Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Passar-se para o rival



Há tempos ouvi esta frase: ‘ o senhor é capaz de falar (prometer) quase tudo e o seu contrário’!
Temos, entretanto, assistido a episódios de pessoas – no mundo desportivo e não só – que, num curto prazo se passaram para o campo do rival, que antes combatiam, colocando-se (creio eu), nalguns casos, perante situações de difícil gestão…
Não pretendemos fazer qualquer juízo de valor sobre essa atitude de passar-se para o rival, mas antes tentar interpretar a repercussão que isso tem em quem muda e quais os efeitos nas duas partes que foram trocadas. Com efeito, quantas vezes se terá de engolir – com que dificuldade e mesmo com que humilhação – o que antes foi dito e agora terá que ser desdito. Quantas vezes – sobretudo em épocas de maior tensão – foram tornadas públicas declarações que agora precisam de ser contextualizadas, tanto antes como agora. Quantos momentos podem ter explicação para a mudança, mas que, visto à luz do antes, o agora como que faz corar de vergonha os vários intérpretes… Dir-se-á que os proveitos (económicos ou de promoção) atuais como que enjeitam as consequências de mudar de posição.

= Oportunidade ou oportunismo?
De facto, certas mudanças como que nos fazem questionar sobre as razões mais profundas, pois, se umas são de aproveitar a oportunidade, outras como que colocam a manifesto algum oportunismo. Quando se passa para o rival há como que uma denúncia do campo do adversário, podendo com o conhecimento de onde vem ser mais benéfico para com quem o recebe. Certos conhecimentos, que transporta quem muda, como que se tornam em armas de conquista para quem recebe. Ora isso fará, da parte do trocado, com que tenha de ser feita uma aferição de novos recursos, por forma a que não seja vilipendiado o seu projeto e a sua ação…
Há imensos campos onde tudo isto poderá ser concretizado e muito poucos estarão livres de serem vulneráveis, tanto na forma como no conteúdo…

= Fazer o seu melhor…
Perante estas considerações veio-me à lembrança a estória do empregado que se reformou… e por ser considerado bom trabalhador o patrão quis ter para com ele um gesto de gratidão.
Era um encarregado de construção civil em quem o patrão tinha grande confiança. Um dia, apresentou-se com o desejo de se reformar em breve. Então, o patrão deu-lhe, por última tarefa, a construção de uma vivenda, entregando-lhe um montante de dinheiro que poderia usar à sua vontade. Sabendo que a construção da moradia tinha um determinado custo – dada a sua experiência no ramo – logo fez as contas e, podendo ganhar algum em seu proveito, colocou materiais de menos boa qualidade e com isso ganharia na gestão… Decorrido o tempo necessário para a construção, o encarregado que se ia reformar, entregou a obra feita ao patrão. Este num gesto de simpatia, deu-lhe as chaves da moradia como recompensa pelo trabalho realizado…Mas aquela obra era de má qualidade, pois o encarregado tinha usado materiais de segunda e de terceira… Era a sua recompensa!  
Com efeito, há muitas pessoas que podiam e deviam render mais nas tarefas em que estão colocadas. Há pessoas para quem a preguiça se tem vindo a tornar-se a norma de conduta. Há situações em que podemos ver que nem sempre se põem a render as qualidades e os dons, antes se ficam pelo menor denominador comum, numa apatia contagiante e doentia…manifesta.
Parece que vivemos numa época em que os medíocres ascendem aos lugares de comando e logo colocam à sua volta outros que os adulam para serem também eles promovidos. Deste modo vemos crescer uma certa tortulhocracia – certamente se sabe onde nascem, crescem e se alimentam os tortulhos! – que nivela pelos pés os objetivos e faz com que à sua volta se manifeste pouco mais do que a banalidade. Não será assim que cresceremos em qualidade humana e cultural, psicológica e espiritual.
Urge saber, de verdade, quem somos e o que andamos a fazer, pois o tempo é curto e as oportunidades de fazer o bem em favor dos outros não escasseiam.

