Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 29 de abril de 2023

Das falhas de comunicação aos erros na comunicação

 

É da mais elementar regra de conduta saber que, na comunicação – em geral e na de incidência social em particular – deve haver verdade, objetividade e, sobretudo, lealdade. Assim não se pode usar uma informação ‘off record’ como sendo dita para ser divulgada e quem possa pronunciar-se sobre um qualquer assunto deve saber que está a ser gravado, filmado ou a ser escrito o que diga em ordem a ser tornado público. Inflingir tais regras, para além de ser de gravidade ética, pode originar processos aos infratores.

Por outro lado, de alguns anos a esta parte é comum falar-se de ‘fake news’ (notícias falsas), numa forma de comunicação em que se difundem notícias com algum fundo de verdade, mas onde o que prevalece é o erro bem montado e fazendo crer que isso é verdadeiro. Há falsas notícias para todos os gostos-e-feitios, abrangendo os diversos campos de atividade... Nem sempre é fácil desmontar tais erros.

1. Umas das mais recentes polémicas sobre pretensas falhas de comunicação surgiu, quando os três mais altos dignitários da Nação, foram apanhados a comentar as atitudes de alguns partidos politicos, com a segunda figura do Estado a usar uma espécie de ‘conversa de café’, sob regozijo de falhanço do que havido acontecido. O ‘acontecimento’ deu-se numa sala do Parlamento e foi mostrado pelo canal televisivo do mesmo. Os conversantes não viram lá uma câmara? Esta estaria escondida para que não se advertissem de que aquilo que falavam podia ser visto e ouvido? A quem interessa agora encontrar prevaricadores – aos que falaram, aos que foram visados na conversa ou a quem emitiu o dito? Talvez este último seja o elo mais fraco e a ver pela forma tendenciosa com que o presidente do Parlamento trata os que não são da sua cor, teremos sangue a correr para o lado que o dele...mesmo que seja ele o réu e não a vítima.

2. Por vezes, quando a mensagem não agrada ou os efeitos da mesma deixam a desejar, prefere-se matar o mensageiro em vez de corrigir o que se pretende comunicar. Embora haja, hoje, muita gente com cursos na área da comunicação nem sempre se consegue a articulação entre emissor e recetor, pois a mensagem sofre de menos boa qualidade e, sobretudo, de conteúdo. Com especial incidência nas atividades sujeitas a votação – governo e autarquias, associações e coletividades – e ainda nas coisas desportivas ou clubísticas tem vindo a crescer a ‘necessidade’ de haver algum elemento de comunicação – gabinete, uma estrutura, uma figura ou um serviço (dito) de apoio – por forma a que seja publicitado o que o ‘dono’ pretende e não seja distorcido por quem faz as notícias...

Nas deambulações para levar a cabo as pretensões de tantos dos mentores da’nova’ democracia – depois de meio século de intencionalidade – estamos sob o escrutíneo das ‘redes sociais’, onde os pretensiosos fazedores de opinião (ao nível rasca) desfiam vídeos e imagens algo censuradas, isto é, ouvem e difundem quem lhes é favorável, ocultando quem não lhes adule o ego narcisista, pessoal e partidário... Vejam as reportagens de factos regionais e locais! Não será isto ‘fake news’ de trazer por casa? De facto, dizer meia-verdade é o mesmo que proferir meia-mentira!

3. Um factor de convulsão social tem sido a (dita) transportadora aérea nacional, pois voa mais por baixo do que levanta voo para cima. Dizer que se disse ou ocultar o que foi referido, tornou-se o mais recente episódio neste embróglio sócio-económico com versão de hidra, dado que, quando se pensava ter cortado uma das cabeças, logo outra se regenera e faz aparecer novo e mais intenso problema. Este é um nítido caso em que se confunde a informação com meia-verdade e onde as falsas notícias se revelam bem mais benéficas do que as (ditas) verdadeiras. Parece que atingimos um tal estado de confusão que os items do passado se esboroam à luz dos do presente e o que nos trará o futuro...

4. Por estes dias faleceu um grande comunicador (João Aguiar) e que incentivou as hostes da Igreja católica a saber usar a comunicação social (escrita, falada e televisionada) para levar o Evangelho. Assim o façamos!



António Sílvio Couto

terça-feira, 25 de abril de 2023

Não preciso do ’25 de abril’

Há 49 anos atrás – quando aconteceu o 25 de abril – tinha quinze anos, estava no quarto ano do seminário (hoje oitavo ano da escolaridade), e pouco sabia das quezílias políticas, para além de que havia uma guerra colonial e de que aqueles que estavam no seminário, sob dispensa, não iriam participar nessa luta fratricida… Ao tempo muitos fugiam para a emigração na Europa… Na região de Braga sabíamos muito pouco de conceitos de luta de classes ou de reivindicações por melhores salários à mistura com perseguição de uma polícia que ouvíamos falar que perseguia os opositores ao regime. Pela idade não me preocupava votar nem sequer exigir direitos de cidadania… isso era coisa de politizados e contestatários…

