Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

30 mil cartolas para a ‘passagem d’ano’


O pelouro de animação da CM Lisboa comprou trinta mil cartolas (metade por metade de pretas e vermelhas) plásticas brilhantes, que irão ser oferecidas aos participantes na passagem d’ano na praça do comércio da capital. O custo destes adereços será de 57 mil euros… a que serão acrescentados mais 74 mil em fogo-de- artifício e ainda mais vinte e sete mil nas questões de exibição em vídeo… tudo a acrescer com IVA… e ainda os concertos musicais com artistas de circunstância, totalizando 650 mil euros os festejos!

Será isto gasto ou investimento? Será um assunto para entreter ou para ganhar turistas?

Se forem feitas as contas, ainda sem o imposto de valor acrescentado, cada cartola andará pelos dois euros. Será isto pouca coisa ou, pelo contrário, representa algo que faz ganhar outro motivo de festa? As apostas nos vários festejos de final-de-ano serão só gratuitas ou tenderão a tornar o país uma espécie de festança ingovernável? Não se vislumbra por aí algo de ‘dejà vu’ noutros tempos e noutras culturas? Não andarão a ludibriar o povo com artefactos de distração, enquanto se cozinham novos ataques a questões bem mais sérias do que os festejos populares? 

= Atendendo ao número de cartolas disponibilizadas para o réveillon lisboeta haverá, certamente, quem não consiga atingir tal adereço. Talvez a expressão do cinema português – ‘chapéus, há muitos, meu…’ possa ter, novamente, aqui uma aceção quase adequada… A possível conflitualidade provocada, senão explícita ao menos tácita, como que poderá fazer cair a máscara de oportunismo com que tantas vezes lidamos com as sugestões de afazeres gratuitos. Quais serão, então, os critérios de atribuição dessas tais cartolas? As cores serão só para dar colorido ou envolvem outros aspetos mais subtis? Como se vão distinguir os que têm cartola daqueles que desejavam recebê-la? E, se houver outros cartoleiros, poderão ser admitidos ou ser-lhes-á vedada a entrada? 

= Vinda de quem vem, a iniciativa das 30 mil cartolas para a passagem d’ano insere-se numa linha despesista tão ao gosto de certas autarquias e de setores conotados com a governança da geringonça, que se satisfaz em lançar dinheiro para criar consumo e com isso pretendem fazer crer que o país está melhor, embora não se vá ao fundo das questões… Nalguns casos confundem – propositadamente – despesas com investimento, por forma a dar a entender que se investe no (dito) turismo, quando se estão é a praticar atos que engrossam os gastos e pouco ou nada trazem à promoção da cidade, da região ou mesmo do país.

Por esta ocasião é fácil ver os milhares ‘investidos’ em fogo-de-artifício, em artistas-cantores, em luzes e iluminações, tentando criar a sensação de ilusão em quem vê e muito mais em quem ganha com tais festanças. A rivalidade entre povoações emerge como se fosse um bem, quando se tenta antes enganar os que não conheçam certos bairrismos menos corretos e saudáveis. Esta onda de fascínio com os dinheiros das autarquias – nalguns casos também andarão envolvidos dinheiros públicos – voltará quando forem as festividades de cada concelho ou freguesia, mas, por ocasião da passagem d’ano vê-se todo ao mesmo tempo e em rivalidade mais acutilante. 

= Que soluções poderemos apontar para esta vaga de novo-riquismo com que vamos sentindo que o país se entretém? Quem será capaz de não se deixar ir na moda, sem com isso não-prejudicar a terra onde vive ou onde exerce o poder? Haverá sentido de responsabilidade para inverter o caminho do atoleiro para onde nos dirigimos?

Em certos casos será quase impossível alterar o curso das coisas, pois uma máquina bem tecida move e faz mover interesses em jogo. Noutras situações seria como que dar a entender que se estaria a perder a capacidade de iniciativa ‘cultural’. Poderemos encontrar ainda razões mais ou menos justificáveis para esse despesismo, embora se deva, acima de tudo, viver na verdade e na aceitação dos meios que se possui.

O povo precisa de festa, mas talvez dispense que lhe criem ilusões, que terá de pagar quando menos se der conta. Os responsáveis das autarquias, do governo e de todos os que têm de exercer autoridade não poderão ser os primeiros confundidos nos seus critérios e nas linhas por onde fazem os outros ir…

 

António Sílvio Couto  


terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Escuitar desigualdades no Natal


De entre muitas reportagens do tempo de Natal escuitei duas que me deixaram inquieto e preocupado: na sequência uma da outra viu-se a apresentação duma mesa natalícia num hotel e na outra a abordagem duma tenda onde foram servidas refeições a pessoas sem-abrigo… O número para quem se destinavam os serviços era idêntico: 300 pessoas. Os custos claramente diferentes. As razões para uns e para outros mais do que percetíveis. Os objetivos seriamente de qualidade de estatuto. As motivações da diferença talvez se possa colocar no âmbito de níveis de sociedade dispare…

Parando um pouco tentei escuitar o significado destas discrepâncias numa época – temporal e de significação mais estrita – em que se pretende apelar à igualdade, à fraternidade, à convivência entre todos, aos direitos sem diferenças, ao acesso de todos aos bens necessários e suficientes… e tudo o mais o que envolve, para um cristão, reconhecer que tudo isso advém do mistério de Jesus, Verbo de Deus encarnado, que fez de todos os homens uma só família.  

– Ao usar a palavra ‘escuitar’ quero incluir neste conceito algo mais do que escutar como se fosse um ruído ao qual não se presta a devida atenção, mas antes um cair na conta de que escuto algo que me impressiona e que me exige reflexão muito para além do superficial das franjas do ouvir sem reparar naquilo que me é dito e anunciado.

Assim escuitei aquelas desigualdades como algo que me trouxe à vontade a proposta de invasão do hotel com preços só atingíveis por uns tantos, abrindo as portas àqueles homens e mulheres que, metros ao lado, se satisfaziam com algo menos requintado na forma, mas possivelmente mais quente no conteúdo… Com efeito, não podemos ficar indiferentes a estes tiques de sociedade onde se agravam as diferenças entre iguais na cidadania e nas aspirações… Não podemos continuar a requentar a nossa fé com palavras de circunstância, quando ao lado – mais perto do que longe – outros são preteridos da mesa da fraternidade humana e social…Não podemos ignorar estes e tantos outros casos, que nos são servidos pela comunicação social – umas vezes em jeito de notícia e outras vezes à guisa de provocação – numa atenção às discrepâncias entre estratos sociais e até num escalonamento como se fossem classes…  

Nem que seja de forma breve deixamos aqui essa ‘estória’ colocada entre as piedades bracarenses. Um certo sapateiro, membro duma irmandade das que participam nas solenidades da semana santa, depois de ter feito o seu papel na procissão, já se encaminha para a saída da Sé, quando abriu, por acaso, uma porta, dando de caras com os responsáveis da irmandade em lauto banquete, tendo ele ripostado, no seu português meio atrapalhado: ‘ou haja moralidade ou comamos todos’! Interpretação: todos têm os mesmos direitos e não só os mais categorizados em hierarquia podem usufruir de benesses e prebendas…  

– Neste país em que vivemos há, gradualmente, uma propensão para que uns sejam mais beneficiados do que os outros: uns parecem ter pele mais sensível do que os demais. Uns julgam-se no direito de proteger os seus, mesmo que isso possa ofender as mínimas condições dos que não fazem parte do seu círculo de simpatia ou de categoria social, económica ou ideológica. Uns quantos nos têm pejo nem vergonha de exibirem as suas farpelas de etiqueta, enquanto vão sendo beneméritos com o desentulhar do guarda-roupa fora de moda. Há por aí muita gente que, mesmo escutando (sem escuitar) as pregações religiosas, ainda não entendeu que podem ostentar ofensas às menores possibilidades dos seus vizinhos ou parceiros de emprego.

