Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Do consumo pela corrupção ao civismo…cristão


Estas quatro palavras iniciadas com a letra ‘c’ podem ajudar-nos a dimensionar, de força diferente, a nossa caminhada de Advento…rumo ao Natal de Jesus, isto é, verdadeiramente cristão na vida do dia-a-dia.

 

* Sobre o consumo – melhor seria dizer consumismo – temos a dita ‘6.ª feira negra’ (black friday) com que somos ‘presenteados’ nesta crescente sociedade consumista na última sexta-feira do mês de novembro: uma ‘invenção’ americana do capitalismo, mas onde os mais resistentes não-capitalistas se regalam a encherem com coisas e mais coisas…muitas delas sem grande proveito ou mesmo necessidade.

O ministro do ambiente português, por seu turno, lançou um repto aos cidadãos para que não entrassem na onda, dizendo que o dia de descontos nas lojas (na ‘6.ª feira negra’) é um contrassenso, classificando a iniciativa como o ‘expoente máximo e negativo de uma sociedade capitalista’ e rotulando os ‘consumidores de utilizadores’…

Atendendo a que a ‘6.ª feira negra’ está próxima ao tempo de Natal podemos ver nela a abertura ao frenesim das compras natalícias…num ritual quase amorfo, insípido e bastante colorido.

De facto, vivemos num tempo onde as pessoas se vão preenchendo com coisas de índole material, tentando estar ao ritmo de alguma atualização nas modas, investindo somas de dinheiro imensas e dando a impressão que um novo deus tem de ser servido a todo o custo e sem limitações.

 

* Em breve teremos o ‘dia internacional contra a corrupção’, a 9 de dezembro, isto é, na véspera do ‘dia mundial dos direitos humanos’, recordando esta data na qual, em 1948, foi feita a declaração universal dos direitos humanos…

Sobre o ‘dia contra a corrupção’, a Comissão nacional justiça e paz recorda que ‘três triliões de dólares são perdidos anualmente em esquemas de corrupção’. Na sua mensagem para este próximo ‘dia contra a corrupção’, a CNJP relembra o que o Papa Francisco, na sua recente visita apostólica a África, ‘apelou aos governantes para lutarem com determinação contra formas endémicas de corrupção e especulação que aumentam a disparidade social e empobrecem as nações’. Por último é sugerido pela CNPJ que haja uma ‘recusa de colaboração na corrupção, de denúncia do fenómeno e sobretudo de difusão de uma cultura de honestidade e de serviço ao bem comum’.

Tem de chegar a hora de passarmos das palavras aos atos, isto é, de querermos considerar a existência deste cancro social, que é a corrupção, mas depois pactuamos com pequenos gestos de não submetermos ao controlo do fisco as transações mais pequenas ou maiores. Parece que, mais uma vez, somos bons em denunciar, mas calamo-nos quando podíamos fazer mais e melhor…

 

* O terceiro termo enquadra-se aqui: o civismo é e será essa forma de estarmos em sociedade, assumindo as consequências de sermos cidadãos sempre e não só quando nos convém.

Temos visto várias campanhas a apelar ao civismo, desde a separação do lixo, passando pelo cuidado para com os espaços públicos, mas nada frutificará se não for consistentemente assimilado a partir da mais tenra educação. Ora, isso tem de envolver múltiplas entidades, sem nunca esquecer que a família é quem, prioritariamente, educa. Conferir esta tarefa só à escola é deitar a perder a mais básica consciencialização do que é a família e das suas inolvidáveis tarefas humanas, cívicas e culturais.

Atendendo à origem etimológica de ‘civismo, cidade, civilização’ podemos encontrar o contraste com esse outro termo ‘pagus’ (campo). Assim os pagãos (rudes, não civilizados) eram os que viviam no campo, sem civilização, pois esta era adquirida na cidade, onde viviam os cidadãos. Ora, quando vemos hoje tantos rudes na cidade como que temos de questionar, para além da ruralidade subjacente aos comportamentos, os conteúdos de civilização adquiridos…nos guetos citadinos.

 

= Não será o consumismo uma forma de incivilidade, ao sabor do materialismo de vida? A corrupção não esconde a falta de civismo e de respeito pelos outros? Talvez o cristianismo possa ajudar a civilizar-nos…

   

António Sílvio Couto

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Esposo da marida…uma outra visão social?


Por estes dias ouvi esta expressão: ‘esposo da marida’. As pessoas em referência são um homem/masculino (‘esposo’) e uma mulher/feminino (‘marida’)…Não há, num primeiro momento, qualquer referência a essa linguagem de género, nem como ideologia e tão pouco na versão de conveniência…acirrada.
Ao usar aquela expressão talvez se esteja a querer dizer que, quem manda lá por casa, é ela e não ele, na medida ela tem a ascendência nas decisões e não ele, como por vezes se dá a impressão de dizer e, particularmente, de fazer… Mas terá sentido algum esta distinção de quem manda e de quem obedece? Será isso essencial para traçar as linhas-mestras de um relacionamento estável entre um homem e uma mulher? Até que ponto se tornam hierarquizadas ou mais democráticas as decisões entre homem e mulher, sob o regime de vida em comum?