1. A dita revolução de ‘abril’ – preparada por movimentos ainda em março desse ano – foi assunto das gentes da capital e sequazes. O medo, embora longe, foi sendo doseado com notícias da rádio, que a televisão era artefacto algo raro. Numa idade de sonho o tal ’25 A’ não era mais que um anseio ainda incipiente. Não posso, por isso, agradecer aos militares do MFA, pois não passam de silhuetas à distância em projetos nem sempre bem explicados. Quando vejo certas figuras a tecer loas ao ’25 A’ considero que precisarão disso até para sobreviverem na sua identidade e identificação. No entanto, não me desconsidero menos português por ter recebido em bandeja algo que nunca reivindiquei, mas que me não torna menos português por não precisar de tal. Aos donos de boa parte da esquerda do ’25 A’ aconselho que não se sintam tão ufanos da miséria que adveio com o seu contributo… Não dei para tal peditório, mas eles pediram, fizeram as contas e ficaram com a esmola em seu proveito…ontem como hoje.

2. Confesso que, desde a primeira hora me fascinou a vida política – no sentido lato e estrito do termo – e não tivesse sido a opção pelo ministério sacerdotal teria entrado na refrega partidária: sempre soube em que área e qual a ideologia! Digo: se lá tivesse estado, alguns dos corifeus teriam engolido a prosápia, que ainda hoje me envergonha. Mais uma vez refiro: não preciso do ‘25 A’ seja da escola pública nem dos tentáculos da saúde e tão pouco do compadrio profissional. Sinto mais uma vez vergonha que reinem os que usam, sobretudo, o cartão do partido mais do que o cartão de cidadão ou façam valer as suas influências (diretas e indiretas) mais do que as competências.

3. Nos últimos vinte e cinco anos tenho vivido em espaços que ainda estão sob a alçada da ditadura – essa que diziam que tinha sido derrubada em 74 – pois algumas autarquias continuam a prolongar a cegueira de quem ainda não viu que não basta mudar de executores, é preciso mesmo aferir-se aos tempos de mudança social, cultural e mental. Nem breves interregnos deram a saber que usar as pessoas como coisas consegue fazer crer que se trabalha em favor delas. Confesso que não preciso ser da dita ‘esquerda’ para ter mentalidade social e solidária, bastar-me-á seguir as lições do Evangelho para colocar os mais pobres na linha das prioridades, que não da exclusividade… essa servirá mais de manipulação barata e sempre manipuladora!

4. Quase a completar meio século transcorrido sobre a revolução do ’25 A’ dispenso certas lições hipócritas sobre justiça social, pois os seus mentores e exequentes não passam de vendedores de ilusões em maré de feira, deixando vingar mais o seu lado egoísta – o eu sobrepõe-se ao coletivo – de classe ou mesmo de ideologia. Enquanto vivermos na triagem dos assuntos a partir da cartilha da dialética continuaremos a criar novas teses em função de outras antíteses…

5. Todo este arrazoado só é possível porque houve o ’25 A’, mas se não fosse essa data fatídica, outra surgirá para dar tempo e espaço à mudança. De facto, não preciso do 25 de abril para exprimir o que penso e assumo o que digo. A ditadura do faz-de-conta tem de chegar ao fim e depressa. Deixem-se de mentiras e sirvamos todos a Verdade e só a verdade… O ’25 A’ não em cor, mesmo que, nesse dia, se celebre o evangelista São Marcos.



António Sílvio Couto

domingo, 23 de abril de 2023

Dançar com soante a música

 

Esta expressão pode ter ainda um outro grafismo – dançar conforme a música, isto é, fazer as coisas segundo o contexto em que se inserem. Daqui podemos inferir que nem a música é só música e tão pouco a dança é só dança. Deste modo poderemos encontrar muitas músicas (estilos, modos e tempos) que se adequarão às danças e estas entrarão no ritmo daquelas.

No espetro da vida nacional – seja qual for o setor – encontraremos múltiplos exemplos de dançar com soante a música. Vejamos alguns exemplos, certos sinais à mistura e com situações desnecessárias.

1. Por que falou Lula da Silva na China e posteriormente perante um diplomata russo contra a União Europeia e os Estados Unidos na questão da guerra da Ucrânia? Foi para agradar aos interlocutores ou porque o Brasil está do outro lado (físico) do conflito e tal não o incomoda? A quem interessa estender o problema da TAP, juntando tantos adereços que a peça pode emperrar na solução? Parece que há ‘parecer’ ou este foi invenção sem nexo? A campanha do ‘IVA zero’ satisfaz quem? Serve de ajuda a quem mais possa precisar ou ilude quem se deixa fascinar? A temática da eutanásia deambula entre os centros de poder como se fosse um teste à paciência de quem propõe ou de quem contesta?

