Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 30 de junho de 2014

Mudança. Que mudança? Com quem? Para quê?




«Vota na mudança». Esta frase foi espalhada – como slogan partidário – por ocasião das eleições para o Parlamento Europeu… que já foram há mais de um mês. Ao tempo tal era entendido para que houvesse um voto de novidade sobre o que se vivia (e vive) no espetro político/partidário… português, mas, bem depressa, o desejo de mudança se transferiu para o interior do partido que tal desejava… dos outros.
 

= Pelo que temos visto e ouvido, algo correu mal, desde a proposta de mudança até à mudança que é proposta. Parece que já não basta vencer para continuar à frente dos destinos de certos grupos e partidos. As posições estão a extremar-se, gerando-se ataques e insinuações; (re)criando fações e golpes; acirrando as hostes e menosprezando as vitórias…
 

= Quem vê do exterior – não sabemos se será um partido de vidro ou com telhados de vidro! – como que ficamos aterrorizados sobre as artimanhas da conquista do poder e das múltiplas manobras para a ele chegar, derrubando tudo e todos, desde que sejam os da minha simpatia a reinar… antes agora do que mais tarde. Como é que um punhado de senhores e um conjunto de outras tantas senhoras – atendendo à dita paridade – conseguem fazer valer a sua visão ideológica e não têm na devida conta os interesses da grande Nação… dentro e fora dos limites territoriais?

 
= Há gestos e sinais que revelam alguma preocupação… sobretudo para quem deve ter em vista o país e não o simples quadro partidário e ideológico. Ora, numa formação partidária que oscila entre a rosa e o punho cerrado, qual será a mais necessária (agora e no futuro) para o país? Num partido que vive ao ritmo da ascensão ao poder, como saberemos se este é serviço ou não se torna numa mera forma de conquistar para derrotar opositores e adversários?

 
= Ao vermos certas figuras de um de outro lado da competição – dizer ‘barricada’ poderia ser mais correto, mas deixaria antever trincheiras, disparos e feridos – como que sentimos que, em tempos de crise, as posições têm tendência a exagerar a visão de cada qual dos competidores, mas – sabe-se lá os meandros da disputa – acaba a batalha e todos vão confraternizar na expetativa de partilharem o poder e os seus benefícios…num futuro mais ou menos próximo!

= Mutatis mutandis… outros farão o mesmo percurso, brevemente!

Deixem que termine esta espécie de reflexão com o recurso a uma leitura bíblica, citada de memória mas colocando a alusão no texto sagrado (Jz 9,7-20): Quiseram as árvores encontrar alguém que aceitasse ser seu rei. Falaram à oliveira para que fosse ela a reinar e, desculpando-se, não aceitou renunciar à fragância de seu óleo. Procuraram cativar a figueira para que reinasse sobre todas as árvores e esta não quis renunciar à doçura dos seus frutos. Aproximaram-se da videira para que fosse ela a reinar sobre todas as árvores e, também esta, não quis perder o encanto do seu vinho para se sujeitar àquela honraria. Por fim, «todas as árvores disseram ao espinheiro: ‘vem tu reinar sobre nós’. Disse o espinheiro às árvores: se é de boa mente que me ungis rei sobre vós, vinde abrigar-vos à minha sombra; mas, se não é assim, sairá do espinheiro um fogo que há de devorar os cedros do Líbano».

É verdade: ao vermos certas competições e lutas – muitas delas intestinas e viscerais – como que sentimos que esta alegoria bíblica retrata o comportamento de algumas figuras e denuncia o arranjo de outros tantos figurões, seja qual o espaço que ocupem ou as instâncias em que desenvolvem suas (grandes) tarefas e competências e/ou competições.

Perguntamos: que mudança querem fazer – de atitude ou de personagens?

Com quem querem fazer essa mudança: com novos atores ou com uns recauchutados e/ou ressabiados?

Para que querem fazer a tal mudança: para mudar as moscas ou o modificar o conteúdo?      

