Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Expetativas... para 2012!

Sem nos deixarmos vencer pelas vozes agoirentas de tantos ‘profetas da desgraça’, tentaremos deixar um leque de sugestões – na sua maioria (quase) positivas – para o novo ano, auspiciando razoáveis expetativas, que dependem de nós e não pode(re)mos transferir para os outros... A lista, que apresentamos, seguidamente, não é por escala de importância nem por razões de mentalidade, pois, se quisermos, esta listagem nunca estará fechada!

- Da verdade fazer lema. Quem se esconder por detrás da mentira é falso e serve o mal.
- Da poupança criar riqueza. Quem muito promete, quase sempre falha e, muitas vezes, engana.
- Do trabalho fazer mais do que uma ocupação. Não basta sobreviver é preciso viver com sentido de benfazer aos outros, trabalhando dignamente... como vocação e missão.
- Da coerência tornar-se discípulo. De pouco servirá ter boas intenções se, muitas delas, forem desejos inexequíveis.
- Do respeito (mútuo, pessoal, familiar, profissional e social) fazer promoção. Quando todos fizerem dos demais companheiros, a sociedade poderá deixar de ser floresta de interesses egoístas.
- Da tolerância fazer aceitação. Mais do que fazer valer os direitos, importa assumir os deveres... de uns para com os outros e de todos para com os mais desfavorecidos.
- Da igualdade fazer gerar a diferenciação. Na medida em que formos fraternos uns para com os outros mais crescerá a possibilidade de todos se aceitarem, respeitando as suas obrigações e hierarquizando as razoáveis competências.
- Da austeridade poderá acontecer (mais) justiça. Mais do que sentir-se vítima das restrições (económicas ou salariais) poderemos ter de inventar formas novas de participação no bem comum.
- Da solidariedade fazer crescer a caridade. Não basta dizer-se solidário com os outros, é preciso aproximar-se deles com o coração aberto... em forma de esponja.
- Do saber dar ao ser capaz de receber. Por muito pouco que se possa ter , pode surgir sempre uma oportunidade de partilhar desinteressadamente.
- Das boas intenções às possibilidades de concretizar. Mais do que dizer para os outros fazerem, importa ser capaz de se comprometer nas coisas simples de cada dia.
- Da barriga vazia/cheia à espiritualidade satisfeita. De pouco valerá dar de comer se não se derem razões para lutar por algo mais valioso, a vida espiritual.
- Da defesa dos valores ao questionamento dos comportamentos. Saber educar para a ética exige ter princípios morais onde Deus conte e os outros sejam sujeitos e não meros predicados... sem complemento.
- Da denúncia à compreensão. Mais do que contentar-se com reivindicações, importa escutar as razões de quem exige e de quem manda... encontrando as diferenças.
- Da sementeira à colheita. A participação nas tarefas faz-nos ser humildes, pois cada um deve ser parte da construção do todo... familiar, social, nacional.

Estas breves expetativas queira Deus amadurecê-las neste ano de 2012. Bom ano com a bênção de Deus!

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

‘Boas festas’

Um destes dias cruzei-me na rua com uma figura política conhecida no espaço onde agora vivo. Depois de breves frases de circunstância, o senhor rematou: ‘boas festas!’
Fiquei a pensar no que podia significar tal desejo, visto que – tanto quanto se sabe – o senhor que tal  expressão manifestou não é crente em Deus, embora ocupe um lugar de destaque na sociedade politico-autárquica... e pretenda ser bom cidadão.
- Embora este desejo de ‘boas festas’ ande no andar: que poderá significar tal pretensão, à luz do (não) Festejado no Natal?
- Se bem que este desejo de ‘boas festas’ possa resumir uma espécie de anseio: que alcance poderá ter para quem não reconhece que o (tal) Aniversariante nos faz irmãos?
- Atendendo a que o desejo de ‘boas festas’ pode incluir um (quase) ritual social: que significado poderá envolver, se fazemos festa a nós mesmos, desconhecendo Quem motiva a pretensa festança?

= ‘Boas festas’ de quem?
Na medida em que a sociedade se foi descristianizando, urge recolocar as referências do Natal nas palavras e no comportamento pessoal, familiar e coletivo: este é o aniversário do nascimento de Jesus, acontecido em Belém da Judeia... com o qual se fez a divisão da era histórica e social – antes de Cristo e depois de Cristo – Ele é a marca divisória inclusiva e universal. Com efeito, por muito que se enfadem certas correntes filosóficas, culturais e/ou exotéricas, ninguém divide o tempo da História entre antes ou depois de Marx, de Freud ou de Nitzeche, de Sócrates ou de César... Nem certas correntes agnósticas e (pseudo)-ateias conseguirão excluir da mentalidade as referências a Jesus Cristo, pois, muitas vezes, fazem-no por oposição a Ele, tendo de reconhecer a Sua existência e a sua influência na cultura... desde há mais de vinte séculos.
Nem a bizarra figura do ‘pai natal’ conseguirá interferir na prossecução do advento de Cristo, pois quem está subjacente àquela figura é – nem mais nem menos – um bispo católico (São Nicolau), embora explorado, no início da década de trinta do século vinte por uma marca de refrigerantes americana. Não deixa de ser sintomático que possamos refletir – neste nosso tempo dito de ‘crise’ – sobre essa ‘grande depressão’, que se abateu sobre o mundo entre as duas grandes guerras. Pode(re)mos agora exorcizar esse símbolo do consumismo, dando espaço e oportunidade ao verdadeiro sinal que celebramos no Natal.

= ‘Boas festas’, porquê?
Quando tantos e muitos dos nossos concidadãos passam dificuldades de vária ordem – económica e financeira, familiar e de emprego, alimentar e sobre as rendas de casa, etc. – porque havemos de desejar ‘boas festas’, se estas são mais alienação do que motivo de celebração. De fato, quando a ‘crise’ faz encolher os gastos e turvar o semblante das pessoas, será sinal de que as ‘boas festas’ estavam, sobretudo, centradas em coisas e não ideais ou sob objetivos de vida consentâneos com a fé.
Efetivamente, as luzes eram mais para nos seduzir e enganar e não para nos alumiar a partir de Cristo, luz do mundo e centro da nossa fé cristã.
Eis chegada, então, a oportunidade de viver o espírito do presépio – esse espaço de pobreza e de desafio à complexidade do nosso mundo – numa atitude de simplicidade, vivendo centrados no essencial, sem enfeites ou papel luzidio... onde muito se vende e tão pouco se vivencia.
Queira Deus que saibamos aproveitar este momento histórico e espiritual de entrarmos no novo ano com nova energia – 2012 é o ‘ano internacional da energia’ – dando nova condição à paz, educando – como diz o tema da mensagem do Papa Bento XVI para a celebração do dia mundial – os jovens para a justiça e para a paz.  

 António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Diante do presépio, hoje!

Eis-nos com toda a verdade e humildade diante dos vários sinais, que são as figuras do presépio. Não são muitas as que iremos referir, mas cremos que são as essenciais... para descobrir novas lições de vida.
Tentamos, ao longo do Advento, viver e ajudar a viver esta dinâmica contemplativa diante destas figuras do presépio.  Por isso, mais do que boas intenções para os outros quisemos vivê-las... por antecipação, deixando aos nossos leitores algumas sugestões diante do presépio... sem romantismo nem sabor idílico, consideradas como desafios à nossa pressa diária.

