Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Boi e jumento... no presépio?

«Na singular conexão entre Isaías 1,3; Habacuc 3,2; Êxodo 25,18-20 e a manjedoura, aparecem os dois animais como representação da humanidade, por si mesma desprovida de compreensão, que, diante do Menino, diante da aparição humilde de Deus no estábulo, chega ao conhecimento e, na pobreza de tal nascimento, recebe a epifania que agora a todos ensina a ver. Bem depressa a iconografia cristã individuou este motivo. Nenhuma representação do presépio prescindirá do boi e do jumento» – Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré: a infância de Jesus, Cascais, Principia, p.62.

Foi com alguma perplexidade e razoável estupefação que ouvi e, posteriorrmente, li a reação a estas palavras do último livro do Papa. Nota-se pelas declarações que a maioria não leu o que Bento XVI escreveu, limitando-se a reproduzir frases feitas, servindo-se de preconceitos mais ou menos ideológicos – senão na forma pelo menos no conteúdo – de quem está contra... mesmo que não saiba qual a razão!
Desde logo surgiram-me questões simples que parecem ter mais a ver com uma certa religiosidade cristã: será que a presença da ‘vaca e do burro’ são tão essenciais para a crença de certas pessoas? Tirar estes adereços mexe assim tanto com a valorização do presépio? Onde terão lido estes defensores da ‘vaca e do burro’ a sua presença nos textos bíblicos? Como podem fazê-los tão imprescindíveis se eles nem estão presentes na narrativa canónica? A quem interessa este ruído sobre questões de lana caprina?

Reparemos no texto do Papa citado e reportemo-nos também à narrativa lucana (Lc 2, 1-20) onde poderão incluir-se os ditos ‘boi e jumento’, traduzindo ainda por ‘vaca e burro’.   
‘Presépio’ significa: curral, estábulo... daí podermos incluir alguns animais nesse contexto. Qual a razão de vermos o boi ou a vaca nesse estábulo? Talvez seja mais uma projeção do tempo em que surgiu o difusão do presépio na cultura ocidental europeia com São Francisco de Assis, na Idade Média, ou ainda com a ruralidade em que se quis colocar ou se pode ver o contexto do nascimento de Jesus entre animais... possivelmente mais ovelhas do que outro gado.
Talvez o burro/jumento tenha sido o meio de locomoção de José e de Maria entre Nazaré e Belém, a cidade onde se foram recensear. Com efeito, as distâncias eram grandes e os recursos materiais e humanos não seriam mais do que esses de terem um burro para poderem viajar. Daí colocá-lo no contexto do presépio poderá ser tão natural quão difícil de harmonizar animais de diferente estirpe e razoável teimosia... Só quem não os conhece é que se admirará desta alusão à proximidade simples de antagónicos!
Não deixa ainda de ser significativo que o Papa diga no texto supra citado que aqueles animais – o boi e o jumento ou a vaca e o burro – são ‘representação da humanidade’. Será, então, que a nossa – humana, racional, psicológica e espiritual – simbologia está caraterizada por aqueles dois espécimes? Ou será que, recorrendo aos textos referidos na citação, se pretende fazer uma conjugação dos diferentes humanos, pois se até os animais se entendem e se relacionam em harmonia junto do Deus-Menino, quem somos nós, afinal, para não nós entendermos?

Bastará parar um pouco diante do presépio para vermos como são fúteis as nossas jactâncias de orgulho: ali está um Deus que Se humilhou e que teve por companhia animais amansados pela pobreza dum Menino que Se fez próximo desde dentro da nossa condição humana e em projeção humanizada.
Bastará perceber a força de despojamento de um Deus que nasce e é acolhido entre animais porque não havia lugar para Ele na estalagem das ocupações humanas... tais eram (e são) as pretensões de sermos importantes à custa dos direitos dos outros.
O boi/vaca e o jumento/burro continuarão a ter espaço e oportunidade nos nossos presépios, enquanto andarmos atarefados com inutilidades que nos fazem perder o sentido da vida e a qualidade da existência?
Que o burro e que a vaca exalem um hálito de ternura sobre este mundo, que rejeita Deus e esquece Jesus!  

