Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Família: património da humanidade


«A família continua a ser o caminho privilegiado para a plena humanização daqueles que nascem, o caminho que pode evitar os excessos desumanos de uma sociedade híper técnica e híper individualista. A família – inclusive poder-se-ia dizer que graças a seus defeitos e limitações – permanece o lugar da vida, o lugar do mistério do ser, o lugar da prova e da história. A sua singularidade faz com que a família seja um insubstituível património da humanidade».

Esta afirmação foi proferida pelo Presidente do Conselho Pontifício para a Família, em Albufeira, no decorrer das jornadas de atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal, que se realizam de 25 a 28 de janeiro, subordinadas ao tema: família – centralidade, renovação e continuidade.

D. Vicenzo Paglia teve algumas intervenções neste evento, que reuniu mais de uma centena de sacerdotes e diáconos.

Dada a sua responsabilidade, no contexto da família ao nível mundial e na Igreja católica em particular, D. Vicenzo falou, sobretudo, da vocação e missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Atendendo aos conhecimentos aportados referiu que, talvez até à Páscoa, tenhamos uma nova exortação do Papa sobre o assunto da família, tendo em conta os mais recentes sínodos, que se realizaram em 2014 e em 2015.

Citamos, novamente, o Presidente do Conselho Pontifício: «Família e comunidade cristã precisam de encontrar uma aliança, não com o fim de se fechar no seu círculo, mas para que fermente de forma ‘familiar’ toda a sociedade. As famílias e as paróquias têm de redescobrir o sonho de Deus para o mundo (…). No cenário de um mundo marcado pela tecnocracia económica e a subordinação da ética à lógica do lucro, é estratégico voltar a apresentar o Evangelho da família como força do humanismo. A família tem de voltar a ocupar o centro da política, da economia e da convivência civil: a família é decisiva para a habitabilidade da terra, para a transmissão da vida, para as relações na sociedade. A família cristã é uma profecia de amor num mundo de solitários».

= Tentemos discernir alguns dos aspetos contidos nos excertos da comunicação de D. Vicenzo Paglia, numa observância de condicionantes à luz dos mais recentes acontecimentos da nossa vida política, social, económica e religiosa.

. O património são as pessoas – quando tantos tentam cuidar mais de artefactos de sabor material…naquilo que ao património diz respeito, vemos que será na família que se poderá salvaguardar o que há de mais intrínseco à nossa natureza humana e comunitária. Quanta história rica de valores e de vivências percorrem as nossas famílias. Quantas belezas escondidas nas feridas e amarguras do passado comum. Quantas vitórias crepitam sob as cinzas e as lágrimas do nosso presente. Com efeito, não poderemos reduzir a família às experiências traumatizadas. Não poderemos desistir de algo que nos faz ter sentido de sacrifício e de luta pelo ainda melhor! Não podemos deixar que outros decidam o que a nós diz respeito!

Há múltiplos sinais de esperança…embora as nuvens de ataque sejam constantes. Os temas fraturantes recorrentes não passam, afinal, de fait-divers de uns tantos para esconderem a incompetência governativa e a incapacidade em efetivamente governar, já.

. Voltar ao Evangelho da família – quando um certo (ou muito) egoísmo tem vindo a fechar ou a encurralar a família, temos de redescobrir a força de humanismo em que está alicerçada a família, particularmente, a de incidência e raiz judeo-cristã. Não basta denunciar que já não há filhos nem que se não tem abertura ao dom da vida, temos de continuar a apostar na evangelização do testemunho, onde as famílias sejam capazes de se abrirem à vida dada e recebida.

De facto, há de ser a profecia de amor que fará derreter os corações mais empedernidos e as mentes mais adversas… Nas diversas idades da vida havemos de ter propostas de anúncio enraizadas no Evangelho e sob a Pessoa de Jesus. Com efeito, ‘uma sociedade de indivíduos autorreferenciais, isolados uns dos outros está destinada à esterilidade e ao conflito’. Somos chamados, de verdade, a participar com Deus no seu projeto de salvação para o mundo… aqui e agora!   


