do público para atingirem os seus fins. Em quantas pretensas entrevistas se vê o preconceito para que possa satisfazer o ‘seu’ público, fabricado com critérios nem sempre humanamente respeitadores das pessoas e da sua privacidade.

No meio de tudo isto emerge uma forma de comunicação: a do estado/governo, hábil na forma, subtil na articulação e tendenciosa nos conteúdos. Quando se fizer a história da cobertura noticiosa desta pandemia – sem esquecer a componente de comentário – se saberá quanta estória ficou guardada porque não convinha à máquina de comunicação do poder… e isto desde o governo central até às autarquias e, por que não, às associações e coletividades ‘empenhadas’ no socorro das vítimas.

Uma simples palavra sobre essa outra forma de querer participar na barafunda do aparecer aliado ao parecer, que são as ‘notícias’ das redes sociais. Veja-se como uns segundos de filme se podem tornar – como agora se diz – virais, fazendo com que algo lateral possa saltar para a ribalta, sem se ter averiguado a verdade dos factos nem dos intervenientes e, uma vez mostrado, parece ser verdadeiro, logo digno de crédito.

Bom senso, capacidade de autocrítica e sentido do ridículo faria muito bem a alguns ‘jornaleiros/as’ da nossa praça. Não se defendam tanto, pois todos temos telhados de vidro. Cuidado com os resultados!   

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Depressão: um em cada quatro…portugueses


Por estes dias um ator de algum renome terá posto termo à vida, em razão de questões, segundo consta, do foro psicológico. Este poderá ser a fundo do icebergue. Não me interessa os meandros do problema nem tão pouco embarco nos elogios de circunstância…

Por aquilo que este facto pode ser mais revelador de algo mais profundo, creio que temos de tentar, serenamente, juntar as pontas de um puzzle que tem tanto de complexo sobre o presente como de enigmático sobre o futuro, sem esquecer o entendimento do passado.

Foi numa análise àquela notícia supra citada que foi referido que um em cada quatro portugueses sobre de problemas de depressão e que, ao menos uma vez na vida, cada um de nós pode ser vítima desta doença. A dar crédito àquela estimativa poderemos considerar, numa população de dez milhões de habitantes, teremos dois milhões e meio de potenciais doentes em depressão.

Isto ofusca toda e qualquer leitura que se possa apresentar da pandemia da ‘covid-19’ e tantos outros sinais do estado de saúde da nossa população. Haverá, então, coragem para não andarmos a assobiar em forma de menosprezo deste verdadeiro fenómeno de pandemia em Portugal? Mais do que tentarmos ‘inventar’ desculpas, importa assumir, verdadeiramente, as causas, mesmo se, por momentos, nos detivermos nas consequências. Se isto é transversal à sociedade porque haverá ainda medo em enfrentarmos, por comparação, o que faz desencadear um processo de depressão.  

= Segundo dados disponíveis os jovens (16-25 anos) foram os que começaram a tomar ansiolíticos e antidepressivos por ocasião desta pandemia de coronavírus ‘covid-19’, enquanto os mais velhos já recorrem a estes medicamentos de forma mais regular. Numa outra abrangência temos como dados que dezanove por cento das mulheres recorre e toma ansiolíticos e antidepressivos, enquanto nos homens isso atinge doze por cento. Em três meses de confinamento e as outras etapas subsequentes venderam-se, em Portugal, mais de cinco milhões de embalagens de ansiolíticos e antidepressivos. Estes dados colocam-nos como o quinto país da OCDE que mais consome ansiolíticos e antidepressivos, numa taxa que duplica a prática em países como a Holanda, a Itália ou a Eslováquia.  

= Eis alguns dos sintomas de depressão detetáveis em doentes que manifestaram esta situação: sentimentos de tristeza e aborrecimento; sensações de irritabilidade, tensão ou agitação; sensações de aflição, preocupação, receios infundados e insegurança; perda de interesse e prazer nas atividades diárias; perturbação do sono; sentimentos de culpa e de auto-desvalorização; alterações da concentração, memória e raciocínio; sintomas físicos não devidos a outra doença; possíveis ideias de morte e tentativas de suicídio. 