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Modelo (de moda) torna-se freira!


Foi notícia por estes dias – e temos de aproveitar a vaga de exposição, pois bem depressa sai do rol de importância no leque de coisas que se dizem e sobrepõem noticiosamente – uma modelo e atriz galega – de seu nome Ollala Oliveros, de 36 anos – decidiu deixar as sessões fotográficas e as filmagens para se juntar à Ordem de São Miguel… Segundo parece tudo terá começado depois de uma visita ao santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal.

Seriam dignos de registo os comentários a esta notícia, não tivessem os ditos comentadores uma razoável espécie de brejeirices e outras tantas observações de natureza preconceituosa e eivada de teias de ignorância… em tantos e tão diversos intervenientes.
 

De fato teremos de perguntar que leva alguém – particularmente mais ou menos bem sucedido/a – a deixar essa fama para se entregar a Jesus? Porque será que outros se interrogam e não fazem o mesmo? Por onde andará o coração e a vida de tanta gente, que, um dia, descobre Jesus e deixa tudo por Ele? Não será que gestos como o desta modelo valem por milhentas pregações e ações de promoção vocacional? Como foi interpelante a presença daqueloutra freira italiana, que venceu um concurso musical… fazendo com que todos rezassem na televisão o ‘Pai nosso’!

 
Desculpem-me a ousadia, mas coloco três pequenos aspetos, que reputo de essenciais, para uma nova e renovada vivência da fé católica: conhecer Jesus, descobrir o Espírito Santo e viver a comunidade.

= Conhecer Jesus – De verdade temos muitos batizados não evangelizados e que até andam pelos espaços das nossas igrejas e capelas (estas no sentido físico e metafórico), mas que mais parece só terem uma espécie de verniz religioso, que bem depressa estala à mais pequena contrariedade ou não consonância com os seus interesses… nem sempre claros e sérios.

Quantas vezes se situam os conhecimentos de Jesus nos rudimentos de uma primeira comunhão (quase) social, onde os fatos (roupa) foram mais importantes do que o encontro com Jesus… segundo a sua idade, mas a desenvolver ao longo de toda a vida. Quantas vezes não se desenvolve um conhecimento amadurecido de Jesus, mas antes se fixa num certo ritualismo e numa fé popularizada… à espera ainda de uma oportunidade de enraizamento na Palavra de Deus.


= Descobrir o Espírito Santo – Urge fazer a experiência da presença do Espírito Santo na vida das pessoas e das comunidades (tendo estas muitas versões, possibilidades e interpretações), por forma a que se compreenda o sentido de muitas coisas e até da própria Igreja. A tal ‘primavera da Igreja’ desejada pelo Papa S. João XXIII já terá chegado? Não será que temos medo de que o Espírito Santo entre na nossa vida e nos faça converter, de verdade? Não será que o Espírito Santo precisa de arrumar à sua maneira aquilo que nós pensamos ser a nossa forma de O manipular… pastoralmente?


= Viver a comunidade – Quem vir os muçulmanos posicionarem-se para a oração, vê-os a construir a assembleia da frente para trás, como se fossem um exército em combate. Pelo contrário, na maior parte das nossas assembleias católicas dá-se outro fenómeno: as pessoas colocam-se de trás para a frente, deixando, na maior parte dos casos, largos fossos uns entre os outros… ou, sei lá, uns contra os outros! Embora a fé cristã seja fortemente de dimensão comunitária, a vivência da maioria dos cristãos/católicos denota um razoável egoísmo, senão mesmo individualismo exacerbado.  


O exemplo daquela jovem modelo poderá e deverá servir-nos de testemunho – encontro com Deus e edificação dos outros – para sermos, neste tempo e cada um no lugar onde estiver, o sinal de Jesus na força do Espírito Santo, fazendo comunidade de irmãos na fé e pela cidadania.