Por mínima decência será sempre de cuidar em não permitirmos que os nossos gestos, palavras ou a mais singela apresentação possam criar desigualdades entre as pessoas, pois nem todos terão as nossas posses mais comparáveis, pois aquilo que temos deverá sempre enquadrar-se no projeto de Jesus, Ele que em tudo foi, viveu e se orientou pelos critérios da pobreza, onde o mais grave é o apego às coisas e àquilo que possa levar-nos ao egoísmo e à ostentação.

O Natal é, por isso, tempo propício para nos avaliarmos e questionarmos, pois em muito daquilo que vivemos há como que um perigo de ofuscarmos a nudez de Jesus e de não O deixarmos ocupar o lugar que merece na nossa vida pessoal, familiar, eclesial ou social. O Natal não pode ser só exterior, tem de gerar conversão!

    

António Sílvio Couto


sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Avaliação de certas dinastias partidárias…à luz do Natal



Para uns tantos e em certos tempos dá a impressão que se deve enterrar a cabeça na areia, como a avestruz, e fazer-de-conta que tudo corre bem, só porque a eles lhes corre – a vida, as façanhas, as tropelias, as conquistas, as vitórias, as mentiras, os subornos, as cativações, os subsídios, etc. – de feição. Dizemo-lo abrangendo vários campos da nossa condição coletiva e, nalgumas situações, mais de índole pessoal e/ou familiar.
– Quando tantos se insurgem contra a acentuada desmotivação pela política – votante ou participativa – dá-me a impressão de que, quem serve esta vertente humana e social, tem andado mais a pensar em si e nos seus do que a tentar perceber por onde devem caminhar as pretensões dos outros…
Os tentáculos familiares na vida pública não se reduzem à mera instância autárquica, mas estendem-se a muitos outros campos de intervenção, sem esquecer o âmbito do governo central – bastará observar a aglomeração de membros da mesma família (ou famílias) em parentesco executivo… Embora ainda se não possa aferir dalgum nepotismo – ‘favorecimento de parentes e amigos próximos em detrimento de pessoas mais qualificadas’, tendo em conta a nomeação ou elevação de cargos a exercer – explícito, não andará muito longe a curto e a médio prazo… tais são as ramificações entre participantes na área governativa!
Por vezes, as matizações desta doença congénita em muitos regimes autocráticos, democráticos ou com outro sistema de representatividade vão-se degradando com estas manifestações mais ou menos conhecidas, divulgadas ou consentidas… 
– Quando vemos surgirem notícias e declarações, que nos fazem pensar sobre quem influencia quem ou quem se deixa condicionar por quem, poderemos ser levados a refletir sobre a ‘longa manus’ com que certos senhores/senhoras e afins, quando ocupam o poder, fazem crer que têm mais do que autoridade, seja pelo exercício, seja pela bajulação com que se fazem rodear. Por vezes somos levados a acreditar que, por trás da cortina, se movem interesses nem sempre percetíveis por todos ou, pelo menos, com sensatez pelos mais desatentos ou crédulos.
Há casos e acontecimentos que são mais dignos de irrisório do que de complacência, na medida em que mexem com a honorabilidade da maioria do povo simples e trabalhador (não meramente operário), que não entra com facilidade nos meandros de tantas manigâncias, às quais só têm acesso uns tantos iluminados nas oportunidades, nas conveniências e mesmo nas tropelias… Mais uma vez tem-se a sensação de que tais ‘bafejados da sorte’ têm mais esperteza do que inteligência ou, à mistura, com bastante manha e algum poder de influência… até que tudo se descubra. 
– Que tem, então, o Natal a ver com tudo isto? Porque teremos de não deixar passar à margem estas coisas que nos podem aborrecer e não deixar ‘ter’ um Natal pacífico? Valerá a pena andarmos a aborrecer-nos com tais questões, se a maior parte nem atende minimamente a isso?
Antes de mais o Natal irmana-nos na fraternidade trazida por Jesus e o que é feito a um qualquer dos nossos concidadãos atinge-nos a todos. As ofensas à dignidade alheia também nos fere, nem que seja por fazermos parte desta mesma humanidade ferida e ofendida.
Pretender escalonar os diversos cidadãos segundo o seu poder económico – tido, retido ou desviado – é algo que não foi desejado por Jesus, pois pela sua Encarnação – ter-se feito homem connosco – temos iguais direitos e idênticos deveres, para além de que os que mandam ou dirigem não podem fazer-se juízes contra os outros…até porque um dia podem vir a ser apeados de tal poder e não quererão ser tratados como tratam os outros quando subalternos. Por vezes a memória é demasiado curta – senão mesmo seletiva – para com quem foi menosprezado e ofendido pelos executores do poder. Este é efémero e, quem hoje está por cima – assim pensa – amanhã estará em lugar secundário e não quererá ser maltratado como agora faz aos outros!
= O Natal fraterniza-nos, não nos distingue. O Natal faz-nos solidários, não nos separa. O Natal cria em nós sentido de pertença, não exclui. O Natal faz-nos filhos do mesmo Pai, não nos torna enteados nem enjeitados!    


António Sílvio Couto  




segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Serão as pessoas (mesmo) o essencial?


Para quem não estava habituado a ter equilíbrio orçamental e financeiro, com a possibilidade de melhoras na economia, dá a impressão que alguns se têm deslumbrado com o desempenho dos ganhos e o controlo das perdas… repercutindo-se isso nalguma aceitação nas sondagens. E nem a desculpa de que houve desenquadramento das declarações sobre o adjetivo ‘saboroso’ dado ao ano de 2017 pode-se e deve-se exigir maior seriedade naquilo que se diz e, sobretudo, como se diz, seja lá onde for.

Dá a impressão que alguns dos que ocupam os lugares do poder – ao nível do governo central, nas autarquias, nas instâncias intermédias (como repartições por onde circula o dinheiro…finanças e bancos), onde se cuida (ou devia) a saúde, nos espaços de segurança (social ou policial), nos estabelecimentos de atendimento ao público…mesmo nas esferas do religioso) – na vida de índole social e quase nos contatos pessoais, ficando-se com a sensação de que as pessoas não passam de números, obnubilando as feições dos rostos ou fazendo esquecer o que de mais específico tem cada um de nós. Para uma imensa maioria dos intervenientes nestas instâncias referidas, os pretensos eleitores/votantes/clientes só contam enquanto são precisos como potenciais instrumentalizados para colocarem nesses lugares os que depois mandam… como executantes dos programas de governança, dando a impressão de que seriam bem escusados se tal não fosse proposto pelas regras da ‘democracia’…À boa maneira de ouvir, ainda ouvem, mas mandar é para quem quer e pode! 

= Os factos mais recentes da nossa história/memória coletiva como que nos fazem acentuar esta impressão de que as pessoas não contam para quem governa, pois a massa anónima é fácil de manipular e os mentores do poder exercem-nos com tal autoritarismo que não é muito complicado desmontar as pretensões, os objetivos e as metas das suas façanhas mais ou menos sórdidas. A criação e manutenção de certas maiorias – sociológicas, económicas e culturais – mais uma vez andam à volta dessa espécie de infantilização das pessoas, tornando-as ainda como que joguetes nos interesses ideológicos, partidários e até religiosos duns poucos mais espertos sobre outros menos (bem) informados ou atentos. 