- As ‘ovelhas’ numa linguagem de simplicidade... para sabermos compreender as palavras de Deus nosso dia-a-dia.
De fato, as simples ovelhas podem-nos acalmar, por entre tanta azáfama e correria na vida do dia a dia. A sua pacatez faz-nos bem ao nervoso (quase) inconsequente para travarmos os nossos impulsos consumistas. Perante um certo vazio de vida e duma programação sem objetivos, podemos e devemos olhar aquelas simples ovelhas como sinais de humildade e de comunhão com a natureza.

- O ‘boi/vaca e o burro’ numa linguagem de afeição e quase ternura... para deixar-nos iluminar no relacionamento mais fraterno uns com os outros.
Apesar de serem animais de outro porte e com diferente figuração, vaca e burro podem servir de aconchego a Jesus na noite fria – tal é o ideário da nossa imaginação! – de Belém, criando um ambiente menos gelado em nós e à nossa volta. Nem a ruralidade daquele quadro pode-nos distrair da consciência de afago e proteção, que estes dois animais dão ao nosso presépio, tão simples e centrado no essencial.

- A figura de São José, como sinal e presença do pai em família.. para deixamos iluminar a nossa realidade familiar pela atitude de testemunho em proximidade para com aqueles que vivem connosco.
Normalmente a imagem de São José é-nos apresentada como alguém que está de pé e em vigia sobre a Mãe e o Filho: ele dá proteção e segurança, cuida e vela, resguarda e acompanha... Numa espécie de recordação tentamos ver o lugar do pai na família, com a devida presença e o necessário cuidado sobre todos aqueles que estão sob a sua proteção. José está. E os pais também estarão, hoje?

- Maria, como figura do presépio e presença de mãe, na Igreja e no mundo...  para suplicarmos e expormo-nos ao olhar materno de Maria para connosco… rumo ao Natal.
Ela é a Mãe. Depois de muitas dificuldades, contempla o seu filho – como qualquer mãe – reclinando-se sobre ele, sem distrações nem outros afazeres, que não seja cuidar dele. Este Filho, no entanto, é Jesus, o Verbo encarnado em seu seio pelo poder do Espírito Santo. Este quadro é sublime e santo, é intenso e simples, é atual e lança sementes para o nosso futuro... O teu rosto Mãe é de esperança! O teu rosto Mãe dá confiança!

- A imagem de Jesus-Menino está ao centro do nosso presépio, chamando a nossa atenção, pois Ele é o festejado... de braços abertos para nos receber.
Com efeito, que sentido teria a festa se o festejado fosse esquecido? Por vezes, andamos tão atafulhados com tantas coisas e com tantos outros interesses, que O festejado corre o risco de nem ter lugar no nosso coração. Efetivamente foi por não haver lugar na hospedaria, lá em Belém, que Jesus teve de nascer num curral de animais. Será que Ele tem lugar no meu Natal ou vai continuar à espera?
Jesus (re)nasce em mim, neste Natal.

António Sílvio Couto

sábado, 3 de dezembro de 2011

Excesso de notícias versus paz social

Nesta época de globalização, vivemos uma espécie de intoxicação informativa onde de tudo se fala, se mostra em excesso e, sem qualquer contenção, se noticia tudo e mais alguma coisa... Pois, dentro de uam certa lógica, o que não se noticia não existe ou será, no mínimo, ignorado!
É recorrente vermos que, a partir de breves notícias, imagens ou mensagens, se faz grande alarido, se provocam convulsões sociais, se desencadeiam espirais de violência, se incendeiam multidões... sabendo mais ou menos como começa e dificilmente se percebe como acabam.
Se, como aconteceu recentemente, a ‘greve geral’ não tivesse sido (tão) noticiada, será que o impacto da dita teria a mesma proporção e interesse para os seus mentores, os fazedores ou os receptadores? Se é ‘greve geral’, então, porque é que essa tal não é para todos e só para quem pretensamente ganha com o acontecimento? Alguém parece estar a querer mentir a outrém!...
Sem pretendermos menosprezar certos fatos de alcance público, questionamos se o excesso de notícias – algumas delas feitas quase para servir os ‘donos’ (económicos, políticos e até ideológicos) das empresas que pagam aos noticiadores – não poderão reverter em desfavor da paz social. Já vimos este filme noutros países... e Portugal enferma da mesma doença destabilizadora, manipulada e manipuladora!
Sabemos que, nos regimes de ditadura – política, ideológica e cultural – a melhor forma de tentar vencer os opositores é calar quem não pensa da mesma forma que eles. Mas não será mais útil à sociedade criar critérios de bom senso do que meros servidores do sensacionalismo? Afinal, uma imagem ou uma frase podem ser manipulados, distorcidos ou tirados do contexto... ficando à mercê de quem se diz ‘independente’, segundo o critério... da sua intenção mais ou menos subtil e pretensamente isenta!

= Em respeito pela vida privada
Nesta promiscuidade de informação a que estamos submetidos, diariamente, vemos com bastante frequência ser devassada a vida de pessoas normais, tornando-as figuras (figurinhas, figuraças ou figurões) que são espremidas até à medula... criando com isso novas vítimas, atores e explorados.
Também, neste desrespeito contínuo pela vida alheia, vemos crescer uma vulgar calhandrice – termo de algumas regiões para designar esse gosto de falar dos outros, normalmente, dizendo mal – sem pejo ou sem vergonha, não olhando a meios para atingir fins e, sobretudo, vilipendiando o que há de mais sagrado em cada pessoa: a sua intimidade e o seu mistério.
Não nos venham, entretanto, insinuar que uma grande parte das pessoas gosta de espreitar pelo buraco da fechadura, na expetativa de saber ‘segredos’ da vida alheia e que essa tal fechadura como que se tornou agora num esquema bem urdido em televisão, na internet ou noutras formas de bisbilhotice tão do agrado de quem se manifesta pequenino nas suas pretensões e sem respeito até por si mesmo... por aquilo que faz ou pretende fazer.  
Nem os mais populistas programas televisivos ou das redes sociais podem ser desculpa para que haja qualquer intrusão na vida dos outros, pois da correta conduta se pode avaliar quem se é e saber quem é o outro/a, respeitando todos/as com quem nos relacionamos.

= Quando o bem comum se impõe
Porque não acreditamos na absoluta isenção de muita cobertura jornalística – embora se diga que possa haver alguma independência – nalguns dos acontecimentos recentes, cremos que será de incentivar um processo de auto-regulação dos vários intervenientes em ordem a não serem fomentadas situações de guerrilha informativa nem a sermos levados a desconfiar de tudo o que se diz, o que se mostra ou daquilo que se apresenta, questionando sobre a sua procedência e quais os veículos de tal informação.
Estando nós sobre uma espécie de vulcão, cremos que os meios de comunicação só se credibilizarão se forem capazes de informar sem fazerem dos seus potenciais consumidores gente acrítica, mas participantes esclarecidos na ‘res publica’... sempre mais exigente, opinativa e esclarecida.
Porque não há senhores da verdade absoluta, precisamos de saber gerar leitores exigentes, ouvintes responsáveis, telespetadores adultos, internautas conscientes e cidadãos com capacidade de discernimento e de humildade na aprendizagem dos labirintos da informação para que possamos ter paz social... atual e futura.