 

 António Sílvio Couto

terça-feira, 17 de junho de 2014

Deus te dê o dobro daquilo que me desejas!


Estava exposta, em tempos não muito recuados, nalgumas casas comerciais, em mercearias ou em tabernas e noutros locais públicos esta frase: ‘Deus te dê o dobro daquilo que me desejas’!

Muito embora possa parecer uma provocação, esta frase tem algo de muito justo, criando com tal justiça consequências para com deseja seja o que for para outrem. Sabemos, no entanto, que – dadas as circunstâncias e atendendo aos clientes – esta frase pode ainda conter algo que levará o que deseja a ter cuidado com aquilo que possa desejar, sobretudo se for algo de mal… caindo-lhe nos resultados o que deseja a quem malquer.

Façamos breves exercícios para que aquela frase possa servir de mote e de guia de conduta para outros… onde muitos mais se podem incluir em avaliação:

- Estamos, por estes dias, a viver sob a ocorrência do mundial de futebol: se desejamos a derrota dos adversários ela pode reverter-se sobre o desempenho daqueles com quem simpatizamos ou apoiamos…

- Na competição partidária, se os concorrentes – mesmo dentro do mesmo espaço – não se sabem respeitar na exposição das ideias, como poderão ser aceites se maldizem tudo e todos… e talvez até a própria sombra!

- No contexto familiar, se todos e cada um dos membros da família não se apoiarem e não tecerem laços de comunhão – muito para além das meras relações de sangue – será difícil de sobreviver, de conviver e mesmo de manter-se ligado por muito mais tempo…

- Nas relações laborais, onde a confiança e o bom desempenho nem sempre norteiam quem trabalha (ser empresário também é trabalho!), seria como que viver em estado de guerrilha, se se tornassem viciadas as formas de ser e de estar… tentando subtrair o que poderia (e deveria) acontecer em multiplicar…pelo bom entendimento e salutar participação!

- Na vida social (económica/financeira, cultural/educacional, privada/pública…) vemos proliferarem imensos casos de alguma negligência e/ou de intolerância, criando razoáveis franjas de periferia, por onde tem de passar a compreensão da solidariedade, da benevolência e mesmo da correta presença em cuidado de uns pelos outros, deixando que caiam as máscaras do desprezo e nos olhemos com humanismo…

- Nos espaços eclesiais, tendo em conta a diversidade de entendimentos e (sabe-se lá) de pretensões, como será complexo tentar explorar a divisão, se crescer a desconfiança… com facilidade ruirá seja o que for, se os participantes não forem sinceros, leais e minimamente humildes…

= Se todos soubéssemos desejar e dar aos outros o dobro daquilo que pretendemos para nós, seríamos capazes de construir uma sociedade mais justa e fraterna, mais acolhedora e de paz, colocando mais os outros no centro do nosso trato e menos a nós mesmos, que, de tantas e tão variadas formas, nos arrogamos de imprescindíveis para a adulação, mas, em tantos outros momentos somos negligentes na correta ação em favor dos mais desfavorecidos tanto de pão como de carinho e mesmo de um gesto simples de atenção…

= Porque acreditamos que a fé cristã tem capacidade de se fazer presente e solidária – muitas vezes suprindo o que ao Estado é obrigação – fazemo-nos eco dum espetáculo do Coral Luísa Todi – intitulado: ‘fado em coro’ – que se realizou, na Praça de Touros, na Moita, no dia 14 de junho p.p. e que conseguiu recolher donativos para que algumas ações da caridade da paróquia possam continuar a sua missão… Que Deus dê a quem se disponibilizou a estar, o dobro daquilo, que deram ou quiseram partilhar! 

 
António Sílvio Couto

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Na escola da ‘dona Inércia’?