2. Respondamos à visita do Presidente do Brasil a Portugal, com as deslocações anteriores ou os passos seguintes. Todos reconhecemos que o ‘país-irmão’ é danado para o samba e outros modelos musicais. Ora, o atual presidente tem sabido dançar bem em conformidade com os ritmos que lhe tocam…assim se explica que tenha voltado ao poder anos doze depois de lá ter saído. A vinda de Lula a Portugal foi precedida por uma visita à China, onde o dito teve declarações que assustaram desta parte do Atlântico, ao colocar a Europa como uma das culpadas da guerra na Ucrânia, na linha de pensamento e de ação com Putin, o chefe do país invasor. Não sabemos se o metalúrgico convertido à política teve lições de ‘dialética marxista’, mas que ele foi conjugando tese com antítese em vista de nova tese, isso ficou até agora subentendido nas declarações entre Pequim e o resto das suas intervenções. Talvez aqui se radique a boa onda da maior parte da comunicação social lusitana favorável ao caudilho brasileiro… Seja qual for o resultado da visita aos lusos pré-históricos do achamento do Brasil continuamos a dançar mais ao ritmo do samba do que do vira-do-Minho ou do fandango ribatejano…

3. Quem quiser classificar o nosso país como do ‘terceiro-mundo’ não se escusará de dar como exemplo acabado e quase perfeito o da transportadora aérea nacional: pretendida como empresa-bandeira tornou-se o símbolo quase perfeito do despesismo. Suportada ideologicamente por uma certa (dita) esquerda vai sendo o sorvedouro nacional das economias de todos, mesmo daqueles que nunca voaram na dita. Deambulando entre ser estatal e em ser gerida pelo setor privado, a TAP só serve para enganar quem governa, mesmo que arrastando a localização do novo aeroporto à volta da capital. À semelhança do que aconteceu com os ‘estaleiros navais de viana do castelo’ há que esconjurar milhentos interessados em viverem à custa dos subsídios sem resultados que desmintam a insolvência adiada e sem futuro…

4. Com a pretensa dedução do ’IVA à taxa zero’ continuamos a ser enganados, pois a música que nos tocam soa mais a marcha fúnebre do que a corridinho algarvio, isto é, uns míseros cêntimos não dão desagravo ao povo, mas servindo a todos, não ajudam a ninguém. Diga-se que o ensaio para o festival foi tão longo e fastidioso que o espetáculo torna-nos a todos ridículos…

5. Pela quarta vez pretenderam fazer sinfonia com a eutanásia. Nem a mais ingente música de carpideira conseguirá fazer dum assunto tão funesto algo que faça canta vitória, seja de quem for. Aos promotores da iniciativa auguramos que sejam acompanhados pela música que mais apreciam, pois o ar funesto e lúgubre com que se apresentam em cada ‘vitória’ pírrica como que se anuncia que nem eles acreditam naquilo que propõem e nunca serão agradecidos, mesmo que sejam eutanasiados como propõem… para os outros.



António Sílvio Couto

terça-feira, 18 de abril de 2023

Com a mentira (assim) nos governam?

 

Já não é de agora, parecendo que tem vindo a acentuar-se a convicção: com a mentira nos governam e quase nos tratam como lacaios de um servilismo atroz. Os mais diversos campos da nossa vida coletiva como que se têm tornado espaços de desconfiança, colocando sob suspeita muitas das palavras que nos dizem e – pior – boa parte das ações com que nos querem ludibriar.

Esta sensação de desfasamento entre aquilo que se diz – as célebres promessas eleitorais e não só – e o que se faz, vai criando um ambiente de não-acreditar nos outros ou até de desmotivação quanto ao que envolva estar com outros.

1. A propaganda não é um dos fatores para espalhar o engano? As agências de informação não serão mais veículos de mentira do que espaços de verdade? A multiplicidade de órgãos informativos favorece a boa comunicação ou torna-se fator de confusão social e quase cultural? A quem interessa articular o alinhamento noticioso, quando uns tentam controlar os outros? Não haverá muitos fait-divers para levar a cabo aquilo que seria mais difícil de impingir a cru? Teremos intérpretes competentes ou andaremos a adular artistas sagazes?

2. Efetivamente a propaganda do ‘IVA zero’, em quarenta e seis produtos de primeira necessidade, deixará poucos mais recursos ao público em geral. Sendo uma medida-cartaz torna-se injusta, pois não favorece – como se dizia no princípio – os mais desfavorecidos, mas atinge pobres e ricos de forma transversal. Parece que este engano não foi possível esconder desde o seu altissonante anúncio e agora, que é posta em prática, serve para que se fale e se gastem horas de emissão televisiva, mas não consegue nada (ou muito pouco) do pretendido. Este um exemplo acabado da ineficiência de quem nos governa, capciosamente, sob o epíteto romano de ‘pão-e-jogos’, isto é, assim se entretem o povo, que não reclama...

3. Se olharmos para o espetro da comunicação social no nosso país poderemos aferir que não passam de quatro ou cinco os fazedores de notícias, nos diveros palcos de visibilidade. No entanto, outros mais subtis ‘trabalham’ os assuntos e põem-nos na rua sem grande diferença nem independência dos executores. Esta habilidosa forma de fazer não nos deixa espaço para a diversidade de perspetivas nem nos dá capacidade de questionar os problemas, tal a uniformidade. Quantas vezes os discursos só enfatizam uns aspetos, deixando de fora da seleção outros bem mais importantes. Não será isto uma forma quase-institucionalizada de apresentar as coisas e, portanto, uma manipulação informativa e noticiosa?