= Esta época do Natal toca por natureza do mistério da encarnação de Jesus o que há de mais humano e elevado da nossa condição: divinizados pelo Menino-Deus somos como irmanados na grande família humana, onde todos têm os mesmos direitos e consubstanciam idênticos deveres. É aqui, neste nó desatado por Jesus, que cada um de nós adquire a sua autêntica carta de libertação: n’Ele, por Ele e com Ele estamos vinculados a sermos e a vivermos como pessoas iguais perante tudo – e não só diante da lei –, nivelando seja qual for ou que está em configuração inferior ou superior. Por isso, tudo quanto foi ou está fora destes princípios será ofensa à dignidade da pessoa humana, seja ela quem for, tenha a idade que tiver, apresente a cultura ou instrução mais simples ou elaborada, revestia-se de que roupagem (cor ou etnia) qualquer, exiba ou não riqueza ou falta dela…

Dir-se-á que no Natal mergulhamos no que há de mais simples da nossa fraternidade e com isso nos fazemos mais irmãos de todos os homens/mulheres. Deste modo o sofrimento ou as menos boas condições de habitação, de alimentação, de emprego, de educação, de saúde, de segurança…é algo que nos afeta a todos, pois há alguém que não está a ser tratado conforme merece. Num tempo de razoável egoísmo tudo isto nos deveria tornar mais solidários, muito para além do que é visível ou notório. As provações dalguns fazem com que todos nos sintamos em dor e sofrimento também. Não podemos fechar-nos nem no nosso mundo familiar para adiarmos a construção da sociedade mais justa porque mais fraterna, solidária e cristã. 

= Está na hora de acordarmos dos nossos interesses e das nossas prendinhas em jeito de anzol, isto é, dando para receber em troca. Temos de estar presentes, fazendo dessa simples presença o melhor presente que não se compra nem se vende, mas que cuida, olha e acaricia quem precisa. O perfume que exala melhor odor é o que dá sem nada esperar em troca, pois se tem em conta que Jesus está naqueles que Ele coloca no nosso caminho para serem tratados com amor, compaixão e misericórdia. Assim haverá verdadeiro e sincero Natal!      

 

António Sílvio Couto  



sábado, 16 de dezembro de 2017

Palavra do ano/2017


São candidatas (por ordem alfabética) a ‘palavra do ano’ de 2017, em Portugal: afeto, cativação, crescimento, desertificação, floresta, gentrificação, incêndios, independentista, peregrino e vencedor.

Esta iniciativa da ‘palavra do ano’ tem por promotor a Porto Editora, sendo seu ‘principal objetivo sublinhar a riqueza lexical e o dinamismo criativo da língua portuguesa, património vivo e precioso de todos os que nela se expressam, acentuando, assim, a importância das palavras e dos seus significados na produção individual e social dos sentidos com que vamos interpretando e construindo a própria vida’.

Reportando-nos a um certo arquivo podemos encontrar como ‘palavra do ano’ de 2009 – esmiuçar; de 2010 – vuvuzela; de 2011 – austeridade; de 2012 – entroikado; de 2013 – bombeiro; de 2014 – corrupção; de 2015 – refugiado; de 2016 – geringonça.

Por mim, para 2017, votei em ‘incêndios’!

A votação teve início em meados de maio deste ano e estende-se, tal como no ano passado, também a Angola e Moçambique, devendo ser anunciada a ‘palavra do ano’ vencedora nos primeiros dias de janeiro.  

= Se tivermos em conta outras iniciativas sobre ‘a palavra do ano’ poderemos referir que segundo o dicionário americano Merriam-Webster a palavra escolhida é ‘feminismo’, tendo presente a luta do movimento em favor das mulheres. Por seu turno, para o dicionário britânico Oxford, a palavra do ano é ‘youthquake’ (terramoto jovem), significando uma mudança cultural, política ou social provocada pelas ações ou a influência dos jovens.

Vemos, deste modo, duas visões em inglês de um e do outro lado do Atlântico, mas reveladoras das culturas em estão inseridas ou como são interpretadas as movimentações sociais nos nossos dias…  

= Se nos ativermos, em Portugal, às escolhas da ‘palavra do ano’ mais recentes podemos ver que elas como que resumem as vivências pessoais e coletivas, tendo em conta a sensibilidade dos votantes e dando-nos ainda perspetivas daquilo que ficará para o futuro de quem quiser interpretar isso que fez alguma história nas estórias decorridas.

De facto, a nossa vida é, efetiva e afetivamente, feita de inúmeros episódios que podem ser lidos mais tarde pelo arco da existência que se escreve por entre situações significativas e de outras que poderemos considerar banais, mas que o não são, pois foi também aí que crescemos sem nos darmos conta… Com que subtileza os anos passam e não podemos deixar que nos façam entrar na rotina dos dias nem das coisas… 

= Quando vemos e ouvimos o responsável máximo do governo em funções resumir o ano de 2017 como ‘saboroso’, dá vontade perguntar: em que país andou? Terá pisado a mesma terra daqueles que sofreram ou morreram por causa dos incêndios? Será que o poder faz as pessoas ficarem sem discernimento para compreenderem quem governam? Por onde anda o bom senso? Não seria preferível deixar os epítetos àqueles que são governados e não se arvorarem em juízes da causa própria? Não seria, antes, de sentir a consciência chamuscada com mais de cem mortos nos incêndios? Este ‘saboroso’ cheira a esturro! 

= Sem querer dar lições, parece que umas das maiores crises da sociedade ocidental, da Europa em particular e de Portugal em especial, é a de não termos líderes à altura dos acontecimentos nem das necessidades mais simples. Talvez estejamos a colher da deficiente sementeira das décadas mais recentes, onde se quis privilegiar o imediatismo e não tanto a visão com futuro, onde os responsáveis olharam mais para a sua sombra – promovendo os seus apaniguados – do que quiseram ter visão de futuro. Com efeito, temos andado, nas mais diferentes instâncias, a fazer o imediato e não a tratarmos do necessário. Ora, o investimento em bons (ou razoáveis) dirigentes não tem sido a prioritária opção dos que ocuparam as tarefas de autoridade, preferindo o poder…com as ilusões que lhe estão apensas.

Desgraçado país e/ou cultura que não consegue perceber para onde caminha. Pessoas com mais humildade, verdade e serviço, precisa-se!

 

António Sílvio Couto



quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Caríssimas IPSS’s


Tem sido notícia nos últimos dias um caso para investigação, envolvendo os responsáveis da ‘Raríssimas – associação nacional de deficiências mentais e raras’, que tem um dos edifícios emblemáticos – ‘a casa dos marcos’ – na Moita.

Dado que estive algumas vezes – em momentos festivos e noutros mais normais – neste espaço e me foi dado conhecer alguns dos responsáveis, sinto que há algo que não está bem em tudo quanto foi dito e tornado público. Deixo a mensagem que enviei à responsável, quando estava mais sob fogo da comunicação social e do público – «Ao cuidado da sr.a Dr.a Paula Brito e Costa. Saudações. Independentemente das causas e das consequências do que tem sido noticiado desejo exprimir a minha solidariedade pessoal pela obra que tem vindo a conduzir, tendo a Moita como lugar de referência. Espero e estimo que nesta hora de tribulação possa haver verdade e bom senso. Subscrevo-me atenciosamente, asc, pároco da Moita».

Nesta mensagem, enviada na manhã de 11 de dezembro, não quis nem pretendi fazer mais do que dar uma palavra a uma pessoa quando nem tudo corre bem ou quando, por vezes, se pode ser alvo daquilo que não foi o melhor… Quando se está por baixo, os ‘amigos’ rareiam! 

= Este caso fez como que fez emergir, na sociedade portuguesa, várias correntes e linhas de leitura, de pensamento, de posicionamento e mesmo de capacidade política… extrapolando duma situação factual para questões similares. 

- Quem trouxe a denúncia à luz do dia (ou da noite) foi uma estação televisiva, através daquilo que alguns reputam de ‘jornalismo de investigação’. Sim fez o seu papel, mas não se pode confundir informação com manipulação dos dados e tão pouco com discursos/reportagens encomendados.

- Houve quem não falou e devia tê-lo feito, criando com tal atitude um vazio de suspeita e alvo de suspeição.

- Vimos aparecerem movimentações nas redes sociais que mais não são do que invetivas de censura e linchamentos de personalidade. A pretensa ‘petição para a demissão da responsável da raríssimas’ chegou a atingir em poucas horas mais de quinze mil peticionários.

- Certos políticos profissionais denunciaram que deviam ter mais memória e coragem, pois uns caíram sem honra e outros não apresentaram honradez para saírem pelo seu próprio pé.