= Li em tempos a seguinte definição de casamento: é uma soma de afetos, uma subtração de liberdades, uma multiplicação de filhos e uma divisão de bens!
Ora, perante tantas notícias de ‘casos’ entre as pessoas que vivem em comum, onde a violência tem, hoje, foros de vergonha, de ofensa e mesmo de criminalidade, será de questionar tal ‘definição’ ou de ir em busca das causas daquilo em que a família – era assim que deveríamos considerar o relacionamento estável entre um homem e uma mulher – se tem vindo a tornar…mais como espaço de conflito do que como lugar de oportunidade de convivência harmoniosa, salutar e de vida.
Vão surgindo novos termos para caraterizar esta onda que está a percorrer vários países. ‘Feminicídio’ é uma delas, na medida em que envolve várias formas de agressividade para com as mulheres, desde o âmbito verbal ao físico, passando pelo psicológico, sobretudo tendo em conta a sua incidência mais doméstica…
Há, no entanto, perguntas que me têm vindo a surgir de forma recorrente, ao sermos matraqueados – quase diariamente – com episódios de agressão, de conflitualidade, de abusos e – em tantos casos – de morte. De facto, os números são assustadores, seja qual for o país. Exemplos de vítimas de violência doméstica – dados recentes – com mortes: em Portugal: 33; em França: 137; na Alemanha: 189; no Reino Unido: 70; em Itália: 65; na Roménia: 60…
Ora, com estes dados disponíveis, estaremos a caminhar para uma maior brutalização das pessoas? Os sinais de civilização caducam perante estes números arrepiantes entre portas? Porque cresce desta forma a agressividade? O que contribui para termos mais casos, se as leis se tornaram mais exigentes? O acentuar da agressão por parte dos homens não esconderá outros objetivos? Por que são pouco difundidas notícias de violência (agressividade, conflitos e mortes) entre os pares homossexuais, porque não há ou porque interessa mais atacar o relacionamento heterossexual? Não estará em marcha uma campanha contra a família, desacreditando primeiro as relações entre homem e mulher, para depois reconstruir algo mais subterrâneo?

= Diante destes desafios – mais à procura de solução do que na busca de acusados – torna-se urgente refletir sobre a antropologia que está a ser desenvolvida na nossa sociedade. Antes de mais é anti-judaico-cristã. Depois podemos encontrar múltiplos preconceitos para com aquilo que foi considerado até há bem pouco tempo como fator de normalidade: o relacionamento estável, sobretudo pelo casamento e mesmo pelo matrimónio, entre um homem e uma mulher. O projeto de família está a ser descartado como algo menosprezível. Os laços entre as pessoas da família são ténues e facilmente quebráveis, seja qual for a idade ou mesmo a condição de ligação. Por seu turno, o Estado acha-se como que ‘dono e senhor’ de tudo e de todos, assumindo, nalguns casos, um papel substantivo, quando devia ser supletivo. A intromissão na esfera da família, nos seus diversos aspetos de consistência, é favorecida, senão mesmo incentivada. Cada vez mais estamos (ou podemos estar) sob a alçada de uma lei republicana, cuja ética despersonaliza e nos faz ser meras peças num puzzle manipulado por interesses materialistas e hedonistas… quanto baste.
Quando se devia aprofundar a dimensão personalista vemos surgirem de forma descarada certos mentores da visão socializante e internacionalista de indivíduos, de grupos e de associações. Para muitos somos parte de um ‘coletivo’ e não pessoas responsáveis numa comunidade…As funções (até) podem mudar…por decreto!

António Sílvio Couto

sábado, 23 de novembro de 2019

‘Zero’ – à direita ou à esquerda?


Quando ouvimos falar de ‘zero’ como que nos podemos encontrar, colocar ou referir à base, a partir da qual se há de construir, iniciar uma caminhada ou mesmo aferir da nossa vivência…humana ou cultural, sem esquecer que é a partir do zero que se conta a história, embora nela se refira o antes e o depois daquilo que é mais do que zero…
Nalguma linguagem usa-se a designação de ‘zero à direita da vírgula’ ou ainda ‘zero à esquerda da vírgula’. Na matemática colocar um zero à esquerda de uma vírgula não acrescenta em nada o seu valor. Por seu turno, colocar um zero à direita de uma vírgula acrescenta algo àquilo que se quer referir depois da vírgula… Atendendo a estas distinções convém compreender de que lado da vírgula colocamos o zero, não estejamos a valorizar o que não interessa ou a desprezar aquilo que, afinal, tem valor…

= Nos últimos dias tem-se falado de um fenómeno designado de ‘movimento zero’. Talvez não se saiba bem o significado, mas que tem vindo a criar engulhos em certas mentes, parece indesmentível. Desde lhe chamarem-lhe ‘movimento inorgânico’ até rotularem-no de direita e, sobretudo, de extrema-direita são alguns dos epítetos com que foi lida a ascensão, o desenvolvimento e a intervenção deste ‘movimento zero’ entre as forças de segurança e até na sociedade…
Nascido da contestação à sentença condenatória de alguns polícias, há cerca de seis, este movimento como que catapultou as reivindicações de todas as forças de segurança quanto às condições de trabalho, de remuneração e mesmo de alojamento…de guardas e polícias. Há quem considere que os sindicatos capitularam diante deste movimento dito de inorgânico e sem rosto das chefias. Dizem que os comandos distritais e as esquadras aderentes perfazem mais de dois terços do âmbito nacional…
Por ocasião da recente manifestação nacional (21 de novembro) surgiram no horizonte acusações de ligação deste ‘movimento zero’ a fenómenos políticos transnacionais, pois no gesto feito com as mãos os manifestantes uniam, em forma de zero, o polegar e o indicador, deixando os outros dedos levantados, naquilo que poderia sem entendido como um ‘w’. Ora, nessas incidências político-ideológicas, certos comentadores – conotados com a pretensa esquerda e arregimentados pela extrema-esquerda – viram nisso alguma semelhança com os movimentos racistas, onde o ‘w’ simboliza ‘white’ (branco) e o zero, em jeito de ‘p’ de power (poder), que daria a leitura de ‘poder branco’ de certos grupos racistas e de partidos ditos de populistas de extrema-direita.
Tendo ainda em conta o razoável complexo com que alguns da ‘esquerda’ lidam com a autoridade – as forças de seguranças parecem-lhes o fantasma dessa intervenção – logo criaram mitos sobre aquilo que, até ver, pode ser fruto de coincidências ou mesmo de ignorâncias sobre o alcance dos gestos. Com efeito, para fazer um ‘zero’ com as mãos basta unir todos os dedos sem deixar os três em forma de ‘w’…
Será isso que explica a forma cobarde com a maioria dos partidos, com assento parlamentar, se comportou na manifestação de 21 de novembro? Porque se deseja tanto manter a condição de segurança do país – enchem a boca com as ditas seguranças para fazer crer que nos procuram por essa razão – no entanto fogem dos polícias como se fossem clientes fora-da-lei? Não haverá muito de oportunismo em tantos destes episódios com que somos intoxicados por alguma comunicação social mais atreita ao escândalo e ao sensacional do que ao dar as notícias com isenção, independência e honestidade?