A dita de ‘dona Inércia’ é uma figura da publicidade de um banco. Criada, para uma campanha, no ano passado, pretende retratar a resistência – aqui designada de ‘inércia’ – à mudança de banco, acomodada no seu dia-a-dia e sem disposições para fazer grandes esforços… Mais recentemente esta ‘dona inércia’ foi associada a um grande jogador de futebol para uma outra campanha ‘Cr 100’, que junta o útil ao rentável… em que, por um lado poupa e por outro rende!

Não nos interessa esmiuçar a dita campanha do banco nem sequer usaremos as figuras de suporte da publicidade, mas antes tentaremos lançar breves flaches sobre uma razoável inércia em tantos campos do nosso tempo, do nosso mundo e do nosso espaço de vivência humana, cultural e mesmo religiosa.

Ora, quando recolhia elementos em ordem a organizar a minha reflexão, encontrem estes dados: a associação ‘Alcoólicos anónimos’ recebeu, no ano passado, através de contato telefónico mais de quatro pedido de ajuda por dia… Por seu turno, a venda de carros penhorados por dívidas fiscais, nos primeiros meses deste ano, subiu cerca de sessenta e dois por cento (num total de 23.586 veículos), por comparação com idêntico período do ano passado.

Encontramos nestes dados duas das muitas vertentes… de inércia, que deveriam merecer alguma reflexão da nossa vida pessoal, familiar, social e mesmo cultural.

 = De fato, cresce a olhos vistos o recurso ao álcool como lenitivo ou engano nas horas de dificuldade. Teremos mesmo a curto prazo uma nova vaga de alcoolismo, onde os mais novos são vítimas e promotores. Considero que até ao ano de 2020, teremos uma juventude alcoolizada pelas mais diferentes razões, entrando numa inércia e acomodação que vai deixar rasto por bastante tempo. Se não atalharmos esta situação pagaremos muito caro este fechar de olhos à situação presente. Com efeito, muitos dos adolescentes e jovens (nalguns casos ainda as crianças) passam muito do seu tempo de diversão na bebida desregrada… e só muito tarde é que os pais se apercebem disso… nos seus filhos e filhas!

= Sobre a situação fiscal temos algo mais grave também, na medida em que as dívidas acumulam e bem depressa suplantam a capacidade de resolução. O arresto de bens é uma fórmula rápida de solução, mas isso não impede de as pessoas continuarem na inércia de não ir ao fundo do problema. Há situações que precisam de planeamento para não voltar ao mesmo. Ora muitas pessoas chegaram à situação de incumprimento por falta de programação e de avaliação das suas capacidades. Vivemos na era do despesismo e do endividamento galopante… como se fossem – nalgumas mentalidades – os outros que têm de pagar as pretensões imoderadas do consumismo desenfreado. Entramos numa inércia de não quer dar parte de não ter ou de parecer não ter e colocou-se muita gente à deriva do controle das suas frágeis economias…

 = Vejamos outros campos onde a inércia como que obstaculiza uma certa mudança, tanto de atitude como de mentalidade cultural:

. Trabalho – sindicalismo: tanta gente que vive ainda numa visão quase feudal do trabalho, criando suseranos e servos da gleba dos tempos atuais, onde certos dirigentes (patrões e pouco empresários; sindicalistas e afins) continuam a parecerem donos dos destinos alheios e não poderem ser contestados, pois têm poder sobre o estômago dos outros…

. Religiosidade – ética – consciência: há pessoas cuja vida está submetida a espartilhos da não libertação, onde um certo Deus aprisiona e condiciona a vivência da moral, agrilhoando as consciências e os comportamentos. Falta, por vezes, Espírito de vida e de verdade… mesmo que possa ser pregado aos outros. Tal Deus é falso e falsificador… É preciso renovar e converter-se, urgentemente… a começar por mim!

 = Discípulos da ‘dona Inércia’ como solução para as pessoas, não, obrigado!

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 6 de junho de 2014

‘Selfie’ – como interpretar?


‘Selfie’ significa, segundo o dicionário online de Oxford, uma fotografia que a pessoa tirou a si mesma, normalmente com um smartphone ou webcam e que foi colocada numa rede social.