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Novos caminhos e meios para ‘Apostolado do mar’


Realizou-se de 19 a 23 de Novembro, em Roma, na aula do Sínodo, Cidade do Vaticano, o XXIII  Congresso mundial do Apostolado do mar, subordinado ao tema: ‘A nova evangelização no mundo marítimo – novos meios e instrumentos para a proclamação da Boa nova’.

Participaram mais quatrocentas pessoas de setenta países, entre os quais Portugal, que esteve representado pelo Bispo promotor e pelo diretor nacional do Apostolado do mar. A presença de tantos participantes incluiu pessoas dos vários continentes: África (atlântica e índica), Ásia (desde Taiwan à Tailândia, passando pelo Japão e o Vietname), América (do norte, latina e central), Oceania (Austrália e Nova Zelândia), Europa (do norte, do sul, central e de leste), envolvendo bispos promotores e diretores nacionais, membros do Conselho Pontifício, delegados, clérigos e leigos, nas várias línguas, culturas e etnias, com expressões de fé, sobretudo, católica. Foram partilhadas várias experiências do ‘Apostolado do mar’, envolvendo a marinha mercante e a pesca, numa interligação de solidariedade (comites de bem-estar, de direitos humanos, de ações de pirataria, abandono de tripulações e aprezamento de barcos), com desafios para o futuro próximo... neste mundo do trabalho e das múltiplas expressões de fé... em dinâmica de nova evangelização.

 Do programa fizeram parte diversas vertentes do ‘Apostolado do mar’, desenrolando-se em cada dia um dos aspetos: a nova evangelização em geral, as relações eficazes com a indústria marítima, onde foi analisada a temática do ‘bem-estar como parte integrante da evangelização’. Um dos dias foi destinado à pesca. A questão da pirataria (com um testemunho muito vivencial) e a vertente dos navios de cruzeiro ocuparam também um dia. A encerrar o Congresso houve uma audiência com o Papa, tendo sido apresentada  uma mensagem de esperança e em confiança ao mundo marítimo.

= Ditos, fatos e números... ontem, hoje e para o futuro

Dada a riqueza de um congresso como este foi, deixamos breves referências a números que foram apresentados por vários dos oradores, citando ainda frases que nos ficaram a retinir nos ouvidos e no coração.

- Há, em todo o mundo, 36 milhões de pescadores e, em cada ano, 10% destes estão expostos a acidentes de trabalho.

- Em 2003, mais de três mil barcos foram sequestrados por piratas e, todos os dias, ainda hoje, cem mil marinheiros navegam em águas onde há piratas.

- ‘Temos de ser a voz profética dos que não têm voz’ (Bruno Ciceri, do Pontifício Conselho).

- 4 de Outubro de 2020: centenário da fundação do Apostolado do mar, em Glagow, Escócia.

- ‘A pesca sofre uma das maiores explorações... Estarão os pescadores defendidos?’ (Brandt Wagner, Genebra).

- ‘Fé que se exprime com a linguagem dos nomes dos barcos... Fé que se alimenta do terrível e do fascinante... Maria e os santos [são vistos] como guardas’... dos pescadores (Dirk Demaeght, Bélgica).

- Convenção Mundial do Trabalho (MLC 2006) entra em vigor a 20 de Agosto de 2013.

- Há 200 barcos de cruzeiro, ao nível mundial, que produzem 30 milhões de euros ao ano.

- ‘Cristo é maior do que a cultura [por vezes anti-cristã] e do que a Igreja’ (Hennie LaGrange, Grã-Bretanha).