= Retomando a leitura do ‘zero à direita’ e do ‘zero à esquerda’ fica-nos a sensação de que muitos, que se pretendem fazer passar por zeros à direita, não passam mesmo de zeros à esquerda, isto é, pouco acrescentam, antes subtraem, desde as suas posições ideológicas até às pretensões sociais, sem esquecer a nulidade – zero à esquerda – dos jeitos de estar, de se comportarem e mesmo de se assumirem como pessoas com princípios e valores reputados de democráticos…na sua visão.
O que temos percebido são uns tantos laparotos – manhosos e espertalhões – que se esgueiram medrosos quando veem que não conseguem continuar a vender o produto fantástico com que enganaram os eleitores há pouco mais de um mês atrás. A memória é curta. Importa, por isso, avivá-la para que não haja manipulação, mentira e tanto disfarce!     

António Sílvio Couto

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

‘Amazónia’ – palavra do ano?


Chegados a esta etapa do ano civil começam a surgir sugestões para encontrar a ‘palavra do ano’. Inclusive por estes dias, a entidade promotora da iniciativa em Portugal – ‘Porto editora’ – fez chegar um convite para que possamos participar na indicação da ‘palavra do ano’ de 2019.

Fazendo jus à participação solicitada enviei como palavra escolhida – ‘amazónia’.

Passo a explicar a razão desta sugestão.

Duas principais razões, que explicarei para esta sugestão: os fogos lá ocorridos especialmente em agosto deste ano e mesmo o sínodo dos bispos católicos, que aconteceu no passado mês de outubro, em Roma.

 

* A Amazónia inclui territórios pertencentes a nove nações. A maioria das florestas está contida dentro do Brasil, com 60% da floresta, seguida pelo Peru com 13% e com partes menores na Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
A Amazónia tem cerca de seis milhões km². A Amazónia é atravessada por milhares de rios, entre eles o grandioso rio Amazonas. Entre as cidades ribeirinhas, com arquitetura do século XIX que data do início da exploração de borracha, destacam-se Manaus e Belém, no Brasil, e Iquitos e Puerto Maldonado, no Peru.
Na Amazónia brasileira vivem cerca de 23 milhões de pessoas, segundo o censo 2010, distribuídas em 775 municípios de nove estados...num conjunto de 80 etnias.

* Sobre a área ardida na Amazónia em 2019 (entre janeiro e agosto) foi maior do que em todo o ano de 2018, quando se cifrou em 43.171 km2. O mesmo se aplica aos anos de 2013 (36.009 km2 no total) e 2011 (40.557 km2 no total). Só no mês de agosto deste ano, ardeu, na Amazónia, o correspondente a 4,2 milhões de campos de futebol.
E nem as disputas entre forças ideológicas no Brasil e fora dele conseguem atenuar a gravidade do assunto não só para a região como para o resto do Planeta. É pena que se tente manipular algo que envolve todos pela mera usura de alguns...

* De 6 a 27 de outubro decorreu, no Vaticano, um sínodo especial dos bispos sobre a Amazónia, sob o título de ‘Amazónia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral’. Foram dias em que esta região do Planeta esteve em maior atenção (visibilidade, discussão e compromisso), envolvendo os vários níveis de análise, de intervenção e de desafios para o futuro. Talvez tenha sido pena que a discussão eclesial sobre a Amazónia se possa ter reduzido à possibilidade de virem a ser ordenados padres homens casados (cf. documento final do Sínodo, n.º 111), como foi afunilado por certa comunicação social... Há por lá muita mais vida do que estas questiúnculas ocidentais/europeias de quem troca a floresta pela árvore.

 

Atendendo a estes dois itens sobre a Amazónia e dada a dimensão cultural que o tema tomou, sobretudo, desde o verão, creio que seria uma boa medida incluir a Amazónia como palavra deste ano de 2019.