António Sílvio Couto

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Evangelizar, preferencialmente, os ricos

É muito comum ouvirmos, na linguagem habitual da Igreja e não só, uma espécie de preferência em evangelizarmos/atendermos, preferencialmente, os pobres... como que excluindo aqueles que não entram nesta categoria económica, sociológica, política, cultural e tudo o resto que se lhe queira apensar.
De fato, os pobres servem para tudo e mais aquilo que se desejar, desde que dê bom proveito a quem deles se aproveita, mesmo sob a roupagem de seus defensores, na praça pública, mas, minimamente, detratores, em privado.
Deixando, desde já uma espécie de declaração de intenções, dizemos: sou pobre, filho de gente pobre e sem qualquer aspirações a ser rico.... embora sinta que os ricos também podem e, muitos, até são boas pessoas.
No entanto, sabemos e conhecemos que há – mesmo no contexto da Igreja católica (hierarquia e setores laicais) mais ou menos assumidos, camuflados e com outras aspirações – quem defenda os pobres, mas se banqueteie nos melhores restaurantes... pagando favores; quem se diga paladino dos pobrezinhos mas só se vista com roupa de marca... a custo da qualidade de vida; quem pretenda ser associado aos (ditos) defensores da classe operária (se ainda existir!), mas que privilegie, no seu círculo de convivência, os donos do dinheiro, pois dão estatuto e promoção... à sombra de outras tantas boas intenções.
Tendo estes fatores em conta, consideramos que é importante não setorial as preferências no campo da evangelização. E, se tal tiver de ser feito, então que se faça uma opção preferencial pela evangelização dos ricos por duas razões: são eles que podem, tocados por Deus, atenuar ou até mesmo fazer desaparecer os pobres; são eles quem, pondo ao serviço dos outros a sua riqueza, numa consciência social e até espírito de serviço do seu poder de riqueza, podem gerar novos empregos e com isso tentar fazer diminuir a indigência dos desfavorecidos pela sorte e atribulados pela pobreza.

= Dos pobremente ricos aos ricamente pobres
Passado – assim cremos e esperamos – o contexto dialético-marxista da luta de classses, temos de recriar uma nova mentalidade: os fatores de produção são mais do que a força de trabalho, as mais-valias, o capital e (até mesmo) o desfavor de uns contra outros e de todos contra uma certa minoria: a capacidade de construir um mundo onde todos sejam mais fraternos é mais do que uma utopia romântica e azeda!
Vivemos num tempo onde os conceitos já não se guiam pela mera momenclatura coletivista nem o trabalho é uma idolatria adquirida sem tribulações e novos desafios.
Estamos em constante mudança e são-nos exigidos novos métodos até para continuar a ter uma oportunidade de trabalho, que é muito mais do que emprego. Sentindo o efeito da globalização, crescem os sinais de que os nossos benefícios são a desgraça dos outros e que as nossas desgraças – com a deslocalização dos postos de trabalho e outros efeitos adjacentes – podem ser os benefícios de outros.
Vivemos uma, cada vez mais acentuada, concorrência a todos os níveis e a nossa frágil sobrevivência está em constante risco.

= Insegurança a quanto obrigas!
Neste contexto temos de apostar sobretudo, na evangelização dos ricos, pois da sua adesão aos valores do Evangelho poderá surgir uma nova sociedade: mais justa, mais fraterna, mais solidária, de mais verdade, de mais lealdade e com maior caridade... uns para com os outros.
Com efeito, se os ricos – com dinheiro, com visão e com aposta no futuro – se interessarem pelo bem comum, que é muito mais do que os seus interesses particulares – de lucro legítimo, honesto e sincero – poderão ser bons criadores de riqueza em favor dos outros, tanto através de empresas, como de projetos que dêem trabalho e sustento às pessoas e às famílias. Precisamos, urgentemente, em Portugal, de  que as pessoas saibam colocar a sua riqueza ao serviço dos outros.
 Não será com certos combates anacrónicos de algumas forças político-partidárias que esses ‘trabalhadores’, em nome de quem pretensamente contestam, irão ter emprego nem futuro. Cheira a conversa requentada o discurso de alguns sindicalistas profissionais, que mais não sabem do que lutar com armas já do século passado, mas que, afinal, só prejudicam o país e o tecido produtivo... mais elementar. Será eles não são capazes de ver isto? Até onde irá a tacanhez de certos indivíduos ou a insensatez de seus seguidores?

Está na hora de mudar de rumo, podendo inverter as prioridades, mas salvaguardando os princípios, tendo em conta um dos essenciais que é: as pessoas em primeiro lugar.

António Sílvio Couto

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Regime ou mentalidade... de poupança?

Com a assumpção do estado de crise mais ou menos generalizado vão ressurgindo no vocabulário corrente termos e expressões que andavam um tanto arredios na nossa conversa, tais como: poupar e poupança, remendar e remendado, restringir, não desperdiçar... contrastando com conceitos, vivências e comportamentos bem mais contentes na nossa história (pessoal, familiar, social, nacional) recente.
Antes de mais será preciso esclarecer se estamos em regime (temporário) de poupança ou se já assumirmos que a poupança é um bem necessário e uma urgência na mudança de mentalidade. Com efeito, o ‘regime’ poderá ser adaptado, modificado e subvertido se as condicionantes económico-financeiras se alterarem, enquanto a ‘mentalidade’ cria raízes e faz viver, sobretudo, em atitude de vida.

= Em espírito de pobreza... evangélica
Se escutarmos e tentarmos aprender o significado das coisas, lembraremos uma frase emblemática de São Paulo: «sei viver na pobreza e sei viver na abundância. Em todo o tempo e em todas as circunstâncias tenho aprendido a ter fartura e a passar fome, a viver desafogadamente e a padecer necessidade» (Flp 4,12).
De fato, nós, humanos, somos muito fáceis de nos acomodarmos às situações de conveniência, criando uma razoável tendência para o menor esforço e/ou esforçando-nos o menos possível. Por isso, qualquer aceno para o facilitismo – económico, laboral, moral ou cultural – como que têm mais adeptos do que até a aceitação da verdade, seja quanto a nós mesmos, seja na proporção de tentarmos enganar os outros.
Vivendo nós uma espécie de amorfismo subjetivo, temos de detetar quais as influências que sobre nós vão sendo tentadas para que nos acomodemos, tanto à maneira de pensar de uma maioria acrítica, quanto ao comportamento de mediocridade  mais ou menos reinante à nossa volta... Nas mais díspares situações vai-nos sendo impondo quem menos presta e para pouco serve, senão contribuindo para que se vá afundando ainda mais o nosso pouco alento... coletivo.

= Queixar-se, resignar-se, lutar ou participar?
É, hoje, recorrente ouvirmos as pessoas queixarem-se por tudo e por (quase) nada, recordando os tempos passados com tal nostalgia que até parece que estavámos – economica, social ou culturalmente – melhor do que atualmente... Fomos, de fato, instruídos – ou talvez antes manipulados – pelas conquistas democráricas, sem que tivessemos dado o nosso consciente contributo para a melhoria de vida que nos foi dado usufruir.
- A União Europeia (UE) despejou sobre o nosso país dinheiro, mas não veio idêntica cultura para o trabalho. - A mesma UE quase que fomentou nos portugueses tal sensação de irresponsabilidade que muitos dos nossos melhores campos de cultivos foram deixados ao abandono, pois era mais barato comprar o que vinha de fora do que trabalhar para comer o que era (é) por nós trabalhado.
- Até cresceu uma expetativa de espírito de impunidade para quem soubesse enganar melhor os nossos ‘benfeitores’ da UE... que sempre cobram pela ajuda.
Volvidos mais de vinte e cinco anos de adesão à UE está hora de acordar e de reconhecer que ninguém dá nada a ninguém sem esperar algo em troca.
. Temos de aprender com a falência do projeto coletivista da Europa de Leste.
. Temos de voltar a saber plantar e semear, regar e mondar, colher e debulhar... pois será, quando tirarmos da terra o nosso pão, que saberemos valorizar as ajudas que nos quiseram dar.
. Basta de queixumes e de lamúrias: mãos ao trabalho, já e em força. Não nos deixemos enganar novamente pelos mentores da coletivização – agora culturalmente desgraçadista – com que alguns senhores dos (atuais) sindicatos nos vão condicionando e até entretendo... Mandemo-los regressar aos locais de trabalho/emprego e saberemos a quem servem e para aquilo que prestam!
Portugal terá futuro, quando a poupança for mentalidade e não mero subterfúgio em maré de pouco dinheiro. Seremos ainda um povo digno dos seus heróis e antepassados?