- Em tudo isto vimos que há, na nossa sociedade, algo que faz com que o dinheiro mova as pretensões das pessoas, umas de forma honesta e séria, outras vão enrolando a teia até que se descubra pelas piores razões…   

= Mais o mais grave – digo enquanto colocado, por inerência de funções, também à frente duma IPSS – é que se nota que estamos perante uma espécie de campanha mais ou menos bem urdida com outros objetivos nem sempre claros e ainda sob a efervescência da emotividade. Com efeito, uns tantos mais ortodoxos da teoria do Estado-patrão foram deixando sair pelas entrelinhas que o setor terciário pode estar envolvido em conjeturas tecidas à sombra dum estado menos atento e rigoroso na avaliação das ajudas que dá a milhares de IPSS’s. Uns tantos à pressa foram consultar dados para terem opinião, mas o que captaram foram algumas informações nem sempre credíveis e tão pouco atualizadas. Certos opinadores tentaram meter no mesmo saco – por ignorância ou por nesciência – algo que não é comparável, lançando com isso um manto de suspeição sobre tudo e contra todos, isto é, as instituições cumpridoras ou faltosas, bem como sobre os órgãos de gestão voluntários e os incompetentes…

Tenho ainda no ouvido a intervenção verrinosa dum elemento do setor mais trotskista, que apoia o governo em funções, logo no início da presente legislatura, a invetivar as IPSS’s como uma espécie de antro de lavagem de dinheiro menos claro na nossa sociedade. Quem assim se dirigiu e classificou milhares de pessoas que se dedicam aos outros de forma voluntária e solidária, não deixará escapar esta ou outras situações/casos para fazer alarde social e político, pois, para muitos destes estatizantes, os particulares – isto é, os que não comem, por opção, do prato do Estado-providência – são considerados inimigos e, por isso, a serem combatidos, esmagados ou inutilizados…embora sejam os que pagam os impostos que os sustentam nos lugares de comando. Haja coerência e bom senso!   

 

António Sílvio Couto  



terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Do ‘cristianismo sociológico’ ao ‘cristianismo da escolha’


Há poucos dias foi nomeado o novo arcebispo de Paris, Mons. Michel Aupetit, em substituição do cardeal André Vingt-Trois, que esteve à testa da igreja parisiense nos últimos doze anos. A terminar o seu múnus episcopal, este apresentou ao recém-nomeado os grandes desafios que terá de enfrentar – ele que já foi bispo auxiliar da capital francesa e agora regressa de Auxerre – a saber: a passagem dum cristianismo sociológico para um cristianismo de escolha, arriscando ‘consagrar o essencial das forças da Igreja a fortalecer aqueles que escolheram’ deixar de esquecer os outros… assegurando a transmissão da fé num contexto de secularização generalizada.

Segundo dados do jornal católico francês, Paris tem quinhentos padres para cento e seis paróquias, com mais de oitenta seminaristas, num modo de formação muito específico: em pequenas casas…

Filho da grande diocese parisiense, tal como os seus dois predecessores, Mons. Michel Aupetit conhece a diocese com mais de dois milhões e duzentos mil de habitantes, num quadro de um milhão e meio de praticantes, isto é, de 70% de frequentadores habituais, mas onde os problemas de perda da fé tem vindo a marcar distância num mundo crescentemente secularizado e bastante laicizado. 

= Lucidez para ‘ver-julgar-agir’?

Quem conheça, minimamente, o pensamento francês saberá que eles pensam razoavelmente bem, isto é, com lógica progressiva e com tendência clara, mas nem sempre são capazes de serem bons executantes daquilo que engendram, fazendo com que outros o levem à prática simples, normal e exequível.

Parece ser razoável perceber ainda que a cultura francófona tem vindo a perder estatuto e visibilidade no contexto mundial e europeu. Hoje falar francês é menos fluente do que há décadas (senão séculos) atrás. Com efeito, a cultura anglo-saxónica têm-se imposto com maior agressividade e referência, isto é, a língua de comunicação entre os povos é sobretudo o inglês, mesmo que tenha algum acento americanizado.

Também no pensamento eclesial, o francês tem passado a um campo secundário, onde até a literatura escrita é um tanto residual, seja na quantidade, seja mesmo na qualidade. A outrora ‘França católica’ tem dado espaço a manifestações mais de índole muçulmana do que com incidência cristã. Lembro-me de ter lido, em tempos não muito recuados, que para se falar da ‘quaresma’ naquele país como tempo religioso de expressão católica de jejum e de oração, alguém teve de se socorrer da comparação com o ramadão islâmico ou os ouvintes não captariam o que se pretendia dizer…  

= Cristianismo de rotina ou de rutura?

Deste modo a observação que motiva esta reflexão/partilha sobre a passagem do ‘cristianismo sociológico’ para um ‘cristianismo de escolha’ atinge alguns dos fundamentos da nossa condição de cristãos neste tempo, nesta cultura e mesmo nesta condicionante da história. Efetivamente há sinais que nos devem fazer refletir sobre o modo como chegamos à progressiva laicização da sociedade, senão mesmo da Igreja – não reduzimos a sua expressão à dimensão católica – sobretudo na cultura ocidental, mais de consumo do que de compromisso. Com efeito, os valores e critérios deste tempo andam mais pela área da satisfação material do que da exigência moral/ética. As questões de âmbito espiritual como que têm sido reduzidas ao foro intimista, relegando as expressões de fé para a conduta do privado. Ora, isto faz parte dum plano de amorfismo mais ou menos consentâneo com uma espécie de sacralização do Estado e da sua ética (na maior parte dos casos) republicana, laica e tendencialmente agnóstica. Nesta caminhada parece que convém que se exaltem certos ritos tradicionais, com outras vivências exotéricas à mistura, desde que não entrem em confronto com ‘tradições’ ocas e de verniz social. Como não ver ainda em certos momentos de ‘sacramentos (pretensamente) sociais’, onde se dá atenção mais à forma do que ao conteúdo? Como não sentir ainda que certos batizados e casamentos – tendo por cenário a igreja – não passam de momentos sociológicos sem implicações na vida e na conduta social cristã?

É urgente, também no nosso país, que se faça essa passagem do cristianismo sociológico e de verniz carunchoso para a opção de fé esclarecida, celebrativa e comprometedora da vida no espaço do mundo!     

 

António Sílvio Couto


sábado, 9 de dezembro de 2017

Ao estado (deplorável) a que chegamos…


Por entre os mais recentes assuntos da ‘nossa’ vida política, económica, social e até religiosa, veio-me à lembrança uma observação que ouvi a um dos escolhidos para uma tarefa de âmbito comunitário/coletivo: vejam lá a que estado chegou a minha… (encubro a entidade) para me escolherem a mim! Parece que não tinham melhor!

De facto, ao vermos a eleição do ministro das finanças de cá como o escolhido para mandar – será que o presente não é um engulho encapotado? – na Europa…fica-nos a sensação que teve o lugar, sobretudo, tendo em conta a coloração ideológica e pouco menos.

– Ao vermos surgirem como solução pessoas que, noutras épocas não seriam tidas nem achadas para qualquer caso, mais parecem ser problema, dada a sua complexidade e falta de qualificação…podendo, muito em breve, passarem a ser, de facto, complicações sérias.  

– Quando vemos serem entregues tarefas de responsabilidade mais a quem se insinua do que a quem reúne as condições para o exercício das missões em perspetiva e/ou em execução… dizemos isto envolvendo mesmo serviços de âmbito religioso/católico.

– Quando vemos ser nivelado pelos pés aquilo que deveria ser apreciado pela melhor e mais alta prossecução de objetivos e de desafios… incluindo movimentações no setor desportivo/clubístico mais assanhado.

– Quando vemos que quem defende a atual tendências da economia da geringonça, mas já adverte de que ‘vamo-nos aproximando de um novo colapso financeiro’…por que não havemos de acreditar nesta prevenção e não nas ilusões que, diariamente, nos vendem.