António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Pão e jogos…em versão atualizada


Quem vir mais atentamente o comportamento de tantos dos nossos contemporâneos – agravado com a atitude de muitos europeus para com os refugiados – poderá (ou deverá) interrogar-se sobre o nosso modo de estar coletivo diante dos problemas: quase tudo se resume a comer/beber, entretendo-se em festas (com maior ou menor duração)… desde que cada um esteja bem, no seu conceito e conveniência.
Vivemos nessa psicologia de fim-de-império romano do ocidente, no século IV, onde era dado ao povo pão e jogos, não deixando tempo para pensar sobre outros assuntos, desde que houvesse que comer e distrações suficientes.
Tudo isto é ainda mais agravado quando estamos em maré de decidir sobre o nosso futuro coletivo e o que vemos é o criar duma alienação tal que votar não parece fazer parte das preocupações mais essenciais…embora, depois, se reclame das medidas dos governantes, sejam eles quem forem.

= Perante estes factos e tantos episódios como que nos ficam algumas perguntas: Onde está o sal do cristianismo, que revigorou aquele tempo de promiscuidade? Vê-se alguma diferença entre os crentes e os materialistas? Que paixões se pretende desencadear para que seja mais fácil vencer os incautos? Onde está a dita ‘crise’ com tanta abundância de exageros? Haverá rigor – termo bem mais acertado do que o de austeridade – na gestão do orçamento familiar ao ver certos comportamentos públicos? Os gestores das coisas públicas (governo ou autarquias) estarão interessados em dizer a verdade, enquanto o povo andar entretido e distraído? Não deveria haver mais contenção nos gastos, quando vemos tantos outros – refugiados e não só – a sofrer na própria pele as tribulações da fuga aos problemas na terra-mãe? O estado de egoísmo em que vivemos não nos trará consequências terríveis e aterradoras num futuro próximo? O que estamos a semear não vai dar grande colheita…a curto e médio prazo!

= Parece que estamos a viver num tempo em que o que conta é, essencialmente, a satisfação dos interesses próprios, procurando cada qual desenrolar a sua vida (ou será antes ‘vidinha’?) desde que não o impeçam de conseguir os seus intentos. Temos vindo a perder, de forma progressiva, o olharmos para os outros, tornando-os parte da nossa conduta em conjugação num interesse comum e de bem comum. Com efeito, vamos caminhando, cada vez mais, de olhos postos no chão – quais toupeiras à deriva sob a relva fresca – sem nos darmos conta das condições em que tantos dos nossos concidadãos vivem.

= Há hoje comportamentos de pessoas que já foram dadas aos outros, mas que agora se limitam a gerir o horizonte limitado a esta etapa da vida em condição terrena, isto é, conjugando o ‘carpe diem’ epicurista, desde que não se seja incomodado pelos outros. Nem a religião cria mais problemas, até porque também este fenómeno da crença entra na lista das satisfações ‘à la carte’. Quantas vezes temos visto pessoas que estiveram – ao menos na aparência – empenhadas (é diferente de comprometidas) em serviços de Igreja – não o só à expressão católica – mas que se foram desligando até se fecharem no seu mundo – a família costuma ser um dos alibis – quando podiam servir com mais disponibilidade e consciência.

= Como nos têm dito, repetidas vezes, os Papas mais recentes, a nossa religião está centrada na pessoa humana, pois esta tem dignidade mais do que importante para que vejamos os outros como nossos irmãos e não como adversários e tão poucos concorrentes ou muito menos como inimigos. Por isso, os problemas dos outros não são só seus, mas antes nos devemos incomodar, pois eles são parte da nossa caminhada humana e de fé. Diante desta promoção acintosa de ‘pão e jogos’ com que nos vamos entretendo, esta é uma das maiores ofensas à dignidade de tantos cidadãos/irmãos que precisam da nossa ajuda e comunhão.