Talvez não seja aconselhável confrontar-se com estes indícios ou então poderemos ser induzidos a entrarmos em estado de depressão. Talvez devamos conhecer-nos melhor para conseguirmos, para além de estarmos atentos a nós mesmos e aos outros, podermos criar um clima de vigilância mútua e atenta. Talvez devamos ter mais cuidado connosco mesmos e de estarmos atentos às reações dos outros, por forma a não nos lamentarmos por já ser tarde…como vimos e ouvimos no caso mais recente com difusão pública. 

= Este não pode ser um assunto tabu, na medida em que pode envolver aspetos do foro psicológico e mental, pois será um erro adiar não só o conhecimento como o reconhecimento do estado em que se possa encontrar quem sofre de depressão. Embora se possam encontrar afinidades com estados de alma – onde a tristeza pode ter um espaço significativo – não podemos confundi-los, antes enfrentá-los com verdade e serenidade.

Embora não seja assunto muito abordado poderemos/deveremos incluir neste assunto o relacionamento entre depressão e fé ou depressão e religião. Será que ter fé ou viver a prática religiosa ajuda ou não a ultrapassar o estado depressivo? Como devemos ajudar uma pessoa em depressão se ela tem um mínimo de fé?

Sendo a depressão um tema de natureza psicossomática ela tem de ser tratada primeiramente nesse âmbito para depois poderem entrar outras possibilidades, inclusive de âmbito de fé, onde a oração, a ajuda dos irmãos, a intercessão ou mesmo o recurso ao sacramento da Unção dos doentes podem ser verificados.  

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Promovidos à custa do futebol


A UEFA confirmou o que já se falava há dias: de 12 a 23 de agosto, realiza-se, em Lisboa a ‘final 8’ da liga dos campeões da Europa em futebol.

Dizem que para a escolha concorreram três fatores: a FPF (federação portuguesa de futebol) é uma das que tem maior peso/influência ao nível europeu; Portugal passa a mensagem para o exterior de que é um país seguro; grande impacto económico na região de Lisboa.

O anúncio do facto mais pareceu um episódio terceiro-mundista com as mais altas figuras da Nação perfiladas à distância sanitária e dando-lhe honras de diretos nas televisões, onde algum regozijo mais parecia entretenimento de crianças em maré de faz-de-conta. A ver pela fachada com que trataram a matéria será de prever que algo foi jogado nos bastidores para que os intervenientes não quisessem colher os louros já por antecipação.

Ora, fazer de um torneio de futebol um assunto de Estado não revela algum desnorte nos critérios e nas questões essenciais da vida política? Usar o futebol para tentar iludir os problemas mais importantes não deixa a descoberto que algo vai mal na hierarquização das coisas desta república? Instrumentalizar o assunto para colher frutos partidários não parece mais um truque de quem vive de expedientes fúteis para atingir os seus intentos mais ou menos subtis?

Aquele foi um ato de júbilo e contentamento. Dias depois fomos confrontados com outra situação que teve tanto de significativa quanto de caricata: dezena e meia de países europeus abriram as suas fronteiras, mas condicionaram (proibiram) a entrada de cidadãos/turistas portugueses. A maioria desses países fica no centro e no noroeste do continente e são quase todos membros da UE como nós. Por cá emergiram vozes do governo a contestarem o tratamento, pelo menos dois membros do executivo exprimiram-no com mais veemência, mas nada surgiu, nem sequer uma retaliação proporcional de fazerem para com os outros o que nos fizeram a nós.

Estes dois momentos da nossa vida pública têm por sujeito o mesmo assunto: a forma como soubemos cuidar dos efeitos da pandemia do coronavírus ‘covid-19’. Na questão do futebol os dados recolhidos eram benéficos à nossa boa conduta, enquanto no segundo caso terão sido os números crescentes e alarmantes de contágio do vírus na região da grande Lisboa que geraram receio.

Dá a impressão que bastou desconfinar um pouco a populaça e eis que vemos a realidade. Será que temos de escolher entre a saúde e a economia? Não serão compatíveis e harmonizáveis as escolhas e as razões? Seremos todos tão assintomáticos de juízo para não compreendermos que razões maiores justificam os sacrifícios pedidos e vividos? Não saberemos andar de rédea solta e na deriva de cada um fazer só o que lhe apetece? Não andará por aí espalhada uma sensação menos boa de que certos grupos ou mesmo etnias se consideraram imunes, mas são antes difusores silenciosos da pandemia? 