– É notório que a maior parte da comunicação social tem um (quase) ódio de estimação pelo atual presidente americano, bastando um leve aceno contra uma tal corrente instalada e logo surgem atos e factos que deixam o homem num estado deplorável… Será que a mais recente luta – contra a simples e significativa mudança de embaixada para Jerusalém – merece tal tratamento noticioso e opinativo? Não andaremos a servir outros interesses bem mais perigosos e mortíferos? Temo quase sempre essa leitura de carneirada sobre certos assuntos e para com determinadas pessoas… pois a tendência dialética formatou muita gente! 

Esta meia dúzia de ‘episódios’ aduzidos – a lista poderia estender-se por dezenas – traz-me à memória a necessidade que temos de saber quem somos, qual a nossa missão ou tarefa a desenvolver e, sobretudo, essa questão simbólica: depois da minha passagem pelo espaço disto a que chamamos Terra, qual o rasto que vou deixar: será meramente de lixo ou desejo, posso e quero semear algo que deixe o mundo mais humano e, por isso, mais cristão?

Porque somos todos muito mais do que um amontoado de átomos ou um conglomerado de células. Porque temos todos a marca divina, mesmo quem nem sempre a assumamos ou cultivemos. Porque não há ninguém que não tenha nada a dar e muito menos a receber. Porque vivemos numa interdependência contínua e crescente. Porque só poderemos crescer – humana, intelectual/emocional e culturalmente – quando nos abrimos aos outros, pela diferença e a complementaridade.

Será preciso que não nos deixemos adormecer pelos embalos subtis de quem nos comanda, seja lá a ‘autoridade’ que for, pois nunca poderão matar em nós a dimensão mais humana da nossa condição vivente: a da espiritualidade, particularmente tendo em conta a nossa memória pessoal, familiar e comunitária. Ora é isso que celebramos no Natal: a fundamentação da nossa fraternidade universal, pois um Deus fez-se homem e pela sua encarnação nos veio divinizar. Tudo o resto que se possa apensar ao Natal não acrescenta nada de significativo. Este mistério dum Deus-humanado deve fazer-nos mais humildes e verdadeiros, mais simples e sinceros, mais capazes de olharmos os outros de frente, pois neles nos revemos e aprofundamos, colhendo as lições de sabermos aprender com os nossos erros e com os sucessos alheios…  

Vinte e um séculos depois do nascimento de Cristo parece que estamos ainda a começar. Agora a caminhada tem outras dificuldades, na medida em que alguns, que vivem como se Deus não-existisse, nem sempre respeitam com idêntica atitude tal como gostam de ser respeitados. Nesta cultura ocidental, particularmente europeia, há quem usufrua dum certo espírito de cristandade, mas satirize o que lhe dá origem… Assim, não!

 

António Sílvio Couto  



segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Bisbilhotice – terrorismo em marcha


‘Alguns podem criticar-me, porque sou repetitivo nisto, mas para mim é fundamental: o inimigo da harmonia numa comunidade religiosa é o espírito de maledicência’ – disse o Papa Francisco numa das suas últimas intervenções por ocasião da visita apostólica ao Bangladesh.

O Papa considerou mesmo que bisbilhotar e falar mal dos outros é como fazer terrorismo, exemplificando: aquele que ‘vai falar mal dos outros não o diz publicamente, tal como o terrorista não o diz publicamente. Aquele que vai falar dos outros fá-lo às escondidas. Atira a bomba e vai-se embora e a bomba destrói tudo e ele vai tranquilamente colocar outras’.

Quem assim fala conhece muito de perto a realidade das nossas ‘comunidades’ (grupos, movimentos, paróquias, dioceses… espaços de convívio social, lugares de trabalho…situações da política ou da comunicação social) e, certamente, sentiu-o no contacto com os outros, senão mesmo terá participado nesse ‘terrorismo’, que é muito mais do que verbal, mas denota essa praga social da má-língua, maledicência, murmuração, calhandrice e tudo o resto que faz com que nos ‘entretenhamos’ substancialmente a falar dos outros…de preferência mal!

Em tempos recuados ouvi, aduzido dum padre numa localidade rural, que dizia nas suas homilias, quando se estava a referir a algum assunto mais delicado (ou não): ‘e eu estou a vê-los’… Isso mesmo se pode agora reportar ao que o Papa Francisco – em vésperas de começarmos o Advento – disse lá no longínquo Oriente. Com efeito, quando se vai conhecendo um lugar onde vivemos e onde podemos ir conhecendo as pessoas e o seu modo de ser, poderemos referir, sem medo de errar, que estamos a ver quem, falando mal dos outros, pratica terrorismo e que não é nem mais ou menos só verbal, pois de muito do que se diz vemos o mau ambiente que cria e como que se difunde, qual veneno infernal em tantos dos nossos espaços… De pouco adianta andarmos a colocar cataplasmas sobre feridas mal curadas, pois a bisbilhotice emerge de pessoas mal resolvidas na sua personalidade e que infetam o ambiente em que se encontram, pois, se estou de mal comigo mesmo, terei a tendência em criar mal-estar à minha volta, espargindo críticas a tudo e a todos, do alto desse meu pedestal julgador e não-julgado.

Quantas vezes se apanha mais depressa uma conversa de maledicência do que uma oportunidade em nos edificarmos falando de algo positivo dos outros, pois de nós mesmos estamos (quase) sempre a fazer verificar que temos razão, mesmo que sejamos os culpados desse terrorismo tão comum e não disfarçado. Será muito útil e benéfico que, neste tempo de preparação para o Natal, sejamos daqueles que estão vigilantes sobre as suas palavras, cuidando em não entramos na má-língua e tão pouco em sermos os iniciadores das conversas que irão dar tais frutos.

Temos de fazer o nosso diagnóstico sincero e exigente, considerando-nos potenciais terroristas, senão no ativo, ao menos na cobardia em contribuirmos para o mau-ambiente de tantos dos nossos espaços de vida, a começar pela família. Com efeito, talvez seja aqui que aprendemos as lições mais básicas, pois, se, na nossa casa, se ‘enterram vivos e desenterram mortos, como não seremos bons aprendizes de maledicência e da confusão de valores sobre a idoneidade alheia… e nem será preciso afirmar, bastará insinuar. Não será preciso ser-se grande especialista em educação para percebermos que as crianças são quem melhor denuncia o ambiente familiar. Com relativa facilidade poderemos penetrar nos meandros da vida familiar se virmos uma criança negativa, distorcendo as palavras que são ditas ou mesmo dando sentido diverso àquilo que foi falado… Isto é muito mais percetível do que parece!

Inverter este clima de terrorismo – como o Papa denunciou – é tarefa de todos, a começar pelos educadores, pais/avós e todos quantos têm a missão de contribuir para que seja criado um mundo mais leal e sincero, mais verdadeiro e honesto, mais respeitador dos outros e de si mesmo…

A fabricação das bombas deste terrorismo pode ser atalhada com atitudes e gestos, palavras e sinais mais simples do que o complexo combate ao terrorismo fundamentalista com que nos temos vindo a entreter. Bastará colocar uma vigia na boca de cada um de nós, numa nova ética onde ‘quando se fale dos outros seja para dizer bem’ ou, então, estar calado…Vamos começar, já?   

 

António Sílvio Couto


sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Para uma ‘carta de motivação’


Já passou o tempo em que alguém conseguia um trabalho de forma tão direta – sem intermediários nem artifícios e tão pouco influências diretas ou indiretas – que bastaria a palavra do candidato e o acordo com o empregador para que o tão desejado lugar lhe fosse dado rapidamente. Na concorrência aos mais disputados lugares tem vindo a ser preciso submeter os pretendentes a alguma triagem, sob a apresentação do curriculum (há milhentas sugestões na internet), a uma possível entrevista mais personalizada e ainda esperar pela seleção definitiva…fazendo este percurso em tantas quantas as tentativas para arranjar/conseguir emprego!