António Sílvio Couto

sábado, 12 de novembro de 2011

Mais gastadores em maré de Natal?

Segundo um estudo, recentemente, publicado, os portugueses dizem que vão gastar quinhentos e setenta e cinco euros em compras na maré de Natal, distribuídos da seguinte forma: prendas (375 €), comida (150 €) e convívio social (50 €). A tão falada crise parece, afinal, que não é vivida (tão) a sério... ao menos por alguns, embora se possa, comparativamente, verificar uma quebra de 6,3% em relação às despesas natalícias, que ocorreram em 2009.
Tendo em conta as medidas de austeridade do governo e as dificuldades financeiras em geral seria de esperar os portugueses se contivessem nos gastos. Se colocarmos os mesmos dados de referência podemos ver que os alemães pensam gastar 430 euros e os holandeses 410 euros... em compras por ocasião da Natal deste ano.
Colocando ainda como referência aquele estudo podemos concluir que as consequências das medidas de austeridade entre os portugueses sentir-se-ão mais na forma de gastar do que no valor a dispender... recorrendo menos ao crédito, antecipando as compras – sobretudo aproveitando as promoções e os saldos – e oferecendo prendas úteis e mais baratas.

= Que futuro estamos a construir?
Apesar das preocupações quanto ao emprego e aos cortes na percentagem do subsídio de Natal, os portugueses vão sendo dos europeus mais gastadores. Será que esta atitude revela inconsciência pessoal, familiar e coletiva para entendermos as coisas? Até onde vai o real diagnóstico sobre as dificuldades que são difundidas? Não haverá uma economia subterrânea, que permite viver acima das contas submetidas às finanças? Os (ditos) sinais exteriores de riqueza como é que não são detetados e taxados correta e urgentemente?
Com efeito, estas e outras questões podem assumar à nossa inquietação ao sermos confrontados com aqueles dados supra citados. De fato nem toda a gente poderá afirmar que vai fazer tais gastos na éposa natalícia em curso. Nem os cerca de vinte mil inquiridos, que serviram de critério para gerar aqueles dados de gastadores, podem esconder que há muita gente sanguessuga no sistema económico-financeiro, que tentará subverter as medidas preconizadas pelo governo.
Efetivamente que se poderá dizer dos registos em cafés e restaurantes que nos fazem pagar – sobretudo esses que nós conhecemos e que até nos conhecem – a conta pedida, mas que se furtam a dar-nos o talão de pagamento? Como se poderá viver numa atitude de transparência de impostos, quando nos apercebemos que, na máquina registadora, se escreve uma parcela que não corresponde àquilo que temos de  pagar?
Somos, de verdade, um povo de chico-espertos, que se enconcha na sua autofagia e que vive tentando enganar o Estado, pois deste tenta difundir a noção de que ainda nos rouba mais do que as nossas espertezas inventam!

= Haverá, ainda, solução?
Diante de tantas desconfianças como que surge a tentação de desistir. Perante tantos fatos de incoerência como que somos levados a entrar na onda do ‘vale-tudo’. Castigados pela inoperância da justiça podemos entrar na lógica do ‘faz-de-conta’. Acrisolados pelo torniquete dos impostos podemos tentar fugir, aliviando a carga para os vindouros...
No entanto, temos, urgentemente, de assumir a nossa tarefa de:
- Viver na verdade, segundo critérios de autêntica pobreza... à luz das fontes do Evangelho;
- Criar condições de pacificação, assumindo cada um o seu papel de construtor do bem comum;
- Gerar amor ao trabalho mais do que à preguiça e à ditadura da subsidio-dependência;
- Gerir as economias e a poupança mais do que os créditos e as dívidas não-pagas;
- Insuflar nova esperança mais do que entrar num certo desespero e na tristeza em nós e à nossa volta.
Cristamente temos responsabilidades acrescidas. Assim as saibamos assumir e compartilhar!

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

À descoberta do sentido da pertença...

Cada um de nós vive, aceita-se e enquadra-se, mais ou menos conscientemente, segundo vários círculos – sem qualquer linguagem esotérica nem outra afetação menos clara – de relacionamento e de comportamento: nascemos numa certa família, inseridos numa determinada localidade (mais ou menos bairrista, com beleza ou sem grande atração), no contexto de um certo concelho/distrito/província – para nos enquadrarmos na divisão territorial ainda em curso – e tendo, na devida conta, o país/nação e o continente mais alargado e culturalmente significativo.
Deixem, por isso, que concretize a minha história: nasci (ainda em casa e não na maternidade) numa família de gente honesta, simples e trabalhadora, numa freguesia semi-rural, num concelho do litoral, do distrito e diocese de Braga, inserida na província do Minho, do território de Portugal, que faz parte do continente da Europa (do sul), no hemisfério norte do planeta Terra... Tudo muito normal e simples... aparentemente!
No entanto, tudo isto condiciona a minha forma de pensar, de sentir, de reagir e até de rezar, pois aprendi a ler e a escrever, em tenra idade (graças a Deus e uma razoável ajuda humana) em português – embora tenha aprendido outras línguas com maior ou menor capacidade de expressão oral, por gestos ou na escrita – que se foi cuidando, na forma e no conteúdo, acrescentando a isto o mínimo enquadramento sócio-religioso, fazendo  a descoberta de pertença, tanto às várias configurações humanas como às incidências de leitura religiosa, que, foram quase sempre vividas, no contexto católico...
Quem quer que nos leia poderá fazer o seu diagnóstico de pertença e descobrirá, certamente, razoáveis surpresas, nas quais não tinha ainda reparado, convenientemente!

= Compreender as raízes ou abjurar as pretensões?
Pela mais simples nota familiar foi-me dado a beber que o que há de mais sagrado é quem nos dá – com que sacrifícios e em atitude de entrega – a vida e dela cuida, mesmo que à custa de muito trabalhado, esforçado, mal pago, mas honesto.
Aprendi, simbolicamente falando, a não ambicionar se não posso atingir a pretensão. Aprendi a não gastar mais do que aquilo que se pode. Aprendi a viver com pouco, mesmo que isso não seja benéfico para a nossa imagem. Numa palavra: quem não tem vícios não alimenta modas!
Sem qualquer ressentimento tenho visto que, ao perto e ao longe, há quem tente fazer crer que é pelo ter que se pretende deixar boa impressão, mesmo que à custa do incumprimento das obrigações e malbaratando os favores e ajudas... até de âmbito económico.