= Nunca como agora se nota a necessidade de que seja feita uma educação generalizada para a cidadania, por forma irmos educando pessoas que saibam respeitar-se a si mesmas – no pudor, no respeito e na sensibilidade à vergonha – e aos outros, isto é, sabendo o espaço que ocupam bem como os direitos alheios e não só os individuais.

Precisamos ainda de aprender a saber gerir os recursos pessoais ou familiares, pois, quando são mais abundantes devem ser poupados para possíveis – e são cada vez mais de forma comum – momentos de dificuldade. Nas várias crises que temos vividos nos últimos dez a quinze anos tem faltado esta atitude educativa para sabermos enfrentar as marés de menor sucesso e de piores rendimentos.

Enquanto continuarmos a querer viver acima das nossas possibilidades cairemos, irremediavelmente, em momentos de colapso e, pior, não aprenderemos a lição de que só no dicionário é que ‘sucesso’ aparece antes de ‘trabalho’. Não nos deixemos ludibriar com números fabricados, tanto do pretenso sucesso económico, quanto das vítimas (pelo nível inferior) da pandemia. Em breve se saberá melhor a verdade!    

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 16 de junho de 2020

Cartaz neorracista…com frase manipuladora


No contexto efervescente da comunicação global, por ocasião do momento e dos tempos posteriores àquilo que designam de pandemia, fomos vendo surgirem slogans e cartazes reveladores mais ou menos da situação a que estamos submetidos…mesmo que nem sempre compreendamos totalmente o que está a acontecer.

Depois da tentativa de assalto aos monumentos, estátuas e outros sinais ao passado – nosso e de outros países/nações – emergiram propostas do subconsciente freudiano coletivo, onde poderemos tentar ler quem assim se manifesta e, pior, quem se aproveita para acirrar sentimentos nem sempre pacíficos, pacificados e pacificadores.  

= O tal cartaz que vimos espalhado pelas ruas e enclaves ideológicos de certas autarquias apresenta-nos a mão de um negro a estender-se em socorro de uma outro/a de cor branca. Porque se não inverteu a sugestão? Houve lisura na intenção ou quis-se chocar quem vê de forma diferente? Para dar melhor conteúdo ao slogan: ‘ninguém pode ficar para trás’ não teria sido mais adequado colocar mais do que uma mão de cada lado…da pseudo-trincheira? Por que tiveram certas figuras eclesiais de fazer recurso a esta frase, se já a sabiam usada por forças trotskistas? Não há mais capacidade de invenção do que usar ‘coisas’ que cheiram a provocação e podem contribuir para a não-unidade? Quem assessoria os responsáveis da Igreja, não deveria ter maior sentido de discernimento e qualidade de exigência na hora da exposição pública daqueles a que devem e podem ajudar?  

= Por muito que isto custe de dizer e de ouvir, vivemos numa época em que compensa ser preguiçoso, dá jeito favorecer quem vive de expedientes e de subsídios, com facilidade se pode comprar favores com benesses saídas da não-produção, pois ‘alguém’ há de pagar o que recebemos sem produzir e o que ganhamos sem esforço nem trabalho.

Desgraçadamente continua-se a querer lançar dinheiro para que possa haver consumo, mesmo que não se tenha cuidado em prever claramente quem vai pagar a fatura a curto e a médio prazo. Não é possível continuarmos a fazer-de-conta de que somos um país rico, enquanto vivermos dos expedientes do turismo e de balelas da comida servida em restaurantes patrocinados com dinheiros suspeitos e sob a alçada de gestores de circunstância. O tecido económico – se é que ele existe e tem credibilidade – do país não pode continuar a reger-se pelas estrelas ‘michelin’, quando o melhor sabor é servido nas tabernas recônditas de cada localidade e onde os preços são pagos por fora da conta registada e sem número de contribuinte. Os milhões da economia paralela continuam a mover, de facto, maiores interesses de autarquias, associações, coletividades e de outras agremiações até eclesiais… Se, assim, não fosse seriam capazes de sobreviver com a taxação cega e implacável das autoridades de finanças?  