Confesso a minha ignorância, que nunca tinha ouvido – até à apresentação de candidatura pública do ministro das finanças ao cargo de chefe do euro-grupo – numa tal ‘carta de motivação’. Socorrido da consulta internetana sobre o assunto encontrei os seguintes elementos:

* O que é? Uma ‘carta de motivação’ é considerado um documento que é enviado em conjunto com o curriculum, quando alguém se candidata a um emprego, apresentando a motivação do requerente a quem vai analisar o pretendido…

* Regras para escrever uma carta de motivação:

– quanto à forma não deve ter mais do que quinhentas palavras (cerca duma folha A4), com três curtos parágrafos, redigida em computador e não manualmente, sem erros ortográficos;

– sobre o conteúdo deve usar uma linguagem simples e direta, com os dados pessoais do candidato colocados no topo da página do lado direito, dirigida a uma pessoa e não ao geral da empresa, explicitando qual a vaga a que se candidata com os motivos convincentes para esse lugar, colocando os seus motivos positivos para corresponder ao anúncio de emprego…

* Elementos recomendáveis a apresentar – terá de saber apresentar os seus pontos positivos de candidato, seja a experiência profissional, se a tiver, ou percurso académico, se é recém-formado. Dever-se-á valorizar o candidato naquilo que o destaca do resto doutros possíveis candidatos, tais como o seu perfil de voluntariado, de pai ou mãe bem realizado ou de caraterísticas mais pessoais. Deverá saber o candidato dar razões para que possa ser uma mais-valia para quem o contrate…

Ficamo-nos por elencar alguns elementos da dita ‘carta de motivação’. Há erros a evitar. Há modelos sugeridos. Há dicas para tentar convencer… e tudo o mais que se pode encontrar em consulta na internet.

Por breves momentos vamos tentar fixar-nos no objeto da ‘carta de motivação’, pois dá a impressão que andamos muito distraídos destas coisas mínimas e nem sempre nos centramos no essencial.

– Além do valor da pessoa, apresentada no curriculum vitae, temos de saber quais as suas motivações. Pretender revelar-se aos outros é uma tarefa de assaz complexidade, dado que pode tentar fazer passar-se por alguém que ainda não prestou provas daquilo que diz ser ou ter, sobretudo se estivermos diante duma pessoa acabada de formar ou sem experiência de emprego, ou, pior ainda, se vem saltitando de emprego em emprego sem conseguir estabilidade… Fazer crer que é o mais competente para o cargo será tarefa nem sempre fácil de desempenhar, se for demasiado novo ou o historial de empregos ultrapassar a competência de trabalho… Quantos querem emprego e não trabalho!

– Atendendo ao emaranhado de relações em que vivemos e nos confrontamos cada dia, será sempre importante sabermos mais da personalidade de cada pessoa do que até dos conhecimentos adquiridos – tendo em conta a escola/faculdade onde foi formada mais do que o grau conseguido – na medida em que também os outros são pessoas que devem ser respeitadas no seu percurso humano, cultural e social. Não vale tudo para atingir os seus fins, pois os meios não são todos aceitáveis nem toleráveis.

 

= Numa nota final gostaria de deixar uma sugestão para aqueles que têm a responsabilidade de colocar, no contexto da Igreja católica, os padres nos seus lugares de serviço: seria muito útil que cada padre escrevesse a sua ‘carta de motivação’, dando as razões do seu préstimo pastoral. Talvez isso facilitasse a tarefa aos responsáveis e ajudasse a conhecer quem presta serviços. Não seria ainda de descuidar a necessidade de incluir na tal ‘carta de motivação’ a capacidade de saber integrar-se no dito presbitério, isto é, o conjunto dos outros e com outros padres da mesma diocese…Talvez tivéssemos muitas novidades e surpresas!       

 

António Sílvio Couto



terça-feira, 28 de novembro de 2017

Que expetativa para o próximo Natal?


De 3 a 24 de dezembro decorre o tempo litúrgico do Advento, isto é, a preparação mais próxima para o Natal. Neste celebramos – no hemisfério norte em contexto de inverno – o nascimento de Jesus Cristo, há mais de vinte e um séculos.

Ora, este tempo do Advento inclui quatro domingos e, na maior parte das vezes, o ritmo doutras tantas semanas. Não é isso que temos este ano, pois o quarto domingo celebra-se a 24 de dezembro e, nessa mesma noite, já temos a designada ‘missa do galo’; por isso, será muito curto o espaço e a oportunidade de vivermos condignamente essa tal ‘semana’, que não passa dumas breves horas…

Tanto quanto é percetível o Natal ainda apresenta alguns resquícios de cristandade, isto é, daquele ambiente em que todos – ou uma grande parte – era cristã, senão no conteúdo ao menos na forma e se ia (vai) usufruindo dos benefícios gerais (feriados, festas, prendas/presentes, convívios, augúrios, etc.), embora sem compromisso no particular… Mas será que, no ritmo deste ciclo da vida, ainda pode haver mais do que rotina e tradição – essa que pode até esconder ignorância e má-fé – na preparação e na vivência do Natal deste ano? Teremos de repetir algo de nostálgico ou de fazer algo sem sabor ou novidade?

Porque o Natal deste ano pode ser o último da nossa vida – alguém pode afiançar que não é? – talvez devamos pessoal, familiar, social e eclesialmente vivê-lo com outra, nova e única intensidade. Poderá acontecer que nos venham à memória os que, da nossa família humana, psicológica ou da fé, já não vivem o Natal de forma visível. Talvez esses dias possam ser mais duros e sensíveis… Enquanto isso poderemos ver tantos para quem essa data não passa disso mesmo, uma data onde O festejado é esquecido e as honrarias são mais interesseiras e humanas do que seria desejável.

Há condimentos da nossa cultura cristã que nos podem ajudar a viver com expetativa este Advento. Temos vindo a perceber que no sul da Europa – mais dinamizado pela primavera e a Páscoa – têm estado a ser introduzidos aspetos muito realçados nos países do norte do continente: enfeites alusivos à natureza, velas e luzes, ‘coroa do Advento’… e tantos outros aspetos de quem privilegia a preparação e vivência do Natal em contexto mais fechado em casa e não tanto na rua, como nos países latinos… Tanto quanto é percetível, as imitações não nos têm (aos latinos) tornado mais trabalhadores, tão pouco mais fraternos e ainda mais cristãos…pelo contrário!

 

= Uma sugestão de itinerário: ‘família, santuário da vida em Jesus’

 

Atendendo à necessidade de configurar a nossa vivência do Advento à volta dum tema, na paróquia da Moita, diocese de Setúbal, propusemos um itinerário, tendo em conta o biénio diocesano da família, onde a palavra ‘vida’ está em destaque, numa proposta progressiva em cada semana. A partir de ‘vida’ enquadramos um ritmo…em que cada letra da palavra nos aponta um aspeto concreto e simples: vamos irmãos dar alegria… Isso desdobra-se em subtemas: vigiar sobre a vida (1.ª semana); conduzidos na vida (2.ª semana); acolhendo a vida (3.ª semana); celebrar a Vida (4.º domingo)…chamando a participar em cada domingo para setores diferentes da família, respetivamente, avós, pais, mães (bênção das grávidas) e filhos/irmãos.

A assunção da ‘coroa de Advento’ em família poderá proporcionar um tempo de oração – mesmo (ou sobretudo) à volta da mesa – da família em cada domingo, sendo sugerida uma breve oração de bênção dessa vela que há de estar presente cada vez que a família se reúne ao redor do mesmo pão…

Se bem que as diversas editoras católicas nos vão seduzindo com as suas propostas, torna-se mais apropriado que cada diocese ou paróquia – tudo dependerá do âmbito onde nos possamos inserir/comprometer – faça a sua sugestão de caminhada, sem nos deixarmos enlear por algum ‘fast food’ religioso um tanto envernizado por laivos de ‘new age’, isto é, lindos e atraentes, cativantes e perfumados, de muito teor social, dum tanto registo light e de algo anódino quanto baste…sem Cristo, claramente!

