Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 29 de junho de 2015

Vida: dom, mistério e compromisso


Atendendo ao essencial, como poderemos avaliar a nossa vida? Esta é aquilo que nos faz viver e sentir, que nos faz levantar cada manhã e adormecer cada noite, que nos obriga a assumir responsabilidades, que nos motiva a ser mais e mais em maturidade humana, psicológica e espiritual.

Há, no entanto, questões sobre a qualidade de vida, sobre (possíveis) ideais de vida, sobre (necessários) projetos de vida, sobre (as principais) razões de viver, sobre temas e assuntos que são mais do que metafísicos, mas essencialmente existenciais no ser e no estar...de todos e de cada um de nós.

Num tempo em que se tenta viver segundo uma mentalidade reinante – consumismo, hedonismo, epicurismo...numa palavra, materialismo de vida – questões que incomodem certas mentalidades podem tornar-se dispensáveis, senão mesmo, abjuráveis para uma larga maioria dos nossos contemporâneos.

1. Vida – dom

Um dos aspetos que reputamos de essencial é o de vermos a vida como um dom, sobretudo de Deus. Com efeito, nenhum de nós foi consultado para viver nem muito menos podemos opinar sobre os nossos pais. Somos essencialmente um dom de Deus, cuja bondade nos fez ser gerados, podermos nascer e sermos cuidados pelos nossos pais. Nada há de mais simples do que sentir-se agradecido a quem nos deu a vida... E nem, na idade da aborrescência – palavra composta de adolescência e de aborrecer – em que tudo se contesta e com muito pouco se concorda, poderemos sentir-nos menos bem com o mundo, com os adultos ou até connosco mesmos!...

Cada vez mais precisamos de olhar a nossa vida, tendo em conta os aspetos essenciais, sem nos entretermos com ‘coisas importantes’, mas que, afinal, não passam de disfarces para o egoísmo, com certos fatores mesquinhos, onde se pretende antepor aos outros uma certa fachada daquilo que pensamos...ainda ser!

Há diversos sinais de que a vida não é vista, sentida e vivida como dom, pois, quando vemos as pessoas fecharem-se à natalidade, não será isto uma desvalorização da vida como dom? Quando vemos, cada vez mais, serem valorizados os animais como uma espécie de prole, não será isto preocupante e revelador dum tempo de crise sobre o essencial...da vida?

2. Vida – mistério

Em cada pessoa há sempre um mistério – no sentido correto e espiritual do termo – que deve ser respeitado e valorizado, desde a conceção até à morte natural. O desenrolar da vida de cada um de nós faz-nos abrir ao mistério de Deus, que se imprime em nós e nos torna mais e mais divinos, pois, criados à imagem e semelhança de Deus, devemos prosseguir num itinerário que nos faz participantes e colaboradores do mistério de Deus neste mundo e em cada tempo... Como diz a estória da feitura da estátua, temos de tirar de nós mesmos o que encobre a ‘obra-prima’ divina em cada um de nós...Eis o mistério belo e simples, mas que implica esforço e trabalho...contínuos.

Nada temos a encobrir, pelo contrário, temos de saber descobrir novos horizontes e metas com os outros, tenham ou não a nossa fé, desde que sejam crentes na vida e em Deus, senhor da vida...eterna!

3. Vida – compromisso

Para que tal aconteça de verdade é necessário que a vida seja vivida segundo um compromisso de valores, onde a matriz espiritual – dizemo-lo do quadro cristão – motiva, conduz e cria sinergias com tudo, com todos...mesmo com a natureza, como nos recordou, tão bela e exigentemente, na sua encíclica ‘Louvado sejas’, o Papa Francisco.

Somos uma parte importante do projeto divino para a humanidade, por isso, não podemos desertar nem acobardar-nos com desculpas de que os políticos não fazem o que dizem ou de que os pregadores estão desconexos com o que apresentam aos outros...Temos de viver em compromisso com cada época da História e este tempo é o mais propício para que vivamos intensa e fecundamente em razão da construção de uma política nova, fundada na verdade, na transparência e no bem comum.  
 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

segunda-feira, 22 de junho de 2015

As pessoas mudam...verdade ou mentira?


Recordo uma conversa, em tempos, com uma senhora – mãe de cinco filhos, mas solteira no bilhete de identidade – bem como o pai desses filhos...também ele solteiro na identificação. ‘Então por que não se casam?... Não, eles depois de casados mudam!’