No espaço muito curto – há quem reduza o assunto a um simples ano – este fenómeno cresceu dezassete mil por cento, tornando-se a própria palavra uma das mais usadas na comunicação das pessoas entre si e no conjunto das redes sociais.

Algumas questões podem ou devem ser colocadas sobre a ‘selfie’: será um novo estilo dos nossos dias, uma mania passageira ou conterá algum risco ou perigo esta forma de estar e de viver… com uma linguagem e uma psicologia, uma mentalidade ou uma provocação?

= Selfie: um estilo?

É um fato mais ou menos notório que, meia volta, vemos figuras de índole pública ou pessoas anónimas a recorrer a este modo de auto-fotografar-se… numa posse que, muitas vezes, tem tanto de bizarro, quanto de inestético…publicitando tais façanhas para que outros ‘admirem’ ou, sei lá, invejem as figuras e os figurantes. Há situações e momentos quase ridículos que passam a ser divulgados e que não era preciso que assim fossem postos na praça pública. Há coisas pindéricas que se podem tornar virais – eis um termo que entrou na linguagem para caraterizar assuntos banais com impacto mais alargado – só pela simples razão de saírem da vulgaridade, vulgarizando-se…

Parece haver nisto algo um tanto narcisista, onde cada qual se sente mais belo do que o horror…e que antes era testemunhado somente pelo espelho mais recôndito e secreto! Há já pessoas selfie-dependentes, pois se não aparecem como que deixam de existir! Não estamos a entrar numa certa cultura da superficialidade, que, bem depressa, cairá no âmbito do desdém!.. Talvez seja útil refletir sobre isto e ainda arrepiar caminho… antes de entrarmos num abismo social quase esquizofrénico e de consequências não previsíveis!

= Selfie: mania ou provocação?

Quase não há acontecimento público ou privado onde este fenómeno do selfie não tenha espaço nem tempo: desde o acontecimento familiar ao momento de celebração pública, da figura mais cinzenta à personalidade mais eminente… quase todos se põem a jeito para entrar numa certa mania… reinante.

Será que estamos a entrar numa espiral de futilidades em que quem não fizer parte deste ‘circo’ corre o risco de estar desfasado do mundo em que vivemos? Será que é preciso colocar à mostra a intimidade, quando o que devia era ser resguardada e respeitado o mistério de cada qual? Com tantas ‘selfies’ ainda haverá lugar para o resguardo e o pudor… no sentido ético e cultural?

Neste campo – como em tantos outros que tocam a vida pessoal e da relação com os outros – urge reintroduzir o bom-senso, tanto na forma como no conteúdo. Uma coisa é o que se quer mostrar, outra será o que se pode mostrar. Vergonha, a quanto obrigarias!


= Selfie: risco da devassa?

Nisto, como noutras matérias, não se nasce ensinado, mas temos de aprender a conviver com pessoas equilibradas e com pessoas doentes… à mistura com desequilíbrios emocionais e afetivos, com gente sem valores e onde o ‘vale tudo’ é mais importante do que tudo vale. Não podemos colocar no mesmo patamar pessoas que respeitam os outros e pessoas que exploram os demais. Não podemos incluir na teia das nossas relações pessoas que nos respeitam e pessoas que nos exploram e se aproveitam de nós.

Bem depressa será preciso criar um código deontológico para sabermos com quem nos relacionamos e que, sem nos darmos conta, até nos usa e se aproveita da nossa boa-fé e da nossa pretensa amizade.

Parafraseando poderemos: diz-me com que te fotografas em ‘selfie’ e dir-te-ei quem és ou ainda quem se aproveita de ti!

Selfie: não, obrigado!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

terça-feira, 3 de junho de 2014

(…) Desafios ao perdão!