Está na hora de acordarmos deste sono social em que nos vão embalando muitos dos promotores de festas e festanças…Assim haja silêncio, concentração e disponibilidade para nos revermos e mudarmos (ainda) de conduta!         
 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Sensibilidade aos refugiados


Depois de alguma confusão – seriam emigrantes ou prófugos – agora a onda de pessoas que tem chegado ao sul da Europa são chamados de refugiados…embora ainda se não saiba bem se são de origem política, de procedência religiosa ou de índole económica…

O que se tem visto é algo de impressionante para a nossa pacatez ocidental, pois vemos famílias inteiras a deslocarem-se de países onde há dificuldades de vária ordem e estes que chegam são dos mais ‘sortudos’, pois tiveram meios e ousadia para saírem, pondo a vida em risco…com milhares de mortos no cemitério do Mar Mediterrâneo.

A sensibilidade aos refugiados tem vindo a crescer e muitos países da Europa comunitária tem estado a disponibilizarem-se a receber alguns destes refugiados. O Papa Francisco pediu que cada paróquia, cada convento ou cada santuário católico recebam, ao menos, um refugiado.

Nos vários países têm-se desenvolvido iniciativas para serem acolhidos alguns dos muitos refugiados. Verificamos ‘manifestações’ públicas a favor e contra a receção destes refugiados. Dos que são a favor não ouvimos que estavam disponíveis para acolher alguém… Ainda neste domingo ao expor publicamente a necessidade de termos capacidade acolhimento a quem possa vir, escutava uma voz (anónima, porque não identifiquei logo) dizendo que nós (portugueses) também temos muitos sem-abrigo…

= Estancar as causas mais do que resolver as consequências

Agora que estas pessoas vieram ao nosso encontro temos de as ajudar o melhor possível – sem nunca perdermos de vista que a maior parte veio em família – criando condições de alívio às suas agruras e contribuindo para recomeçarem uma nova vida… nesta Europa pretensamente rica, mas muitíssimo egoísta.

No entanto, o mais importante é ir à fonte dos problemas nos países de onde vêm estes refugiados, pois a onda emigrante ainda não terá abrandado. Tendo ainda em conta que estes que chegam foram os mais afortunados – isto é, conseguiram meios económicos suficientes para comprarem a saída, sabe-se lá com quem e com que meios de suporte – outros poderão chegar ao verem que os temos recebido mais ou menos bem.

Enquanto não forem detetados os intermediários que fazem negócio com a vida destas pessoas, estaremos ainda a criar mais problemas, pois mais vidas correrão risco e novas ilusões surgirão no horizonte incerto…

Será na origem que devemos socorrer, atendendo às causas pelas quais fogem. Será nos vários países que teremos de encontrar a solução para que essas pessoas estejam em paz e segurança. Será resolvendo os problemas que os fazem fugir da terra-natal que poderemos ser ajuda aos atuais e futuros refugiados.

= Abrir o coração sem medo nem resistência

Nesta como noutras ocasiões se pode perceber que estamos ainda muito fechados a quem nos procura, tentando encontrar solução para os seus problemas. Vivemos encerrados no nosso mundo mais ou menos comodista, onde, em vez de atendermos a quem precisa da nossa ajuda, adiamos a assunção da nossa incapacidade de sermos fraternos e solidários…e nem as ideologias mais ou menos igualitárias – simbolizadas nas autarquias e em certos poderes adstritos – se têm mostrado abertas quanto baste à solidariedade para com estes refugiados…   

De referir que, em Portugal, há uma plataforma comum para encontrar solução para este problema. Esperamos que muitos cristãos – pessoal e eclesialmente – possam dar o seu contributo fraterno e em tempo… Nada nos poderá desculpar nem mesmo a (possível) diversidade religiosa, pois a pessoa humana é mais digna do que qualquer outra forma de expressão cultural ou étnica.

Com efeito, a fé sem obras está morta. Mostremos pelas obras a nossa verdadeira e autêntica fé!   

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Deixar a criança… com outros


Por estes dias tomei conhecimento duma situação, que tem tanto de surpreendente quanto de inquietante: uma mãe, juntamente com o pai da criança, foram para as vindimas, no estrangeiro, deixando a criança, de seis meses, aos cuidados de uma família amiga da irmã da mãe…mas com quem a criança não tem qualquer convivência… isto terá a duração de dez dias, conforme decorrer a apanha das uvas e por um preço que, segundo, pareceu àqueles pais, era aliciador.