= Por mais do que uma vez contestei a frase bacoca – ‘vai ficar tudo bem’ – com que nos quiseram ludibriar desde o início do confinamento em meados de março passado. Cantigas de mau gosto, vozes de fugir e mensagens histéricas foram algumas das diatribes com que tivemos de conviver durante o tempo de estar em casa. Pela minha parte tive de tolerar que uns certos espertalhões impusessem – semanas a fio – ao resto do bairro ‘modas’ cançonetistas de duvidosa qualidade com luzes, acenos e aplausos a contento… Diante do medo em sair de casa, aquilo parecia ser o menos mau para aguentar o constrangimento ou uma espécie de lenitivo a contragosto.

Dizem que caminhamos para uma espécie de nova normalidade. Mas será que não iremos recauchutar pouco mais do que o já visto? Nada poderá ficar igual, tanto na mentalidade como no comportamento. Estaremos capazes de mudar, de verdade?

Até quando vai continuar a imperar a ditadura democrática da imbecilidade, sem que lhe não respondamos com frontalidade, tolerância e verdade? Basta de pacifismo cobarde!        

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Limpeza para o ‘sem-memória’?


As notícias estão aí. As imagens, mesmo que vistas de um ângulo que mais interesse, querem mostrar. À boleia das (pretensas) manifestações antirracismo vemos serem derrubadas estátuas, pichados monumentos, grafitados espaços públicos e privados…abatendo sinais daquilo que uns tantos rotulam de neocolonização.

Dando crédito àquilo que tem sido dito, mostrado ou intentado, há notícias de pasmar: a remoção dos sinais estatuários de fundadores de cidades (o nome é o desse cidadão); o ataque a figuras de outras épocas que agora são ‘lidas’ como enquadradas no conceito atual de racismo; mas de todos o mais eloquente sinal da confusão que estamos a viver é a da remoção preventiva da estátua do fundador do escutismo – Baden Powell – ‘acusado’ como possível colaboracionista com o regime nazi… 

= A quem interessa este ambiente de efervescência mal explicada e muito menos compreensível? Como poderemos acreditar em quem manobra tudo isto, se os mentores e fautores sem escondem por detrás de máscaras abjetas que os encobrem? Não deveria ser minimamente questionável esta articulação no vandalismo destruidor? Onde está o filtro dissuasor de propagação destas notícias incendiárias, por parte da comunicação social? Não será esta, um dos veículos privilegiados para difundir este clima de ‘quanto-pior-melhor’? Por onde andam as autoridades neste tempo conturbado: meteram férias ou hibernaram na sua incompetência assolapada? Os nossos papagaios nacionais de serviço – no governo, na presidência, na oposição ou na comentarice barata e encomendada – fecharam a matraca com medo, com conivência ou por estratégia de colherem os frutos, quando tudo se aquietar? Os responsáveis eclesiais não se preocupam com aquilo que estamos a viver? Em breve poderemos – todos: chefes e mandados – ter de responder por cobardia, por fuga ou por negligência…   

= Atendendo aos ‘factos’ recentemente vividos, temo que as figurações coletivas e públicas daquilo que cheire a evangelização – a difusão da mensagem do evangelho entre os vários povos, culturas, países e nações – e aos seus autores – representados em estátuas e monumentos: veja-se o que aconteceu ao Padre António Vieira, no centro de Lisboa – poderão ser ultrajados, vilipendiados e mesmo questionados pelas mais diversas forças…mesmo por essas que agora conveniente e ardilosamente se escondem nestes protestos e incentivam a destruição… Não acredito numa palavra de certos atores partidários, pois, já noutros momentos, vestiram esta pele de julgadores, de manipuladores e de andarem armados de camartelo… antirreligioso e, sobretudo, anticristão. 

= Em certos locais de maior tensão, onde as estátuas e os monumentos – dos apelidados colonialistas e racistas – corriam risco de serem vandalizados, surgiram equipas de vigilância – em certas notícias houve a necessidade de lhes colocar o rótulo de serem de extrema-direita – para que não acontecesse o menos possível de desagradável. Por breves instantes saiu do confinamento ideológico quem poderá estar na base de tais ‘manifestações culturais’. Com efeito, não seria necessário exprimir a repulsa se, do outro lado, não estivessem antagonistas com quem têm mau relacionamento. 

= Sem mais delongas gostaria de colocar algumas questões que me incomodam e fazem pensar no futuro sombrio da nossa cultura. A quem interessa fazer esta limpeza para reduzir ao sem-memória? Quem se considera tão impecável, não pretende limpar os engulhos da história, querendo relê-la com critérios ideológico dos nossos tempos? A limpeza de fotografias de certos que caíram na desgraça não era o método soviético, onde alguns parece que foram educados? Porque teriam agora de nos virem impor o sistema ao nível dos monumentos, das estátuas e dos edifícios?  