Aqui fica uma sugestão…  

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Aprender com a reprovação


Foi lançada para a discussão – mais política do que educativa – o tema de não-haver retensões (vulgo, reprovações) até ao nono (9.º) ano de escolaridade…aí pelos quinze/dezasseis anos.
Se há quem seja abertamente a favor, há quem conteste a medida: uns porque em nada se beneficia o aluno em reprovar, outros porque isso criaria facilitismo e pouco interesse nos estudos…outros ainda mais parece que têm algo a esconder do seu curriculum ou que estão a tentar iludir alguém – as estatísticas ou as entidades europeias – ao maquilharem a falta de capacidade em viverem na verdade…
Por ser uma questão algo polémica ouso deixar a uma vivência…não que seja muito diferente da de tantos outros. Efetivamente depois da quarta classe entrei, em 1969, no seminário menor de Braga. Éramos mais de cem alunos só nesse primeiro ano. Por razões várias não consegui passar de ano ao final desse tempo letivo. Reprovei a matemática e a francês. Nessas férias de verão, em 1970, tive o tratamento adequado por parte de minha mãe, perante os sacrifícios que fizera para eu poder estar fora de casa, com os gastos inerentes. Nessas ditas férias tive terapia de choque: nada de facilitações, a horas ou desoras fui para o monte carregar fagulha, mesmo que isso nem fosse necessário. Só tinha onze anos… Decorrido esse tempo voltei aos estudos no mesmo seminário e eis que as melhores notas do novo ano foram àquelas disciplinas…Obtive, ao final do ano repetido, nota suficiente para me candidatar a uma bolsa de estudos que usufrui durante algum tempo, aliviando os custos familiares no pagamento das contas no seminário…
Agora, decorrido quase meio século, vejo com alguma normalidade aquela reprovação, que me fez aprender a valorizar ainda mais os sacrifícios familiares de suporte nos estudos e, sobretudo, que, por vezes, é preciso dar um passo atrás para dar, depois, dois em frente. Com efeito, nunca mais reprovei e nem na conturbada época do ‘prec’, em 1975, fui atingido pela espada damocleana, que varreu os meus companheiros de estudo: dos cerca de cinquenta que fomos a exame ao liceu, só uma dúzia fez as duas secções (letras e ciências) e eu fui um deles, mesmo que a nota não tenha sido muito elevada…bastou tão simplesmente passar por entre os pingos do fervor revolucionário do tempo… Foi há 44 anos atrás!

= Diante desta experiência de reprovação, ainda antes da idade daquela fasquia colocada nas pretensões governativas, poder-se-ão colocar algumas questões, tentando encontrar respostas adequadas ao assunto. Desde logo temos de considerar que as escolas não podem tender a tornarem-se num mero espaço lúdico ao sabor das várias idades, mas devem ser o lugar da aprendizagem em conhecimento e instrução, onde cada um dos intervenientes assume a sua função a tempo inteiro e não só quando convém. Por outro lado, mal irá uma instituição de ensino se se converter num espaço de entretenimento, como poderá dar a entender o projeto de não-reprovação/retenção na sua expressão mais fundamentalista.
* Por que há tanto medo de exigir aos alunos que sejam estudantes, transformando-os em pequenos joguetes de intenções menos boas de alguns que nos vão governando?
* Por que temos de aceitar que tratem os nossos alunos como estudantes menos capazes, reduzindo-os àquilo que as estatísticas arranjadas querem dar a entender de bom com falsidade?
* Por que teremos de viver na construção do ‘menor-denominador-comum’ quando podíamos nivelarmos por algo mais cima?
* Será que os mentores desta passagem sem reprovação foram bajulados por passagens administrativas do tempo do ‘prec’ e afins? 
= Quando parecíamos viver num tempo de maior exigência sobre o campo da educação vemos surgirem no horizonte nuvens sombrias, que nos irão criar novos problemas no futuro próximo. Agora se compreende um tanto melhor porque quiseram tirar da engrenagem as escolas (apelidadas de ‘colégios’ ou ‘externatos’) com contrato de associação, pois aí não iriam pactuar com tão ardilosa manha e subtil artifício, dado que os alunos/estudantes seriam muito mais escrutinados pelos pais e educadores.
De facto, nesta fase a (dita) escola pública está a correr para o abismo, mesmo sem disso se dar conta. Não será que ninguém acorda os timoneiros desta barcaça prestes a afundar-se?       

António Sílvio Couto

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Pisem-lhe a saia!


Numa ‘pedagogia’ algo questionável dizia um confessor sobre uma penitente um tanto irascível, quando incomodada ou melindrada: pisem-lhe a saia (mais comprida do que as de hoje) para verem como ela vai reagir! Claro que seria uma provocação (ou mesmo falta de educação) fazer isso a alguém que não se conheça, mas poderá ser um bom teste à qualidade/maturidade humana para connosco mesmos e àqueles/as que nos rodeiam e que até julgamos conhecer.

Como referia alguém, utente dos transportes públicos, se acontecer ser pisado por um outro pode dar-se uma de duas atitudes: se quem pisa pede desculpa, tudo segue, mesmo que a pisadela tenha magoado; coisa bem diferente será se alguém pisa outrem e não pede desculpa, pois pode ocorrer um conflito com consequências desagradáveis e talvez agressões…

Nesta aparente complexidade em ler os efeitos dos assuntos dos outros sobre nós – sobretudo se estamos em pistas diferentes de entendimento e de interpretação – temos sempre a aprender com aquilo que faz reagir os outros e muito mais daquilo que somos capazes de entender sobre as suas atividades…  