Sem pretender agoirar, esta situação fez-me – desde que tomei conhecimento do ocorrido – pensar sobre vários aspetos, tendo em conta as variantes de um assunto como este: deixar uma criança de tenra idade aos cuidados de pessoas com quem não têm relação de proximidade, indo em busca de uns cobres rápidos e cativadores da atenção…

- Não duvido da afeição que estas pessoas de acolhimento temporário podem ter por aquela criança… até porque já são avós. Há um quê de dificuldade em entender o desprendimento desta mãe que assim parte. Custa-me a perceber as razões totais por muito interessantes que possam ser ao tomarem tal atitude aqueles pais.

- Há, no entanto, alguns aspetos que podem ser refletidos por ocasião deste acontecimento. Desde logo como poderá uma criança, de apenas seis meses, mudar de ‘família’ sem que isso não venha a poder perturbá-la, agora ou no futuro? Pelo que se vai sabendo do desenvolvimento psicológico-emotivo da pessoa humana, a estabilidade de crescimento não deve ser perturbada. Ora, neste caso, terão sido advertidas as mudanças? Quem esteve em primeiro plano desta decisão: os pais ou a criança?

= Num tempo marcado pela mobilidade – uma desejada, outra provocada e tanta outra vivida por necessidade – este episódio da criança deixada com outros (não familiares) pelos pais como que nos deve fazer questionar sobre o lugar das crianças na vida das pessoas, sejam eles pais ou outros familiares e mesmo enquanto cidadãos, pois, desgraçadamente, muitas pessoas preferem os animais – de companhia ou de recreio – às crianças.

- Sem pretender julgar e tão pouco condenar aqueles pais, será que esta criança lhes cria obstáculos para poderem fazer o que querem e por isso a deixam nem que seja por uns tempos?

- Não sei totalmente se precisam desse dinheiro que vão ganhar mais rapidamente para equilibrar a vida, mas uma criança não vale mais do que tantos outros interesses?

- No elenco dos valores, será que uma criança – sobretudo de tenra idade – não deveria ser o melhor critério de dedicação duma família?   

= Quando os refugiados nos incomodam

Tendo em conta o episódio exposto, a situação dos milhares de refugiados que nos têm ‘invadido’ nos tempos mais recentes, coloca-nos numa posição de suficiente vulnerabilidade. Famílias inteiras fogem – a que preço e com que custo – de condições difíceis ao nível humano, económico e até religioso.

Neste tema dos refugiados, como noutros assuntos, continuamos a remandar as consequências sem irmos às causas. De facto, os refugiados – estes que por agora vemos são os que têm meios para comprar a fuga – denunciam a falta de cuidado com que olhamos tantas áreas (lugares e situações) do nosso mundo, mas onde, na maior parte dos casos, os interesses económicos se sobrepõem às pessoas. Com efeito, os americanos mexeram no vespeiro do Médio Oriente, tendo em conta os lucros que podiam usufruir das riquezas de povos e de nações, mas fugiram quando perderam o controlo dos problemas… e, agora, a Europa desunida vai recebendo os milhares de deslocados que, por estes dias, a invadem esfomeados e carentes de quase tudo!

- Será que saberemos dar a estes novos refugiados mais do que condições materialistas dum certo bem-estar à nossa maneira? Teremos estofo e qualidade para sermos homens e mulheres de bem, aprendendo com eles a desinstalação e a procura? Até onde irá a nossa compaixão mais do que a mera solidariedade?

Como continente, que sempre se renovou com vagas de invasões, será que a Europa poderá regenerar-se com novos ideais e desafios para sairmos do comodismo hedonista?    

    

António Sílvio Couto

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Aprender a benzer-se


Dizia-me, uma vez, um padre daqueles que tinha experiência de vida suficiente, simples e longa: pela forma como vejo as pessoas a benzerem-se assim percebo quem são os cristãos que tenho na minha frente!