= O racismo pode inverter-se na injustiça, na imoralidade e na prática de crimes contra a Humanidade, ontem como hoje. Não quero contribuir para essa ignomínia, nunca.

Será que os cristãos ainda se unirão em defesa dos seus santos, mártires e heróis? 

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 12 de junho de 2020

25 de abril, 1 de maio, 10 de junho - - casos, diferenças, projeções…




Vivemos, recentemente, uma sequência de datas significativas para a nossa identidade nacional, começando pelo fim: ‘10 de junho’ – dia de Portugal, de Camões e das comunidades (já teve outras designações); 1.º de maio – dia do trabalhador; 25 de abril – dia da liberdade.

Todas estas datas tiveram algo em comum: foram vivenciadas em contexto de pandemia do coronavírus ‘covid-19’, com tudo quanto isto trouxe de alteração à ordem pública e as respetivas formas de tratarmos tais efemérides, onde cada um pode dar-lhe a importância que conseguiu ou foi capaz.

Há, no entanto, algumas diferenças no modo e pela atitude com que foram tais datas comemoradas pelas forças políticas e sociais, sem esquecer a participação ou não dos cidadãos.

Assim, o ’25 de abril’ teve por palco o Parlamento com algumas dezenas de deputados e uns tantos convidados… Não podemos esquecer que estávamos, ao tempo, no olho do furação da pandemia e as atitudes foram algo controversas e até contraditórias, embora mais ou menos conciliadoras. Por seu turno, o ‘1.º de maio’ trouxe à flor da pele algo que fez considerar que, mesmo contrariados, temos portugueses com categorias diferenciadas, se bem que as ditas democráticas, talvez um tanto abusivas e de alguma superioridade por parte dos intervenientes: milhares à solta e infringindo as regras ditadas pelas autoridades. Por outro lado, o ’10 de junho’ recebeu um tratamento minimalista com menos de uma dezena de participantes e com cuidados ultrarrigorosos e quase desmedidos. 

= Quais as razões de tantas discrepâncias, se estamos na mesma configuração de pandemia e com restrições bastante acentuadas? O dito distanciamento sanitário não obriga a todos de forma igual? Até que ponto vivemos num país onde há igualdade de deveres sem exclusão de direitos? Poderemos considerar que os organizadores das várias efemérides tiveram responsabilidades diferentes perante as circunstâncias diversas? Onde situar, no espetro da cidadania geral, o modo como cada uma destas datas foram propostas, vividas e transmitidas? 

= Dá a impressão que nos falta ainda um longo caminho a percorrermos até chegarmos à consciência de que já não há ‘classes sociais’…no país. Com efeito, precisamos urgentemente de fazer uma reeducação para a cidadania, onde os políticos se apercebam que ninguém os nomeou donos da (pretensa) democracia e tão pouco senhores das exceções às leis que eles mesmos aprovaram. Isto já para não falarmos da apropriação indevida de certas datas, onde algum esquerdismo se considera capaz de amedrontar quem não pense à sua maneira nem se revê nas suas atitudes.

Ora, pelos factos ocorridos depois da primeira data que apontamos, já deveriam ter percebido que as maiorias mudam e os senhores são apeados do poder, devendo respeitar a alternância e quem vota. Deste modo nos poderemos aperceber que aquilo que hoje é mando, amanhã poderá ser derrota e quando se está elevado se vê melhor as falhas dos executantes… Por agora já vemos tantas contradições e não conseguimos a incapacidade de captarem as lições que o passado lhe deveria ter dado… 

= A avaliarmos pelas discrepâncias como foram vivenciadas aquelas datas bem poderemos acreditar que o futuro não nos reserva nada de risonho, pelo contrário, uma longa maioria silenciosa se revelará em breve, destronando quem se tem aproveitado dos medos decorrentes desta pandemia!      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Rastilho do racismo…


Mais uma vez – pela enésima possibilidade – vemos incendiarem-se múltiplas manifestações populares contra aquilo que se vai designando de ‘racismo’. Isto começou nas terras da América e já foi exportado para outros continentes…mesmo que desfocando a questão (facto, circunstâncias e consequências) e alterando a pretensão…mais ou menos subtil.