= Se isto é perigoso ao nível pessoal, torna-se incendiário no âmbito das corporações – tanto socioculturais como até políticas e ideológicas – se lhes quiserem questionar comportamentos atuais ou antigos. Veja-se o estardalhaço que fizeram no parlamento as forças marxistas-leninistas-trotskistas ao invetivarem uma resolução do parlamento europeu, de setembro passado, que condenou o nazismo e o comunismo naquilo que foram regimes políticos que cometeram ‘genocídios e deportações e foram a causa de perda de vidas humanas e liberdade numa escala até agora nunca vista na história da humanidade’… O nazismo durou pouco mais seis anos, o comunismo/estalinismo de 1920 a 1953…com as sequelas reinantes, no bloco de leste e afins espalhados pelo mundo até 1989…e ainda no poder na China, na Coreia do norte, na Venezuela, em Cuba, etc. Sabendo que alguns dos ocupantes do atual parlamento luso ainda perfilham as teses do marxismo/socialismo/comunismo foi bom de ver os impropérios ditos e insinuados, as declarações efervescentes e acaloradas, particularmente por quem está fixado no valor da sua saia e não atende nem entende os remendos que nela têm colocado… E nem o facto de ter caído o ‘muro de Berlim’, há trinta anos, faz certas pessoas reconhecerem o mal que os seus apaniguados fizeram à humanidade. A memória não esquece e a História não se reescreve conforme possa convir aos seus detratores…  

= Há, no entanto, outras agremiações e instituições – sobretudo de âmbito transnacional – como, por exemplo a Igreja católica (na sua extensão de espaço e no tempo pela internacionalidade), que têm vindo a reconhecer pública e notoriamente os seus erros e transgressões, pedindo perdão à humanidade pelas nefastas consequências dos seus atos e más opções. Sobretudo a partir do Papa João Paulo II, a Igreja católica tem vindo a pedir perdão por diversos e quase controversos assuntos da sua longa história, tais como a inquisição (sobretudo pelos abusos cometidos pelos tribunais), pelas cruzadas (razões e efeitos), por variadas omissões da Igreja e dos seus membros, sem esquecer o tema da escravatura e de tantos outros silêncios em diversas partes do mundo na conivência com regimes, poderes e autoridades…Desde Bento XVI, prosseguindo com Francisco temos escutado repetidos pedidos de perdão sobre assuntos relacionados com abusos sexuais e negligências de estruturas da Igreja, sem esquecer manipulações de consciência assumidas ou não-justiçadas… Em tudo isto é considerado o tema do perdão divino, sem nunca esquecer os malefícios do pecado humano. Com efeito, a saia tem muitos remendos e a batina (dos clérigos) apresenta bastantes nódoas…nesta complexidade de uma instituição com mais de dois mil anos entre luzes e sombras mais ou menos assumidas…diante dos humanos e, certamente, perdoadas por Deus. 

= Pisem as franjas da saia de muita da comunicação social e saberão as reações que os (ditos) comunicadores – jornalistas e/ou jornaleiros – usarão para vingarem os seus objetivos, nem sempre claros e não-subjetivos. Efetivamente é notório que o pretenso ‘4.º poder’ sabe usar por demais dos seus meios para que sejam criadas as condições para imporem quem lhes interessa… mesmo que, em tantos casos, de forma fatal.  

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Quando uma mãe abandona o filho


Desde o final da tarde do dia cinco de novembro que uma criança, encontrada por um sem-abrigo, num ecoponto do lixo, tem sido noticia constantemente. Soube-se depois que uma mãe, também ela a viver na rua, tinha dado à luz e, posteriormente, deixado o recém-nascido naquele local…
Os momentos de socorro dados à criança tornaram-se quase façanhas heroicas à mistura com alguma estupefação (condenação, questionamento e compreensão) quanto à mãe e às razões de tal ato.
Encontrada a autora do ato foi colocada em prisão preventiva – deixou de estar na rua, passando a ter um teto e condições de habitabilidade – alertou que falaria sobre as razões que a levaram a tal, quando for oportuno perante a justiça…
Não deixa de ser sintomático que este episódio da criança abandonada tenha ocorrido quando não muito longe – a distância entre a estação de Santa Apolónia e o Parque das Nações, em Lisboa – acontecia uma dita ‘web summit’ de novas tecnologias, com perfumes e laivos de riqueza… Deste acontecimento passou a falar-se menos, quando emergiu um facto humano tão básico, simples e trágico.
Poder-se-á dizer que somos um país a várias velocidades: num canto da sala uma cimeira para uns tantos instruídos na arte intergaláxica, nos fundos da divisão de arrumos algo tão triste quão ignóbil, nefasto e dramático… pelo meio certos fantasmas movem-se como autómatos ou como beneficiados nas notícias, sob os holofotes de uma certa comunicação social ávida de escândalos e de casos sensacionalistas. 
= Múltiplas perguntas se colocam perante a atitude desesperada daquela mãe… dada a conhecer como uma imigrante cabo-verdiana ilegal, com cerca de vinte e dois anos, a viver na rua e (talvez) sobrevivendo com expedientes menos lícitos, sem ligação com a família também a viver por cá…está ainda a ser investigada acerca de poder ter outros filhos no país de origem…
* Qual terá sido o desespero de uma mãe para abandonar daquele modo o filho? Fê-lo por debilidade (psicológica ou social) ou para chamar a atenção alheia? Como poderemos explicar este episódio num tempo onde se podem encontrar tantas soluções mais humanas e familiares?
* Aquela criança não ficará afetada para toda a sua vida? Atendendo a que nem foi acompanhada durante a gravidez, que sequelas ficarão? Sobrevirá à falta de colo, esta criança marcada desde o nascimento (e mesmo a sua gestação), pelo frio exterior e humano? Como se podem equilibrar os direitos da criança com os deveres da mãe?
* Socialmente estaremos capazes de saber responder a estes desafios com justiça e caridade? As posições sobre o caso têm valores um pouco mais do que materialistas? Como se pode conjugar cuidar com proteger, dar ambiente familiar e responsabilizar? Por que é que quase nunca vemos pronunciamentos de teor espiritual em casos desta natureza? Será por negligência ou por ausência de respostas no terreno? 
= Esta mãe precisa de ajuda, não a que lhe queremos dar ou consideramos que necessitará, mas a que ela precisa correta, digna e humanamente. Esta criança precisa de uma família e não de ser institucionalizada, já.            