De facto, de vez em quando vemos certas imagens – de jogadores de futebol, de pegadores de toiros e outros – a fazerem tal garatuja com as mãos… um pouco como se fosse um gesto de bênção, que temos dificuldade em perceber se aquilo é gesto de fé ou trejeito de benzedura… para dar sorte ou, sei lá, ao menos para, supersticiosamente, não dar azar!

= Sinal da Cruz – «o cristão começa o seu dia, as suas orações, as suas atividades, pelo sinal da cruz ’em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ámen’. O batizado oferece o dia à glória de Deus e apela para a graça do Salvador, que lhe permite agir no Espírito, como filho do Pai celeste. O sinal da cruz fortalece-nos nas tentações e nas dificuldades» (Catecismo da Igreja Católica, 2157).

Eis, duma forma simples e clara, o significado do sinal da Cruz, que envolve toda a vida do cristão. Desde o batismo – ‘eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo – que o uso deste sinal e a proclamação das mesmas palavras envolvem algo de profundamente trinitário e vinculam o cristão, que usa o sinal da Cruz, na relação íntima e profunda com a Santíssima Trindade. Tudo está radical e serenamente centrado nesse momento de princípio da fé cristã.

= Como benzer-se ou persignar-se? – O gesto de benzer-se ou persignar-se (isto é, o fazer o sinal da cruz) envolve a nossa condição de cristãos, na sua dimensão mais profundamente batismal, pois rezamos a mesma invocação trinitária, que sobre nós foi rezada, quando a água foi derramada como sinal de vida nova e de inserção na vida de Deus em Igreja:

- colocando a mão direita na testa, dizemos – ‘em nome do Pai’ e com isso pretendemos confiar a nossa inteligência (pensamentos, ideias, projetos, etc.) aos cuidados de Deus nosso Pai, permitindo-Lhe ainda que possa contar connosco para a construção pensante da Sua presença neste tempo e neste mundo… Assim exercitamos o dom da fé em confiança e pobreza espiritual… crescente.

– deslocando a mão sobre o tronco, dizemos – ‘e do Filho’ e entregamos a nossa vontade, por vezes rebelde e autossuficiente, para fazermos como Jesus a vontade de Deus a nosso respeito e cada dia e em todo o momento. Agora confiamos no dom da esperança em cumprirmos sempre melhor a vontade de Deus…em atitude de obediência como Jesus.

- e, de um para o outro ombro – normalmente na cultura latina-romana do ombro esquerdo para o ombro direito – passando por sobre o coração, dizemos – ‘e do Espírito Santo’, numa manifestação de abandono ao amor de Deus em nós, pelo Espírito Santo, que é, por excelência, o amor na e da Santíssima Trindade. Assim, permitimos e invocamos o amor de Deus para a nossa afetividade e a vivência e testemunho da caridade cada dia…pela castidade, cada um segundo o seu estado de vida e/ou a sua vocação.

= Benzer-se: testemunho de vida

Deste modo poderemos compreender que o gesto de traçar o sinal da Cruz sobre nós, nesta quase vivência invocativa da bênção divina, é, sobretudo, um testemunho do nosso compromisso cristão, seja onde quer que seja…

É significativo que usemos este gesto de benzer-se, particularmente, no início dos atos litúrgicos, invocando a presença da Santíssima Trindade e ainda no final das celebrações, quando sobre nós é invocada a bênção de envio… e nós traçamos este mesmo gesto, aceitando a bênção pretendida.

Precisamos de consciencializar este gesto do sinal da Cruz, benzendo-nos frequentemente e vivendo um processo pedagógico e educativo para uma fé adulta e amadurecida.

Como seria importante que, antes dos momentos mais significativos do nosso dia-a-dia – desde o levantar até ao deitar, passando pelos tempos de refeição ou mesmo situações de vivência pública – nós façamos o gesto do sinal da Cruz na simplicidade e com convicção… de fé viva e vivida!