António Sílvio Couto

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Novos talheres…


Foi notícia, por estes dias: o Estado português (concretamente através do ministério dos negócios estrangeiros) gastou, no último mês, mais de cem mil euros na aquisição de talheres e copos… Dizem ainda que, nos seis meses anteriores (envolvendo mesmo o governo anterior), foram gastos até trezentos mil euros em idênticos apetrechos, tais como pratos, cálices e faqueiros…de marca e com registo gravado.

= Embora consideremos que, de vez em quando, é preciso renovar a baixela, não sei se este era o momento mais adequado… ou até a forma de o concretizar. Quando tantas pessoas não têm o suficiente para se alimentarem, era necessário investir aqueles montantes em coisas tão caras? Quando dizem que a austeridade deixou marcas nas famílias, como poderemos entender este esbanjamento em coisas deste teor? Quando querem fazer crer que estamos melhor das economias e se preparam para contestar as exigências dos credores, como poderão estes levar-nos a sério se virem que não somos capazes de disfarçar um tal novo-riquismo falido?

= Nota-se em certas pessoas que estão, por agora, investidas em governo – seja qual for a instância – que, quando se sentem com uns trocos a mais, não conseguem poupar, gastando o excesso na primeira guloseima que lhes for oferecida. Será este o nível de consumo com que nos vão conduzir nos tempos próximos? Será com enganos de estar tudo ultrapassado que nos iremos recuperar da falência familiar e coletiva? Não será este indício de gastar em talheres o que (nos) pode fazer falta em comida, um retrato da maioria da nossa população, tipificada no gasta-se enquanto há e depois anda-se a mendigar para o essencial?

= Se isto – dar, esbanjando – é uma amostra do pretenso ‘estado social’ e das ‘opções sociais de esquerda’, então teremos de fazer uma urgente reeducação de tudo e de todos, pois tal atitude manifesta, pelo contrário, falta de senso e de desprezo dos outros. Não podemos exigir aos outros aquilo que nos compete fazer, cuidando da responsabilidade pessoal e do assumir as consequências de si e dos seus atos. Como poderemos acreditar em quem gere mal o dinheiro – com as influências, as pressões e tudo o resto – próprio, como será capaz de gerir bem o alheio?

= Neste episódio, como em casos idênticos, estamos perante um de dois tipos de pessoas: umas que sempre tiveram tudo e dinheiro foi coisa que não faltou e, por isso, gastar mais ou menos depende dos humores…na medida em que não custou a ganhar também não custa a gastar; ou de outro tipo de pessoas que passaram por grandes dificuldades, nalgumas situações como self-made-man, e que agora como que pretendem esquecer as dificuldades vividas e vão dando aso à supressão de compensações minimamente aceitáveis, embora gastando o que é dos outros… sem prestar, devidamente, contas.  

= À guisa de provocação refira-se a reposição de subvenções de políticos – anteriormente rejeitadas – tomada pelo tribunal constitucional, que respondeu a uma consulta de um (até agora) grupo de deputados não identificado! Será isto sério? Estarão os juízes a acautelar o seu próprio futuro? A quem servem estas subtilezas? Quem vai pagar a estes ‘reformados’ (alguns com menos de 40 anos) de luxo? 

Não custa nada a crer, pelo andar deste tempo de governo, que, em menos de um ano, teremos nova intervenção de credores externos, pois já vimos este filme há bem pouco tempo e o final costuma ser o mesmo: o povo que pague a crise… Só que, nesse momento, as feridas ainda estarão a sangrar!

Basta de mentira e de vendedores de ilusões… Não devem ser só as eleições a forma de castigar os incompetentes: os tribunais precisam de atuar de forma mais rápida e muito mais dura!

Por agora foram os talheres… amanhã será o quê?
            

António Sílvio Couto

(antonioscoutosilva@gmail.com)


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O que fazem para ganhar a vida!