António Sílvio Couto

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Teremos 2.631.559 emigrantes


Segundo dados da ONU era este o número de portugueses a residir fora do espaço territorial do nosso país, em 2019. O observatório da emigração deste organismo internacional considera ainda que 57% dos portugueses emigrados vive no espaço europeu, 40% no continente americano e 3% em África, Ásia e Oceânia.
Atendendo a dados anteriores, nota-se que está a cresce a emigração lusa no continente americano e a decrescer na Europa e na África.
Sempre fomos um país que teve ‘fronteiras’ muito para além dos limites territoriais visíveis. Quase sempre se encontra um português espalhado pelo mundo. Muitas vezes nos lugares mais inesperados vemos reminiscências da passagem ou da presença lusitana.
As razões da ‘nossa’ emigração são tão variadas quão imprevisíveis, isto desde tempos quase imemoriais. A aventura dos portugueses no mundo está quase ligada à sua natureza mais profunda de povo pequeno no tamanho, mas não nas aspirações. Os motivos e as motivações para emigrar foram sendo aferidos às épocas históricas (sociais, económicas e culturais), às condições de vida e até àquilo que se aspirava a concretizar mais depressa ou com tempo alargado.    
Se houve quem tenha atendido àquilo que os emigrantes desejavam, nos tempos mais recentes temos visto ser negligenciado o apreço, a atenção e o cuidado para com os emigrantes, nessa falácia de que temos vindo a tornar-nos um país de imigrados. Ora, os números supra apresentados configuram uma total mentira e um perfeito engano por parte de quem nos tem governado. Efetivamente, continuam a sair do país mais pessoas do que aquelas que pretensamente nos têm procurado. A continuarmos nesta sangria social teremos em breve uma espécie de risco em querermos acolher quem chega, mas desprezando quem parte, mesmo que estes tenham mais qualidade humana, de instrução e até profissional.
Há ainda um perigo mais subtil: se, em tempos, os emigrantes iam com a ânsia de um dia voltar, dá a impressão que hoje partem com menos boa intenção de regressarem. Se, anteriormente, as remessas económicas dos emigrantes eram uma fonte de financiamento e de investimento por cá, com as tropelias do setor bancário, vemos que muitos dos emigrantes já não fazem reverter as suas economias na nossa economia mais geral.
Muita coisa mudou no panorama da emigração. Agora, decorridas duas ou três gerações sobre a partida, os filhos e netos dos migrantes tornaram-se cidadãos dos países onde estão e multiplicam-se os laços – familiares, sociais, culturais e empresariais – de ligação aos locais de vivência e já não aos espaços de seus antepassados.
Hoje é comum vermos filhos e netos de portugueses casados – de facto ou só de conveniência – com turcos, com muçulmanos, com pessoas do antigo leste europeu, com hindus ou do país do sol nascente…numa panóplia de relacionamentos que fazem dos emigrantes criadores de novas culturas e de uma mescla de religiosidades que trarão, certamente, confusões, atritos e problemas a curto e a médio prazo.
Se ainda há pouco tempo era, para alguns, aceitável a multiculturalidade, agora surgem extremistas (políticos ou de raças) que veem com maus olhos essa diversidade, vivência e oportunidade. Talvez seja essencial não darmos por adquirido o clima de convivência entre tantas experiências nem de parecer que todos aceitam que continue a haver tal concordância. Emergem pequenos focos de conflito. Aparecem mentores de nacionalismos. Surgem organizações que excluem e não fomentam a sã convivência. Circulam no subterrâneo do tecido social sinais de que nem tudo é como se vê nem se mostra ou parece.
Torna-se preocupante que só se dê importância ao populismo (dito) de direita e não se consiga percecionar os tenáculos dessoutro populismo de (uma tal) esquerda, que usa as pessoas para que sirvam aos seus objetivos de fomentar racismo, xenofobia, discriminação (do pretenso género ou de conveniência)…na medida em que se dizem defensores contra esses perigos, mas são antes fomentadores sem rosto disso que mais não é do que aquilo de que rotulam os outros. Como têm uma boa parte da comunicação social do seu lado facilmente difundem os seus ideais de forma capciosa, insidiosa e venenosa quanto baste.
É tempo de acordar!   

António Sílvio Couto

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Encantamento de subdesenvolvidos