Não entendi as razões, mas aceitei as explicações.

Mais tarde, numa outra conversa, doutro teor e alcance, ouvi a mesma expressão: ‘as pessoas mudam’...numa tentativa de deixar que, passando o tempo, as coisas se possam esclarecer melhor. Novamente fiquei sem atingir o que isso queria dizer...verdadeiramente!

= Ora, nos tempos mais recentes, parece que comecei a vislumbrar algum entendimento de tal expressão. Porque o assunto é um tanto melindroso, seguirei a preferência pelas perguntas, que podem e devem ser respondidas...tanto quanto formos capazes e a inteligência humana nos permitir.

As pessoas mudam ou acomodam-se? As pessoas mudam por maturidade ou por recurso? As pessoas mudam em razão de motivos ou segundo tentativas de adaptação? As pessoas mudam de opção ou por mera estratégia? As pessoas mudam a partir de dentro ou adaptam-se pelo exterior? As pessoas mudam, revelando o que são, ou tentam iludirem-se, enganando os outros? As pessoas mudam em razão do ser ou em virtude do ter? As pessoas reconhecem a mudança (boa ou má, sincera ou simulada, verdadeira ou confusa) ou adiam a assunção dos seus erros e más opções?

Mesmo que de forma um tanto ousada, questiono: reconheço que tenho mudado? Será isso algo de bom e de amadurecimento? Como reajo às (reais, virtuais ou fictícias) mudanças dos outros? Aceito essas mudanças ou julgo as pessoas – sobretudo as que penso conhecer – de forma preconceituosa?

= Quando a mudança manifesta crescimento humano, psicológico e (até) espiritual, deveremos percebê-lo numa maior humildade para com os outros e segundo uma maior exigência para consigo mesmo... Parece que na maior parte das situações, a mudança se manifesta no contrário: exigência para com os outros e complacência para consigo mesmo. Se estivermos neste plano, poderemos considerar que é uma mudança pouco abonatória e talvez sem a mínima consistência...

= Outro fator revelador duma mudança séria é a da correção dos próprios erros, num processo de conversão – dizemo-lo em contexto cristão – que atende aos seus ‘pecados’ e, porque sabe quanto lhe custa viver essa conversão, torna-se mais compreensivo para com as falhas dos outros...esperando o tempo do reconhecimento do mal feito e da necessária vivência da mudança! Será sempre uma questão de saber onde está o centro: em mim mesmo ou nos outros. Se estes me ajudam a crescer numa mudança aos valores e critérios do Evangelho, então, posso aceitar que me ajudem a corrigir-me sem nada temer ou rejeitar.

= Quase nada terá sentido, se pretendermos ser intocáveis e não corrigíveis. Com efeito, o tentador é que nos torna orgulhosos, justificativos e sem necessidade de correção. Será na medida em que nos deixarmos ajudar a conhecer mais nas falhas e nos erros do que elogiados nas façanhas e sucessos que perceberemos que a mudança é algo de bom e de saudável...mesmo que à custa de sacrifício e do domínio de si mesmo.

= Sem pretendermos coisificar este tema da mudança, podemos recorrer à figura do ouriço-cacheiro, que, em ambiente normal, anda vendo-se-lhe o focinho e, quando, menos bem acolhido, se enrola na sua carapaça e volta os picos para fora... Será uma questão de sobrevivência ou de adaptação? Não andaremos muito longe da verdade, se virmos no ouriço-cacheiro, um sinal da nossa conduta para a mudança na dimensão pessoal, familiar, social e até mesmo eclesial!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Saber e dever de ofício...


Não é pouco habitual assim ver pessoas – de dentro ou de fora da Igreja, ocasionais ou mais frequentadores – contestarem os padres no exercício das suas funções. Nalguns casos vindos a público como que se tenta dar mais razão a quem contesta e/ou protesta do que a quem exerce o ofício...

= Diante duma mudança menos boa de aceitação em respeito para com os ministros da Igreja – dizemos, sobretudo, no contexto católico – como que nos podem surgir algumas questões endógenas e exógenas para que tal se tenha vindo a agravar no tempo e na quantidade...difundida.

= Mesmo que de forma humorística ousamos reproduzir alguns excertos dum texto, lido por estes dias, num jornal diocesano... Não pretendemos lançar juízo algum sobre a generalidade dos cristãos/católicos, mas antes tentar encontrar (possíveis) explicações no âmbito interno e, particularmente, numa certa ausência de aposta na formação – contínua e necessária – de todos.

