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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Os totalitarismos não serão todos execráveis?

 


«Também este século, que caminha para o seu ocaso, conheceu numerosíssimos mártires, sobretudo por causa do nazismo, do comunismo e das lutas raciais ou tribais. Sofreram pela sua fé pessoas das diversas condições sociais, pagando com o sangue a sua adesão a Cristo e à Igreja ou enfrentando corajosamente infindáveis anos de prisão e de privações de todo o género, para não cederem a uma ideologia que se transformou num regime de cruel ditadura». 

Assim proclamava, em 1998, o Papa João Paulo II, na Bula de proclamação, ‘Incarnations mysterium’ do grande jubileu do ano 2000.
Vem isto a propósito de um incidente ocorrido num programa televisivo, no qual um dos concorrentes, por ocasião de uma ‘prova’ que incluía cantar e representar, teve a infeliz ideia de associar ao ato um gesto conotado com a (apelidada) ‘saudação nazi’
(1)… Segundo ele referiu não sabia o significado nem o alcance histórico daquele gesto, que lhe foi reportado pelos puristas antitotalitários, colhendo, de seguida o fruto de ser expulso, com todas as invetivas de comentadores…para já só televisivos.
E se, em vez daquela referência ao nazismo com o gesto que lhe está associado, fosse usado o ‘punho fechado’
(2), tipificado pelas forças mais de cariz marxista, haveria idêntica sublevação, tanto no programa como nas hostes televisivas? Será que há totalitarismos péssimos, menos maus ou até considerados bons? Já percebemos que os extremos serão sempre fatores de divisão e nunca espaços de concordância?
Uma nota de sensibilidade: terá sido inocente que o caso do concorrente tivesse ocorrido, por ocasião do ‘dia internacional da lembrança do holocausto’, que se comemora a 27 de janeiro?
= Voltamos a usar dados com incidência na área da Igreja católica, citando uma intervenção do Papa Bento XVI, em abril de 2008, por ocasião da visita ao ‘memorial dos mártires do nosso tempo’, na cidade de Roma.”Ouvimos o eloquente testemunho dos que, não só no século XX, mas desde o início da Igreja, ofereceram no martírio a sua vida a Cristo, vivendo no amorTambém este século XXI se abriu sob o signo do martírio”. De seguida o Papa recordou os cristãos “mortos sob a violência totalitária do comunismo, do nazismo, dos mortos na América, na Ásia e Oceania, na Espanha e México”.
Não andaremos a ser manipulados por fautores do totalitarismo, seja qual for a ideologia ou a coloração? A quem interessa branquear os atos de uns e trucidar os gestos de outros? Não haverá muita incongruência intelectual em fazer de alguns vítimas e de outros heróis? Será que a morte tem adjetivos benéficos, se praticada por quem for da nossa simpatia mental e/ou ideológica?
Mesmo que forma sucinta deixamos números que nos devem fazer refletir, envergonhar e, sobretudo, não sermos faciosos ou servidores da mentira quando convém.
Eis situações de vítimas: do nazismo (desde 1932 e em especial na segunda guerra, 1939-1945) – 20 milhões, envolvendo judeus, soviéticos, polacos, ciganos, deficientes, testemunhas de jeová, homossexuais, etc; do estalinismo (1922-1953) – 20 milhões, através de expurgações, extermínios, campos de trabalhos forçados (gulags); de Mao Tsé-tung (1945-1976) – de 50 a 70 milhões, através de expurgos políticos e execuções em massa; outros pequenos ‘ditadores’ foram adotando algumas destas formas ideológicas e para vingarem foram fazendo as suas vítimas, descobertas quando derrubados os sistemas que lhes davam cobertura… Por exemplo: Coreia do Norte, Cuba, Albânia, Venezuela…

Num tempo onde ainda pontificam forças do ‘reviralhado’ parece ser difícil que, quem não alinha pelo seu diapasão, seja aceite como minimamente democrata. Não será isto totalitarismo?
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1. ‘Saudação nazi’ - é uma variação da saudação romana, adotada pelo partido nazista como um sinal da lealdade e de culto da personalidade de Adolf Hitler. Ganhou popularidade concomitantemente com a ascensão de Hitler. Consiste em esticar o braço direito no ar com a palma estendida para baixo. A ‘saudação romana’ é uma saudação em que o braço é levantado para a frente, com a palma da mão para baixo. O braço pode ficar paralelo ao chão ou não – por vezes com o braço mais ou menos erguido. Apesar do nome do gesto, desconhece-se se os romanos o usavam como cortesia militar.
2. ‘O punho erguido/cerrado’ é um símbolo de solidariedade e apoio. Também é utilizado como uma saudação para expressar unidade, força, desafio ou resistência. A saudação parece remontar à antiga Assíria como um símbolo de resistência em face da violência. É usado principalmente pelas forças de ‘esquerda’, marxistas e comunistas…

António Sílvio Couto

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