  * O facto e a narrativa possível – Depois da morte, a 25 de maio passado, de um cidadão americano de cor negra foi-se espalhando numa nova onda crescente de protestos, primeiro nos EUA e posteriormente noutras paragens… O pagamento de um maço de tabaco com aquilo que foi julgado ser uma nota falsa de vinte dólares desencadeou uma ação policial com detenção algo agressiva e o colapso total do detido…depois de ter estado a ser sufocado durante – dizem os relatórios – oito minutos e quarenta e seis segundos.

Bem depressa foram confundidos violência policial com combate ao crime, mas sobretudo emergiu a labareda crepitante do racismo, de um modo especial na sociedade americana e na forma mais explorada da agressividade dos brancos sobre os negros e de tudo quanto pode parecer ‘supremacia’, ‘perseguição’, ‘escravatura’ e tantos outros mitos desgraçadamente mortíferos nas várias culturas e/ou quase civilizações.

* Perguntas e outras interrogações – Isto que nos tem sido dado a conhecer noticiosamente não estará um tanto ideologizado? Não estaremos a ser explorados por lóbis transnacionais? O que nos é dado saber não será mais fruto da proliferação de informações? Isto que vemos não será apenas a ponta de um icebergue mal escondido? Porque não foi ainda resolvido o problema ‘racista’ nos EUA? O sangue derramado de Luther King não merece mais respeito por parte de todos? Será à pedrada que se resolverão os problemas? A quem interessa desautorizar quem estabelece a ordem? Estes da ordem pública não serão também resultado de circunstâncias históricas e culturais?

* Ponto da situação…lá fora – Há dez anos atrás, os censos apontavam nos EUA que quarenta por cento da população se declarava negra (afro-americanos e negros hispânicos) numa composição delicada, tanto nas origens como na forma de se exprimir. De entre estas especificidades nota-se alguma crispação no âmbito económico – terreno fértil para contestações, lutas e conflitos – e nos aspetos culturais. Por isso, qualquer pequeno rastilho pode incendiar a torcida racista que sempre fumega. Tal como temos estado a assistir, nestas duas semanas, o tema torna-se transversal, tanto mais que a maior parte das vítimas do coronavírus, lá como cá, encontra terreno propício para se propagar e, consequentemente, fazer vítimas na população mais desfavorecida ao nível económico, social e até cultural.

* Repercussões… por cá – Não deixa de ser sintomático que boa parte dos combatentes do racismo, cá nas terras lusas, sejam simpatizantes de ideias sociopolíticas ancoradas nalgum esquerdismo já abandonado noutras paragens – esse caldo de influências que mistura marxistas, trotskistas, anarquistas e tantos outros afins – e surjam como promotores da contestação… de rua e na comunicação social. Ora, o que não deixa de ser ‘admirável’, é que não vemos essa defesa antirracista verter-se nos eleitos ao parlamento – com três ténues figuras na última eleição – e tão pouco nas intervenções visíveis na vida pública. Serão aquelas iniciativas de reivindicação algo só de diversão e para distrair? Não estarão a ser usadas as (ditas) vítimas do racismo como instrumentos de arremesso barato e sem consequências práticas?

* Enfrentar outros racismos…camuflados – Pelo que se pode perceber há hoje outros racismos bem mais profundos do que o da cor da pele. O racismo economicista, onde uns tantos se acham senhores da imensa maioria sem meios de subsistência, sobrando os problemas para outros que se arvoram em voluntários do próprio interesse. O racismo da ostentação, onde uns habilidosos usam os outros para se promoverem sem pejo nem vergonha. O racismo clubístico, onde alguns se consideram senhores do fenómeno desportivo (e do futebol em particular), abusando da paciência de quem não vai na sua cantiga. O racismo partidário, que pulula em maré de crise, favorecendo os que têm o cartão de quem governa – ao nível geral ou local – e arvorando-se em benfeitores daquilo que não produziram nem conquistaram… E tantos outros campos onde se nota desigualdade prática, quando ela deveria ser combatida pela devida educação, cultura e civilização.

Sou contra toda a forma de racismo, pois não se pode usar o termo e o conceito só quando nos convém, mas devemos combatê-lo nas pequenas como nas grandes coisas e causas…          

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Seremos massa tão acrítica?