4. O prolongamento no tempo de certos assuntos parece ser mais uma tentativa de distrair para que, na sombra, se executem outros temas bem mais essenciais e, por vezes, dolorosos ao povo. Vejamos alguns exemplos: a crise da transportadora aérea (num labirinto de questões quase de polvo), as reivindicações dos professores, a guerra na Ucrânia e seus adereços, a solução para a habitação... No específico dos setores – na Igreja católica: o tema dos abusos, os meandros das substituições de bispos, o custo do palco das jornadas da juventude; no desporto (em especial o futebol): as tricas clubísticas entre norte e sul, os erros de arbitragem, as artimanhas de alguns sobre outros; na economia: o custo dos combustíveis, a oscilação das taxas de juro, o sobe-e-desce da inflação; na justiça: os tiques e truques do alçapão da lei, os prazos de execução...

5. Quando se pensava termos aprendido com erros do passado, eis que eles se repetem no nosso quotidiano e, por vezes, com os mesmos figurinos. A má gestão de outros tempos dará idênticas consequências a curto prazo. Artimanhas de habilidosos trarão resultados muito semelhantes. Cresce a sensação de impunidade para com certos ‘artistas’ da política e de outros campos de atividade, pois se consideram julgados quando, em eleições, ganham ou perdem. Temos de acabar com este engano ou entraremos em colapso de civilização. Efetivamente, a mentira não poderá ser um posto de consagração de tantos incompetentes de serviço...



António Sílvio Couto

sábado, 15 de abril de 2023

A falar da vida alheia

 


Dá a impressão que não há canal televisivo, estação de rádio, jornal ou revista e, sobretudo, nas apelidadas redes sociais em que a maior parte do tempo não seja ocupado com gente a falar da vida alheia, mesmo que de tal não esteja autorizado. Na terminologia do dicionário costuma-se dizer: bisbilhotice, calhandrice, fofocar, dar à língua, mexericar… A forma de falar da vida alheia acontece, normalmente, nas costas dos visados, falar mal dos outros, recriminando os seus defeitos e raramente exaltando as suas qualidades, na maior parte das vezes o falar da vida alheia pretende prejudicar o atingido. Numa palavra: quando a vida dos outros possa ocupar a nossa talvez seja sinal de que a nossa está tão vazia, que precisamos de nos entreter com a vida deles…

1. No nosso contexto nacional podemos aferir uma boa quantidade de profissionais da fofoquice, umas vezes sob a capa de comentadores, outras vezes na função de ‘especialistas’ em moda ou na arte-de-mal-vestir (despir), noutros casos ainda sob o manto tenebroso do combate a quem destoe da vulgaridade. Dos cronistas baratos do jornalismo amarelo, passamos aos críticos da imprensa cor-de-rosa, deambulamos pelas mesas inchaladas da apreciação social, espreitamos pelo facebook, instagram, whatsapp… Os novos autores da calhandrice foram-se travestindo de bloggers, de youtubers, de influencers, de humoristas… numa boa dose de irreverência sem assumirem as consequências das atoardas quase-irresponsáveis com que se tentam afirmar pela asneira…

2. Qual a razão de um certo silêncio sobre algumas das intervenções de tais ‘profissionais’ da bisbilhotice? Teremos de continuar calados, assistindo impávidos às atrocidades com que rotulam os outros? Isso que fazem em que capítulo está da educação? Sob a presunção de ‘arte’ teremos de conviver com quem ganha a vida a trucidar a honra dos outros? Até onde irá a complacência social e cultural para com estes malfeitores armados de educadores do povo? Por que se promovem espetáculos com tais cultivadores da má-língua contra tudo e não respeitando ninguém? Esta nova literatura de cordel, deixará rasto ou criará ambiente para o quanto-pior-melhor?

3. Pelo que podemos perceber estamos a transformar-nos num país com galopante propensão de nada fazermos de útil, enquanto desfazemos o pouco que ainda resta. Está em maré de saldos a criatividade, o investimento nas capacidades humanas e na promoção do humor precisa de ser mais cuidado, pois com chavões de má educação deixaremos perder o que ainda resta de sensibilidade à boa disposição e ao rir como pedagogia social e pessoal. O país está macambúzio e isso nota-se na agressividade com que as pessoas se tratam e se descuidam em se entreterem a dizer mal dos outros e não suportando com novo ânimo as agruras inerentes da vida.

4. «A maledicência e a calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra é o testemunho social prestado à dignidade humana e todos gozam do direito natural à honra do seu nome, à boa reputação e ao respeito. Por isso, a maledicência e a calúnia lesam as virtudes da justiça e da caridade» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 2479).