= Tentar construir algo de novo 
Na medida em que formos capazes de aceitar as nossas contigências – mas não em mera resignação – poderemos viver num certo estado de felicidade, onde o ser – cultural, ontológico e espiritual – se aprende não pela simples reivindicação mas pela assumpção da verdade de nós mesmos. Em nada deste plano está contido esse tão típico português do deixar correr, pois outros cuidarão do nosso futuro, mas antes temos de viver em esforço de competição, em ordem a deixarmos este mundo harmonioso e fraterno...depois de por ele termos passado, mais ou menos tempo, com maior ou menor destaque, mas sempre assumindo a construção de um mundo mais humano e mais cristão.  
Acreditamos que a nossa tarefa em tentarmos civilizar – passar do estado pagão (do campo) ao de cidadão (na cidade) – este mundo passa pela interpenetração da consciência cristã de que somos cidadãos de duas cidades – a terrena e a celeste – com plena participação em ambas, respeitando a esfera de cada uma, mas fazendo crescer a cidade terrestre pela tranfiguração ativa da missão recebida rumo à cidade celeste.
Basta de excomunhões e de anátemas sobre este mundo, pois foi neste espaço e neste tempo que Deus nos fez viver agora. De pouco adiantará tentar fugir do mundo ou refugiar-se na religião, se não formos capazes de divinizar tudo e todos à nossa volta. Pelo verdadeiro sentido de pertença é que podemos evangelizar!

António Sílvio Couto

sábado, 29 de outubro de 2011

Aprender a educar em tempos de crise... rumo ao Natal

É gratificante ver o desenvolvimento de uma criança, sobretudo, se ela manifesta alguma ‘diferença’ no seu comportamento: como se torna importante ajudar a fazer crescer alguém na sua fragilidade -- muito mais do que em mera debilidade! -- assumindo a sua autonomia e identidade. Tendo em conta a personalidade de cada pessoa -- muito mais a de cada criança -- todos somos poucos para fazermos crescer a sua maturidade. Com efeito, cada gesto, cada palavra (mais ou menos serena ou até agressiva), cada sinal... tudo concorre para o crescimento de uma criança, sobretudo, em certas idades e circunstâncias.
Se atendermos às lições da psicologia poderemos considerar que os primeiros cinco anos de vida de uma pessoa -- logo na idade da primeira infância -- são marcantes para o seu desenvolvimento equilibrado. Sabemos que nem sempre é fácil nem se colhem resultados imediatos, mas é fundamental saber que, nas nossas mãos e, sobretudo, no nosso coração, estão depositados muitos desígnios de futuro e de nobre condição. 
Todos -- pais (mãe e pai), educadores, Igreja e comunidade social -- somos poucos para esta tarefa, mas temos de estar coordenados, para conseguirmos construir nos nossos mais pequenos homens e mulheres de amanhã com sentido de amor e com consciência de bem-fazer.

= Nas dificuldades (até) nos podemos transcender
Os tempos históricos e económicos, em Portugal, na Europa e no mundo, não são fáceis. Por isso, também na educação dos filhos algo está (ou pode estar) em crise.
- Como se pode educar, quando se aperta o cerco ao ter tudo e do melhor?
- Como se pode educar um filho/a a não ter, se antes, tudo era mais abundante?
- Como se poderá ensinar o não esbanjamento – desde a comida até ao custo da eletricidade -- quando os ordenados encolhem e os impostos apertam cada vez mais?
Somos, de fato, devedores de uma geração (ou até já duas!) que não teve de conviver com guerras e conflitos bélicos.  Com efeito, quem tiver, hoje, pelo menos, cinquenta anos, não passou fome, não teve de sofrer perseguição política e habituou-se a receber muito mais do que a dar.
Diante deste panorama muitos dos filhos -- e até netos -- foram criados sem as restrições que muitos dos avós sofreram. Por vezes, até os brinquedos perderam o fascínio da novidade, pois podem ter sido dados sem custo e oferecido sem serem recompensa por algo conseguido na escola ou na vida de esforço.
- Agora que muito se aperta o cerco ao esbanjamento de outrora, como poderão pais e avós educar na dificuldade e talvez na contenção do menos mau?
- Estaremos capazes de apresentar às nossas crianças sugestões de boa conduta sem pretendermos disfarçar que está tudo a correr sem dificuldade?
- Será possível gerar, para o futuro, uma educação sincera e onde se fale verdade, sem ter medo das consequências?
Antes de mais é preciso:
- responsabilizar os mais novos nas pequenas renúncias do dia a dia: antes podíamos, agora estamos sem certos meios de luxo;
- fazer participar na contenção de gastos, com pequenos gestos de poupança, desde a eletricidade até à conversa ao telefone, passando mesmo pelas guloseimas e brinquedos;
- tentar promover a dignificação do trabalho e não favorecendo a preguiça ou a reclamação constante;
- apresentar o esforço sincero dos mais velhos na recuperação de Portugal como cidadãos que amam o seu país e não como pessoas que dizem mal de tudo e de todos;
- fazer crer que já houve tempos de carência e que foi possível vencer essas dificuldades com trabalho, com unidade de todos e com harmonia social.

= Pelo testemunho se ganha... o filho/educando
Agora que se aproxima um tempo de exaltação do consumismo, pelo Natal, talvez seja importante apresentar às crianças algo mais do que um mal-estar por não ter ou ainda por desejar ter, ficando azedo e com raiva de quem tem ou possa comprar.
Pode ter chegado a ocasião:
- de ir gerando nas nossas crianças uma abertura ao essencial, que é mais do que coisas;
- aprendendo a valorizar aquilo que é simples e não aquilo que é da moda;
- ajudando a conhecer o esforço de quem nos presenteia e não quem nos tenta comprar com prendas de fachada;
- tentando olhar as pessoas pelo que elas valem e menos por aquilo que nos oferecem.

Temos de sacudir, já neste Natal, o papel de embrulho com que nos temos andado a enganar e, talvez, a querer ludibriar as nossas crianças. Tentemos dar-lhes mais amor, carinho e atenção e Jesus nascerá em nós e à nossa volta.

António Sílvio Couto

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Na provocação do «Último segredo»

Fé pessoal com implicações políticas

«Sucede, não poucas vezes, que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária» - diz o motu próprio ‘Porta fidei’ do Papa Bento XVI de convocação do ‘Ano da fé’, que vai decorrer, na Igreja católica, de Outubro de 2012 a Outubro de 2013.
Sobre  aquele pressuposto de fé, que, na grande parte das pessoas, já não existe, o Papa refere: «Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje, parece que já não é assim em grandes setores da sociedade, devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas».