Fique claro: estou desiludido com os meus contemporâneos e, consequentemente, comigo mesmo: os mais recentes episódios de reação ao coronavírus deixam muito a desejar – parecemos uma espécie de massa acrítica, tangida por uns tantos sabichões que nada sabem, mas que parece que mandam, embora não se saiba se governam.

Tal como noutros momentos da nossa história recente estamos a ser tratados mais uma vez como mentecaptos, senão ao nível pessoal pelo menos na impressão geral. Certas questões soam tanto a infantis, que a mais inocente criança troçará da forma como são apresentados os temas, soletradas as questões ou até desenvolvidas as soluções.

Quando o destaque dos problemas humanos se configuram à estética física, mal vai a nossa cultura. Quando vemos tanto tempo dedicado a cuidar do corpo, como fachada de fascínio subtil, muito mal iremos na promoção cultural. Quando se tenta disfarçar a ‘sabedoria’ da vida na idade pelos retoques que mais desarranjam do que corrigem. Quando se troca o conteúdo do ser pelo papel de embrulho do parecer. Quando se quer dar nota do que reluz, retirando a essencial que conduz… Diremos: estamos num colapso não meramente cultural, mas por certo civilizacional. 

= Perdoarão a denúncia de vermos tanto da crise profunda em áreas e setores de quem esperávamos maior atenção à nivelação pelo intelecto do que pela mera emoção, com que tantas vezes parecemos querer enganar as questões mais significativas de hoje como de ontem. Muitos dos responsáveis eclesiais dão a impressão que deviam cuidar mais da formação – cristã, católica e eclesial – daqueles que lhes foram colocados como espaços/campos de missão do que em andarem a derramar-se por temas sociais, que são mais da influência do Estado e de quem tem a competência de governar, autarquias e outras instâncias políticas. Muito mal irá uma paróquia ou uma associação se é considerada pelo que faz socialmente, em vez de o ser pelo semear cuidadoso da Palavra de Deus, que, a seu tempo, frutificará. É triste que se possa continuar a ver o trabalho de um padre, de um religioso/a ou mesmo leigo mais pela intervenção dialética e do que pela configuração evangélica… algo estará podre ou a apodrecer rapidamente.    

A comunicação social – mesmo a de âmbito eclesial – não poderá continuar a insistir na superficialidade de temáticas que fazem da pessoa humana um fantoche sem cabeça, criando subsistemas de lóbi. Apesar de parecer haver alguma diversidade informativa ainda vivemos excessivamente manipulados por temas de interesse mais rocambolesco do que humanitário, gerando-se uma saturação noticiosa que bem depressa esgota a paciência ou até a capacidade de equilíbrio emocional. Já deu para perceber que aqueles que emitem opinião são mais seguidores de quem lhes paga – canal, ideologia ou lóbi – do que servidores da verdade, que, essa sim, liberta, edifica e alimenta. 

= No contexto dos factos e dos episódios, das informações e das manipulações do recente vírus o tema da máscara é o sinal mais representativo do tipo de sociedade que somos e nem sempre assumimos. Usada como artefacto sanitário, a máscara não pode servir para expor ao ridículo momentos significativos da nossa convivialidade… então nas missas é o cúmulo da versão patética. Desculpando-me a associação do uso do artefacto, a máscara pode servir de açaime ou de cofo, usado noutras situações humanas e culturais: açaime faz-nos cuidar de quem possa ser perigoso, de cofo como objeto redutor dos apetites alimentares…

Todos os trejeitos sanitários que lhe foram, por ocasião desta crise viral, apensados podem-nos fazer cair nalgum exagero, isto para não nos analisarmos ainda na linha de uma certa ridicularização a que nos estamos todos a submeter. Tal como noutras ocasiões espera-se, de quem tem bom senso e sentido da figura que faz, que não caiamos em fundamentalismo….como temos visto em certas figuras (pretensamente) respeitáveis.

Num tempo cheio de contradições ainda não percebemos se as pessoas se têm avaliado ao espelho de uso pessoal ou, como se diz popularmente, diante do espelho vivo que são os outros… Há imagens que falam e as legendas podem servir tão somente para não fazermos outras interpretações. Até quando?   