Perante esta definição descritiva podemos e devemos colocar questões àqueles/as que, sendo cristãos, gastam o seu tempo a dizer mal dos outros, isto é, na bisbilhotice ou fofoquice, mesmo na de índole social. Desgraçadamente há tantos que até comungam Cristo na hóstia consagrada e com a mesma língua falam mal dos outros, sem qualquer pejo nem respeito. É confrangedor constatar tal posicionamento até pelo escândalo que isso provoca naqueles que não são praticantes da fé.

5. Urge, por isso, corrigir muita da maledicência que pulula na nossa sociedade e nas várias instituições, incluindo da Igreja católica. Assim consigamos ter tento na língua e não vejamos nos outros só os nossos próprios defeitos. Coerência a quanto obrigas!



António Sílvio Couto

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Dar as razões da nossa esperança

 

«No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça» (1 Pd 3,15).

Neste tempo somos chamados a assumir as razões da nossa esperança, tornando visível e percetível a quem no-lo solicitar, o que nos leva a ser cristãos e, sobretudo, anunciadores de Cristo ressuscitado.

1. Em certas regiões do nosso país é costume, por ocasião da Páscoa – no próprio domingo e no dia seguinte, bem como nalguns casos até durante a semana da oitava – fazer a visita pascal, também designada de compasso. Ora, este ano pareceu verificar-se algo que nunca tinha acontecido – pelos dados que fomos recolhendo – e de uma forma quase inesperada: um número muito reduzido de casas/famílias acolheu tal tradição, ao mesmo tempo que se notava uma certa tristeza no ar… Pode não ter sido geral, mas pareceu quase generalizado em certas povoações.

2. Quais as causas de ter havido um decréscimo de interesse em receber a visita pascal ou o compasso? Foi devido à interrupção verificada com a pandemia? Que terá influenciado esta desmobilização quase consertada? As notícias sobre questões relacionadas com o clero criou um caldo de rejeição das populações a esta tradição tão popular e festiva? Terão sido, pelo contrário, razões de índole económica a retrair os participantes? O fechar da porta à visita pascal revelará um fechar da porta a Cristo pela via social? Não precisarão os crentes agora de pedir a bênção das casas, pela aspersão da água batismal?

3. São múltiplas as motivações para que se tenha conjugado algo que anteriormente era razão de festa. Com que alegria se gerava convívio entre parentes e vizinhos. Com que simplicidade as portas das casas se abriam, mesmo que os meios económicos fossem parcos, isso não interferia no ‘receber da Cruz’. Pelos dados que tomei conhecimento houve quase uma mensagem transversal em vários lugares, sobretudo, na região do Minho. Mais do que a surpresa pelo acontecido, talvez seja de utilidade pastoral e de reflexão de todos – particularmente dos responsáveis e dos intervenientes no assunto – fazer um diagnóstico das causas, tentando atalhar as consequências mais mínimas, sinceras e a curto prazo.

4. É claro e notório que não podemos confundir a árvore com a floresta, mas se algumas árvores mais significativas da floresta apresentam fatores de risco, será urgente analisar o que está a acontecer…antes que toda a floresta seja empestada da mesma mazela. Dá a impressão que este fenómeno é mais do que uma mera coincidência de fatores, possam uns ser mais de ordem sociológica, sejam outros quase sistémicos, pois atendendo novamente aos dados conhecidos a questão pareceu mais profunda do que ocasional.

5. Na minha visão defendo a visita pascal ou o compasso, sabendo adaptar-se aos tempos e aos momentos de cada lugar e circunstância. Já não será preciso reduzir ao compasso a presença do padre/pároco. Talvez ele deva formar – com tempo e qualidade – grupos de anúncio capazes de desempenharem tal tarefa. Será útil desligar o compasso da recolha económica dos fregueses – como acontecia noutros tempos com mais clero e menos povoação, isto é, em tempo de cristandade… essa finou-se! Porque não incluir, preferencialmente, as mulheres como principais testemunhas da visita pascal, à semelhança do que dizem os textos evangélicos? Parece que a invocação da presença de Deus, com a cruz do Ressuscitado, a aspersão da água-benta e o parco tempo de oração deveria motivar as famílias, aí onde são igrejas domésticas de verdade.

6. Por contraste creio que será de diagnosticar as causas mais profundas de tudo isto, numa tentativa de renovar este momento de anúncio de esperança, que é visita pascal ou o compasso, apresentando as razões mais simples, sinceras e serenas, num tempo tão ávido de outros fatores de confusão, de rejeição da presença do divino e, sobretudo, segundo um plano mais ou menos orquestrado por forças apostadas em afrontar o cristianismo e os valores que o caraterizam… Ousadia, precisa-se!



António Sílvio Couto

terça-feira, 11 de abril de 2023

Como hão de sair, se nunca entraram?

 

Esta pergunta parece ser atribuída ao Papa Bento XVI, numa leitura do afastamento de muitos cristãos da Igreja. Ele que escreveu a ‘Introdução ao cristianismo’, na já longínqua década de sessenta do século passado (editado em 1968 enquanto Joseph Ratzinger), como que colocava, nesta pergunta, o dedo na ferida de tantos que se desculpavam com a discordância quanto à Igreja para dela se desligarem mais praticamente...

