Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

Empregada doméstica... a caminho dos altares

No passado dia 18 de junho foi dado início ao processo, em ordem à beatificação, de Salvadora del Hoyo Alonso. Esta mulher nascida em Castela, Espanha, em 1914... veio a falecer, em Roma, no ano de 2004. Viveu todo este tempo como ‘empregada doméstica’ entre Madrid e, posteriormente até à morte, em Roma. Esta mulher simples serviu, desde 1939 – época da guerra civil em Espanha – várias famílias e serviços do ‘Opus Dei’, ao qual aderiu, em 1946... tendo desde esse ano passado a viver em Roma, onde trabalhou com pessoas de todo o mundo ligadas à ‘Obra’.

Atendendo à singularidade desta pessoa e da função que viveu em santificação, ousamos transcrever excertos referidos naquele ato de caminho para a glorificação nos altares. Disse o prelado do ‘Opus Dei’: «Estou cada vez mais convicto do papel fundamental que esta mulher teve e terá na vida da Igreja e da sociedade. O Senhor chamou Dora del Hoyo a ocupar-se de tarefas semelhantes àquelas que foram cumpridas por Nossa Senhora na casa de Nazaré (...). O exemplo cristão desta mulher, com a sua fidelidade à vida cristã, contribuirá para manter vivo o ideal do espírito de serviço e para difundir na nossa sociedade a importância da família, autêntica Igreja doméstica, que ela soube encarnar com o seu trabalho diário, generoso e alegre».

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Num tempo ávido de figuras com protagonismo – real, empolado ou virtual; credível, irónico ou ideal; sincero, possível ou fabricado – como que temos de intuir nesta mulher que se santificou na ‘vida doméstica’ algo mais do que a promoção de um elemento do ‘Opus Dei’, mas antes nos devemos situar diante duma cristã com lições de vida normal, nas tarefas do dia a dia e sob a condição de simplicidade sem artifícios ou armadilhas...

= Quando vemos que tanta gente se encavalita para aparecer, seja qual for o palco ou mesmo o plano de difusão, torna-se urgente que se promova quem vive, por opção de vida, na sombra, embora seja mais do que a imagem projetada ao sabor dos interesses de ocasião!

= Quando vemos até certos purpurados – no contexto eclesial (civil ou militar) e não só – fazerem alardo da discordância, em vez de serem promotores da concórdia, tanto na vida de proximidade como no contexto nacional, consideramos que exemplos de mulheres como esta são desafios à humildade sem rótulo nem condecoração, agora ou no futuro!

= Quando vemos uns tantos indícios de assalto à família, empurrando as mães para tarefas (ditas) importantes, mas um tanto descartáveis da sua feminilidade,  sentimos que esta mulher ‘a caminho dos altares’ nos dá lições de cuidado aos outros sem protagonismo nem (talvez) não usufruindo de uma remuneração correspondente à atenção aos que estavam à sua volta!

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Mesmo que duma forma um tanto simples como que podemos colher algumas lições para a nossa vida, tendo em conta o que foi dito da vida de Dora del Hoyo:

- A santificação no nosso dia a dia, fazendo o trabalho que nos é dado realizar e nas condições em que somos chamados a viver;

- Estar em atitude de serviço, fazendo das pequenas coisas, grandes momentos de partilha e de edificação para com os outros;

- Dedicação ao trabalho – seja qual for a ‘categoria’ ou até a (pretensa) remuneração – como meio de comparticipação na obra criadora de Deus, hoje;

- Viver o momento presente como etapa de maior crescimento humano, espiritual e cultural.

Pelo muito que temos a aprender, queira esta venerável interceder por nós, já!

  

António Sílvio Couto

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Futebol sem fé ou fé no futebol?

Por estes dias tem estado a decorrer, na Polónia e na Ucrânia, o europeu de futebol em seleções seniores. De 9 de junho a 1 de julho, a toda a hora e momento há coisas do futebol nos meios de comunicação social:   preparação dos jogos, transmissão das partidas, debate de táticas e de resultados... e mesmo as conjeturas sobre as mais díspares questões que o futebol faz emergir...

Este epifenómeno do futebol envolve paixões e interesses, move multidões e milhões na economia, cria expetativas e dilui decepções, gera entusiasmo nas vitórias e obriga à gestão das tristezas nas derrotas, catapulta os vencedores e como que avilta os vencidos... arrasta muito público e faz dos bestiais bestas (e vice-versa) em segundos, serve de bandeira nacionalista ou de arma de arremesso entre adversários políticos/partidários ou regionais, dizem que parece servir para branquear uns certos dinheiros sujos ou também de alçapão para habilidosos em maré de (in)sucessos...