Em jeito de rodapé: o que mais custa ver e até aceitar é o razoável número de cristãos (ditos) praticantes que, nesta época de Natal, se comporta com critérios neopagãos, ficando mais nas coisas materiais do que na vivência d’Aquele que festejamos… Isto para além da ausência das celebrações comunitárias mais básicas!

 

António Sílvio Couto



domingo, 26 de novembro de 2017

Tentáculos da ‘black friday’…


As ramificações da sexta-feira negra (‘black friday’) na nossa vida social, económica, política e cultural são mais do que muitas. Algumas são um tanto percetíveis, outras nem por isso e muitas ainda de complicada compreensão.

Qual a origem e o significado da ‘6.ª feira negra’? No conceito social e económico a ‘black friday’ é uma expressão quem vem sendo usada para designar a quarta sexta-feira de novembro, ou seja, um dia depois do ‘dia [americano] de ação de graças’, que acontece na quarta quinta-feira do mesmo mês. Explicando: a sexta-feira negra seria como que uma espécie de ponte entre o feriado nacional americano e o fim-de-semana seguinte, com que muitos funcionários seriam agraciados. Isso permitiria uma boa oportunidade para os comerciantes criarem um dia de liquidações, atraindo consumidores e dando ainda abertura ao início de compras de natal e de fim-de-ano…

Como bons ‘imitadores’ das façanhas dos americanos – mesmo que contestatários do espírito capitalista que lhe está subjacente – bem depressa entramos na lógica do consumismo… com grande gáudio de marxistas, trotskistas, socialistas e afins. Uma coisa é o que (pretensamente) se pensa e outra bem distinta aquela que se faz e como se vive! Incongruência a quanto obrigas!...

Este ano a ‘sexta-feira negra’ teve preparação e prolongamento, isto é, foi tendo espaço desde o princípio da semana e até quase ao final do mês.

Ora, o governo deste país – qual ariete representativo do espírito de ‘black friday’, isto é, aumenta os preços para fazer de conta que os reduziu na hora de colocar à venda as benesses em maré de saldos – também entrou na lógica desta época. Quis fazer o balanço de dois anos de governança. Entregou a tarefa a uma empresa de comunicação e imagem – Aximage… que tão bons resultados tem ‘vendido’ nas sondagens para a área governativa, agora e no passado recente. Escolheu uma universidade e montou o cenário. Dizem que pagaram umas centenas de euros aos ‘selecionados’ para participarem no estudo… mas o pagamento era fornecido em cupões de produtos em cadeias comerciais… O coordenador do dito estudo parece estar na linha de quem já enterrou o discurso da austeridade, sabe-se lá a que preço e com que futuro!

 

= Atendendo aos acontecimentos dos últimos meses – desde meados de junho – que há para comemorar? As vidas colhidas pelos fogos – 64 em junho e 50 em outubro – não mereciam mais respeito e contenção nos festejos? Os prejuízos das pessoas não podiam fazer com que os governantes, ao menos este ano, fizessem algo comedido e sensato? Ou será que o sofrimento alheio não desmotiva quem manda?

Dá a impressão que se está a voltar a um espírito de ‘dejà vu’ na condução das políticas: resolver com festanças os ‘sucessos’ sem esperar que se consolidem os resultados. Isso mesmo deu origem à recente intervenção exterior em matéria de finanças públicas. Parecemos alguém que conseguiu sair, um poucochinho do vício e logo vai celebrar as pequenas vitórias com exageros iguais aos problemas…

O país não pode viver nos solavancos de gente inconsistente e temerária, que cultiva a vivência do ‘chapa ganha-chapa gasta’, pois isso só nos tem trazido dissabores e mais e mais problemas pessoais, familiares e sociais de incontinência económica, associada à verborreia duns tantos mais habilidosos e espertos, mas que farão os incautos pagar as consequências a curto e a médio prazo.  

= O problema de muita dessa gente que se deslumbra e deixa aliciar pelo espírito da ‘black friday’ nunca soube o que era passar dificuldades nem pessoais e tão pouco familiares. Dá a impressão que sempre tiveram tudo o que desejavam, desde a mais tenra idade, sem lhes ser coartada qualquer pretensão, por mais ousada ou cara que fosse. Talvez não tenham de ir com o dinheiro contado às compras, pois o ‘cartão’ tudo suporta e faz de conta que tem cobertura. Ora, ser governado por pessoas deste jaez só serve para criar rezingões e reivindicativos e pessoas pouco colaborantes no destino comum e com sensibilidade aos mais frágeis e, por vezes, marginalizados. Não será dando cobertura à minoria da função pública, espremendo com impostos os privados, que este país sairá do fosso para onde está, nitidamente, a regressar. O tempo confirmará que estamos mais perto disso do que julgamos…

 

António Sílvio Couto

Quatro atitudes-chave para a construção da paz


Na sua mensagem para o 51.º dia mundial da Paz, intitulada - ‘Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz’, o Papa Francisco apresenta aquilo a que chama ‘quatro pedras angulares para a ação’. Reportamo-nos às suas palavras e deixamos algumas reflexões.
«Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar». Esta citação é da mensagem que o próprio escreveu, em maio passado, para o dia mundial do refugiado de 2018. Com efeito, a consonância das quatro atitudes-chave devem ser progressivas e complementares, fazendo ligação entre duas grandes preocupações papais: refugiados e paz
* «Acolher’ faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais».
Dizendo o que entende por ‘acolher’ – uma espécie de palavra charneira do seu ministério – o Papa Francisco tenta alargar os horizontes políticos, sobretudo da ‘velha’ Europa, para esta diaconia essencial do cristianismo, tão presente no elenco das obras de misericórdia. O Papa cita o texto da epístola aos Hebreus no contexto do exercício da hospitalidade, como marca de cultura desde sempre para os cristãos.
* «’Proteger’ lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina».
Num tempo eivado de tanta discriminação, sobretudo dos mais frágeis/fragilizados, onde se incluem, muitas vezes, mulheres e crianças, o Papa traz de novo à colação o drama do tráfico de pessoas, particularmente, destes mais vulneráveis, tanto na sua dignidade como na sua convivência humana em maré de desenraizamento das suas terras e culturas. Citando o Sl 146,9, o Papa Francisco apela à memória do povo de Israel como as raízes mais profundas da nossa civilização ocidental, por vezes, tão fechada aos marginalizados da economia e dos direitos mais básicos de cidadãos...
* «’Promover’ alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito».
Mais do que tolerar, temos de saber enquadrar, inserir e dar alicerces de promoção aos que vivem a tragédia de serem refugiados ou mesmo migrantes. Na sequência daquilo que já dizia Paulo VI, numa das suas mensagens para este mesmo dia mundial da paz – a de 1969: promoção dos direitos humanos, caminho para a paz - se referia à promoção humana como outro nome da paz., o Papa Francisco salienta que, mais do direitos a reivindicar, estamos perante fatores de humanização e de critérios para a construção da paz verdadeira e não a dos acordos políticos mais manhosos e frustrantes... Recorrendo à longa bíblica de ser estrangeiro, cita-se Dt 10,18-19, onde os que estão em terra sua, não se esquecem de quando foram itinerantes e estrangeiros como aqueles que agora acolhem. Diríamos: memória, precisa-se!
* «’Integrar’ significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais».
Ao citar Ef 2,19, o Papa acentua que, para qualquer cristão, não há nada que lhe seja indiferente nem ele mesmo se pode sentir fora do âmbito da cidadania mais serena e comprometida: todos estamos em peregrinação e caminhamos na condição de Algo que nos atrai e mobiliza à fraternidade universal em Cristo. Os que, agora, são refugiados e migrantes lembram-nos a todos a nossa mais radical condição de peregrinação e de solidariedade para com eles...mas onde nós podemos sê-lo muito em breve... O que fizermos aos outros recebê-lo-emos em nós e para connosco.

 

António Sílvio Couto



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estaremos tão amaldiçoados?