Por vezes há frases que nos ficam na memória, repercutindo-se na memória. Esta frase – ‘o que vocês fazem para ganhar a vida’ – ouvi-a de uma pessoa da rua, quando passava uma comitiva em campanha eleitoral… por estes dias! Quem disse a frase como que exprime algo que pode retratar a azáfama com que certos candidatos percorreram o país num afã sôfrego para conseguirem impressionar quem os vê, gerando simpatia e vendendo a ‘imagem’ mais valiosa… o que nem sempre poderá significar a mais competente…

Aquela frase – ‘o que fazem para ganhar a vida’ – poderá também resumir o esforço com que, cada dia, todos nos vamos empenhando ao nível profissional e social, comprometendo-nos em sermos dignos da forma como vivemos e com os meios com que sobrevivemos. Mas referir aquela frase para com os candidatos à presidência da República como que soa a alguma crítica ao modo como tentam (ou tentaram) seduzir quem os eleja, nalguns casos roçando o ridículo e/ou o jocoso…

= Desde logo o presidente da República só tem (e só pode ter) um programa: ‘cumprir e fazer cumprir a constituição’. Tudo o resto – e tantos têm sido os fait-divers dos vários candidatos e seus apoiantes – que pretenda passar disto tornar-se-á insensato e temerário. Por isso, as questões da governação – como educação, saúde, segurança social e trabalho, defesa ou economia – não podem surgir como contrapoder no exercício da presidência. O mesmo se poderá dizer da interferência direta nas opções por qualquer campo de intervenção politico-ideológico… se tal fizer estará a exorbitar as suas funções e atributos, tanto na teoria como na prática.

Nota-se nalgumas forças uma certa ressaca quanto às mais recentes eleições legislativas. Ora a eleição do PR não é a segunda volta das ditas nem um ajustes de contas entre vencedores e vencidos, tendo em conta o desfecho de governo encontrado… Quem tente confundir as coisas, no mínimo, será dalguma desonestidade intelectual e emocional.

= Tivemos, depois da revolução de abril de 1974 até hoje, quatro presidentes da República eleitos, cada um com dois mandatos de cinco anos: um militar e quatro civis, qualquer um destes com forte relação partidária. Agora vemos surgirem outras tendências de concorrência, como que postergando a militância partidária para o campo de não-desejado, se bem que a dimensão ideológica seja mais cultivada…ao menos de forma ténue e quase simulada.

Como cargo de caráter pessoal, a candidatura à presidência da República vai-se democratizando, embora surjam figuras que podem revelar alguma desorientação quanto à dignidade do cargo e ainda para com quem tem de eleger. Não basta recolher as assinaturas suficientes, temos de elevar a qualidade – no caso deste ano a quantidade fez cair ainda mais esta prerrogativa – criando condições para sermos bem representados dentro e fora de portas.

Repare-se que, anteriormente, as companheiras ou esposas dos presidentes foram de grande importância e tiveram razoável significado… casos há que se tornaram uma espécie de eminência parda do regime. Por agora esta questão parece ser menos importante… ou deveria sê-lo por razão pública, clara e publicitada?

 = Sem pretendermos fazer desta faceta algo de essencial, ela é importante. Quase não se sabe nada do vínculo religioso da maioria dos candidatos. Uns dizem-se cristãos (católicos um tanto ou pouco…) e a maioria esconde-se sob o manto do laicismo para não afugentar votos ou outras interpretações. Se bem que não seja preciso retomar o espírito de cristandade, ficamos com a sensação de que há muita vergonha em assumir a sua fé, tanto na dimensão privada como na sua expressão pública. Corremos o risco de vivermos num sistema tão anódino que possam surgir os tais ‘profetas do tempo novo’, onde o avental seja a condição sine qua none para ascender ao palácio de Belém.  

É mesmo verdade: o que eles/elas fazem para ganhar a vida!