Mais uma edição da ‘web summit’ – a 4.ª em Portugal – tornou-se uma espécie de encantamento por algo que só os pequenos – ou serão mais os pequeninos de mente e de cultura? – conseguem ver-se com tanto fascínio. Os números desta cimeira como que seduzem os portugueses – ou será antes uma certa comunicação social ávida de notícias e de palco – desde as presenças (sobretudo estrangeiras) até às quantias avultadas em gastos, passando pelas ‘novidades’ desse mundo tecnológico mais ou menos exotérico, encriptado e fascinante para uns tantos/as…
Logo desde o início desta edição ficamos com a sensação de que nem tudo é objetivo e tão pouco independente, pois o primeiro ‘orador’ veio das estepes dos Urais, lançando farpas contra algum ocidente e particularmente esses que ele atraiçoou… De facto e mais uma vez a rebeldia parecer compensar, tendo à mistura quem o faça de modo a contentar outros interesses nem sempre subterrâneos.
À semelhança de outros acontecimentos centrados em Lisboa, também a ‘web summit’ dá projeção aos tentáculos da capital, tornando o governo central e os autarcas locais os que se acham donos e senhores das façanhas, embora seja todo o país a pagar os investimentos para que o evento tenha lugar num espaço privilegiado, com condições excecionais e sob regalias capitalistas…eles mentores de um certo socialismo nem sempre capaz de perceber o que é só deles e aquilo que é de todos.
À boa maneira de outros eventos, os seus organizadores tecem loas a quem recebe, mas com dificuldade explicam o que ganham e quais são as vertentes envolvidas e nesciamente explicitadas. 
= O encantamento de subdesenvolvidos manifesta-se em muitos outros aspetos, nem sempre detetáveis a olho nu, pois muitos dos programas que Lisboa ganhou nos tempos mais recentes – incluído as JMJ2022 – mais parecem fogo de vistas do que projetos com alguma finalidade. Ora, quem vive na dita ‘área metropolitana de Lisboa’ pode perceber um tanto mais proximamente como a macrocefalia alfacinha se sobrepõe a tudo e a todos. Os confrontantes com a capital – aquém ou além Tejo – vão servindo de suporte para os episódios de festança, mas pouco mais fazem do que aplaudir o que eles preparam e impingem, o que eles programam e executam, o que eles toleram que outros estejam, mas com dificuldade deixam que sejam mínimos intérpretes… E nas coisas da Igreja católica não se nota a mais singela diferença! 
= Se as autoestradas foram o símbolo do cavaquismo, os subsídios a pataco do guterrismo, as obras faraónicas não-executadas do socratismo, a austeridade troiquista do passismo, a melancolia tecnológica – onde a web summit’ é como que o expoente máximo – sê-lo-á do costismo… Isto é, muitas iniciativas de ricos, mas com bolsa de pobres; diversos capítulos de sucesso, mas com enganos a detetar e, sobretudo, fazendo-nos crer que somos um país desenvolvido, mas que não passa de ocupar o fundo da tabela da União Europeia em matéria de trabalho, de qualidade económica e de produção de riqueza… Afinal, muita parra e pouca uva, tendo ainda em conta que a produzida é de deficiente qualidade! 
= Na mesma pantalha onde se exibem oradores e participantes da ‘web summit’ aparecem reportagens de escolas em reivindicação por falta de auxiliares e com condições menos aceitáveis, hospitais que não conseguem ter as urgências abertas por deficiência de médicos e até o presidente da República, nas ruas da capital, a reclamar mais atenção para os milhares de sem-abrigo…
É isto um país de sucesso? Será isto uma sociedade de conquistas tecnológicas? Onde andam os que se dizem porta-vozes dos desfavorecidos? Hibernaram antes do tempo ou estão a contar as armas de combate sindicalista? Será que dura sempre a capacidade de ludibriar?  
Parece que o discurso, por estes dias, está entaramelado à semelhança da gaguez de certos intervenientes, mesmo que se apelidem de livres, de esquerda e talvez democratas…   

António Sílvio Couto

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Mudaram as perguntas


‘Agora que sabia as respostas, mudaram as perguntas’. Esta frase parece ser atribuída a uma das principais figuras de uma série de banda desenhada com largos anos de existência e de razoável sucesso entre as crianças e onde essa tal figura contesta a ‘repentina’ mudança, que lhe baralhou as ideias e, sobretudo, as respostas.
Ora, esta visão continua a manter-se atualizada, pois muita gente arquitetou respostas para perguntas do passado e esqueceu-se de que novas questões são colocadas e as ditas respostas já não colhem nem têm aceitação… Pior ainda é quando queremos responder a questionamentos que não nos foram feitos, manipulando as respostas…e talvez invetivando os perguntadores, que, manifestamente, mudaram. 
= Há tantas associações/coletividades, que foram pioneiras na hora do dealbar, mas que se encontram quase decrépitas na atualidade. Muitas vezes fixaram-se em causas que rapidamente mudaram e os objetivos se foram tornando subjetivos à mistura mais com os adjetivos do que com os substantivos. Noutras situações foram os intérpretes que não conseguiram aferir-se à mudança, anquilosando-se nas suas certezas e deixando de corresponder às necessidades para que foram criadas. Quantas vezes foi possível constatar a mesquinhez de certos dirigentes mais interessados em promoverem-se através dessas instituições do que em continuarem o espírito original… 
= Vamos encontrando, entretanto, outras instituições que, devido ao seu peso e longa história, vão sobrevivendo à luz de uma certa memória preservada e atualizada através de gestos, palavras e sinais. Por vezes há setores – dentro e fora – que colocam a Igreja católica entre a lista de instituições que apresentam respostas a questões não ditas ou que querem continuar a responder com uma linguagem que nem todos compreendem. Talvez isto não aconteça em toda a extensão da Igreja católica, mas haverá locais e regiões onde isso pode ocorrer, embora seja notório o esforço por adequar as respostas às perguntas e por não usar de subterfúgios para não se pronunciar. 
= Vivemos num tempo que tem as suas especificidades, onde a velocidade requerida para a resposta não se compadece com a elaboração das perguntas, pois muitas destas andam mais ao sabor das emoções do que da componente intelectual. A argumentação não parece ser mais dedutiva, mas quase emerge da vivência indutiva, colocando pressão em apresentar soluções, quando estas precisariam de ser mais elaboradas, se quiserem ser consistentes e até mesmo satisfatórias.
Por outro lado, a quase emergência do ‘sempre-contatável’ faz com que se viva nessa permanente franja da superficialidade, pois os acontecimentos sobrepõem-se uns aos outros, destronando o que antes parecia ser importante para ser suplantado por outro mais recente, podendo nem ser o mais essencial. Quantas vezes vemos a sofreguidão de perguntas a alguém que tem de saber dosear a sustentabilidade das respostas, de modo a que não se contradiga mesmo sem disso se dar conta.
Se a isto acrescentarmos a inexorável ditadura da imagem, então poderemos estar a cozinhar um cocktail de emoções, onde as respostas parecem mais perguntas e estas pequenas teias – nalguns casos poderão ser peias – de uma comunicação líquida e assaz incongruente. 
= A noção de tudo está certo e correto, desde quem pergunta até quem responde, sabendo o que perguntar e aquilo que se deve responder, está continuamente em causa neste tempo de comunicação rápida, estereotipada e, nalguns casos, manifestamente inconsequente. Saber quais são as perguntas que nos são feitas e dar-lhes as respostas mais adequadas é uma tarefa de contínua aprendizagem e humilde colaboração. Precisamos de pessoas bem formadas na arte de estar com os outros para que não caiámos num certo desânimo que só nos trará mais constrangimentos e dificuldades em saber discernir os mistérios de Deus na história (atual) dos humanos. De nada adianta entrarmos numa fase de malquerença, pois, se não soubermos interpretar o tempo que vivemos, não seremos dignos das oportunidades que nos são concedidas!         