No ambiente bíblico – sobretudo judaico – a ausência de chuva era vista (lida, interpretada ou considerada) como uma espécie de maldição. Isto era quando os humanos viam nos sinais da natureza outros tantos sinais de Deus! Agora que nos julgamos sabedores de muito e senhores de quase tudo, até dos segredos da natureza, corremos o risco de entrar numa visão de possível risibilidade sobre tais problemas…se neles incluirmos a presença e a ação de Deus.

Vejamos, no entanto, como o povo de Israel via, sentia e vivia este tema da chuva e, consequentemente, da água…tão necessária numa região de seca e quase desértica, que era a Palestina.

As palavras hebraicas e gregas que querem dizer chuva aparecem mais de cem vezes na Bíblia. As águas do Céu eram imagem da bênção divina. É sobretudo nos Salmos, enquanto fonte orante e resultado da oração do povo de Deus, que vemos forte referência tanto à súplica, como à ação de graças pela chuva… muitas vezes não esquecendo a vida agrícola e a necessidade da chuva para a sobrevivência pessoal, familiar e comunitária: Sl 147,7: Ele cobre de nuvens o céu e para a terra prepara as chuvas, que fazem crescer as ervas nos montes. Sl 68,10: Fizestes cair, ó Deus, a chuva com abundância; restaurastes as forças à tua herança extenuada.

O fenómeno da não-chuva foi visto, muitas vezes, pelo povo de Deus como uma espécie de castigo pela infidelidade a Deus: ‘Se o céu se fechar e não chover mais, por eles terem pecado contra ti, se orarem neste lugar, prestando glória ao teu nome e arrependendo-se do seu pecado por causa do teu castigo… Mostra-lhes o caminho reto que devem seguir, envia chuva à terra que deste como herança ao teu povo’ (2 Cr 6,26-27).

Na linguagem do Novo Testamento encontramos a referência à chuva como bênção divina para todos, indistintamente da sua religião – ‘Ele [Deus Pai] faz com que o sol se levante sobre bons e maus e faz cair a chuva sobre os justos e os injustos’ (Mt 5,45). O dom da chuva é ainda interpretado como sinal da paciência divina, que se repercute no comportamento humano: ‘Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias’ (Tg 5,7). 

= Em certo sentido o fenómeno que temos estado a viver, no nosso país, com a ausência de chuva talvez não tenha criado, minimamente, nos crentes e nos descrentes uma leitura dos sinais de Deus nestas condições atmosféricas. A prova desta (quase) inconsciência coletiva é a ligeireza com que temos andado a cuidar deste assunto… a começar pelos governantes. Com efeito, de que adianta falar em seca, se temos normalidade no abastecimento de água. Mesmo duma forma subtil o problema não se põe, pois ainda não sentimos a falta de produtos hortícolas, se bem que os paguemos mais caros, e nem tenhamos sentido o racionamento de água, mesmo que seja ainda um produto barato nas contas de casa… Até porque outros assuntos nos vão distraindo e – segundo dizem – os proventos económicos não ofuscam esta questão da ausência de água… 

= Quem conhecer um mínimo da história da humanidade e dos povos saberá quem sempre houver disputas, conflitos e guerras por causa da água, seja pela sua conquista, seja pelo seu uso nos vários campos de atividade humana, económica e cultural.

Segundo alguns a água é considerada o ‘petróleo do século XXI’, podendo tornar-se cada vez mais agudo o seu uso correto entre povos, nações e regiões. De facto, a água deixou de ser, cada vez mais, um recurso inextinguível para se tornar um bom de conflitualidade no futuro como o foi no passado. Já em meados da década de noventa do século passado um responsável do banco mundial referia: ‘se as guerras deste século [XX] foram travadas por causa do petróleo, as do próximo século serão travadas por causa da água’.  

= É urgente uma reeducação para o correto uso da água, tanto ao nível pessoal como nas dimensões coletivas e sociais. Como bem essencial que é para a sobrevivência da humanidade, precisamos de ter sobre este dom divino uma leitura, um comportamento e uma atitude bem mais séria e sensata. Como utentes da ‘casa comum’ que é este mundo precisamos de novos deveres comportamentais exigentes e normais…        

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Sugestões para dinâmica paroquial


Dando cumprimento a um desejo e necessidade de reflexão cerca de duzentas pessoas da paróquia da Moita retiraram-se para Vila Viçosa, na passado dia 19, em ordem a aprofundar os resultados dum inquérito recentemente feito nas missas paroquiais e a refletir sobre que paróquia pretendem ser no futuro próximo.

Dado o alcance deste texto – mais para o exterior da dita paróquia – vamos centrar a nossa atenção em quatro caraterísticas que serviram de pistas de reflexão. O ponto de partida para o que aqui vamos sintetizar são as conclusões dum livro publicado, em setembro do ano passado, nos EUA – ‘Grandes paróquias católicas’ – onde se apresentam essas caraterísticas lá verificadas, e aqui vistas como desafios e incentivos a melhorar: 

* Liderança – mais do que uma liderança centrada numa pessoa, refere-se a liderança partilhada, isto é, onde se possa verificar a dimensão comunitária, com a intervenção estruturada e coordenada de leigos e onde os dons e carismas de cada um possam ser postos ao serviço dos outros.

Não será só tolerável que os leigos sejam chamados a participar nas tarefas das paróquias, tendo como atenuante a diminuição de clero… como parece verificar-se em tantos lugares. Os leigos são parte integrante das nossas paróquias, continuar a menorizá-los será, além de negligência, uma espécie de pecado grave contra o corpo da Igreja católica.

Claro que temos um razoável caminho a percorrer, mas temos de dar os primeiros passos e de criar mais inquietações. O ‘termos padre’, como dizia alguém numa das avaliações, é bom e fundamental, mas tem de tornar-se mais consciente pela ajuda de todos…  

* Crescimento espiritual – é fundamental que as pessoas sejam educadas na capacidade de alegrar-se com o crescimento e a valorização dos outros, tendo em conta a dinâmica do sentido de pertença e do discipulado. Para que tal possa acontecer de forma sistemática e comprometida será preciso estar atento e participativo nos momentos de formação propostos pela diocese, a paróquia e mesmo os movimentos.

Por vezes torna-se confrangedor ver como tantos dos paroquianos se limitam à missa dominical, desaproveitando outros momentos, tanto de âmbito querigmático como catequético. A formação na linha bíblica é de grande utilidade, seguindo, em muitos casos, a ‘lectio divina’, que tem vindo a ganhar importância na caminhada de muitos católicos.    

* Liturgia – como grande espaço de participação, a liturgia não pode continuar a ser usada de modo intermitente, como acontece em tantos casos dos nossos ‘praticantes’, mas será pela presença, a participação e o compromisso nas celebrações que as próprias paróquias se hão de renovar. Aquilo que o autor americano citado chamava de ‘liturgia vibrante’ não pode ser reduzido a uns ritmos mais ou menos importados doutras realidades que não as da igreja, mas deverá alicerçar-se no acolhimento, na atenção e no cuidado para com os fragilizados – e são tantos/as – que procuram na liturgia algo que os/as possa serenar e dinamizar a vida quotidiana.

Urge passar dalguma da frieza das relações das ‘nossas’ missas para a capacidade de acolhimento a cada pessoa, como vemos em certas expressões não-católicas… Assim haja tempo, disponibilidade e carisma! 

* Evangelização – mais do que um conceito de circunstância, a cultura tem de ser evangelizada e evangelizadora. Há espaços e lugares que têm de ser penetrados com a presença evangelizadora católica, promovendo iniciativas de âmbito cultural – sem deixarmos que ‘cultura’ seja uma oportunidade só para alguns que rejeitam a fé cristã – como conferências, palestras e colóquios – o ideal seria com ritmo mensal – envolvendo também pessoas de fora do âmbito eclesial.

A cultura não pode continuar nas mãos ‘só’ das autarquias e dumas associações de tal forma laicas, que só servem para relegar o cristianismo para um certo reduto negligente.

 

= Estes foram os vetores refletidos… outros poderão ser aprofundados em novas ocasiões!

 

António Sílvio Couto