Eis um breve elenco:

Católico ‘flor-de-estufa’ – quando tem qualquer problema com o padre, logo deixa a igreja;

Católico 112 – só procura a igreja em caso de emergência;

Católico balão – sempre inchado, mas, bem visto, não tem nada dentro;

Católico aranha – ao mínimo problema desata a subir pelas paredes;

Católico carrinho de mão – tem de haver sempre alguém para empurrar;

Católico peixe – missa, nada; oração, nada; compromisso social, nada...

= De facto, há pessoas que se aproximam da Igreja com o intuito de fazerem uma caminhada de fé. Há os que querem colocar-se à disposição dos outros. Há ainda outros que, passado algum tempo de afastamento, querem retomar a sua aprendizagem de caminhada de fé mais ou menos sequente e progressiva...passado o primeiro tempo de casamento e/ou de estabilidade profissional.

= No entanto, uma larga maioria dos nossos ‘católicos não-praticantes’ faz dos (ditos) sacramentos sociais (batizados, casamentos e funerais) uma certa aproximação simulada, pretendendo que se lhe faça o favor de envernizar uma religião fixista...essa que deixaram parada na última vez em tiveram presença – qual filme colocado em pausa – entendendo quase tudo dum modo nada de referência...sem sequência ou até nexo.

= Que dizer, então, da forma de se apresentar em tais ‘cerimónias’? Umas vezes nota-se uma forte influência do mundanismo da vestimenta e do comportamento. Outras vezes custa a distinguir se o espaço celebrativo é diferente do lugar da diversão. Nalguns casos parece haver uma certa ignorância, mas, noutras situações, será mais negligência... Apesar de tudo, poderíamos fazer uma caminhada de maturidade se houvesse humildade e bom senso humano, cultural e espiritual. 

= Atendendo à responsabilidade dos ministros ordenados como pode e deve ser a sua atuação? Dado que, muitas vezes, estão a ser escortinados por pessoas bem e/ou mal-intencionadas, só num clima de confiança se poderá conduzir a porção do povo de Deus que lhes está confiada. Atendendo a que muitos dos (pretensos) católicos-pirilampo (ora estão, ora saem; ora frequentam aqui, ora vão onde lhes convém) podem fomentar maledicência, urge que se faça uma maior formação para o compromisso, sobretudo daqueles/as que servem (ou deviam servir) a comunidade dos irmãos.

= Quando para se ser ordenado padre é preciso estudar e ser avaliado, preparar-se para o ofício...anos e anos, porque se há de dar tanto destaque a quem contesta, mas foge? Afinal, quem sabe...mesmo do ofício?

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Há momentos...em que as palavras não alcançam!


Por agora sinto a ecoar na minha mente essa canção: há momentos em que as palavras não alcançam aquilo que sinto...

Com este refrão a bailar como que rememoro tantos e tão variados aspetos que escapam à subtileza redutiva das palavras, sobretudo se ditas e/ou escritas... Nem mesmo as recordações das pessoas a quem estimamos ou de quem cuidamos atenuam a imprecisão de tudo e de quanto mais...se vivido na dor e no sofrimento psicológico ou moral.

= Quem não teve já na sua vida – particularmente na dimensão da idade em adulto – de refazer a direção do seu viver, respeitando as raízes mais profundas da sua opção fundamental?

Quem não se viu confrontado com episódios – mais ou menos significativos e envolventes – que fizeram mudar o rumo, sobretudo reforçando a opção mais essencial da vida?

Quem não encontrou, de forma simples e autêntica, pessoas que ajudaram a aprofundar, por uma maior radicalidade, o que andava à deriva nas preocupações do urgente e atrasando a vivência do essencial?

= Não adianta criticar o que está mal, se não formos capazes de mudarmos, a começar por nós mesmos. De facto, há muita gente que sabe fazer o diagnóstico daquilo que condena, mas com alguma dificuldade se compromete para que isso que denunciou se melhore a curto e médio prazo. Como se costuma dizer: somos bons a criticar e maus a cumprir...

= No elenco das prioridades de tantas pessoas está mais a exigência dos direitos – conquistados, assumidos ou adquiridos – do que a assunção dos deveres simples, verdadeiros e comprometidos. Na medida em que vamos aprendendo a viver com as nossas derrotas assim podemos viver novas conquistas, pois muitas destas são a superação daquelas, seja qual for a instância de vivência e de compreensão...