António Sílvio Couto

sábado, 2 de novembro de 2019

Como conciliar natalidade com aborto?


No programa do XXII governo constitucional faz-se larga referência à questão da demografia, mais em vista de colheita económica do que com mentalidade pela vida.
A partir da página 100 e até à página 103, o dito programa dedica algumas considerações e propostas.
Respigamos da abertura dessa secção:
«Sendo a diminuição da natalidade e da fecundidade um traço comum dos países desenvolvidos, Portugal encontra-se entre os casos em que os níveis de fecundidade mais desceram ao longo das últimas décadas e onde têm sido, nos últimos anos, extraordinariamente baixos. Os impactos desta tendência, a longo prazo, pioram as perspetivas demográficas do país, mas, acima de tudo, significam que as condições para as pessoas desenvolverem os seus projetos de vida, designadamente para terem e criarem filhos em Portugal, sofrem bloqueios significativos.
O objetivo das políticas públicas nesta matéria é, por isso, criar condições para que as famílias possam ter os filhos que desejam ter, permitindo-lhes desenvolver projetos de vida com maior qualidade, segurança e melhor conciliação entre trabalho, vida familiar e pessoal. Trata-se não apenas de uma política de melhoria das perspetivas demográficas do país mas de uma verdadeira política de família, visando a promoção do bem-estar numa sociedade mais consentânea com as aspirações e projetos das pessoas
».  
Posteriormente apresentam-se aos itens: ‘facilitar a opção pelo segundo e terceiro filho’, ‘reforçar o acesso a serviços e equipamentos de apoio à família’, ‘melhorar o regime de licenças como instrumento de promoção da parentalidade e de conciliação entre trabalho e vida familiar’, ‘promover um melhor acesso à procriação medicamente assistida e aos cuidados materno-infantis’.
Será que a família tem o significado que todos entendem do mesmo modo? Os filhos serão fruto ou resultado? A defesa da natalidade é objetiva ou sofre de subjetividade capciosa interesseira? Porque nunca se aflora nada quanto à participação da iniciativa privada nas questões familiares? Os filhos são propriedade do Estado ou projeto de vida familiar? Porque há medo de assumir que ‘as últimas décadas’ de diminuição da natalidade coincidem com a vigência do aborto despenalizado?

= De facto, em tudo isto não lemos nada que se refira ao erro histórico de ter feito do aborto – eufemisticamente dito de ‘interrupção voluntária da gravidez’, porque nem é voluntária nem interrompe, antes mata – uma das mais recorrentes facetas de planeamento familiar e como recurso em ter sido usado este método para dizimar milhões de vida, que, agora, fazem falta para que haja equilíbrio geracional e até renovação social.
Os números circulam na comunicação social: desde 2007 – data do segundo referendo ao aborto em Portugal – e até 2016 houve cerca de cento e sessenta mil abortos ditos ‘legais’, nalguns casos com repetições…
Quem tenha já ouvido pessoas, que recorreram ao aborto, continuam com essa ferida aberta na consciência e não será preciso invocar alguma razão religiosa, bastará a dimensão humana, que é bem mais forte que toda e qualquer faceta religiosa por muito ou pouco exigente que possa manifestar-se. Efetivamente é diante de pessoas mais velhas – e não se pense que são só senhoras – que fico comovido e estupefato pelas dores que manifestam…passadas décadas sobre os ‘desmanchos’.   
= Não deixa de ser irónico, para não lhe chamar minimamente hipócrita, que se venha agora clamar por mais condições para a natalidade, quando se optou antes pelo falhanço cultural de fazer do aborto um nível de reduzir a vida ao meramente material. Criaram-se condições para que a opção pela vida pareça algo de menos digno do que luta pela carreira profissional.
Enquanto as forças que desencadearam o projeto do aborto despenalizado não reconhecerem, além do erro, a má-fé de todo o processo, considero que iniciativas em favor da natalidade não passam de patranhas de mau gosto e de duvidosa eficiência, pois estaremos a laborar numa falsidade de valores e numa mentira ética sem rosto nem responsáveis. O ‘inverno demográfico’ tornou-se, assim, um inferno sociológico, onde uma boa parte se desculpa, não assume os seus erros e, normalmente, foge de forma cobarde.

António Sílvio Couto