Ora, decorridos estes dias de afazeres pascais, no interior dos templos, fomo-nos apercebendo dos lugares deixados vazios em muitos dos nossos espaços de celebração. Aquilo que em tempos não muitos recuados eram às centenas, agora quedamo-nos por parcas dezenas ou até contando-os pelos dedos. Mais acentuadamente vimos trocarem os dias de descanso pela participação nas celebrações da fé cristã. Os lugares de veraneio encheram-se, enquanto os templos se esvaziaram...

1. O que levou a verificar-se mais acintosamente este processo de afastamento dos praticantes da religião católica? Quais as causas mais profundas? Como serão as consequências no futuro próximo? Qual o papel dos acontecimentos tão difundidos das mazelas dos padres – diga-se ‘abusos sexuais’ – nesta debandada? Como explicar a redução de casas que se abriram para receber a ‘visita pascal’ nalgumas terras tradicionais do norte de Portugal? Haverá alguma proporção entre o processo de mundanização com a insistência da comunicação social nos problemas dos membros da Igreja?

2. É notório que muitos dos nossos fregueses são-no por conveniência nem sempre declarada. Inseridos numa religião tradicional de cariz sociológico vão andando até que encontrem outras motivações de crença. Com que facilidade trocam de igreja, quase mais depresssa do que de lugar de compras. Muitos dizem-se praticantes, mas não explicam do quê. Talvez usufruam das regalias de irem à missa quando e onde lhes convém, mas não se fidelizam a um lugar de compromisso e de caminhada. Poderão ser mais fiéis à marca de sabonete ou champô ou ao restaurante de fim-de-semana do que à paróquia onde residam ou onde se empenhem em se formarem na fé. Em tempos um teólogo italiano chamava a esse tipo de crentes, os ‘cristãos pirilampo’, isto é, que pousam onde lhes interessa, mas sem vínculo a nada nem a ninguém.

3. Numa atitude quase ‘assasina’ continuamos, na Igreja católica da maior parte das dioceses do nosso país, a alimentar fatores que agravam a saída de tantos cristãos a quem aceitamos que se lhes dê o rótulo de ‘não-praticante’, quando querem casar na igreja. Até para que a fuga não seja tão rápida fazemos de conta que os processos podem ser tratados com a dispensa de impedimento de disparidade de culto, quando um deles não é batizado. Em vez de lutarmos para que haja separação dos processos civil e canónico, continuamos a fazer-de-conta que temos pagãos a celebrar sacramentos... Em tudo isto não há nada de sério e muito menos de correto para com as consciências. Nestes casos nem entraram nem sairam, só passaram e de raspão...

4. Com que ligeireza alguns jornaleiros de serviço à confusão reinante foram elencando as ausências dos penitentes nas confissões da quaresma deste ano. Uns tantos apresentaram dados confrangedores, mas que lhe sabiam a vitória mal amanhada, naquilo que parece ser consequência dos casos graves verificados na Igreja em Portugal. Segundo a perspetiva duma parte ideológica da sociedade atual, já só falta trazer à liça a expressão da carbonária da primeira república, quando os padres eram rotulados de ‘corja’, com os demandos de antanho... O plano está traçado e começa a dar frutos. Ainda não o vimos, com verdade?

5. Conta-se que um padre quis, um dia, colocar à prova os fiéis que tinha na igreja. Combinou com um determinado sujeito que entraria no templo e ao som de uma rajada de metralhadora, diria: quem está disponível a morrer por Jesus? Boa parte fugiu rapidamente. Nova investida e saiu outra parte. Por fim, novo repto... e ficou um resto, ao que ele disse: padre, pode continuar, agora sabe com quem conta...



António Sílvio Couto

segunda-feira, 10 de abril de 2023

‘Visita pascal’ (compasso): tradição e desafio

 


Quem não seja da zona norte do país terá algum dificuldade em entender isso que, por estes dias, polariza muita da fé religiosa de tantos católicos: saídos da igreja percorrem as ruas e vielas de cidades e aldeias, levando a mensagem da ressurreição de Jesus e convertendo em alegria os festejos pascais.

Normalmente cada grupo do ‘compasso’ é composto por alguém que preside (pode ser o padre ou quem o represente) e que faz um momento de oração com a família que recebe, uma cruz enfeitada (ou uma imagem de Cristo ressuscitado), uma pessoa que leva a caldeirinha com a água-benta (para aspergir as casas) e mesmo quem chama a atenção da proximidade do ‘compasso’ com uma pequena campainha...Os grupos podem ser mais ou menos numerosos e a sua composição segundo as possibilidades.

Houve tempos em que esta tradição estava ligada à visita pessoal do pároco aos seus fregueses e, em certas circunstâncias era a forma de ele recebe o contributo das famílias para o seu mister, sendo isso designado de ‘folar’... Com o crescimento das povoações, a diminuição de clero e, nalguns casos, o seu envelhecimento, foram surgindo ‘novas formas’ de organizar o compasso, sobretudo, com a participação dos leigos nesta tarefa eclesial...