= Quando vemos de tantas e tão díspares formas de contactar e de viver com pessoas que nem sempre são lógicas entre aquilo que dizem e o que fazem, com aquilo que dizem crer e com o que tentam celebrar, com as ideias e com a prática...como que temos de repensar sobre nós mesmos e de inquirir se vivemos daquele modo que julgamos, se não somos capazes de nos corrigirmos, se temos a suficiente inteligência de nos revermos com salutar ousadia e necessária coerência...

= Num tempo tão superficial como é aquele em que vivemos – onde o revestimento do embrulho vale mais do que o conteúdo – será preciso ser muito honesto mental e espiritualmente para que sejamos pessoas que vivem numa unidade de vida assumida e autêntica, aceitando-se como se é e deixando corrigir os seus erros e lacunas, sem se fascinar pela execução mais ou menos bem conseguida das suas qualidades, dons e virtudes... Estas vertentes são tanto mais válidas quanto aquelas nos ajudam a sermos pessoas de corpo inteiro e de alma perdoada, curada e lavada em Deus e por Deus.

= Bastará atender, neste mês dos ‘santos populares’ (Santo António, São João e São Pedro), às vertentes com que tanta gente se diverte à custa daqueles que são nossos modelos de caminhada de fé em Igreja para percebermos que muitos usufruem das banalidades dos ‘santos populares’ e ignoram os desafios que eles colocam à nossa vida cristã, cívica e social... Nem tudo vale, mas quase tudo deve levar-nos a sermos homens e mulheres deste tempo com os pés bem assentes na terra e o olhar levantado em razão do horizonte onde aqueles ‘santos populares’ já estão glorificados e nos atraem a viver a nossa fé pela esperança na caridade, traduzida em gestos e sinais de vida...

Palavras só as essenciais, desde que sejam tão-somente para explicar o que vivemos!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Brincando aos ‘finalistas’?


Por estes dias vemos muitas e variadas ‘festas de finalistas’...dos mais diversos graus de ensino e de outras instâncias do saber e da incidência social, desde a creche até à universidade, passando pelos diferentes graus de ensino – básico, primário, secundário e complementar – há ‘festas de finalistas’ para todos os jeitos, gostos e feitios.

Mas que significa ser ‘finalista’? Não será uma ilusão ser, hoje, finalista e, amanhã, ter de recomeçar do (quase) zero? Será (muito) pedagógico fazer-de-conta que se subiu, mas logo se irá descer? As festas de finalistas a quem interessa: aos visados ou aos familiares, à mistura com outros interesses comerciais?

= Recordo-me de ter ouvido, em tempos, dizer a seguinte observação: ter uma licenciatura (mesmo antes de Bolonha) só é uma autorização para começar a estudar!... No entanto, o esforço para continuar a estudar não passa pela obtenção do tal canudo (símbolo físico daquilo que se recebe como confirmação do grau obtido), mas antes terá de estar na atitude de cada pessoa, que deverá ser sempre um estudante mais do que um mero aluno...completo, feito e sem precisar de evoluir!

= Se recorrermos à origem etimológica de ‘aluno’ (alumnus) veremos que é alguém que é alimentado, que recebe alimento dado por outrem, dada a sua imaturidade é alimentado na boca e exige muitos cuidados... Assim o aluno aprende com outros numa aprendizagem coletiva ministrada por vários outros que cuidam dele. Por seu turno, estudante é considerado aquele que estuda – e pode fazê-lo até a título pessoal – em ordem a adquirir conhecimentos e atribuições que o valorizem nalguma das áreas em que procura aprender...antes, durante ou depois do tempo em que presta provas...

= Se a vivência em ser ‘finalista’ – seja qual for a instância percorrida – lança sobre o passado recente um certo ar de vitória, pois foram conseguidos os objetivos mínimos para prosseguir para o degrau seguinte, tentar valorizar as diversas etapas como se valessem o mesmo poderá não ser muito honesto nem tão pouco verdadeiro... Sobretudo se tivermos em conta um certo afã em querer apresentar resultados, ao nível europeu, para acrescentar créditos na escolarização das pessoas, poderemos estar a enganar-nos e a iludir a verdade dos factos. Diante disto, certas festas de ‘finalistas’ podem ser uma atoarda à ignorância, mesmo que facultando a passagem administrada, certos números e resultados...tenham o rótulo de ‘novas oportunidades’, de cursos profissionais ou mesmo de ‘educação de adultos’, etc... A ver pelos efeitos – onde a capacidade de pensar por si mesmo pode ser um dos parâmetros – não podemos credibilizar em excesso as pretensões...pois,  nivelados pelos pés não saberemos levantar a cabeça...sem a canga da ideologia!