- ‘A presença nos portos, as visitas quotidianas aos navios aí atracados e o acolhimento fraterno nas horas de pausa das tripulações, são o sinal visível da solicitude para com quem não pode dispor de um acompanhamento pastoral normal’ (Papa Bento XVI).

- ‘Sede o coração no mundo do mar... [apresentando] uma oportunidade de crescimento positivo’ (António Veglió, Conselho Pontifício).

Momentos como este do XXIII Congresso mundial do ‘Apostolado do mar’ fazem-nos perceber a catolicidade da Igreja e a dimensão específica desta entre cada povo e cultura... Novos caminhos se abrem!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Implosão do ‘Estado social’?


«Estado de bem-estar social – também conhecido como Estado-providência – é um tipo de organização política e económica que coloca o Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e económica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com o país em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população».

Esta definição de ‘Estado social’ aparece-nos descrita na Wikipédia, que nós dá ainda um enquadramento dos principais vínculos com que ‘somos’ – cidadãos, contribuintes, eleitores, votantes, consumidores, fregueses, clientes, operários/trabalhadores/patrões/empresários, desempregados, preguiçosos, participantes ou desinteressados – mais ou menos conscientemente protegidos: «Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo o indivíduo teria o direito, desde seu nascimento até sua morte, a um conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento garantido seja diretamente através do Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos filhos, etc.». 

Diante deste diagnóstico não deixa de ser fundamental refletir sobre a viabilidade do ‘Estado social’, em Portugal, tendo em conta vários fatores de mudança bem como a alteração aos critérios de produção de riqueza atual e em vias do futuro.

Não foram os regimes dialetico-marxistas – comunistas, trotekistas, socialistas e afins – que criaram nem que desenvolveram o ‘Estado social’, mas antes regimes de incidência social-democrata e democrata-cristãos – sobretudo no Norte da Europa – numa perspetiva de equilíbrio entre o trabalho realizado pela riqueza e a função do Estado, que supre as menos boas condições sociais dos cidadãos...

Quando, hoje, vemos certos paladinos da defesa do ‘Estado social’, em Portugal – particularmente nas franjas ideológicas daqueles que pouco ou nada têm feito pelo bem comum, antes têm degrado o tecido social, económico e financeiro – não gerando riqueza para depois a poderem distribuir, como que ficamos a pensar que ou não têm memória histórica ou só sabem distribuir o acumulado para o qual não contribuiram... seriam, deste modo, generosos com o sucesso alheio, e muito pouco contribuintes para o bem comum...

 - Quando a natalidade cai, poderemos ainda usufruir dos requisitos de saúde tendencialmente gratuita, de forma indistinta para todos?

- Quando se fomenta a instabilidade social, como poderemos ter garantidos subsídios de ajuda no desemprego, a curto e médio prazo?

- Quando as reivindicações sindicais não têm em atenção as possibilidades de pagamento, como poderemos sustentar regalias adquiridas, sabe lá a que preço e com que custo?

- Quando se faz a defesa do ‘Estado social’, como se ele fosse intocável, mas que está falido, como poderemos continuar a fornecer esquemas de educação onde se promove quem menos trabalha e tão pouco aproveita da possibilidade em cuidar dos estudos? 

Não deixa de ser sintomático que haja setores da nossa sociedade que contestem a ajuda da caridade, preferindo à (pretensa) solidariedade, mas que depois se enfeitem com ações que só são compreensíveis pela força da caridade vivida e partilhada na simplicidade do dia-a-dia. Há quem queira desfolhar as rosas sem se ter picado, minimamente, nos espinhos, pois estes deixam marcas, fazem doer, ensinando a viver!

Não demos aos outros por caridade o que lhe vemos por justiça! Mas também não iludamos as pessoas com gestos de ajuda em anzol, enganando-as pela boca e fazendo-as devedoras... sem critérios de escolha nem de valorização consciente... Saber pensar pela sua cabeça é a melhor promoção que podemos conseguir, já!