Feita esta abordagem algo genérica ao tema, gostaria de deixar uma espécie de testemunho da minha vivência em relação à visita pascal.

– Fiz a função de presidir a um grupo do compasso tinha cerca de dezoito anos, em Outiz, Vila Nova de Famalição, substituindo um padre bastante idoso e doente. Foi uma sensação um tanto esquisita: ir para um lugar desconhecido e numa função clerical precoce. Posteriormente integrei com vários grupos de compasso na Vila das Aves, ainda só com seminaristas e poucos leigos... Durante cinco anos tive a tarefa de fazer o compasso na Correlhã, Ponte de Lima, substituindo o pároco idoso, onde cheguei a visitar mais de quinhentas casas em dois dias... Já como padre fiz ainda a visita pascal em Creixomil, Guimarães... Nestes vários lugares fui ouvindo alguns mais pessimistas a profetizarem o fim desta tradição do compasso, porque não havia padres para o fazerem... Coisa bem diferente sentia, na medida em que este anúncio da ressurreição de Jesus nunca estaria em causa se o soubéssemos organizar de forma diferente e incluindo os leigos na solução.

– Quando já padre não fiz mais a visita pascal, nas paróquias de Celeirós e Vimieiro, Braga. Foi passado a ato o que antes pensava: vários grupos, compostos por leigos e leigas, saíam de manhã cedo e até à hora de almoço com o compasso. Da novidade se tornou normal e hoje o compasso subsiste sem que o padre tenha de se gastar com atividades que podem ser executadas por outros... claramente sob a sua orientação mas sem que seja precisa a participação direta.


= A visita pascal ou o compasso tem muitas potencialidades, pois permite levar para a rua o anúncio de Cristo ressuscitado, numa mensagem simples, direta e cativante de um cristianismo sem medo nem peias. Embora a expressão do compasso seja mais visivel ao norte de Lisboa, já se veem sinais dele até no Alentejo e Algarve. Seria de refletir sobre o modo de torná-lo mais atualizado, descomplicando a função meramente social que se nota em certas localidades mais tradicionalistas ou que se deixam ficar pela exterioridade da fé. Se bem organizado o compasso pode ser um fator de festa onde seja posto em ato.


= Nota – a foto que ilustra este texto encontrei-a na internet, sendo de um padre pároco (colega e amigo do seminário) de Paredes de Coura, falecido há cerca de dois anos.



António Sílvio Couto

terça-feira, 4 de abril de 2023

Um inciso escusado…na ‘oração universal’ da 6.ª feira santa

 


Por proposta da Conferência Episcopal Portuguesa foi sugerido que, na ‘oração universal’ da próxima sexta-feira santa, seja incluída uma nova petição (IX b) com a seguinte redação:


«IX b. Pelas Pessoas vítimas de abusos de poder, de consciência e sexual

Oremos por todas as Pessoas vítimas de abusos;

para que Deus nosso Senhor conceda a cura das suas feridas,

coragem aos que as acompanham, conforto às famílias

e torne cada vez mais a Igreja um ambiente seguro.

Oração em silêncio. Depois o sacerdote diz:

Deus eterno e omnipotente,

Fonte da paz e de toda a luz,

ouvi benignamente a aflição dos vossos filhos e filhas que sofrem todo o tipo de violência;

aliviai a sua dor, dai coragem a quem está a seu lado,

e fazei com que todos sintam o vosso abraço de compaixão,

ternura e misericórdia,

no tempo de purificação e reparação.

Por Cristo nosso Senhor».

Ora, quem conheça – e tenha estudado minimamente, na hora devida – esta mais antiga, solene e simbólica ‘oração universal’ da Igreja de Roma saberá que ela se carateriza por dois movimentos concêntricos e dinâmicos – a dimensão cristológica e a vivência eclesial. Além do mais, quem tenha sido aluno do excentísimo professor de patrística, doutor Joaquim Bragança, ouviria agora a sua observação típica e gestual: tirem-me isso da vossa cabeça…

- Sim, com a minha parca capacidade de perscrutar as incidências enunciadas, não vejo claramente uma razoável fundamentação cristológica e tão-pouco se nota a alusão à dimenão eclesiológica.

Parece-me, por isso, que este acrescento, além de vir fora do tempo – esse em que a Igreja tem sido, normalmente, exímia em saber gerir – precisa de ser melhor decantada no conteúdo e na forma. Aconselhava-se mais discernimento, sem se deixar ir na onda de mostrar serviço aos que do mundo querem forçar a ver resultados, bem como seria mais avisado que os responsáveis cimeiros das dioceses soubessem ter capacidade de não entrar na pressa com que uns tais (ditos) independentes preferem mais o sacrifício (justicialista e quase-mundano) do que a misericórdia (de Deus e feita sacramento na Igreja)…

- Vejamos, sucintamente, as dez vertentes da oração universal da sexta-feira santa: pela santa Igreja, pelo Papa, por todos os ministros e fiéis, pelos catecúmenos, pela unidade dos cristãos, pelos judeus, pelos que não creem em Cristo, pelos que não creem em Deus, pelos governantes, pelos atribulados.