= Provocações à fé... de encomenda para vendas
Sobre esta quase disfunção cultural cabe-nos salientar, no contexto sócio-cultural português, a publicação de um livro que tenta questionar a fé dos cristãos, partindo de críticas sensacionais e, nalguns casos, quase irracionais, embora fazendo algum barulho na comunicação social.
Trata-se do «Último segredo» de José Rodrigues dos Santos – jornalista e escritor – que, agora num afã de protagonismo, veio – nas suas palavras eloquentemente dogmáticas – denunciar ‘fraudes’ sobre Jesus e os escritos do Novo Testamento.
Embora ainda nos fiquemos pelo teor das entrevistas deste recente guru anti-cristão da saga lusitana – outros tem havido quase sempre em vésperas da celebração do Natal, em coincidência para as vendas! – o Secretariado nacional da pastoral da cultura (SNPC) emitiu uma nota sobre esta publicação onde se refere: «O romance de José Rodrigues dos Santos, intitulado “O último segredo”, é formalmente uma obra literária. Nesse sentido, a discussão sobre a sua qualidade literária cabe à crítica especializada e aos leitores. Mas como este romance do autor tem a pretensão de entrar, com um tom de intolerância desabrida, numa outra área, a história da formação da Bíblia por um lado, e a fiabilidade das verdades de Fé em que os católicos acreditam por outro, pensamos que pode ser útil aos leitores exigentes (sejam eles crentes ou não) esclarecer alguns pontos de arbitrariedade em que o dito romance incorre».
Tal como salienta esta nota do SNPC, o autor parece confundir a sua verdade romanceada com a fé na Pessoa de Jesus e mesmo a vivência dos cristãos. «É impensável, por exemplo, para qualquer estudioso da Bíblia atrever-se a falar dela, como José Rodrigues dos Santos o faz, recorrendo a uma simples tradução. A quantidade de incorrecções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte. Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe».
No passado, já outros tentaram explorar este (pretenso) filão do ‘descrédito’ em questões que envolvem a fé na Pessoa de Jesus e nas posteriores elaborações teológicas das comunidades primitivas – no sentido de primeiras, tanto no ardor como no testemunho – e, desgraçadamente, acabaram por serem vítimas da sua própria auréola... rapidamente chamuscada.
Quem não se lembra de um outro José (de cognome erva amarga) que fez furor porque promovido pelos seus parceiros de ideologia! Quem não se lembra de tantos que vaticinaram o fim do cristianismo, na I República, e que foram engolidos pela peçonha da sua malícia! Por isso, ousamos perguntar: quem vai promover – comprando, talvez dizendo que leu, confundindo os mais iludidos – este outro José de sonhos? Será, assim, tão  difícil de identificar a ideologia transversal – preferencialmente anti-católica – que o vai apoiar?

= Implicações políticas da fé cristã
Na sequência da convocação do Papa para vivermos, em Igreja católica, um ‘Ano da fé’, torna-se urgente encontramos sinais de compromisso com a fé traduzida na vida e não simplesmente no reduto da liturgia. Esta deverá manifestar dignidade e beleza e não sendo uma mera rotina de gestos gastos, repetitivos  e vazios.
Na medida em que, no mundo, vivermos em atitude de missão, assim a Missa será força de fé viva e vivida com novos métodos, novo ardor e novas expressões, isto é, em atitude de nova evangelização.
Precisamos de incluir, no nosso roteiro da fé celebrada, novos apontamentos de fé culturalmente amadurecida, que não se deixa confundir com diatribes jornalísticas de baixo teor nem com romances de valor duvidoso, embora rentáveis para os seus autores e editores.
Numa época (dita) de crise seria de propor um novo imposto para recuperar da dívida pública nacional, se este livro agora publicado esgotasse ou fosse um sucesso de vendas, pois teríamaos de concluir que, afinal, ainda há quem gaste dinheiro com coisas supérfluas, embora resmungando por lhe ter sido retirado um montante do subsídio de Natal... em favor dos outros.
Fé cristã – esclarecida, amadurecida e comprometida – a quanto obrigas, agora e no futuro!

António Sílvio Couto

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Manifestações/greves não afundam o nosso futuro?

Foi nítido e objetivo, um espanhol a trabalhar em Portugal, participante nas manifestações dos ‘indignados’, denunciou a manipulação dos protestos mais recentes contra as medidas do governo: há muitos membros das esquerdas – conceito anacrónico em era de globalização, tendo em conta a história após 1989! – infiltrados nas pretensas ‘populares’ concentrações...  Seja qual for o número apresentado – há muitas pernas e poucas cabeças ou muitos braços levantados e poucos com desejo de trabalhar – nota-se um razoável aproveitamento do ‘estar contra...’, pois, ao menos, parece haver, momentaneamente, ocupação para desempregados e sindicalistas, para arregimentados e militantes, para oportunistas e outros/as ‘istas’ do faz-de-conta... com cobertura noticiosa e (aparentemente) informativa... do ‘quanto pior, melhor’.

= Medidas duras: necessárias, urgentes ou irremediáveis?
Depois de termos, sobretudo nos últimos dez anos, vivido – mesmo sob a batuta de governos de cores diferentes – numa espécie de mentalidade de gastanço, endividamento, consumismo sem olhar a meios nem às consequências a curto prazo, descobrimos, de repente, que estamos na falência e sem meios de continuarmos a viver nessa falsidade de vida e dum certo forrobodó... pessoal, familiar, social e coletivo.
Foi preciso que viessem do estrangeiro – a dita troika: FMI, BCE e UE – traçarem-nos um plano de austeridade, que tem tanto de simples, quanto de amesquinhador da nossa inteligência: somos incapazes de nos sabermos governar e de nos governarmos corretamente.
Àqueles que nos colocaram nesta situação de insustentabilidade, urge levá-los a tribunal para pagarem pelos erros e más opções. As eleições, de fato, foram juízos de avaliação, mas não serviram para momentos de criminalização. Não basta sacudir o capote, deixando a outros a responsabilidade das consequências das más opções e de funestas decisões... políticas e partidárias.
Até os que foram acicatando a vontade de consumo – o povo deixa-se manipular por habilidosos e bem-falantes! – devem ser culpabilizados, pois tanto é ladrão quem rouba como quem instrui para a usurpação da fraude mesmo que capciosa, subtil e encoberta.
Infelizmente, se não forem tomadas medidas de contenção, de correção dos erros e de moderação nos gastos, muito em breve, seremos um país sem credibilidade... mesmo para nos darem ajuda e dinheiro a crédito.
Desgraçadamente, em certas posições alguns sindicalistas, parece que estão desfasados da vida real, pois talvez nem conheçam os preços das coisas nos mercados e até continuem a viver na jaula dourada das suas regalias, fomentando azedume em vez de concórdia, reivindicação em vez de diálogo e preguiça em vez de trabalho... honesto, participativo e comprometido.

= Justiça e boa fé: condições ou exigências?
Neste momento conturbado da nossa identidade coletiva parece ter chegado a hora de unirmos esforços de todos e para tudo quanto nos possa recriar com identidade nacional. Falar de nacionalismo não pode continuar a ser uma espécie de heresia e muito menos num rótulo ideológico: em tempos era (quase) prerrogativa dos setores conotados com a direita, agora são outros (ditos) de esquerda que se tentam apropiar de tudo quanto possa acirrar os ânimos mais derrotados.
Certas manifestações e greves deixam-nos um tanto confusos sobre qual deve ser a leitura de tais ‘direitos’, pois estes podem colidir com os mais elementares deveres de boa fé na defesa dos fragilizados da nossa sociedade. Na medida em que formos inteligentes de forma suficiente saberemos quem nos fala verdade ou quem nos tenta usar em ordem a conseguirem os seus objetivos, andando na crista da onda em vez de navegarem com rumo e enfrentando as marés mais adversas.
Por vezes certo barulho tenta confundir os incautos e serve para disfarçar as mais tenebrosas intenções. É de justiça que nos esforcemos por contribuir para a boa harmonia entre todos, dando cada um de nós o nosso contributo mais sincero e audaz... começando pelo seu círculo de convivência e de trabalho.