= Nos múltiplos campos da nossa vida – social, cultural, económica, política ou religiosa – temos de estar permanentemente em estado de aprendizagem, sem nos contentarmos com o já aprendido – tenha ele o grau de reconhecimento que tiver – mas antes podemos e devemos estar em contínua valorização e em abertura aos outros campos de intervenção humana e profissional. Há áreas do saber e da instrução em que temos de estar em humildade, em consonância com as exigências das nossas atribuições de ‘saber mais para servir melhor’. Nos tempos mais recentes – desde fevereiro até ao início de junho – tive a salutar possibilidade de participar num curso universitário (como ouvinte, embora pagando propinas) sobre a ‘teologia e a espiritualidade da família’. Cerca de quatro dezenas de ‘estudantes’ escutaram – uma vez por semana e durante quase três horas, em jeito de módulos – lições duma dezena e meia de professores da UCP... Foi um tempo de aprendizagem onde muitos dos ouvintes se foram valorizar para servir a pastoral da família, agora que estamos a viver um tempo eclesial de desafios e de propostas...

= Se atendermos à linguagem dos ‘finalistas’ teremos muito de aprender e de nada estar adquirido, mas a tentarmos crescer em sabedoria pela humildade e pela valorização pessoal e comunitária...sempre mais!
 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Loisas do futebolês


Quem conhece, minimamente, a localização da sede da FIFA – organismo mundial do futebol – saberá que esta se encontra numa rua transversal ao caminho para o jardim zoológico de Zurique, na Suíça. Será que isto explica, suficientemente, o pandemónio que tem invadido esta estrutura do maior negócio dos nossos dias?

Neste especial mundo do futebol temos vivido, nos dias mais recentes, ao ritmo alucinante de factos e de episódios, de personagens e de figurões, de intrigas e de milhões (euros ou dólares)...ativos e passivos, no palco ou nos bastidores, mas quase sempre fazedores de estórias e fomentadores de questões subterrâneas ou ao menos pouco claras e aceitáveis.

= Por umas tricas (ou serão trocos?) de milhões de euros um treinador tornou o seu apelido digno do nome do traidor mais mal-amado contra o mestre da configuração religiosa do cristianismo: saltou dum para o outro lado duma via de grande circulação na capital, abespinhando antigos torcedores e consolando novos adeptos...desconfiados. Num tempo tão ávido de exemplos, esta situação como que se tornou num sinal suficientemente abjeto do fenómeno do futebol...sem ainda sabermos os resultados desejados e/ou conseguidos.

= Mais do que desporto, o futebol é, hoje, uma indústria, onde a exploração da pessoa humana como que se torna aceitável, legal e até promovida, seja no âmbito dos praticantes, seja tendo em conta os que gravitam em volta dos negócios e das contratações. Vive-se uma espécie de escravatura legalizada, onde os ‘atores’ vendem a sua força de trabalho e sua habilidade, dependendo do preço que lhe paguem...antes, durante ou depois do espetáculo.

= Sendo um desporto de massas, o futebol usa uma espécie de linguagem universal, fazendo de cada praticante uma espécie de cidadão do mundo e tornando os seus melhores executantes quase heróis nacionais – por estes dias um deles vai ser entronizado no panteão nacional ao lado de outras figuras da nossa história e cultura – e venerados pelos mais novos e vulneráveis da sociedade...

= Criador de mitos e de lendas, o futebol desenrola a sua atividade nos mais díspares espaços e situações, fazendo-se eco da multiplicidade humana, onde o formato da bola redonda se faz mistério de disputa e de comunhão. Dê-se uma bola a um grupo de crianças e, rapidamente, se criarão sinergias de jogo e de cumplicidade... Este seria o lado lúdico deste desporto, mas há tantos outros que são funestos, que estes últimos correrão o risco de obnubilar aqueles...desde a exploração de mão-de-obra na confeção de equipamentos e de estruturas até ao mais básico da dignidade da pessoa humana...onde o pretenso desporto ofusca paz e compreensão.