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quando presentes/prendas encolhem... no Natal

Embora a mês e meio da data do Natal – onde o celebrado, Jesus, fica embrulhado em milhentas minharias de ocasião – já se fazem contas aos gastos possíveis, desejados ou indispensáveis.

Segundo dados do ‘Observador celetem’, os portugueses tencionam gastar, em média, cento e vinte e seis euros em prendas, por ocasião do Natal deste ano... numa diminuição de trinta e cinco por cento em relação ao ano passado. Em média cada cada presente poderá custar cerca de vinte e cinco euros... sendo os habitantes da região Norte do país os que mais teem intenção de poupar... com uma larga fatia dos inquiridos (22%) a dizerem que o valor máximo dos presentes será de setenta e cinco euros na época natalícia. 

= Consumidos e consumidores... responsáveis ou compulsivos?

Não deixa de ser significativo a forma como reagiram alguns iluminados a propósito das declarações de Isabel Jonet (responsável nacional do Banco Alimentar contra a fome) sobre a necessidade de aprendermos a empobrecer, sabendo conjugar o necessário com o urgente, denunciando gastos desconexos: “Temos todos de empobrecer e muito. Empobrecimento na perspectiva de regressar ao que é mais básico. Não ter expectativas de que podemos viver com mais do que necessitamos, pois não há dinheiro para isso (...) A geração mais nova tem uma maneira diferente de viver. Deixou de se atribuir o valor real aos bens”

- De fato, há quem grite e reivindique, mas esbanje com inutilidades... mais ou menos legais e subtis. Veja-se a proliferação de gente – sobretudo nova, bem-falante, rota, mas rica – que se desloca para os (múltiplos) festivais de música, no verão, e talvez nem entendam, suficientemente, os sacrifícios que são pedidos – particularmente aos pais de quem ainda dependem – para recuperar o país pelo trabalho e o compromisso para com os outros. Somos uma triste terra que nunca teve de unir esforços para recuperar, concertadamente, de algum problema comum. O egoísmo luso é atroz pela mesquinhez de tudo e para com todos!

- Certas forças – pretensamente ‘cultas’ de uma (dita) esquerda caviar ou outra de protesto – talvez tenham invetivado as declarações da responsável do BA e até possam vir a boicotar a próxima recolha de alimentos, mas eles/as não sabem o que é passar fome (de verdade), pois antes rompem os fundilhos do assento em lugares de diversão ou andam (a coberto de máscaras e doutros disfarces) a incendiar manifestações anti-governo e contra um capitalismo de que beneficiam... mesmo que de forma capciosa.  Certos discursos da treta pela defesa dos mais pobres não passam de vagas intenções que não se sujam com os pobres... reais. 

= ‘Por que não te calas’?

Esta frase dita pelo rei de Espanha ao caudilho da Venezuela pode servir como refrão para com certas figuras sobre as intervenções mais recentes na vida pública... ou publicitada

- Por muito que nos custe aceitar, temos de assumir que Portugal não se consegue recuperar – económcica, social e politicamente – com balelas de benfalantes nem com discursos ideológicos em defesa dos ‘direitos adquiridos’, pois a (dita) Constituição da República apresenta erros históricos e falhas de lesa-pátria, consubstanciando em regalias de classe, benefícios de setores e atributos em proveito próprio... ontem e hoje.

Que dizer de certos figurões que dizem mal de tudo e de todos, mas não abdicam das benesses recebidas a troco de terem sido governantes ou noutros cargos políticos? Como poderemos compreender que tenham a capacidade de dizer tudo o que lhes apetece, desde que defendam os seus apaniguados? Até onde irá a desfaçatez mental para termos de nos calar sem dizermos o que pensamos, cívica, educada e cristamente?

- Por certo quem nos propõe um caminho de contenção – seja pela austeridade, seja pela partilha – não será totalmente estúpido – pois se o fosse teríamos de questionar a sua sanidade mental e psicológica – para fazer-nos viver um espartilho onde todos somos prejudicados, mesmo os proponentes... a menos que pensem fugir, entretanto, para Paris, Bruxelas ou Nova Iorque... como outros fizeram e não são chamados a responder criminalmente, pois o povo já os condenou nas eleições!