António Sílvio Couto
(asilviocouto@gmail.com)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A história da menina abandonada... descrente

Num destes domingos – onde nem futebol havia na televisão e das notícias se destacava o rescaldo da disputa eleitoral na Madeira – vi, ouvi e fez-me pensar a história de uma tal concorrente, na ‘casa dos segredos 2’, que tinha sido abandonada pela mãe aos seis anos, com um pai alcoólico e mais uns tantos irmãos... que, numa tal manhã de sábado, ficaram sem mãe (fugira sem deixar rasto) e passaram fome durante dias, subsistiu com a ajuda de uns padrinhos, que com o pão lhe davam pancada...
Ela dizia que tinha dificuldade em  manifestar carinho para com as outras pessoas e que não acreditava – talvez quisesse dizer que ‘não era capaz de acreditar’ – em Deus, que assim tratara quem precisava de aconchego.
Diante deste quadro pessoal e emocional, familiar e social surgiu-me alguma necessidade de tentar compreender esta – como tantas outras vidas, mais jovens ou mais velhas – pessoa, descortinar mais as suas razões do que em pretender dar lições nem tão pouco formular juízos de valor.

= Carências afetivas... assumidas ou compensadas?
A consciência desta jovem era clara: não era capaz de dar afeto porque não o tinha recebido, na hora devida e pelas pessoas que lho deviam dar ou de quem esperava esse carinho, que alimenta mais do que o pão para a boca. Esta explicitação pode ser entendida ainda melhor na medida em que a interveniente fez/faz estudos universitários e pode, com mais propriedade, interpretar aquilo que lhe aconteceu... embora sofrendo e manifestando feridas e cicatrizes na sua personalidade.
De fato, há imensas pessoas que, quando com elas nos cruzamos ou até conversamos, nos fazem pensar: ninguém é como é – tem um rosto triste ou alegre, é simpática ou agressiva, se torna acolhedora ou é de arrepiar – sem razões (mínimas) de assim ser. Cada um veja por si mesmo e poderá compreender um tanto melhor as reações e atitudes dos outros!
Aquela jovem defendia-se não exprimindo os seus sentimentos/emoções recalcados/as pela deficiente vivência na hora apropriada... enquanto criança e talvez como adolescente, em família e noutros círculos do seu relacionamento.
Por outro lado, ao vermos a exploração de certos sentimentos em maré de maturidade – psicológica e emocional – como que sentimos uma maior dor e agreste sofrimento para com pessoas traumatizadas e/ou imaturas... na dimensão afetivo/psicológica, pois vão criando mal-estar à sua volta sem culpa, embora culpabilizando os outros, sobretudo, os mais próximos.

= Descrente em si, nos outros e em Deus?
Que pode Deus ter a ver com a experiência de não-carinho daquela jovem? Que sinais são emitidos para que Deus seja culpado da sua desgraça? Onde pode ser exigida a presença de Deus, se os culpados são os humanos? Será Deus uma projeção das lacunas humanas e das deficiências familiares? Que Deus será capaz de absolver quem nos fere, magoa e traumatiza?
A ‘Teresa’ – é o nome, mas poderia ser outro qualquer – desta história tem dificuldade em ver que haja um Deus que permite alguém ser abandonado: esse Deus é como que culpado da sua desgraça, mesmo que não acredite n’Ele. Aquele deus é uma espécie de demiurgo que teria de favorecer os mais fragilizados, em vez de dar cobertura aos mais fortes e adultos... ou será o contrário: os mais fortes deveriam tutelar os mais frágeis à luz dos sinais de inquietação próprios e alheios?
Por vezes, na nossa experiência de relação com Deus, como que inventamos desculpas para que andemos de rédea solta pelo simples fato de que os humanos – homens ou mulheres, em Igreja ou fora dela – nos podem impedir de aceder a Deus... tal como precisávamos de dialogar com Ele. Efetivamente os meios que nos são dados, muitas vezes, criam obstáculos à presença de Deus connosco e de nós com Deus: pequenos problemas fazem grande confusão, na medida em que o rosto de Deus, na nossa vida quotidiana, é, muitas vezes, abstrato, difuso e (quase) impessoal.
Pela mais viva compaixão para com aquela jovem do concurso da ‘casa dos segredos 2’, acho que deveríamos rezar por ela para que possa encontrar alguém que lhe revele dignamente o rosto de Deus feito carinho em Jesus... ontem, hoje e para sempre.

António Sílvio Couto

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fim das ilusões... chegou a austeridade

“Acabaram os tempos de ilusões. Temos um longo e árduo caminho a percorrer, para o qual quero alertar os portugueses de uma forma muito directa: a disciplina orçamental será dura e inevitável, mas se não existirem, a curto prazo, sinais de recuperação económica, poder-se-á perder a oportunidade criada pelo programa de assistência financeira que subscrevemos”, afirmou Cavaco Silva nas comemorações do 101.º aniversário da implantação da República.
Vindo de quem vem e na data que lhe é apropriada, temos de levar muito a sério esta prevenção... não aconteça de ontem já ter sido tarde começarmos a viver na contenção e sob a regra da temperança pessoal, familiar, social e política.
Respigando alguns excertos do discurso presidencial, tentaremos abordar aspetos de provocação cristã à nossa quase inconsciência de gastadores sem crédito.

= Letargia do consumo fácil
 “Durante alguns anos foi possível iludir o que era óbvio... Perdemos muitos anos na letargia do consumo fácil e na ilusão do despesismo público e privado. Acomodámo-nos em excesso”, salientou o Presidente da República.
Agora é mais difícil aferirmos os nossos comportamentos, pois nos habituámos – depressa demais no tempo e excessivamente na mentalidade – a viver como se fôssemos ricos, embora só éramos subsidiados para que não invadissemos os países do norte da Europa. De fato, quisemos equiparar-nos na bastança com quem nos deu a mão para entrarmos na Comunidade Europeia, mas esquecemo-nos de viver na dinâmica de trabalho que esses países e culturas viviam e continuam a viver... para gerarem riqueza.
Ainda estamos a tempo de evitar a bagunça que vamos percebendo na Grécia. Por isso, precisamos que nos falem verdade e que vivamos na coerência sem falsos profetas da contestação a troco de maior miséria... a curto prazo. Nem a ditas ditas greves – a Grécia já vai em onze greves gerais só este ano! – ou as manifestações setoriais nos podem fazer esquecer do caminho a percorrer em ordem a sermos – novamente – um país de sucesso, de paz e de trabalho digno e dignificador.

= Austeridade digna
“A crise que atravessamos é uma oportunidade para que os portugueses abandonem hábitos instalados de despesa supérflua, para que redescubram o valor republicano da austeridade digna, para que cultivem estilos de vida baseados na poupança”, referiu ainda o chefe de Estado.
- Para quantos se reclamam do espírito republicano de igualdade e sem mordomias é chegada a hora de deixarem cair as máscaras de benesses e de regalias... de regime instalado.
- Para quantos se dizem cristãos – onde o espírito de pobreza, que é muito mais do que a pobreza de espírito! – é chegado o momento de procurarem viver em conformidade com o essencial e sem coisas supérfluas.
- Para quantos se tentam afirmar pelo ter, é chegada a ocasião propícia de centrarem a sua vida no ser... autêntico e verdadeiro.

Nós que já fomos pobres e honrados podemos e devemos ser honrados embora um tanto mais pobres, temos de saber interpretar a redução de coisas materiais, reaqualificando a nossa vida à luz do essencial, abrindo-nos à partilha e à (verdadeira) caridade.