Há quem introduza Deus e a religião nas coisas do futebol, atribuindo as vitórias à proteção divina – como se as derrotas fossem devidas a algum castigo! – exibindo mesmo imagens e gestos de devoção antes, durante e depois dos jogos. Por seu turno, outros parecem envergonhar-se da sua (pretensa ou possível) fezada quando estão em público, como se isso pudesse tornar-se uma manifestação de debilidade e/ou de reconhecimento de que as suas forças não precisam (ainda) do divino...

Como ‘liturgia’ o futebol tem ritos e cerimoniais muito próprios e que, por serem tão difundidos, quase o torna uma religião, gerando até a adaptação de termos que são usados nas várias religiões tradicionais: quando se apelida um estádio de ‘catedral’, um certo chefe de clube de ‘papa’ e outro de ‘cardeal’, os patrocinadores de ‘padrinhos’, as designações clubísticas com epítetos neo-pagãos (sob figuras e símbolos mitológicos), os adeptos com ritmos de comunhão entre os idênticos e inimizade para com os adversários... Cresce, deste modo, uma nova religião onde a mística se faz à custa de envolvências coloridas e as próprias cores manifestam mais do que a identidade das equipas em confronto.

Por vezes o futebol – e quanto com ele está relacionado – torna as pessoas quasi-irracionais. Com efeito, temos visto e ouvido pessoas com instrução, com cargos de relevo e profissionais de destaque na sociedade que ficam, emocionalmente falando, transtornadas com a sua clubite, defendendo posições quase bizarras e sem qualquer lógica humana e mesmo intelectual. Enquanto fenómeno que se arrasta por paixões, o futebol precisa de ser mais estudado e, cada um de nós que possa gostar deste desporto, terá de se deixar analisar para se conhecer melhor e para que os outros nos conheçam tão bem... como somos.

= Breves questões em maré de campeonato europeu... e para depois dele:

- Não será o futebol uma alienação coletiva e uma espécie de suporte em engano para as dificuldades sociais?

- Como poderá um jogo de futebol contribuir para o bem-estar de um povo em depressão e desemprego?

- Seremos mais solidários na vitória ou na derrota?

- Como poderemos viver as agruras da vida se não houver vitórias no futebol?

- Será a vida como um jogo ou um jogo poderá alimentar a vida?

- Com tantos lamentos económicos como poderemos entender os estádios (quase sempre) cheios?

- Haverá critérios de conduta no e pelo futebol que possam ajudar os mais frágeis da nossa sociedade?

- As manifestações de alegria/tristeza veiculadas pelo futebol são reais ou ilusórias?


Porque há vida para além do futebol e do campeonato europeu, a decorrer na Polónia e na Ucrânia, temos de aprender a refletir mais sobre este fenómeno de massas... sócio-económico/religioso!


António Sílvio Couto

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Seis mil euros/anuais... por estudante

Em 2010/11, cada estudante do ensino superior custou, anualmente, cerca de seis mil euros. Atendendo aos dados revelados por um estudo universitário, divulgado, por estes dias, podemos inferir que cada estudante do ensino superior (universitário ou de outro grau académico com idênticas exigências... ao nível teórico) custou ao Estado  três mil e seiscentos euros... num universo de mais de trinta mil utentes/clientes desta fase de instrução... comparticipando, por seu truno, o setor privado (estudantes e famílias) com mais de sessenta por cento dos custos.

Diante destes números como que temos refletir sobre vários aspetos subjacentes à questão e de nos perguntarmos sem receio sobre outros problemas mais profundos:

= Ao vermos o esforço e o sacrifício de tantas famílias para que os seus filhos e outros parentes possam usufruir de maior capacidade de instrução, perguntamos:

- Os nossos estudantes sabem aproveitar, devidamente, este esforço das suas famílias e mesmo dos contribuintes em geral?

= Quando vemos muitos dos nossos estudantes a gastarem muitas das suas energias mais em festas e em divertimentos do que nos estudos, perguntamos:

- Com certos forrobodós – semanas académicas e queimas das fitas, recepções ao caloiro e rituais de final de curso – poderemos levar a sério quem prepara o seu futuro com tais comportamentos?

= Quando vemos uma maior promoção de atividades extra-curriculares do que a atenção dada aos estudos, como que inquirimos:

- Certos adereços (pretensamente) estudantis – como tunas e até torneios desportivos, seja qual for a modalidade – servem de cobertura ou de distração para quem estuda?

= Perscrutando mais ou menos como funcionam certos mecanismos estudantis, temos de ser minimamente sérios no trato dos gastos de cada estudante e, por isso, perguntamos:

- Quando vemos crescer mais a copofonia entre os mais novos do que a propensão para o estudo, qual será a futuro das gerações agora cambaleando sob efeitos etílicos?

= Com tantos interesses em jogo à volta da classe estudantil, sobretudo, no âmbito de ensino superior, como que ousamos perguntar:

- Quem faz a gestão – órgãos diretivos e projetos de valorização em classe, categoria e formação – destes ingredientes não estará a explorar as fragilidades dos ‘estudantes’ em vez de os concentrar na sua valorização mínima e suficiente?