Só espanta que, certos donos da verdade, não consigam fazer vingar as suas teses e se arrastem pelos corredores da indigência com tiques de maus pagadores... Portugal merece melhor e todos somos precisos, já!

 
António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Desmistificando a (pretensa) classe média


É recorrente ouvirmos, em Portugal, que a sacrificada com as medidas de austeridade é a ‘classe média’, que está a ser esmagada com impostos, que está a ser atingida nas suas diversas vertentes, que está em risco, que está quase a desaparecer....

Mas, afinal, que é isso de ‘classe média’? Quais são os critérios e as componentes para a definirmos? Quem faz parte dessa ‘classe média’? Quem são os promotores e os (possíveis) detractores da dita ‘classe média’? Como se entra ou como se sai da (possível) ‘classe média’?

- O que é a classe média?

Na Wikipédia apresenta-se a seguinte definição de classe média: «é uma classe social presente no capitalismo moderno que se convencionou tratar como possuidora de um poder aquisitivo e de um padrão de vida e de consumo razoáveis, de forma a não apenas suprir suas necessidades de sobrevivência como também a permitir-se formas variadas de lazer e cultura, embora sem chegar aos padrões de consumo eventualmente considerados exagerados das classes superiores. A classe média surgiu como uma consequência da consolidação do capitalismo e não antes dele devido aos fatores de segmentação social em camadas, resultantes do desenvolvimento económico; é um fenómeno típico da industrialização».

- Quem faz parte da classe média portugesa?

Em Portugal é considerado pertencer à classe média quem, ao nível do agregado familiar, tenha dois mil euros mensais de rendimentos. Se atendermos à vertente individual poderá ser considerado da classe média quem – mesmo no setor privado – ganhe cerca de setecentos euros mensais... Isto parece significar cerca de metade da população nacional!

- Certos critérios de pertença... à classe média

Pode intuir-se que os critérios de pertença à classe média são, sobretudo, os de natureza económica, incluindo tanto o fruto do trabalho como os manifestos rendimentos. Com base na definição descritiva supra citada poderemos ainda perceber que a capacidade de consumo tem uma larga afetação para se ser incluído ou excluído da (dita) classe média.

Ora, como emanação do capitalismo – que nem o socialismo e tão pouco o comunismo conseguiram debelar, antes parece que cuidaram em acentuar para uma acentuada e complexa estratificação social – a classe média é vítima e culpada de si mesma, isto é, alimenta e é explorada por quem dela se apropria ou a promove... para atingir os seus fins nem sempre claros nem honestos...

- Para um nível cultural mais do que (só) económico

Atendendo às contínuas referências para com a classe média, onde os valores económicos se sobrepujam, na maior parte das vezes, aos valores culturais e éticos (morais, psicológicos e espirituais) será de questionar como poderá esta franja – tão envolvente quão anódina – da população portuguesa ser valorizada mais pelo que é do que por aquilo que possuiu ou ambiciona possuir.

Muitos dos filhos, cujos pais eram/são da classe média – do operariado e de serviços públicos – já estão mais escolarizados, anseiando outros espaços de trabalho profissional e, na maior parte dos casos, até se deslocaram do local de nascimento – rural ou semi-industrial – para espaços urbanos ou para metrópoles com maior capacidade reivindicativa... Cresceu a capacidade e/ou obrigação de saber a razão de ser das coisas.

Temos hoje novas ferramentas para evoluirmos na avaliação dos fatos e dos momentos de afirmação dos que foram crescendo com sangue, com suor e (até) com lágrimas. Cada vez mais precisamos de saber enquadrar o nosso passado, numa adequada linguagem do presente e em crescente abertura ao futuro!    

 

António Sílvio Couto