Estas grandes dimensões da intercessão da Igreja católica emergem da comunidade dos crentes reunidos para a celebração do mistério da Paixão do Senhor.

- Considero, por isso, algo abusivo, estender a toda a comunidade da Igreja católica, em Portugal, mais uma vez e quase de forma acintosa, este problema que está subjacente à proposta de oração apresentada. Seria tolerável que fosse apresentada noutras circunstâncias e espaços. Basta de pisar na ferida e de escarafunchar nela ainda mais. Não sairei , na celebração de 6.ª feira santa, da linha oficial da Igreja universal, sem querer entrar nas curvas de um caminho que ainda não se percebeu aonde nos leva, quem o conduz e, sobretudo, quem esá a manobrar esta campanha, por vezes, sem rosto nem promotores…declarados!

Sim, a paixão de Cristo continua.



António Sílvio Couto

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Significado do ‘cordeiro imolado’

 

Boa parte das pessoas, que ainda tenha laivos de tradição cristã, confere, pela ocasião da Páscoa, pelo menos naquilo que à gastronomia se refere, algum relevo onde o ‘cordeiro’, o ‘borrego’, o ‘cabrito’ ou mesmo o ‘anho’ – conforme as regiões e tendo em conta as diversas incidências culturais e tudo quanto pode ajudar a percebê-las.

Não vamos conjeturar sobre as iguarias culinárias, mas pretendemos tão-somente abordar algumas implicações socio-religiosas de quanto pode estar – mesmo que inconscientemente – a ser desvirtuado, se esquecermos a vertente mínima de fé...mais ou menos religiosa subjacente.

1. Citamos uma intervenção significativa de uma das figuras mais importantes da Igreja católica nos finais do século passado e até há pouco dias no tempo presente, o cardeal Ratzinger/Bento XVI.

«Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado» (1 Cor 5, 7): ressoa hoje esta exclamação de São Paulo que ouvimos na segunda leitura, tirada da primeira Carta aos Coríntios. É um texto que remonta apenas a uns vinte anos depois da morte e ressurreição de Jesus e no entanto – como é típico de certas expressões paulinas – já encerra, numa síntese admirável, a plena consciência da novidade cristã. Aqui, o símbolo central da história da salvação – o cordeiro pascal – é identificado em Jesus, chamado precisamente «o nosso cordeiro pascal». A Páscoa hebraica, memorial da libertação da escravidão do Egipto, previa anualmente o rito da imolação do cordeiro, um cordeiro por família, segundo a prescrição de Moisés. Na sua paixão e morte, Jesus revela-Se como o Cordeiro de Deus «imolado» na cruz para tirar os pecados do mundo. Foi morto precisamente na hora em que era costume imolar os cordeiros no Templo de Jerusalém. O sentido deste seu sacrifício tinha-o antecipado Ele mesmo durante a Última Ceia, substituindo-Se – sob os sinais do pão e do vinho – aos alimentos rituais da refeição na Páscoa hebraica. Podemos assim afirmar com verdade que Jesus levou a cumprimento a tradição da antiga Páscoa e transformou-a na sua Páscoa» – Bento XVI, ‘Homilia’, Domingo de Páscoa, 12 de Abril de 2009.

2. Quem se banqueteia com o borrego (cordeiro ou cabrito), nesta época da Páscoa, já terá percebido, de facto, o alcance mais profundo desse gesto?Teremos consciência de que degustar tal iguaria tem mais profundidade histórica e simbólica do que julgamos? Nisto como noutros casos, não se andará a usufruir das consequências sem atendermos às causas? Na abrangência materialista de ‘comer’ o cordeio (borrego ou cabrito) não ficaremos mais no consumismo do que na força de sinal (piscológico e espiiritual) dessa refeição? Não será que ainda vivemos num certo espírito de cristandade, onde sociedade e religião se confundiam, embora se tenham vindo a distanciar ou verificando-se alguma menosprezo?

3. Nos tempos que correm é da máxima utilidade haver clareza de ideias para que não se verifique confusão de linguagem nem tão pouco de comportamento. Assim, será de todo em todo necessário explicar a razão de ser das coisas para que não haja quem se aproveite da espuma das coisas, confundindo termos e atitudes. Soará a hipocrisia a promoção de ‘comidas pascais’ quem da vivência desta essencial celebração não quer acertar as razões e os momentos mais significativos. Mais uma vez se reveste de oportunismo apelidar de ‘férias de Páscoa’, quem delas só aproveita o que lhe dá contentamento, regalias e favorecimento egoísta ou de grupo. Até alguns grupos ligados à Igreja católica aproveitam estes momentos de fé comunitária para promoverem as suas atividades, que bem podiam serem localizadas noutras oportunidades...

4. Enquanto vivermos nesta futilidade de uma religião descomprometida com os outros porque superficial para com Deus, veremos múltiplos fenómenos de pseudo-religiosidade, que mais não fazem do que viver o que diverte, mas não compromete. O ambiente está algo tenso... Não se nota?



António Sílvio Couto