António Sílvio Couto

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Crianças infelizes…pela internet


Uma organização britânica de apoio e aconselhamento para crianças e jovens considera que a autoestima baixa é um dos problemas mais comuns dos jovens, na maioria dos casos devido à pressão da internet, concretamente do cyberbullying e das redes sociais.

Segundo a fundadora da ChildLine, em 1986, deu-se um choque ‘ao descobrir que tantas crianças estavam a sofrer abusos terríveis nas suas próprias casas. Mas hoje estou chocada pela infelicidade e solidão aguda que aflige tantos jovens’. Outro responsável da mesma associação refere que ‘a pressão para acompanhar amigos e ter a vida perfeita online está a aumentar a tristeza que tantos jovens sentem diariamente’.

Enquanto em 1986 as maiores inquietações dos jovens eram o abuso sexual, problemas familiares, abuso físico e gravidez, nos últimos anos têm vindo a ser: as relações familiares, a baixa autoestima, a infelicidade, bullying, cyberbullying e automutilação.

= Comunicação isolada… Fatores de concorrência

Sem pretendermos diabolizar as gerações mais novas, vemos que há bastantes sinais de preocupação para com eles. Sem pretendermos entrar em qualquer protecionismo, vemos que estão submetidos a grandes pressões deles mesmos e uns pelos outros. Sem pretendermos encontrar culpados nem fomentar desculpas, vemos que muitos sofrem e precisam de ajuda, conforto e quem os guie…   

O mito do ‘sempre contatável’ sofre, afinal, de algo que tem vindo a isolar cada vez mais as pessoas, tanto os mais novos como os mais velhos. Com efeito, vivemos numa época em que, por termos acesso a mais fatores de informação, nem sempre isso nos dá melhor qualidade de comunicação, pois muita desta é estereotipada e mesmo filtrada por razões mais ou menos incontroláveis para a maioria…

Há imensos fatores de concorrência – desde as coisas mais pequenas e subtis até às mais vistosas e complexas – mesmo entre os mais novos: a pressão de estar na onda pode gerar pessoas que se tornem agressivas e desconfiadas. Aquilo que antes era resultado de várias más experiências, agora parece tornar-se numa forma de estar permanente. Parece que tudo isto acontece numa vivência isolada por parte dos mais novos e em que os adultos não fazem parte nem do problema – porque, infelizmente, o desconhecem – e tão pouco da solução!

= Como recuperar a confiança?

Diante este diagnóstico, o panorama não é nada risonho, pois os mais novos sofrem e parece que não têm com quem o partilhar. Vivem-no muito a sós… correndo riscos um tanto complicados. Com efeito, há coisas que só se partilham quando e com quem se tem confiança. De facto, a autoestima e a infelicidade têm conquistado terreno entre os mais novos, havendo dados que as fazem crescer de forma progressiva.

Não basta dar coisas nem um mero conforto material, pois o mais importante é a atenção que se dá e deve dar a cada um. Isso será tanto mais essencial quando se está a estruturar a personalidade. O que será o futuro da nossa sociedade se virmos, desde muito novas, as pessoas a sentirem-se derrotadas e sem terem quem as estime com gestos e palavras?

Efetivamente andamos muito ocupados com o urgente e esquecemo-nos do essencial. Queremos prestar cuidado ao que reclama solução, mas andamos a adiar aquilo que nos daria mais serenidade e melhor capacidade de entrega àquilo que conforta sem preço e nem tem valor estipulado na tabela das coisas rentáveis.

Enquanto é tempo, tentemos ser mais perspicazes na forma como observamos os mais novos, pois eles dão-nos sinais de alerta e nem sempre os entendemos nem valorizamos…convenientemente. Não será que a nossa juventude, apesar de tudo, é triste? Não será que certas chamadas de atenção são fulcrais em serem escutadas…humildemente? Não será que temos de apresentar os valores humanos essenciais para que possamos ter futuro e dignidade?

Basta de lamúrias. Cuidemos uns dos outros, já!   