 
Por estes dias aprendi a ter cuidado com o uso das reticências (…), com que algumas vezes recorro para desafiar, quem tenha a paciência de me ler, em ordem a completar o que queria ou desejava dizer. Pude mesmo, interrogar-me sobre a possibilidade das reticências (…) serem interpretadas em sentido contrário àquilo que, afinal, pretendo dizer… Esta breve explicação pretende interpretar uma parte do título deste escrito, pois as reticências não podem significar resistências ou mesmo relutâncias para com os nossos benevolentes leitores. No entanto, continuarei a usar (…) reticências em ordem a tentar criar alguma participação de quem lê!

Entretanto, na semana finda, numa espécie de preenchimento de certas reticências mais ou menos recorrentes sobre questões que envolvem pessoas mais velhas, tive a grata vivência de participar na resolução duma ‘situação’ – o termo tem tanto de significativo quanto de irónico – de um senhor que teve espaço num lar… depois de um razoável processo que, no mínimo, deveria (quase) envergonhar técnicos e profissionais da área da saúde e da segurança social… tanto os de secretaria como os do terreno…

Deixamos perguntas, pois as afirmações poderiam ser consideradas provocação... Como entender que uma pessoa – no caso um senhor com cerca de sessenta – possa estar quatro meses internado compulsivamente num hospital público (sob erro de diagnóstico), com alta declarada e não se arranje solução, por quem criou o problema? E, quando a solução é (pretensamente) encontrada, como é que se faz tábua rasa dos sentimentos da família? Como comprometer a família (sobretudo de teto), se o que parece interessar são os proventos da reforma, que poderá suportar o pagamento da mensalidade, num hipotético lar?

 

= Justiça ou consciência… cristã?

Pelo que temos visto, escutado e até percebido, o setor dos seniores é, hoje, uma área de negócio, onde quase todos ganham, desde que não se descubra (totalmente) sdcçcomo são feitas as contas… publicitadas. O Estado comparticipa com uma fatia ridícula para cada cidadão que necessite de ser acolhido numa erpi (= estrutura residencial para idosos), um novo nome de dizer ‘lar de idosos’ ou, nalguns casos mais radicais, ‘asilos’…Em tempos houve quem apontasse que um preso custava ao Estado cerca de cinquenta euros por dia e um velho em lar menos de quinze euros diários. As condições de um e de outro setor da vida social estariam, deste modo, desfasadas das razões e desconexas nas consequências…

De algum modo podemos e devemos refletir sobre a avalanche de velhos – o termo não tem conceito depreciativo, mas antes se refere a uma etapa de vida vivida e de saber – nos lares e nas perspetivas de solução a curto e médio prazo. Ainda por estes dias referia a um familiar de um velho acolhido numa erpi de que tenho a responsabilidade de gestão: eles sabem quem cuida deles, mas nós não temos essa garantia de sermos assistidos e cuidados… minimamente!

De fato, é duro colocar um familiar num lar, mas será ainda mais grave não saber como pode sobreviver, se estiver sozinho. É complicado desenraizar alguém do seu espaço de vida, mas será mais grave deixá-lo ao abandono sem haver quem dele cuide.

- Que dizer do trato a dar a alguém que negligenciou os cuidados na hora própria e agora pode ter teto, comida e afeto…

- Que dizer de quem se gastou em favor dos outros – perdoem-me a referência aos padres, sobretudo, diocesanos – e depois não sabe quem cuidará de si… quando estiver mais fragilizado, velho e só…

- Que dizer de tantos pais e mães que tudo deram a seus filhos/netos e pouco mais podem esperar do que andarem de trouxa em sobressalto… para não afligirem a vida ocupada em trabalho e consumo… dos que (até) usufruirão dos bens que lhes deixarem!

 

Pelo que vivi junto de alguém que cuidou de colocar o pai num lar, poderei considerar que só numa cultura e conduta de perdão será possível entender o presente, interpretar o passado e viver o futuro. Ser cristão de verdade a isso exige, conduz e consola, já!       

 

António Sílvio Couto