= Na criação do fenómeno desportivo – e do futebol em particular – há realidades que nem sempre compreendemos, tanto na forma como no conteúdo. Afetivamente o futebol é gerador de paixões, desde as mais simples e inteligíveis até às mais complexas e ardilosas. Quantos tentáculos se podem estender ao falarmos do futebol. Quantos interesses e provocações podemos encontrar nas redes de vivência do futebol... Embora se falem dumas tantas que se veem, muitas outras são mais subtis e menos bem percetíveis. Por que será que se diz que dificilmente alguém muda de clube? Não é só porque marca o nosso inconsciente, mas também porque, entrando, no foro do emocional, se estratifica por razões sem razão...    

= Ocupando tanto tempo na comunicação social – jogos e discussões, jogadas e intrigas, papeis e palhaçadas – o futebol consegue ser dos assuntos mais tratados em maré de crise, sobrepondo-se mesmo aos temas da política...como vimos por estes dias! Até quando viveremos nesta distração coletiva e manipuladora?  

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Geração sanguessuga?


Em cada época tem havido, normalmente, a tentação de rotular a geração mais nova...segundo epítetos mais ou menos depreciativos. Já foi geração rasca (devido à linguagem), geração à rasca (atendendo à falta de emprego), geração nem-nem (nem estuda-nem trabalha), geração canguru (que não saiu ainda da casa dos pais)...dependendo de quem vê, lê e interpreta...como que colocando o ónus do défice nos mais novos e não sobre os ombros dos adultos que os geraram, os educaram ou mesmo os condicionaram.

Por estes tempos que correm vemos uma grande quantidade de jovens (com idade prolongada até quase aos quarenta anos) que vive, para além de estar ainda na casa dos pais, às custas – económicas, financeiras e sociais – dos mesmos e até dos seus avós. Muitos destes e daqueles vão suportando netos e filhos com as suas magras reformas e economias doutros tempos...até ao dia em que se rompa o fundo de sustentabilidade de todos.

É digno de registo ainda que, muitos desses jovens, estão mais escolarizados do que as duas gerações anteriores e que, por isso, teriam, numa salutar perspetiva de futuro, a expetativa de melhores condições de vida, suportando as dificuldades inerentes ao crescimento na assunção de responsabilidades humanas e sociais. No entanto, o que vemos é algo de manifestamente contrário, pois muitos adiam criar estabilidade pelo casamento ou outra vocação de vida. Outros vão vivendo sem criar laços de compromisso com ninguém, vivendo à deriva das circunstâncias. Uma parte significativa ou não tem emprego (profissão e meio de sobrevivência) ou falta consistência ao mesmo. Houve quem tentasse a sua sorte – hoje já mais avalizada e assertiva – na emigração...mesmo que tal parece uma espécie de desistência, era e é uma boa opção na medida em que alarga os horizontes e faz crescer na responsabilidade os que tal empreenderam.

1. Viver à custa dos outros – necessidade ou solução?

Atendendo às consequências que tem trazido à geração atual, este viver à custa dos outros pode criar uma forma de estar arrastado por entre o lamaçal da sociedade que (quase) tudo dá e (muito) pouco exige. De facto, não podemos continuar a suportar pessoas que adiam por medo a assunção da renovação da sociedade...só porque há quem lhe apare (mais ou menos) as jogadas.

Talvez se deva educar os mais velhos – avós e pais...Estado ou governo – para que não podemos continuar a subsidiar quem devia produzir, que não podemos continuar a deixar-nos explorar por quem devia contribuir para a construção da sociedade, que não temos o direito de continuar a tratar de menores quem já devia estar a educar seus filhos...responsavelmente.  

2. Exigência ou adulação?

Um outro aspeto que pode ter contribuído para esta espécie de geração-sanguessuga pode ter sido o amolecimento na exigência, seja na educação, seja nas condições vida. Recordo-me, há cerca de vinte anos, ter ouvido, num autocarro na capital, uma senhora bastante idosa, falando dum grupo de adolescentes – hoje devem ter mais de trinta anos – que, tinha entrado na viatura se sentaram logo sem atenderem se havia alguém mais velho – como recomendavam as instruções colocadas no veículo – para lhe facultar o lugar, dizia a senhora: eles agora já nascem cansados, são criados à custa de iogurtes e de frango de aviário!