 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Vinte mudanças em 16 anos…


Desde 2000 que a forma de avaliar os alunos do ensino básico – até ao 9.º ano de escolaridade – mudou mais de vinte vezes.

Perante esta constatação, o Conselho Nacional de Educação considera que se devem manter os exames finais de 6.º e 9.º anos de escolaridade. Segundo o responsável deste conselho: ‘um sistema de avaliação precisa de estabilidade para que seja previsível e de credibilidade para que haja confiança’.

Dizem que o atual responsável da pasta da educação conseguiu, em cerca de quarenta dias, desfazer o que tinha feito (mal ou bem) o anterior titular em quatro anos… e ainda nem começou a governar, a sério!

De facto, a área da educação precisa de maior estabilidade e de rumo, pois não será com tantas mudanças – algumas delas para atender a favores de lóbis educativos e/ou ideológicos e outras num experiencialismo desfasado nas metas – que, quem paga as custas e as consequências, são os ‘pobres’ alunos, que se vão tornando numa espécie de cobaias de pretensões mais ou menos subterrâneas…ou não.

= Perante certas atitudes da ‘nova maioria de esquerda’ vão-me surgindo questões que ouso colocar… mais como preocupação do que como hipotética acusação:

- Ao ver essa compulsiva e amofinada relutância para com a avaliação – exame, aferição… ou tendo lá o que seja de preconceituoso – parece denotar-se alguma experiência mal gerida ou algum complexo de inferioridade menos bem resolvido, por parte de quem tão acirradamente combate o ter de prestar contas da sua inteligência/aprendizagem e capacidade de ser submetido a juízo… perante outros. Será que todos têm de ser tratados pelo nivelamento rasteiro e de incapacidade de gestão daquilo que sabe? Não será facilitando em questões tão mínimas que daremos ferramentas capazes para vencerem na vida…

- Há situações que falam mais pelo que denunciam do que por aquilo que são relatadas e/ou verbalizadas. Sem desconfiar da validade dos cursos e das suas creditações, sente-se que certos mentores da anti-avaliação tentam esconder o que semearam em filhos e educandos. Será preciso menorizar os vindouros para glorificar os antecessores? Até onde irá essa volatilidade de formação, se quem legisla, se faz protecionista e adulador desse regime de qualificação sem competência?

- Para quem iniciou o seu processo formativo escolar aos seis anos (1965) e o viveu intensivamente até aos vinte e quatro (1983) – com posteriores momentos de aquisição de competências em pelo menos mais quatro anos…à mistura com a necessidade de estar em contínua formação geral e específica – tendo sido submetido a dezenas de exames e de provas (orais e escritas), bem como a apreciações e julgamentos bem exigentes, soa a brincadeira – para não usar outro termo menos bem-educado – que se tente nivelar pela mediocridade tantos dos nossos adolescentes e jovens. Será que vamos ter de aguentar as provocações destes néscios a pretenderem conduzir os destinos deste país, ficando calados? Teremos de continuar a fingir que certos graus de ensino não passam de farsa e de graduação de incompetência? Por que razão teremos de ser conduzidos pelos que menos valem, afugentando, assim, o mérito e a competência?

= Deixo a terminar uma já conhecida estória:

Um pai, querendo ajudar o filho a descobrir e distinguir os sons, saiu, de manhã cedo, para o campo… querendo que o filho descobrisse os variados sons e o seu significado.

Depois de ouvirem o chilrear dos pássaros e a diferença de uns e de outros, o ruído das águas em cascata, eis que surge um som mais forte, lá ao longe no sopé do monte. O pai alertou o filho e perguntou: Que barulho é aquele? Ao que o filhos respondeu: parece o barulho duma carroça…Sim, disse o pai, é duma carroça… e está vazia… Porque dizes que está vazia, disse o filho. É que as carroças vazias, retorquiu o pai, fazem mais barulho do que aquelas que estão cheias!

= Todo o ruído (passado e atual) no campo da educação não será a de carroça vazia ou de vazios na carroça?          