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Precisamos de ter ideias claras, distintas e razoáveis para que não nos andemos a enganar uns aos outros, fazendo de conta que tudo está bem, mesmo que clamando pela tendência para a gratuidade do ensino superior. Diz o povo e com razão que aquilo que é gratuito pode não ser de boa qualidade. Deste modo não podemos valorizar aquilo que valor não tem nem endeusar quem pouco ou nada vale. Precisamos de fazer reverter em favor comum o esforço de que os nossos jovens tenham qualidade na sua formação e na capacitação em serem ainda melhores no exercício das suas profisssões. Não podemos é continuar a pactuar com incompetências nem com gente que pouco mais não sabe do que prolongar, por tempo indeterminado, a adolescência à custa dos sacrifícios alheios. Urge, por isso varrer das escolas de ensino superior quem não estuda e ajudar quem, por seu turno, quer crescer na sua valorização cultural, servindo os outros. Com efeito, mais do que um custo o estudo é um investimento, seja qual for o curso ou a escola. Assim consigamos criar condições para promover os melhores e relegar para a berma quem não presta, porque explora os familiares e até os contribuintes!... Faça-se a seleção, já e depressa!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 7 de junho de 2012

30% de crianças carenciadas... em Portugal


Segundo  dados de um relatório da Unicef, publicado por estes dias, três em cada dez crianças, em Portugal, vivem em situação de carência económica. Embora os dados sejam de 2009 – hoje talvez estejamos muito pior! – tudo poderá ainda agravar-se mais se tivermos na devida conta que os parâmetros de avaliação tendem a situar-nos na cauda dos países da União Europeia... piores do que nós só a Letónia, a Hungria, a Bulgária e a Roménia.

O estudo da Unicef avaliou a situação financeira e habitacional, a alimentação e o vestuário, a educação e os tempos livres, a ‘comunidade’ (onde se incluem ítens como o ruído, a poluição e a criminalidade) e o ‘social’, que engloba festas, amigos e viagens escolares das crianças...

Segundo os investigadores da Unicef, é considerada “carenciada” uma criança que não tem acesso a duas ou mais das 14 variáveis de base, tais como três refeições por dia, um local tranquilo para fazer trabalhos de casa, livros educativos em casa, uma ligação à internet... ter pelo menos dois pares de calçado, possibilidade de celebrar, por exemplo, o aniversário...

Em Portugal, o maior problema é ao nível financeiro, atingindo 43,3% das crianças, seguindo-se a questão dos tempos livres (29,4%), do problema ‘social’ (26,4%) e temática da educação (25,8%).

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- Quando vemos crescer uma certa rotina da valorização dos animais em detrimento das crianças, não estaremos a construir uma sociedade sem filhos, sem futuro e sem saída?

- Quando vemos crescer o espaço, nas áreas comerciais e em grandes superfícies de distribuição, para alimento de animais em detrimento dos cuidados das crianças, não estaremos a cavar a nossa desgraça à custa dum certo bem-estar egoísta?

- Quando vemos florescer a aposta no filho único e se faz, por seu turno, o cultivar do passeio, a preferência pelas férias ou por um carro melhor, não estaremos a lançar fogo à consolidação da família e dos critérios altruístas mais mínimos?

- Quando vemos as pessoas serem tratadas como clientes (sejam as crianças ou os velhos), sobretudo numa agora atualizada linguagem da segurança social, não estaremos a fomentar, particularmente, uma visão utilitária das pessoas, tornando-as números e parcelas de um lucro/prejuízo nessa tal mentalidade economicista?

- Quando nos apercebemos de que há tantos interesses materialistas e ideológicos, que vão vingando a sua perspetiva em irem fazendo da pessoa humana uma mera peça da engrenagem hedonista, não estaremos a reduzir-nos  (mesmo que inconscientemente) à simples aritmética do capitalismo liberal ou de socialismo de Estado...  sem pátria, sem rosto e sem nome?

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Por isso, ousamos dizer – cuidado:

= porque estão a tirar o coração aos nossos filhos, sugando-lhes o sentido da vida, mesmo que estejam a dar-lhes coisas, mas que não saciam a vontade mais profunda do ser humano: ser feliz com os outros, abrindo-nos à dimensão do divino em nós.

= porque também não será com festivais de música (seja qual for o estilo, a frequência ou a influência) nem com representações romanas ou medievais revivalistas que daremos sinais de dignidade às crianças de hoje, que serão os homens/mulheres de amanhã.

= porque importa ter como horizonte de visão mais do que o alcance dos pés da estátua, urge, portanto, valorizar as vivências que perduram pela vida fora mais do que as sensações do momento epicurista.

De fato, na medida em que vivermos com o olhar na meta do mais alto, do mais longe e do mais profundo, seremos capazes de cativar outros para a sua inesquecível vivência... em Deus e pela Igreja.



António Sílvio Couto