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Poder da palavra versus palavra do poder


Hoje, mais do que nunca, temos de exercer ‘o poder da palavra contra a palavra do poder’, disse Adriano Moreira, que intervinha numa das conferências do Simpósio do clero de Portugal, a decorrer, em Fátima, de 31 de agosto a 3 de setembro, subordinado ao tema: «O padre, irmão e pastor».

Para aquele professor universitário, ‘nós vivemos numa época marcada pela falta de autenticidade’, pois, muitas vezes, dizem-se umas coisas e fazem-se outras… política e socialmente. Referindo-se ainda à condição do projeto europeu, Adriano Moreira, salientou que falta ‘uma comunhão de afetos’ e que tem vindo a aumentar um certo ‘desamor europeu’, seja por ausência de um conceito estratégico da própria Europa, seja porque ‘consentimos que o credo dos valores tenha sido substituído pelo credo do mercado’.

 = Embora estas declarações e o evento do oitavo simpósio tenha sido destinado ao clero – cerca quatrocentos de todas dioceses estiveram presentes – nele se fez uma reflexão sobre a dimensão do cristianismo na cultura e da intervenção dos padres na vida da Igreja e da sociedade portuguesa.

De facto, mais do que lições – algumas delas ministradas por leigos nem sempre visto e entendidos na esfera da Igreja católica – colhemos atitudes de proposta e alguns elementos de reflexão para a arte de ser padre neste tempo… cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II e cinco séculos após o nascimento de Beato Frei Bartolomeu dos Mártires.

 = Deixamos breves respigos de frases ditas… mesmo sem identificarmos os autores, tendo em conta a simbologia da provocação e mesmo a sinceridade da entoação:

- Aos padres exige-se-lhes que saibam ler o seu tempo… tendo em conta uma atitude acolhedora de todos.

- As pessoas escolhem [quando vão a uma e não a outra celebração] os seus padres.

- A voz da Igreja surge, muitas vezes, como a voz autorizada sobre a ciência.

- Nada na vida se fez por receita ou por decreto… precisamos de olhar o mundo com otimismo.

- Necessidade de conhecer-se a si mesmo…numa maturidade da afetividade.

- Capacidade de diálogo… aberto, sensato, atento e interpelativo.

- Cuidar da fé adulta daqueles a quem servimos.

- Atenção aos distantes (periferias) psicológicos e materiais.

- Mais do que recriminar, saber consolar.

= Vivemos num tempo e num mundo que apresenta novas e inauditas possibilidades, seja no âmbito cultural, seja nas condições sociais…onde, por vezes, a figura e a pessoa do padre está em contínuo escrutínio pelos ‘seus fregueses’ e pelos que observam a Igreja – sobretudo na sua expressão católica – para dela tirarem lições… embora, na numa parte significativa dos problemas, possa ser (mais) em jeito de acusação. Pede-se compreensão e até misericórdia à Igreja e para com ela e os seus ministros colocam-se exigências (quase) insuperáveis.

- Tentando unir alguns aspetos supra citados poderemos considerar que a palavra que a Igreja usa para a sua comunicação deve gerar autenticidade porque alimentada na Palavra de Deus, sem se deixar coartar pela palavra do poder, tomando a dimensão profética e a ousadia à maneira de Jesus.

- Perante esta economia que mata – nas palavras do Papa Francisco – porque não respeita os outros, urge que tenhamos uma nova visão humanista/cristã, onde as relações entre os povos, as nações e as suas memórias sejam respeitadoras da própria natureza e desta como rosto da beleza de Deus, de que a pessoa humana usufrui sem se apropriar, mas tão-somente como administrador fiel e prudente…da casa comum.

- Numa simbologia usada no ministério sacerdotal – particularmente por ocasião da eucaristia – poderemos considerar que, em cada missa, se dá uma entrega das dores e dos sofrimentos de toda a humanidade, tendo em conta o ‘credo dos valores’, semeando, cuidando e tratando de que a mesa da festa seja partilhada por todos, onde o padre é irmão (pecador e santificado) e pastor (como ovelha do mesmo redil), à maneira de Jesus e não imitando qualquer outro que possa ofuscar a imagem correta e verdadeira… do Mestre e Senhor.   


António Sílvio Couto