 

António Sílvio Couto

(antonioscoutosilva@gmail.com)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

‘Refugiado’ – palavra de 2015


Como noutros anos, em 2015, foi feita a votação/escolha da palavra mais importante/usada durante o ano… e a escolha foi: ‘refugiado’.

Vejamos em decrescendo como foi a escolha da palavra do ano no último quinquénio: em 2014 – corrupção; em 2013 – bombeiro; em 2012 – entroikado; em 2011 – austeridade; em 2010 – vuvuzela.

Na votação e na escolha destas várias palavras do ano reflete-se o ambiente em que se foi vivendo… e que, decorridos, esta meia década, nos dá (ou pode dar) uma leitura circunstancial daquilo que vamos vivendo e valorizando em cada ano…

Assim, este ano o resultado de ter sido escolhida como palavra do ano – ‘refugiado’, dá-nos a conhecer que a realidade dos refugiados foi transversal à nossa sociedade, que, para mal ou para bem, a situação dos refugiados não passou despercebida ou talvez tenha vindo incomodar a consciência e a vida de tantas pessoas…

= A onda de refugiados continua, embora não tanto sob a atenção dos focos da comunicação social. Houve países que tiveram de enfrentar esta situação duma forma inesperada e sem condições de receção nem de acolhimento. Mas muitos dos refugiados tinham na mira da sua caminhada países ‘mais ricos’ da Europa do norte, onde a política social lhes era – parece que agora está a mudar a forma de os atender – mais favorável e compensadora.

Não deixa de ser sintomático que Portugal tendo-se disponibilizado para receber – acolher poderá ser outra coisa! – mais de cinco milhares de refugiados não tenham chegado pouco mais do que umas centenas (se as contas estiverem bem feitas), a conta-gotas e, nalguns casos, mais parecendo um favor que nos fazem do que um gesto de boa vontade de quem (os) recebe… Talvez não tenhamos as regalias que oferecem Alemanha ou Suécia, mas somos, por natureza, bons hospitaleiros… No entanto, isso não tem sido suficiente para sermos atrativos no contexto da Europa…  

= Esta nova vaga de refugiados trouxe uma outra onda de xenofobia nalguns países europeus, ressuscitando fantasmas contra quem procura novas condições de vida, fugindo em razão de dificuldades económicas – embora os que veem sejam dos mais afortunados, pois tiveram meios para comprar a viagem – ou, nalguns casos, por motivos de salvaguardar a vida tendo em conta a fé religiosa, tanto cristã como muçulmana.

Foi algo de tenebroso ver que a resistência a receber alguns dos refugiados tinha por base o medo das expressões religiosas de índole islamita… Pior foi associar essas relutâncias aos casos de terrorismo e a possíveis problemas de insegurança. Nisto, como noutros casos, não podemos meter tudo no mesmo saco e confundir o que é realidade com os preconceitos mais ou menos ideológicos e sectários.

= O presente e o futuro têm de ser preenchidos com motivos de esperança de que os refugiados não são só um perigo para a nossa vidinha de ocidentais instalados e comodistas. Com efeito, ao inverno demográfico vemos surgir uma (possível) solução para serem geradas novas vidas nesta Europa empobrecida porque enquistada no seu mundo feito de egoísmo e até sem largueza de horizontes… São famílias inteiras que vão chegando e isso pode criar novos desafios e possibilidades de rejuvenescimento humano e social.

Talvez tenha chegado o momento de estarmos mais atentos aos sinais de Deus na nossa história coletiva. Talvez devamos abrir o coração a quem chega e exercermos o dom da hospitalidade sem medos nem receios. Talvez nos seja colocada uma confrontação com a decadência dos valores espirituais em que temos vindo a cair de forma galopante e quase acintosa.

= Está na hora de tocar a vuvuzela contra a austeridade, que nos foi servida pela situação entroikada, mesmo que tenhamos de atuar como bombeiros contra a corrupção, mas numa abertura aos refugiados…aqui ou noutro espaço onde seja preciso acolhê-los de coração fraterno, solidário e misericordioso!   