Já não há o serviço militar obrigatório. As escolas não primam – na sua maioria – pela disciplina. Nas igrejas nem sempre é fácil falar de espírito de sacrifício. Nas pedagogias seguidas por muitos nem consta no léxico e tão pouco na prática...a exigência como arte de fazer pessoas. Nas propostas de sucesso – profissional, desportivo, social, cultural, etc. – esquece-se que este só aparece depois de trabalho... Agora tem de mudar, urgentemente!

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Trabalhador-ideal em 2020


O trabalhador ideal em 2020 terá este perfil: um funcionário polivalente, de mentalidade elástica, muito assertivo e com forte inteligência emocional... É assim que, nos EUA, estudos apontam para o modo como deve ser o homem ou mulher que quiser ter um (bom) lugar no mercado em 2020, isto é, daqui a cinco anos!

= Se tivermos em conta a quebra acentuada da natalidade, a crescente informatização dos meios de produção e até a decrescente necessidade de tanto tempo de trabalho...teremos, na nossa condição de trabalhadores, de reaprender a estar e a ocupar o nosso tempo...numa aprendizagem que cada vez menos está feita, completa ou acabada. 

= De facto, já não há mais uma ‘profissão para toda a vida’ e nem sequer o local de trabalho será sempre o mesmo. Isto coloca-nos numa vulnerabilidade constante, necessitando de nos adaptarmos a novas realidades, com funções abrangentes e numa contínua capacidade de sabermos reconhecer que as nossas funções serão o que a adaptação exigir. A versatilidade não será só mais um capricho do empregador, mas uma consequência da inteligência do empregado, que terá de se conhecer com humildade e pragmatismo...contínuos.

= Talvez esteja a mudar o conceito e a prática do sindicalismo, pois muitos dos direitos adquiridos podem ser postos em causa...até pelo simples facto de poder perigar o posto de trabalho, senão houver uma razoabilidade de adaptação às novas funções e/ou ao exercício da atividade profissional. Com efeito, têm de ser alargados os horizontes, tanto da profissão como da função social do emprego, atendendo aos riscos de superação das necessidades de laboração, seja no tempo, seja na qualidade de produção.

= Atendendo a que o fator humano pode entrar em diminuição interventiva, será preciso preparar as pessoas – trabalhadores ou empregadores – para disporem de mais tempo livre, tanto na quantidade como, sobretudo, na qualidade. Isso nunca poderá reverter em ocupação do tempo sobrante em novas atividades laborais (remuneradas ou não), mas antes na valorização humana e cultural de todos os intervenientes no tecido laboral. Deste modo será urgente encontrar novos modelos de emprego, onde o que conta é a dimensão qualitativa e não as mais-valias de quem emprega ou que trabalha...

= Seria quase um aviltamento da nossa condição humana de trabalhadores continuarmos a usar conceitos marxistas do século XIX, quando já superamos muitas das barreiras culturais de antanho. Urge, por isso, mudar o modo de enfrentar até o desemprego e a sustentabilidade do (dito) Estado-social, pois este continua a fazer valer os fatores de produção e não os critérios de participação nos locais de emprego. Não é mais sustentável exigir o pagamento de catorze meses de trabalho (férias e subsídio de natal), quando – como no caso de atividades que tratam com fatores humanos, sociais ou de educação – não há rendimentos para que tais regalias possam ser usufruídas... E isto não é mero liberalismo económico, mas antes bom-senso e sustentabilidade dos postos de trabalho... a médio e a longo prazo. 

= A apelidada ‘economia social’ não pode ser equiparada nem gerida pelas mesmas regras e/ou parâmetros da indústria ou dos serviços, pois aquela está suscetível de perder ‘matéria-prima’ – bastará atender ao ‘inverno demográfico’ – e não conseguirá honrar os compromissos laborais entre entidade empregadora e assalariados... Dá a impressão que se continua a meter na mesma órbita de problemas questões e situações que não podem ser postos em pé de igualdade.

= Numa palavra: daqui a cinco anos – em 2020 – estaremos capazes de sermos regidos pelos critérios supra citados? Quem terá de aprender mais depressa as regras: os mais novos ou os mais velhos? Muita coisa tem mudado e os padrões de leitura continuam a ser idênticos como se nada se tivesse tornado diferente! 

 

António Sílvio Couto