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Renovar o ‘novo Pentecostes’


Após setenta e tal dias em que estivemos com as igrejas (casas) fechadas ao culto e sem assembleia celebrante, neste Pentecostes voltamos a ter irmãos e irmãs nos nossos espaços celebrativos. Se bem que a Igreja não tenha estado fechada – o que esteve interrompida foi a presença física, pois a virtual foi exercida e a de dimensão espiritual ainda mais afirmada – agora voltamos a re-unir-nos, isto é, voltamos a unir-nos de forma física e simultaneamente presencial.

Se no Pentecostes de At 2,1-12, o Espírito Santo fez sair a Igreja do confinamento do Cenáculo, agora o Pentecostes de 2020 fez-nos reunir em assembleia de Igreja para que a mesma Igreja seja reenviada ao mundo.  

– Para escrever este texto quis viver as celebrações das eucaristias do Pentecostes deste ano, que teve tanto de novo quanto de significativo. Com efeito, em quase trinta e sete anos de padre, foi a primeira vez que recorri – legítima, humilde e sinceramente – à faculdade que o Ritual da Penitência nos confere de celebrarmos ‘a reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição geral’ – cf. Ritual da Celebração do Sacramento da Penitência, n. os 61 a 62. Efetivamente, decorridos mais de dois meses sem participação/presença de fiéis na missa, pareceu-me que seria bom, à luz de um exame de consciência comunitário, que todos pudéssemos fazer a experiência do reconhecimento de pecadores perdoados… Quem tiver tempo e oportunidade ser-lhe-á muito útil reparar na tríplice vertente da oração de absolvição – como dizia um padre que fez idêntica experiência – parece uma fórmula adequada ao dia do Pentecostes.  

– Com data de final dos anos setenta do século passado, surgiu um livro simples e programático do cardeal Joseph Suenens, ‘Um novo Pentecostes’, onde são traçadas as linhas gerais disso que estava a delinear-se na Igreja católica como sendo o que haveria de designar-se como ‘renovamento carismático’. ‘Corrente de graça’ – como disseram vários Papas, quando se referiram ao renovamento carismático na Igreja e no mundo – decorrente do espírito do Concílio Vaticano II incendiou o mundo com a vivência, agora no âmbito católico, daquilo que se falava nos Atos dos Apóstolos.

Efetivamente, foi pela consciencialização da ação do Espírito Santo que milhões de cristãos reatualizaram aquilo que se dizia no ‘evangelho do Espírito Santo’, tal como é salientado por tantos autores sobre o livro dos Atos dos Apóstolos: tudo o que ali se dizia foi tornado vida e deu sentido ao nosso viver.

Dou graças a Deus por ter vivenciado, à minha proporção e com a minha capacidade humana e teológica, tanto daquilo que se foi espalhando pela face da Terra. De facto, ao escutar a multiplicidade das línguas, numa só linguagem na narrativa do Pentecostes, vem-me à lembrança momentos de comunhão ecuménica em Viena ou Praga, onde a diversidade das línguas e de culturas – algumas antagónicas ao nível político – se unia na mesma expressão de glossolalia atualizada em gestos, palavras e sinais. Talvez falte a muitos dos atuais responsáveis dos grupos ou de equipas diocesanas e/ou nacionais essas humildes experiências para que possam ser marcantes as iniciativas e não como coroamento de ações de natureza humana, mas talvez denunciando poderem ser sem a marca divina!  

= Àqueles que foram jovens e que viveram momentos significativos das suas vidas na dinâmica do Espírito Santo queremos considerar que não podem colocar a lâmpada sob o alqueire, mas colocando-a sobre o candelabro para que vibre e dê testemunho. A geração dos que estão na fase da adolescência precisa de encontrar quem lhe fale de Jesus, lhe mostre a ação do Espírito Santo e, sobretudo, que queira viver isso em Igreja. Eis três vertentes que nos deveriam ocupar, tanto na oração como na ação, por exemplo nos próximos cinco anos, por forma a termos uma Igreja mais dinâmica, pela aceitação do Espírito Santo e na adesão pessoal e comunitária a Jesus. Se tal fizermos estaremos a contribuir para a renovação do ‘novo Pentecostes’ na Igreja e no mundo. Assim o cremos e o desejamos.

Nota: na noite do domingo de Pentecostes, na Moita, percorremos, em procissão-caravana automóvel, as três localidades que compõem a paróquia – foi um manifestar que Maria faz connosco Pentecostes, sempre!

 

António Sílvio Couto