António Sílvio Couto



sábado, 2 de janeiro de 2016

Difusão dum país irrealmente…negativo!


«Este é o país real, o país verdadeiro, que muitos agentes políticos desconhecem, [e] que a comunicação social tantas vezes ignora».
Esta frase ficou-me da última comunicação ao país do atual Presidente da República.
Por estes dias o Papa Francisco referiu também que a comunicação social nem sempre – ou quase nunca! – difunde notícias positivas, antes vai recorrendo à propagação daquilo que há de mais negativo das pessoas e das situações.
Embora sem interdependerem um do outro nas palavras e nas ideias, podemos encontrar no discurso de Cavaco Silva e nas observações do Sumo Pontífice da fé católica uma similitude de avaliações e mesmo numa consonância de razões.
De facto, é mais fácil vermos a ser falada uma determinada localidade – grande ou pequena, recôndita ou mesmo desconhecida – mais pela tragédia e onde aconteceu algo de escabroso, insólito ou disparatado do que por ações de bem-fazer que ficam escondidas no reduto de quem as viveu (ativa ou passivamente)… Aqui entendemos essa outra frase recorrente: o bem não faz barulho e o barulho não faz bem!
Ainda recentemente lemos que houve um endereço de face-book, que pretendia difundir só assuntos positivos, em muito pouco tempo (dois ou três meses), ficou paralisado por falta de elementos que pudessem torná-lo ativo e cativante… pois não havia quem o alimentasse noticiosamente!

= Perante estes elementos de reflexão como que nos fica – até pela vivência de décadas de ligação à área da comunicação social – a necessidade de colocar algumas questões, denunciando os promotores duma certa comunicação social que se atem aos episódios macabros e criadores de má influência… e, sobretudo, tentando gerar uma ‘tal’ visão do interesse público, que não se reduz ao que dá dinheiro e que vende em razão de ir divulgando e manipulando – como certas forças materialistas e de pseudoesquerda fazem por sistema – do ‘quanto pior, melhor’!
- O país será só a cintura das grandes metrópoles de Lisboa e do Porto ou, por outro lado, o interior (que envolve dois terços do território nacional) não merece que seja falado porque despovoado, subtilmente, à força?
- Os arranjismos de criminalidade – sofisticada, urbana e subterrânea – interessam a quem? As polícias têm autoridade para fazer o seu trabalho ou vivem do sucesso/insucesso dos mentores partidários?
- Porque foram obrigados, tantos – vindos de África e de outras paragens – que tentaram refazer a sua vida no nosso país, a vegetar nas franjas das áreas metropolitanas? Serão mais fáceis de instrumentalizar em maré de greves de transportes?
- Dizem que cresceu, teoricamente, a escolarização, mas porque é que não se vê que as pessoas pensam por si mesmas e, pelo contrário, ainda andam presas pela boca, sendo usadas por partidos e sindicatos, associações e entidades religiosas?

= Se tivéssemos de avaliar o país/nação que somos – dentro das fronteiras e na diáspora – podemos vê-lo retratado nas cenas – desde as imagens até às palavras, passando por outros acepipes – das reportagens da ‘passagem-de-ano’. Comer e beber, divertir-se e bailar, desejos ocos e intenções de curto-prazo… foram servidas à saciedade, pois quem faz a notícia leva a fazer crer que (já) chegou um certo oásis, que, em breve, vai tornar-se (desgraçadamente) pesadelo.
Será este o país real? Não digam que ainda há crise se foram gastos – segundo as contas ‘a custo zero’, isto é, na rua e sem entradas pagas – milhões em foguetório, em artistas, em roupas e adereços…para além das horas de promoção informativa.
Para quando uma apresentação digna da nossa condição, sem exageros nem compadrios? Para quando vermos surgirem questionamentos à vida superficial de tantos que gastam numa noite de farra – ou numa tarde de futebol – o que seria preciso para suportar a família no mês inteiro? Informar exige saber e humildade! O resto poderá ser tido como manipulação (meia verdade) e obscurantismo (meia mentira)…