António Sílvio Couto

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Festas religiosas como espaço do ‘átrio dos gentios’ (*)

Sem pretendermos dar quaisquer lições, importa situar as ‘festas populares’ na sua componente religiosa como atos de cultura, incluindo vários aspetos da nossa linguagem mais ou menos inteletualizada, com recurso a certos tiques de mito e/ou inseridas na vertente ritual.
Num tempo como este que estamos a viver, designado de ‘crise’, as épocas de festa tornam-se como que catalisadores ou escapes da nossa vida pessoal e mesmo coletiva. O recurso à descontração gera, em nós e à nossa volta, novos comportamentos, nem sempre perceptíveis na sua singularidade.
De fato, é na dificuldade que se reúnem todas as forças para que sejamos capazes de refontalizar a nossa ‘personalidade coletiva’… mais abrangente e profunda.

= Manifestações da religiosidade popular
Partindo daquilo que se diz no Catecismo da Igreja Católica (n.º 1674 a 1676) como que podemos alicerçar a nossa convicção de que as festas religiosas manifestam «o sentimento religioso do povo cristão», tendo várias expressões desse sentimento – note-se que não se diz da racionalidade nem da emotividade – desde as mais comuns, como as visitas aos santuários, as peregrinações e as procissões até às mais populares, como as danças religiosas – veja-se a expressão do folclore e das suas letras – incluindo-se mesmo os momentos de via-sacra e as recordações trazidas/levadas dos lugares visitados ou outros objetos religiosos… normalmente benzidos.
Citando o Concílio Vaticano II, na constituição sobre a Liturgia Sacrosantum Concilium (n.º 13), o Catecismo refere que as festas religiosas ou manifestações da religiosidade popular «são um prolongamento da vida litúrgica da Igreja, mas não a substituem. ‘Devem ser organizadas, tendo em conta os tempos litúrgicos e de modo a harmonizarem-se com a liturgia, a dimanarem dela de algum modo e a nela introduzirem o povo; porque, por sua natureza, a liturgia lhes é, de longe, superior’».
Por seu turno, no Directório sobre a Piedade popular e liturgia (n.os 245 a 247), falando das procissões, refere-se: «na procissão, expressão cultual de carácter universal e de múltiplos valores religiosos e sociais, a relação entre a liturgia e a piedade popular reveste-se de particular relevo».
Será que temos tido para com as várias manifestações da religiosidade popular uma atenção ou uma desculpa? Não será que, muitas vezes, deixamos correr as coisas para não termos problemas, embora saibamos que nem tudo está correto? Até onde poderá ir a nossa intervenção delicada, serena e cuidadosa para que, em particular, as procissões possam ser manifestações de fé e não de mero folclore com cobertura religiosa, mas não cristã?
Tal como se diz no Catecismo, «para manter e apoiar a religiosidade popular, é necessário um discernimento pastoral», seja para purificar ou para corrigir «o sentimento religioso subjacente a essas devoções e para fazer progredir no conhecimento do mistério de Cristo».
Por outro lado, o Directório diz: «Nas suas formas genuínas, as procissões são manifestações da fé do povo e têm frequentemente conotações culturais capazes de despertar o sentimento religioso dos fiéis. Porém, do ponto de vista da fé cristã, as ‘procissões votivas dos santos’ [levando processionalmente as relíquias ou uma estátua ou uma efégie dos santos pelas ruas da cidade], tal como outros exercícios de piedade, estão expostas a alguns riscos e perigos», tal como serem preteridas aos sacramentos, sobrepondo-as como manifestações exteriores e confundindo-as com um mero espectáculo ou num acto folclórico...
Não basta trazer para a rua as imagens e deixar correr, pois muitos dos que participam e, por maior razão daqueles que assistem, nem conhecem os santos ou santas em desfile!
Citando novamente o Directório é urgente reconhecer, aceitar e aprender, pois «para que a procissão conserve o seu carácter genuíno de manifestação de fé, é necessário que os fiéis sejam instruídos sobre a sua natureza, do ponto de vista teológico, litúrgico e antropológico».

= Saber ‘por que vêm’ ou perceber ‘como vão’?
Esta frase como que pode resumir, numa breve avaliação, sobre as razões que fazem tantas pessoas – mais ou menos conscientemente – irem à procissão. Neste ‘irem’ tanto pode estar a participação ativa como o simples ato de ficar a ver a procissão.
É digno de ser questionado quem compõe a procissão. De fato, muitas vezes os intervenientes pode ser do foro interno da Igreja, que a sair para a rua se faz exterior ou ainda da instância não estritamente religiosa. Aqui poderá começar-se um diálogo com os ‘gentios’. Com efeito, as (ditas) ‘forças vivas’ da terra podem e devem participar na procissão como expressão da vida humana, social, psicológica e espiritual de um povo... para além da expressão religiosa... católica.
Cremos que todos quantos representem associações de valor humano, desportivo, cultural, de setores sociais relevantes (reformados ou jovens)...deviam ser abordados para integrarem a procissão, como espaço de fé, consciente ou difusa, mais ou menos cristã.
Poderiam até vestir as suas roupas mais significativas e/ou seus estandartes…Bastará reparar nos ranchos etnográficos, folclóricos… que tinham as vestes de festa, normalmente para participarem na missa e nas procissões de festa.
Este diálogo é urgente ser feito para que não nos escapem para outras ‘procissões’ políticas, sindicais e/ou partidárias!

 = Desafios ao diálogo Igreja/mundo
O diálogo feito ou a fazer tem de primar pelo respeito mútuo e aberto. Ninguém gostará de ser chamado para servir de enfeite a uma iniciativa – seja da Igreja católica ou outra – só por deferência mais ou menos tolerada. Por outro lado, a presença num ato público de uma procissão não poderá ser como se pretendesse ir ou estar, mas antes tendo dignidade para o ato e para a função daquilo que é representado…
Apresentamos, seguidamente, breves propostas para um diálogo Igreja/mundo:
- Diálogo sincero – cada parte não deverá usar de subterfúgios para vencer o outro, pois quem for vencido fica inferiorizado e a perder... podendo, com isso, ser impedida a prossecução do diálogo e da proximidade encetados.
- Diálogo construtivo – cada um dá o que tem, esperando receber do outro em abertura e em simplicidade. Com efeito, há ‘sementes do Reino’ em tanta gente e em muitas associações… de bem-fazer, de benemerência e com valores cristãos… mais ou menos difusos.
- Diálogo evangelizador – ir ter com os outros, estendendo-lhes a mão há-de ser para anunciar, no tempo oportuno e sem medos, a Pessoa de Jesus. Não interessa fazer proselitismo, mas antes abrir caminhos de verdade. Com pouco se pode fazer muito e com muito menos se pode estragar o pouco iniciado. Talvez aqui se possa incluir essa atitude de São Paulo: ‘fiz tudo para todos para conquistar alguns a todo o custo’.
- Diálogo cultural – da conjugação entre contexto social, referências à tradição e dimensão espiritual (particularmente imbuída dos valores cristãos) há-de poder surgir a possibilidade de cada um respeitar o outro, fazendo de cada momento de festa uma etapa de crescimento à luz da Palavra do Evangelho.

Será, no ‘átrio dos gentios’, que se poderá perceber um tanto melhor quem está disponível para aprender, respeitando e para crescer, aprendendo... uns com os outros.

(*) Texto apresentado no ‘plenário do clero’ da diocese de Setúbal, no dia 4 de Outubro, no Seminário de Almada e num tempo de formação do ‘Apostolado do mar’, no dia 5 de Outubro, no Seminário do Verbo Divino, em Fátima.

António Sílvio Couto