«Também este século, que caminha para o seu ocaso, conheceu numerosíssimos mártires, sobretudo por causa do nazismo, do comunismo e das lutas raciais ou tribais. Sofreram pela sua fé pessoas das diversas condições sociais, pagando com o sangue a sua adesão a Cristo e à Igreja ou enfrentando corajosamente infindáveis anos de prisão e de privações de todo o género, para não cederem a uma ideologia que se transformou num regime de cruel ditadura».
Assim proclamava, em 1998, o Papa João Paulo II, na Bula de proclamação,
‘Incarnations mysterium’ do grande jubileu do ano 2000.
Vem isto a propósito de um incidente ocorrido num programa televisivo, no qual
um dos concorrentes, por ocasião de uma ‘prova’ que incluía cantar e
representar, teve a infeliz ideia de associar ao ato um gesto conotado com a
(apelidada) ‘saudação nazi’ (1)… Segundo ele referiu não sabia o
significado nem o alcance histórico daquele gesto, que lhe foi reportado pelos
puristas antitotalitários, colhendo, de seguida o fruto de ser expulso, com
todas as invetivas de comentadores…para já só televisivos.
E se, em vez daquela referência ao nazismo com o gesto que lhe está associado,
fosse usado o ‘punho fechado’ (2), tipificado pelas forças mais de cariz
marxista, haveria idêntica sublevação, tanto no programa como nas hostes
televisivas? Será que há totalitarismos péssimos, menos maus ou até
considerados bons? Já percebemos que os extremos serão sempre fatores de
divisão e nunca espaços de concordância?
Uma nota de sensibilidade: terá sido inocente que o caso do concorrente tivesse
ocorrido, por ocasião do ‘dia internacional da lembrança do holocausto’, que se
comemora a 27 de janeiro?
= Voltamos a usar dados com incidência na área da Igreja católica, citando uma
intervenção do Papa Bento XVI, em abril de 2008, por ocasião da visita ao
‘memorial dos mártires do nosso tempo’, na cidade de Roma.”Ouvimos o eloquente testemunho dos que, não só no século XX, mas desde
o início da Igreja, ofereceram no martírio a sua vida a Cristo, vivendo no amor…Também este século XXI se abriu sob o signo
do martírio”. De seguida o Papa recordou os cristãos “mortos sob a violência totalitária do comunismo, do nazismo, dos mortos
na América, na Ásia e Oceania, na Espanha e México”.
Não andaremos a ser manipulados por fautores do totalitarismo, seja qual for a
ideologia ou a coloração? A quem interessa branquear os atos de uns e trucidar
os gestos de outros? Não haverá muita incongruência intelectual em fazer de
alguns vítimas e de outros heróis? Será que a morte tem adjetivos benéficos, se
praticada por quem for da nossa simpatia mental e/ou ideológica?
Mesmo que forma sucinta deixamos números que nos devem fazer refletir,
envergonhar e, sobretudo, não sermos faciosos ou servidores da mentira quando
convém.
Eis situações de vítimas: do nazismo
(desde 1932 e em especial na segunda guerra, 1939-1945) – 20 milhões,
envolvendo judeus, soviéticos, polacos, ciganos, deficientes, testemunhas de
jeová, homossexuais, etc; do estalinismo
(1922-1953) – 20 milhões, através de expurgações, extermínios, campos de
trabalhos forçados (gulags); de Mao
Tsé-tung (1945-1976) – de 50 a 70 milhões, através de expurgos políticos e
execuções em massa; outros pequenos ‘ditadores’ foram adotando algumas destas
formas ideológicas e para vingarem foram fazendo as suas vítimas, descobertas
quando derrubados os sistemas que lhes davam cobertura… Por exemplo: Coreia do
Norte, Cuba, Albânia, Venezuela…
Num tempo onde
ainda pontificam forças do ‘reviralhado’ parece ser difícil que, quem não
alinha pelo seu diapasão, seja aceite como minimamente democrata. Não será isto
totalitarismo?
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1. ‘Saudação nazi’ - é uma variação
da saudação romana, adotada pelo partido nazista como um sinal da lealdade e de
culto da personalidade de Adolf Hitler. Ganhou popularidade concomitantemente
com a ascensão de Hitler. Consiste em esticar o braço direito no ar com a palma
estendida para baixo. A ‘saudação romana’ é uma saudação em que o braço é
levantado para a frente, com a palma da mão para baixo. O braço pode ficar
paralelo ao chão ou não – por vezes com o braço mais ou menos erguido. Apesar
do nome do gesto, desconhece-se se os romanos o usavam como cortesia militar.
2. ‘O punho erguido/cerrado’ é um símbolo
de solidariedade e apoio. Também é utilizado como uma saudação para expressar
unidade, força, desafio ou resistência. A saudação parece remontar à antiga
Assíria como um símbolo de resistência em face da violência. É usado
principalmente pelas forças de ‘esquerda’, marxistas e comunistas…
António Sílvio Couto
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