António Sílvio Couto

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Com olhar de misericórdia…em 2016


Para este ano de 2016 gostaríamos de apresentar algumas sugestões a serem vistas – olhadas, observadas, consideradas e compreendidas – com um olhar de misericórdia.
Ora, como aquilo que desejamos para o futuro tem, necessariamente, raízes no passado, não deixaremos de perspetivar o ano de 2016 com as experiências – possíveis, desejáveis e reais – do tempo mais recente.

= Servir a verdade
Ao longo deste ano teremos, em Portugal e no estrangeiro, momentos desportivos e políticos de grande importância – jogos olímpicos, eleições (para já) presidenciais, campeonato europeu de futebol – e só na verdade de todos e em tudo poderemos viver alguma paz social… Quem quiser transgredir poderá pagar a fatura do azar.
Será quando tivermos um olhar de misericórdia sobre estes e outros acontecimentos que poderemos construir uma sociedade onde se vá desamarrando o medo, a mentira, a desconfiança e a conflitualidade.

= Promover a participação
Contrapondo ao desinteresse de muitos dos nossos concidadãos pelas coisas do âmbito público (e até privado), urge educar para que possa haver uma participação esclarecida e comprometida nas ações de todos. Não podemos continuar a meter na mesma situação quem participa, por exemplo votando nas eleições e quem, abstendo-se, se arvora em contestatário das soluções, mas faltoso nas horas de decisão!...
Será quando nos dermos ao trabalho de fazer parte da resolução dos problemas que poderemos ter razão e poderemos ainda olhar com misericórdia as questões humanas e sociais…ao perto e ao longe dos nossos interesses.

= Incentivar a (nossa) desinstalação
Mais do que nunca vemos pessoas colocarem-se no centro do (seu) mundo, fazendo gravitar os outros em redor das suas mesquinhezes…razoáveis e talvez legítimas. Como (quase) tudo nos vem ter à mão, vamos criando uma condição de instalação e de obesidade mental e emocional. Com efeito, falta-nos, cada vez mais, a capacidade de nos colocar no lugar-do-outro, vivendo quase numa atitude egoísta e auto-idolátrica.
Será quando nos colocarmos desinstalados e irmanados com as dificuldades dos outros que poderemos ter um olhar de misericórdia para com eles, deixando o nosso pedestal de boas pessoas…mais ou menos religiosas ou, sei lá, pretensamente, cristãs, mas razoavelmente egocêntricas…de facto.

= Combater (ativamente) a indiferença
Fechados no nosso mundo – muitas vezes feito de defesas e reduzido a pequenos clichés repetitivos – vamo-nos enclausurando e tornando indiferentes aos outros. Como nos dizia o Papa Francisco no tema do dia mundial da paz deste ano: vence a indiferença e conquista a paz!
Temos, urgentemente, de abrir os olhos para sermos capazes de ver os outros com misericórdia, traduzindo-a em sinais simples, sinceros e significativos de que não vemos nos outros adversários ou inimigos, mas antes companheiros de caminhada, feita de aprendizagem com os nossos erros e os dos outros, subindo e amadurecendo através dos problemas e não ficando tropeçados neles e nas dificuldades…

= Acolher e partilhar perdão
Num tempo e num mundo onde a vingança ganha o prémio ao perdão, precisamos de fazer reverter as nossas feridas – dos outros em nós e de nós nos outros – em oportunidades de acolher e de partilhar o perdão dado e recebido…Isto será uma outra forma de dizer e de praticar a misericórdia, nascida da experiência de Deus em nós e da nossa vivência de uns para com os outros: olhando-os, aceitando-os, sorrindo-lhes, abraçando-os e fazendo de cada etapa um degrau de crescimento no nosso dia-a-dia em 2016! 
  
 António Sílvio Couto

(antonioscoutosilva@gmail.com)